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Direitos políticos

Direitos políticos

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A teologia da eleição

            O Antigo Testamento apresenta diversas palavras relacionadas com o termo "escolher" (bahar), expressando a mesma idéia ou idéias semelhantes, como "tomar" (Ex 6,7) ou "conhecer" (Am 3,2; Jr 1,5).

            No caso, a eleição é considerada como ato de Deus. Diz-se que o homem escolhe a lei de Deus, o caminho ou outras coisas pertencentes a Deus; mas a própria divindade, como objeto de eleição por parte do homem, só se encontra em Js 24,15.22. A raridade dessa expressão decorre do caráter peculiar da tradição da Aliança: o termo significa mais o respeito de Israel à eleição de Yahweh do que uma eleição de Yahweh por parte de Israel.

            No Pentateuco, só no Deuteronômio se encontra o termo "eleito" ou "eleição" para indicar um ato de Deus em relação a Israel. Muitos estudiosos deduziram que a teologia da eleição constitui um avanço realizado no século VIII ou VII a.C.

            A idéia de que Israel está destinado a ser o povo de Yahweh por uma escolha do próprio Yahweh já se encontra nas passagens anteriores, mesmo sem o uso do termo "eleição" (Ex 19,5 e o Cântico de Débora, certamente muito antigo, Jz 5,11).

            As tradições do Pentateuco reduzem a eleição de Israel à vocação de Abraão e à promessa de que Yahweh faria de sua descendência um grande povo (Gn 12,3). O Deuteronômio concebe a eleição de Israel como expressão do amor de Yahweh pelos antepassados de Israel e da promessa que Ele fez aos patriarcas (Dt 7,6ss; 4,37ss); tal eleição não se deve aos méritos de Israel (Dt 9,4ss) nem ao seu número (Dt 7,7).

            Em virtude de sua eleição, Israel tornou-se um povo consagrado a Yahweh (Dt 14,2), com a obrigação de só reconhecer Yahweh como Deus (Dt 4,39) e observar os seus mandamentos (Dt 4,40s; 7,9ss; 10,16ss).

            A eleição de Israel é um ato de soberania divina, que não pode ser posto em discussão por ninguém. A Israel deve bastar o fato de saber ter sido eleito para reconhecer a divindade de Yahweh e submeter-se aos seus mandamentos divinos.

            O Novo Testamento utiliza o termo grego eklegesthai (escolher), que é usado em Marcos, Lucas, João e Atos dos Apóstolos, somente quando se trata da escolha dos apóstolos por parte de Jesus (por parte de Deus em At 15,7), como ato divino. Paulo é considerado "vaso escolhido" (At 9,15). A escolha do que é fraqueza, do que é vil e desprezado no mundo (1 Cor 1,27ss) demonstra a supremacia de Deus sobre os desígnios humanos. O mesmo pensamento se expressa em Tg 2,5.

            Os cristãos já estavam escolhidos antes da criação do mundo para serem santos e imaculados diante de Deus: aqui, a rara idéia de uma eleição anterior se une à idéia da responsabilidade do eleito.

            Paulo repete a idéia da eleição de Jacó em vez de Esaú (Rm 9,11; Ml 1,3) e do resto de Israel (Rm 11,5). Paulo alude à eleição dos cristãos em 1 Ts 1,4. O autor de 2 Pd chama os cristãos a tornarem sólidas sua vocação e sua eleição (1,10) e a não deixarem de cumprir as exigências de sua eleição.

            Nos evangelhos sinóticos, os eleitos (Mt 22,14; 24,22; 24,31; Mc 13,20.22.27; Lc 18,7) são sempre mencionados em relação com a catástrofe e o juízo final.

            No Novo Testamento, a eleição constitui uma continuidade da eleição de Israel. A ênfase recai na iniciativa divina no processo de salvação e não na antítese entre eleição e reprovação.

            O Novo Testamento geralmente ignora as dificuldades teológicas que derivam do conceito de eleição; entretanto em Rm 9,14-33, Paulo resolve as dificuldades, afirmando a liberdade de Deus para ter misericórdia de quem Ele quiser.

            No uso da misericórdia, Deus não depende de ninguém. A ira de Deus em relação aos objetos de sua cólera tem seus motivos (Rm 9,22), e Israel não obteve a justiça porque não o procurou por meio da fé (Rm 9,32).

            Tanto no Novo Testamento como no Antigo Testamento, a eleição implica responsabilidade para o eleito: a consciência de missão que aparece no Servo de Yahweh fica plenamente explícita no Novo Testamento.


Cidadania e direitos políticos

            Foi lenta a evolução das técnicas destinadas a efetivar a designação dos representantes do povo nos órgãos governamentais. A princípio, elas aplicavam-se nas épocas em que o povo deveria proceder à escolha dos seus representantes. Aos poucos, certos modos de proceder transformaram-se em regras ou normas de agir, denominadas de direitos políticos.

            A Constituição traz um conjunto de normas que regula a atuação da soberania popular (arts. 14 a 16), desdobramento do princípio de que "o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente" (art. 1º, parágrafo único).

            A expressão ‘direitos políticos’ estabelece normas para os problemas eleitorais. Elas são a disciplina dos meios necessários ao exercício da soberania popular.

            A Constituição do Império (art. 90) falava em cidadão ativo, para diferençá-lo do cidadão em geral, que se confundia com o nacional (arts. 6º e 7º). Cidadão ativo era o titular dos direitos políticos (art. 91). As constituições posteriores misturaram ainda mais os conceitos. A de 1937 começou a distinção que as de 1967/1969 completaram, abrindo capítulos separados para a nacionalidade (arts. 140 e 141) e para os direitos políticos (arts. 142 a 148), deixando de fora os partidos políticos (art. 149).

            Hoje é desnecessária a terminologia dos publicistas do período da nossa monarquia, pois não mais se confundem nacionalidade e cidadania. Nacionalidade é vínculo ao território estatal por nascimento ou naturalização; cidadania é um status ligado ao regime político. Cidadania é atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação política. Cidadão, hoje, é o indivíduo titular dos direitos políticos de votar e ser votado. Nacionalidade é pressuposto da cidadania, pois só o titular da nacionalidade brasileira pode ser cidadão.

            O direito eleitoral de votar e ser votado é o cerne fundamental dos direitos políticos. Capacidade eleitoral ativa é a consubstanciada nas condições do direito de votar. Capacidade eleitoral passiva é a que se baseia na elegibilidade, característica de quem preenche as condições do direito de ser votado. O direito eleitoral ativo cuida do eleitor e de sua atividade; o direito eleitoral passivo refere-se aos elegíveis e aos eleitos.

            Os direitos de cidadania adquirem-se mediante alistamento eleitoral. Alistamento é a qualificação e inscrição da pessoa como eleitor perante a Justiça Eleitoral. É obrigatório para brasileiros de ambos os sexos, maiores de dezoito anos de idade, e facultativo para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (art. 14, § 1º, I e II). Não são alistáveis como eleitores os estrangeiros e os conscritos durante o serviço militar obrigatório (art. 14, § 2º). Conscritos são os convocados para o serviço militar obrigatório; deixam de sê-lo se se engajarem no serviço militar permanente. É assim que os soldados engajados, cabos, sargentos, suboficiais e oficiais das forças armadas e das polícias militares são obrigados a se alistarem como eleitores.

            O alistamento eleitoral depende de iniciativa da pessoa, mediante requerimento que obedeça ao modelo aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, que apresentará instruído com comprovante de sua qualificação e de idade.

            A cidadania adquire-se com a obtenção da qualidade de eleitor, que se manifesta na posse do título de eleitor válido.

            O eleitor é cidadão, é titular de cidadania, embora nem sempre possa exercer todos os direitos políticos. O seu gozo integral depende do preenchimento de condições que só gradativamente se incorporam ao cidadão.

            Cidadania política é atributo jurídico-político que o nacional obtém desde o momento em que se torna eleitor. Mas alguns direitos políticos só se adquirem em etapas sucessivas: a) aos 16 anos de idade, o nacional já se pode alistar, tornando-se titular do direito de votar; b) aos 18 anos, é obrigado a alistar-se, tornando-se titular do direito de votar, se não o fizera aos 16, e do direito de ser eleito para vereador; c) aos 21 anos, o cidadão (nacional eleitor) incorpora o direito de ser votado para deputado federal, estadual ou distrital, vice-prefeito e juiz de paz; d) aos 30 anos, consegue a possibilidade de ser eleito para governador e vice-governador do Estado e do Distrito Federal; e) finalmente, aos 35 anos, o cidadão chega ao ponto mais elevado da cidadania formal, com o direito de ser votado para presidente e vice-presidente da República e para senador federal (art. 14, § 3º).

            Nossos constituintes de 1988 não poderiam ter dificultado isso um pouco mais, exigindo dos candidatos alguma qualificação universitária, demonstração de probidade moral e administrativa?


Os direitos políticos positivos

            Existem normas que asseguram o direito subjetivo de participar no processo político e nos órgãos governamentais; elas garantem a participação do povo no poder de dominação política. São o direito de voto nas eleições, o direito de elegibilidade (direito de ser votado), o direito de voto nos plebiscitos e referendos, o direito de iniciativa popular, o direito de propor ação popular e o direito de organizar os partidos políticos e deles participar.

            O leigo usa as palavras sufrágio e voto como sinônimos. A Constituição, no entanto, no art. 14, diz que o sufrágio é universal e o voto é direto e secreto e tem valor igual.

            A palavra voto é empregada em outros dispositivos, exprimindo a vontade num processo decisório. Escrutínio é outro termo em que se confundem as palavras sufrágio e voto. É que os três se inserem no processo de participação do povo no governo, expressando o direito (sufrágio), o seu exercício (voto) e o modo de exercício (escrutínio).

            Nossos constituintes de 1988 não foram muito técnicos no uso das palavras, ao empregar voto, referente à eleição de alguém ou a deliberações sobre projetos ou composição de colegiados ou de julgamentos. No art. 60, § 4º, II, equivocadamente, falam em voto universal. Igualmente, no art. 98, II, a mesma impropriedade: voto universal – não existe voto universal; o voto é pessoal.

            Sufrágio (do latim suffragium = aprovação, apoio) é um direito que decorre diretamente do princípio de que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Instituição fundamental da democracia representativa. No sufrágio consubstancia-se o consentimento do povo que legitima o exercício do poder. Aqui está a função primordial do sufrágio, de que decorrem as funções de seleção e nomeação das pessoas que hão de exercer as atividades governamentais.

            As formas de sufrágio são condicionadas pelo regime político. Se este for democrático, o sufrágio será universal; se elitista, autocrático ou oligárquico, o sufrágio será restrito.

            A universalidade do direito de sufrágio, princípio basilar da democracia política, apóia-se na identidade entre governantes e governados e é acolhida no art. 14 da Constituição. Direito de votar, sem restrições de quaisquer espécies discriminatórias.

            Restrito é o sufrágio conferido a indivíduos qualificados por condições econômicas, de fortuna e capacidade especial.

            Censitário é o sufrágio concedido apenas ao indivíduo que preencha determinada qualificação econômica. Nas eleições dos deputados e senadores do Império estavam excluídos de votar os que não tivessem renda líquida anual de duzentos mil réis por bens de raiz, indústria e comércio ou empresa. As Constituições de 1891 (art. 70, § 1º, item 1º) e de 1934 (art. 108 e parágrafo único, c) excluíam os mendigos do direito de sufrágio, o que revela seu aspecto censitário.

            Capacitário é o sufrágio que se baseia em capacitações especiais, notadamente de natureza intelectual. A Constituição de 1988 concedeu direito de sufrágio aos analfabetos, não havendo nele qualquer discriminação antidemocrática.

            Igual é outra exigência democrática do sufrágio: cada eleitor deve dispor de número igual de votos dos demais. É a igualdade de todos perante a lei. É a igualdade de reconhecer a cada homem, a cada eleitor, um único voto (one man, one vote). Lamentavelmente, nossos constituintes contrariaram sua própria redação, permitindo que um voto no Acre valha cerca de vinte vezes mais do que um voto em São Paulo. Um deputado federal é eleito lá com cerca de dezesseis mil votos, enquanto em São Paulo são necessários aproximadamente trezentos mil votos.

            Quanto à igualdade do direito de ser votado, no nosso direito constitucional, os eleitores analfabetos e menores de dezoito anos não são elegíveis para nada (art. 14, §§ 3º, d, e 4º).

            Determinados eleitores, por circunstância especial, têm o direito de votar mais de uma vez ou de dispor de mais de um voto para prover um mesmo cargo. É o sufrágio desigual.

            Na Inglaterra, o eleitor podia votar mais de uma vez: na circunscrição do seu domicílio, na da universidade e na de sua empresa ou negócio – era o voto múltiplo. Os trabalhistas, em 1948, suprimiram essa forma de voto contrário à igualdade de sufrágio.

            Pelo direito de voto plural, o eleitor pai de família dispõe de um ou mais votos em função dos membros do núcleo familiar. Além de desigual em função de circunstância especial, é também contrário ao voto feminino.

            Todas essas formas de sufrágio desigual constituem técnicas antidemocráticas, destinadas a propiciar regimes elitistas, afirmando que o povo não está preparado para a democracia, que o homem mais instruído ou dono de fortuna tem mais capacidade, qualidade e discernimento para escolher os governantes e para participar do governo.


O direito de votar

            O sufrágio é apenas um direito, enquanto o voto (CF, art. 14, § 1º) é um dos atos de exercício desse direito. O direito de votar caracteriza o eleitor. Mas o direito de ser votado distingue o elegível, o titular do direito de ser votado, de vir a ser eleito. O primeiro é pressuposto do segundo, pois ninguém tem o direito de ser votado se não for titular do direito de votar, isto é, se não for eleitor.

            Assim, ninguém é elegível se não for eleitor. Nossos constituintes de 1988 não foram muito felizes na norma do art. 14, § 4º (são inelegíveis os inalistáveis), uma vez que também são inelegíveis os não eleitores, ainda que alistáveis. Inelegíveis são portanto os não alistados, os analfabetos e os eleitores entre dezesseis e dezoito anos.

            Nos termos constitucionais do art. 14, para que alguém se torne eleitor, é necessário ter as condições de nacionalidade brasileira, idade mínima de dezesseis anos, posse de título eleitoral e não ser conscrito em serviço militar obrigatório.

            Repetindo: o sufrágio é o direito político fundamental nas democracias políticas; o voto é a sua manifestação no plano prático. Dessa maneira, os votos emitidos nas assembléias legislativas, no exercício do mandato político, são formas de exercício do sufrágio, porque os representantes do povo deliberam, aprovando leis e outros atos legislativos no cumprimento da representação decorrente do exercício do sufrágio.

            O voto é o ato político que materializa na prática o direito subjetivo do sufrágio. É também ato jurídico, pois a ação de emiti-lo é também um direito e direito subjetivo. É igualmente uma função de soberania popular, pois traduz o instrumento de sua atuação.

            Direito público subjetivo, função de soberania popular na democracia representativa, o voto é também um dever, pois o indivíduo tem o dever de manifestar sua vontade pelo voto.

            Se o alistamento e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos (art. 14, § 1º, I), como conciliar essa exigência com a concepção da liberdade do voto? Essa obrigatoriedade significa apenas que ele deve comparecer à sua seção eleitoral e depositar sua cédula na urna, assinando a folha individual de votação. O chamado voto em branco não é voto, mas com ele o eleitor cumpre seu dever jurídico. Só não cumpre é o seu dever social e político, porque não desempenha a função instrumental da soberania popular, que lhe incumbia naquele ato.

            A personalidade do voto é indispensável para a realização dos atributos da sinceridade e autenticidade, não se admitindo os votos por correspondência ou por procuração.

            A liberdade do voto manifesta-se pela faculdade até mesmo de depositar na urna uma cédula em branco ou de anular o voto. A obrigatoriedade constitucional de votar é formal, pois não atinge o conteúdo da manifestação da vontade do eleitor.

            A garantia dessa liberdade exige que o seu voto seja secreto, conforme está no art. 14. O eleitor é dono do seu segredo, após a emissão do voto e a retirada do recinto de votação. O segredo do voto é uma garantia constitucional de eleições livres e honestas: evita a intimidação e o suborno, suprimindo, na raiz, a possibilidade de corrupção eleitoral ou, como diz Marcel Prélot (Institutions politiques et droit constitutionnel, 2002, p. 642), reduzindo-a consideravelmente.

            Exigência de sinceridade, autenticidade e eficácia do voto é o voto direto, como princípio (art. 14), com uma única exceção: a da eleição do presidente e vice-presidente da República pelo Congresso Nacional, no caso de vacância de ambos os cargos nos últimos dois anos do mandato presidencial (art. 81, § 1º).

            O exemplo dos Estados Unidos da América, cujo presidente é eleito por sufrágio indireto, não sustenta o caráter democrático das eleições indiretas. Na realidade, lá a eleição do presidente só é indireta formalmente, como asseguram F. A. Ogg e P. O. Fay (Le Gouvernement des États-Unis d’Amérique, p. 180). De fato, ele é escolhido por Eleitores Presidenciais (ou Grandes Eleitores, Influential Voters), eleitos pela massa eleitoral exclusivamente para tal fim. No final da campanha, os eleitores comparecem à urna e escolhem os eleitores presidenciais que também se apresentaram em campanha vinculados aos partidos e aos candidatos à presidência. Na prática, o poder dos eleitores nesse particular é tão destituído de sentido quanto muitas das prerrogativas que, em teoria, a Coroa britânica ainda possui. Assim, após a sua escolha, nada mais resta aos eleitores a não ser consignar os votos que já foram comprometidos.

            Se juridicamente essa eleição é indireta, em realidade, politicamente ela é direta, porque os eleitores do segundo grau se submetem a um mandato imperativo. Vale dizer que sua escolha não cumpre a vontade dos eleitores populares, o que importa em nítida deformação do princípio de soberania popular, como aconteceu no Brasil nas eleições indiretas implantadas de 1964 a 1985.


Eleições e eleitores

            Eleitorado é o conjunto de todos os que detêm o direito de sufrágio. Organiza-se segundo as circunscrições, zonas e seções eleitorais.

            É significativa a participação do povo no poder em todas as suas manifestações, pois o papel dos eleitores é participar nas operações do corpo eleitoral, em virtude de um direito individual próprio, que é uma expressão da sua soberania individual.

            O alistamento diz respeito à capacidade eleitoral ativa de ser eleitor, e a elegibilidade refere-se à capacidade eleitoral passiva de ser eleito.

            Elegibilidade é pois o direito de postular a designação pelos eleitores a um mandato político no Legislativo ou no Executivo. Para que alguém, entre nós, possa concorrer a uma função eletiva, é necessário preencher as condições de elegibilidade que a Constituição arrola no art. 14, § 3º, ou seja, nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral, filiação partidária, idade mínima para os vários cargos e não incorrer em nenhuma inelegibilidade específica (art. 14, §§ 4º a 7º e 9º).

            Eleito é o candidato que tenha recebido votação suficiente para lhe conferir o mandato. Uma vez eleito, o candidato não incompatibilizado prestará compromisso e tomará posse do mandato.

            A eleição é um concurso de vontades, visando a designação de um titular de mandato eletivo. É o modo pelo qual o povo, nas democracias representativas, participa na formação da vontade do governo.

            Assim, o sistema eleitoral é o conjunto de procedimentos que se empregam na realização das eleições, destinadas a organizar a representação do povo no território nacional. Isso envolve técnicas como a divisão do território em distritos ou circunscrições eleitorais, o método de emissão de votos e os procedimentos de apresentação de candidatos e de designação dos eleitos de acordo com os votos emitidos.

            Desde 1997, a Constituição reconheceu ao titular a possibilidade da reeleição, isto é, pleitear a sua própria eleição para um mandato sucessivo ao que está desempenhando (art. 14, § 5º). Isso já era permitido aos titulares de mandatos parlamentares.

            O direito constitucional brasileiro vigente consagra o sistema majoritário: a) por maioria absoluta, para a eleição do presidente e vice-presidente da República (art. 77), do governador e vice-governador de Estado (art. 28) e do prefeito e vice-prefeito municipal (art. 29, II); b) por maioria relativa, para a eleição de senadores federais.

            O sistema proporcional é acolhido constitucionalmente para a eleição de deputados federais (art. 45), o que significa a adoção de um princípio que se estende às eleições para as Assembléias Legislativas e para as Câmaras Municipais, considerando o número de votos válidos, o quociente eleitoral, o quociente partidário, a técnica de distribuição dos restos ou sobras, a determinação dos eleitos e a solução dos casos em que há falta de quociente.

            No Brasil houve várias tentativas de implantar um sistema misto majoritário e proporcional por distrito. Elas no entanto fracassaram, mas a tendência a isso amplia-se cada vez mais, à vista dos notórios defeitos do sistema de representação proporcional puro que vigora atualmente.

            O procedimento eleitoral visa selecionar e designar as autoridades governamentais. Começa com a apresentação das candidaturas ao eleitorado, sua designação em cada partido, o seu registro no órgão da Justiça Eleitoral competente, a propaganda eleitoral destinada a tornar conhecidos o pensamento, o programa e os objetivos dos candidatos.

            Pena é que, depois de elegê-los, nós, eleitores, esquecemos os seus nomes, os seus programas, os seus objetivos, e ficamos a lamentar nossa falta de consciência política.


Os direitos políticos negativos

            "Toda a pessoa tem direito de participar no governo de seu país, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos."

            Trata-se de princípio universal que já figurava no art. 6º da Declaração de Direitos de Virgínia (1776): VI – That elections of members to serve as representatives of the people in assembly ought to be free; and that all men, having sufficient evidence of permanent common interest with, and attachment to, the community have the right of suffrage and cannot be taxed or deprived of their property for public uses without their own consent or that of their representatives so elected, nor bound by any law to which they have not, in like manner, assented, for the public good.

            Igualmente constava no art. 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): Article 6 – La loi est l’expression de la volonté générale. Tous les citoyens ont droit de concourir personnellement ou par leurs représentants à sa formation. Elle doit être la même pour tous, soit qu’elle protège, soit qu’elle punisse. Tous les citoyens, étant égaux à ces yeux, sont également admissibles à toutes dignités, places et emplois publics, selon leur capacité et sans autre distinction que celle de leurs vertus et de leurs talents.

            Faz parte especialmente do art. 21.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): Article 21.(1) Everyone has the right to take part in the government of his country, directly or through freely chosen representatives).

            Entretanto algumas determinações constitucionais privam o cidadão do direito de participação no processo político e nos órgãos governamentais. São negativos esses direitos, porque negam ao cidadão o direito de eleger, de ser eleito, de exercer atividade político-partidária e de exercer função pública.

            A Constituição veda a cassação de direitos políticos. Só a admite nos casos do art. 15, ou seja, em virtude de: a) cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; b) incapacidade absoluta; c) condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; d) recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa nos termos do art. 5º, VIII; e) improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

            Nossos constituintes de 1988 não incluíram a perda da nacionalidade entre os motivos de perda ou de suspensão dos direitos políticos. Mas o simples fato da aquisição de outra nacionalidade implica a sua perda, uma vez que transforma o brasileiro em estrangeiro. Como o estrangeiro não se pode alistar como eleitor e se a nacionalidade brasileira é pressuposto da posse dos direitos políticos, perde-os quem a perde com a aquisição de outra (art. 12, § 4º, II), ainda que não conste no art. 15.

            A recusa de consciência é a decorrente da liberdade de crença religiosa ou de convicções filosóficas ou políticas (art. 5º, VIII). Fato impunível que não importaria em perda de direito algum.

            Nossos constituintes de 1988 não foram felizes, gerando incoerência no texto e até um sem sentido (nonsense), porque não é lógico que o art. 5º, VIII mande o escusador cumprir uma prestação alternativa pela escusa de consciência, que também possa ser motivo de perda dos direitos políticos, e assim mesmo ficar sujeito à prestação alternativa.

            A suspensão dos direitos políticos consiste na privação temporária dos direitos políticos. A Constituição de 1946 (art. 135, § 1º) previa como caso de suspensão a incapacidade absoluta e a condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. A doutrina constitucionalista e a jurisprudência encontravam base na lei civil e penal para a aplicação correta dessa medida. Assim é que concluíram que bastaria a verificação judicial da incapacidade civil absoluta, mediante decretação da interdição do incapaz, para que decorresse a privação provisória da cidadania do interdito.

            Na condenação criminal o paciente continuará com seus direitos políticos suspensos, ainda que se beneficie de sursis. É que a suspensão dos direitos políticos constitui uma das penas de interdição temporária de direitos, às quais não se estende a suspensão condicional da pena (CP, art. 47, I e 80). Assim, o benefício da suspensão condicional da pena não interfere na suspensão dos direitos políticos decorrentes de condenação criminal.

            Nossos constituintes de 1988 redigiram mal o texto do art. 37, § 4º: "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."

            O texto ruim dá a entender que a improbidade administrativa não é propriamente sinônimo de imoralidade administrativa. Esta teria sentido mais amplo, de sorte que nem toda a imoralidade administrativa conduziria, necessariamente, à suspensão dos direitos políticos, salvo como pena acessória em condenação criminal.

            A improbidade diz respeito à prática de ato que gere prejuízo ao erário público em proveito do agente. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo. O desonesto administrativo é o devasso da Administração Pública.


Inelegibilidades e desincompatibilização

            O impedimento à capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado) revela inelegibilidade; o obstáculo à capacidade eleitoral ativa (direito de ser eleitor) é a não alistabilidade. Assim, a incompatibilidade é o estorvo ao exercício do mandato depois de eleito.

            As inelegibilidades visam "proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta" (art. 14, § 9º).

            É bom lembrar que a cláusula "contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função..." só se refere à normalidade e à legitimidade das eleições. Isso quer dizer que a "probidade administrativa" e a "moralidade para o exercício do mandato" são valores autônomos em relação àquela cláusula. Elas não são protegidas contra a influência do poder econômico ou o abuso de função etc., mas como valores em si mesmos dignos de proteção, porque a improbidade e a imoralidade conspurcam por si sós a lisura do processo eleitoral.

            As inelegibilidades possuem assim um fundamento ético evidente, correlacionando-se com a democracia, não podendo ser entendidas como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure.

            A Constituição estabelece vários casos de inelegibilidades no art. 14, §§ 4º a 7º; normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ou seja, que independem da lei complementar referida no § 9º desse artigo. Por serem restritivas de direitos fundamentais (direito à elegibilidade), a técnica sempre recomendou que fossem disciplinadas inteiramente em dispositivos constitucionais.

            Absolutas são as inelegibilidades que implicam impedição eleitoral para qualquer cargo eletivo: o cidadão não pode concorrer a eleição alguma, não pode pleitear eleição para qualquer mandato eletivo e não tem prazo para desincompatibilização que lhe permita sair do impedimento a tempo de concorrer a determinado pleito. A inelegibilidade absoluta é excepcional, e só é legítima quando estabelecida na própria Constituição – é o caso do art. 14, § 4º, que declara inelegíveis os não alistáveis e os analfabetos.

            Relativas são as inelegibilidades que constituem restrições à elegibilidade para determinados mandatos, em razão de situações especiais em que, no momento da eleição, se encontre o cidadão. A inelegibilidade relativa não pode ser exercida em relação a algum cargo ou função eletiva, mas o poderia relativamente a outros, exatamente por estar o cidadão sujeito a um vínculo funcional ou de parentesco ou de domicílio que inviabiliza sua candidatura na situação.

            São absolutamente inelegíveis por motivos funcionais, para os mesmos cargos, num terceiro período subseqüente: o presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal, os prefeitos e quem os houver sucedido nos seis meses anteriores ao pleito – é a proibição de uma segunda reeleição. Igualmente, para concorrerem a outros cargos, eles são inelegíveis, salvo desincompatibilização mediante renúncia aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

            Por motivo de parentesco no território de circunscrição do titular (o art. 14, § 7º, erroneamente fala no território da jurisdição do titular), são inelegíveis o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção – situação especial com possibilidade de desaparecer pela vontade das pessoas envolvidas e com prazo certo para terminar.

            Também por motivo de domicílio pode o cidadão ser inelegível, pois o domicílio eleitoral é uma das condições de elegibilidade (art. 14, § 3º, IV). Assim, ele é inelegível para mandato ou cargo eletivo em circunscrição em que não seja domiciliado pelo tempo exigido em lei.

            Desincompatibilização é o ato pelo qual o candidato se desvencilha da inelegibilidade a tempo de concorrer à eleição cogitada. Esse termo tanto serve para designar o ato mediante o qual o eleito sai de uma situação de incompatibilidade para o exercício do mandato como para o candidato desembaraçar-se da inelegibilidade.

            Posição incômoda é a do cônjuge e do parente inelegível: nada podem fazer por si, a não ser pressionar o cônjuge ou parente titular do cargo para que renuncie, a fim de desvencilhá-los do embaraço.


Os partidos políticos

            São uma forma de agremiação de um grupo social que se propõe organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular, com o fim de assumir o poder para realizar seu programa de governo.

            J. M. Gil Robles os define como "un grupo humano formado en torno a un contenido ideológico, que busca la defensa de unos intereses por la conquista legal del poder, inmediato o en un plazo de duración razonable" (Por un Estado de derecho, p. 121 e 122).

            Na Constituinte do Império, os partidários da Independência distribuíram-se em quatro grupos: a) os corcundas queriam-na, mas não liberdade; b) os monárquico-constitucionalistas, liberdade com estabilidade; c) os republicanos, de pouca expressão; d) os federalistas queriam ser republicanos de várias repúblicas.

            De 1834 a 1838, os exaltados unidos aos revolucionários e republicanos agruparam-se no Partido Liberal, que compreendia uma ala radical e outra moderada. Na mesma época, os moderados e os restauradores uniram-se, formando o Partido Conservador. Só em 1870 é que os republicanos criaram o Partido Republicano.

            Com a Revolução de 1930, surgem novas formações partidárias ainda de caráter regional: Partido Democrático em São Paulo, Partido Nacionalista em Minas Gerais, Partido Libertador no Rio Grande do Sul, além do Clube Três de Outubro e a Aliança Renovadora Nacional.

            De 1946 a 1965 floresceu um sistema partidário com alguma institucionalização efetiva com base em três partidos grandes de âmbito nacional (PSD, UDN e PTB) e um conjunto de pequenos partidos de expressão basicamente regional (PSP, PL, PDC, PRT, PTN e MTR), embora o PDC estivesse mais desenvolvido, além do Partido Comunista, na clandestinidade após 1948.

            Tais partidos foram extintos em 1965, por força do AI-2, dando margem ao surgimento do bipartidarismo artificial representado pela Arena e o MDB, também extintos em 1979, quando recomeça a estrutura partidária, ainda em curso, com cerca de vinte partidos regularizados, com ponderável transformação. Tal situação foi modificada pelas eleições de 2002, que revelaram a existência de quatro grandes formações partidárias, ou seja, PT, PFL, PMDB e PSDB; um partido médio-alto, PPB; os anteriores PDS e PPR; quatro partidos médios, PTB, PL, PSB e PDT; dois partidos pequenos, PPS e PC do B; quatro partidos minúsculos, Prona, PV, PSD e PST; quatro minipartidos, PMA, PSL, PSC e PSDC; e, finalmente, oito micropartidos, PSTU, PTN, PT do B, PRT, PRTB, PGT, PHS e PAN.

            Realidade social e política, os partidos foram analisados pelo filósofo David Hume (1711-1776) – Essays, Moral, Political and Literary, p. 76 et seq. – como um julgamento de valor (um mal) e um julgamento de fato (entidades históricas). Hume tenta classificá-los em partidos pessoais e partidos reais: os primeiros baseiam-se na amizade ou na animosidade entre os que compõem os partidos em luta; os segundos, em partidos de interesse, de princípio e de afeição.

            A criação de correntes partidárias dá formação aos sistemas de partidos políticos, isto é, um modo de organização partidária de um país. Nos termos do art. 17, o sistema brasileiro é o pluripartidarismo.

            A Constituição vigente liberou a criação, organização e funcionamento de agremiações partidárias, com previsão de mecanismos de controle qualitativo (ideológico), mantido o controle financeiro.

            A função dos partidos é organizar a vontade popular e exprimi-la na busca do poder, visando a aplicação de seus programas de governo. Pelas normas constitucionais eles devem assegurar o regime democrático e o pluripartidarismo, a autenticidade do sistema representativo e defender os direitos fundamentais da pessoa humana (art. 17).

            A Constituição definiu os partidos políticos como pessoa jurídica de direito privado, ao teor do art 17, § 2º, segundo o qual os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.

            Se adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil, é porque são pessoas jurídicas de direito privado, devendo registrar-se no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, para depois serem seus estatutos levados a registro no TSE.

            O fato de precisarem de registro para sua formação denota que não se cuida de pessoa jurídica de direito público. Eles agora estão definidos como pessoas jurídicas de direito privado.

            Nenhuma pretensão de serem enquadrados como órgãos do Estado. O partido político é uma associação de pessoas, para fins políticos comuns e de caráter permanente, no que se encontram os elementos básicos do conceito de instituição.


A organização partidária

            O art. 17 da Constituição é claro: "É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana (...)".

            São condicionados, no entanto, a serem de caráter nacional, a não receberem recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou a subordinação a estes, a prestarem contas à Justiça Eleitoral e a terem funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

            Regra importante é que a estrutura de poder não poderá interferir nos partidos, para extingui-los, como várias vezes aconteceu.

            Mas a liberdade partidária não é absoluta: fica sujeita a vários princípios que confluem para o seu compromisso com o regime democrático, no sentido constitucional.

            Assim está no preâmbulo e no art. 1º. A Constituição institui um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, livre, justa e solitária e sem preconceitos (art. 3º, II e IV). Tudo isso fundamentado na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político.

            Trata-se assim de um regime democrático baseado no princípio da soberania popular, segundo o qual o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (parágrafo único do art. 1º).

            A liberdade de criar partido exige que seja de caráter nacional. Vale dizer que não se pode criar partido de vocação estadual ou local. Nossos constituintes de 1988, infelizmente, não disseram quando um partido se considera nacional. Apenas ficou estabelecido que os partidos políticos terão "funcionamento parlamentar de acordo com a lei" (art. 17, IV).

            No art. 17, § 1º, destaca-se o princípio da autonomia, conquista sem precedente, de tal sorte que a lei muito pouco tem que fazer em matéria de estrutura interna, organização e funcionamento dos partidos.

            O texto constitucional transmite a idéia de que os partidos hão de se organizar e funcionar em harmonia com o regime democrático e que a sua estrutura interna também fica sujeita ao mesmo princípio. A autonomia é conferida na suposição de que cada partido busque, de acordo com suas concepções, realizar uma estrutura interna democrática.

            A disciplina e a fidelidade partidárias passam a ser um determinante estatutário (art. 17, § 1º). Não se trata de obediência cega aos ditames dos órgãos partidários, mas o acatamento do programa e objetivos do partido subordinados às regras de seu estatuto, cumprimento de seus deveres e probidade no exercício de mandatos ou funções partidárias.

            A infidelidade partidária é o ato indisciplinar mais sério. Manifesta-se na oposição a diretrizes legitimamente estabelecidas pelo partido e no apoio ostensivo ou disfarçado a candidatos de outra agremiação.

            A Constituição não permite a perda do mandato por infidelidade partidária. Até o veda quando, no art. 15, declara proibida a cassação de direitos políticos, só admitidas a sua perda e a suspensão nos restritos casos nele indicados.

            Não há controle quantitativo constitucional aos partidos, mas a possibilidade de que venha a existir por via de lei ("funcionamento parlamentar de acordo com a lei" – art. 17, IV). É que o controle quantitativo não atua no momento da organização, mas no seu funcionamento.

            O controle qualitativo (ideológico) é consignado constitucionalmente em função do regime democrático. Os princípios do regime democrático, do pluripartidarismo e dos direitos fundamentais da pessoa humana constituem condicionamento à liberdade partidária; funcionam como forma de controle ideológico, de modo que será ilegítimo um partido que, porventura, pleiteie um sistema de um só partido ou um regime de governo que não se fundamente no princípio de que o poder emana do povo (parágrafo único do art. 1º).

            Controle qualitativo é ainda o da vedação de utilização, pelos partidos políticos, de organização paramilitar, o que significa repelir partido fascista, nazista ou integralista dos tipos que vigoraram na Itália de Mussolini, na Alemanha de Hitler e no Brasil de Plínio Salgado.

            O controle financeiro (art. 17, II) proíbe o recebimento, pelos partidos, de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou subordinados a estes. Temos aqui um preceito que constitui um desdobramento do dever de resguardo da soberania. Ademais (art. 17, III), os partidos têm o dever de prestar contas da sua administração financeira à Justiça Eleitoral.

            Em compensação (art. 17, § 3º), eles têm direito a recursos de fundo partidário regulado por lei.


Partidos e representação política

            O fenômeno partidário permeia todas as nossas instituições político-governamentais, como o princípio da separação de poderes, o sistema eleitoral e a técnica de representação partidária. É que os partidos políticos exercem influência decisiva no governo dos Estados contemporâneos. Destinam-se a assegurar a autenticidade do sistema representativo. No nosso direito constitucional, não se admitem candidaturas avulsas, porque o art. 14, § 3º, V, da Constituição, exige a filiação partidária como uma das condições de elegibilidade.

            Conseqüência da função representativa dos partidos é que o exercício do mandato político, que o povo outorga a seus representantes, faz-se no sentido de ser um instrumento por meio do qual o povo governa. É como se o povo participasse do poder por meio dos partidos políticos.

            De acordo com o sistema constitucional vigente, os partidos políticos deverão desenvolver atividades que ofereçam várias manifestações, tais como: permitir aos cidadãos participar nas funções públicas; atuar como representantes da vontade popular e da opinião pública; instrumentar a educação política do povo; e facilitar a coordenação dos órgãos políticos do Estado.

            Ainda simples miragem no Brasil, mera visão teórica, sua função primordial deveria apoiar-se em suas atividades eleitorais, tanto no momento de designar os candidatos como no de condicionar sua eleição e o exercício do mandato.

            Não obstante ser ainda uma ilusão, eles tendem a transformar a natureza do mandato político, dando-lhe feição imperativa, vinculando o representante a cumprir programa e diretrizes de sua agremiação, tornando-se bem concreto em função de vínculos partidários que interligam mandante e mandatário.

            Os dois mecanismos de expressão da vontade popular na escolha dos governantes são o sistema eleitoral e o sistema de partido. Seu objetivo imediato é a organização da vontade popular. Essa circunstância revela a influência mútua entre eles. Para Maurice Duverger (Les partis politiques, p. 235 e 269), "o sistema majoritário de escrutínio a um só turno tende ao bipartidarismo, enquanto o sistema majoritário de escrutínio a dois turnos e o de representação proporcional tendem ao multipartidarismo".

            Apesar de muito discutida essa tese, a doutrina considera aquela influência como mais importante e até chega a lhe atribuir caráter de condicionamento necessário, em relação ao efeito multiplicador da representação proporcional. Foi esta que imputou o exagerado pluripartidarismo do período de 1946 a 1965.

            Nelson Sampaio (Os partidos políticos na IV República, in: Paulo Bonavides et al. As tendências do direito público: estudos em homenagem ao Prof. Afonso Arinos, p. 326) diz que "a proliferação dos partidos decorreu de vários fatores: a) a falta de tradição de partidos nacionais; b) o personalismo ainda vigoroso na política brasileira; c) o regionalismo; d) o sistema de representação proporcional".

            Lamentavelmente, o sistema de representação proporcional nada tivera com a multiplicação dos partidos. Nem com o fenômeno atual de liberdade partidária.

            O que consegue empolgar não são as eleições parlamentares, mas as eleições para a presidência da República, que atendem ao princípio majoritário. Pois, se a representação proporcional pode influir na multiplicação dos partidos, isso só ocorre nos sistemas parlamentaristas de governo. Aí a polarização de forças se concentra nas eleições de parlamentares, sem haver a atração principal que se dá nos sistemas presidencialistas.

            O mais importante de tudo isso, o que realmente interferia era a relação de forças oligárquicas, que sempre presidiram à realidade política nacional. Enquanto puderam acomodar-se em partidos regionais, estaduais ou locais, como acontecia na Primeira República, não havia necessidade de criar partidos próprios.

            Hoje, com a exigência constitucional de haver partidos nacionais (art. 17, I), essas forças retrógradas utilizam o expediente de formação de partidos formalmente nacionais, mas regionalmente regionais. De 1965 a 1979 as forças regionais e locais foram constrangidas a agrupar-se em dois partidos. Elas no entanto não se acomodavam a um mando político unitário em nível nacional; levavam para cada partido os conflitos de interesse de sempre, razão da instituição do sistema das sublegendas, para repartir o partido em setores de dominação regional e local.

            No regime de 1946, o que se deve entender por pluripartidarismo e por bipartidarismo? Maurice Duverger alertou para a dificuldade de estremar os dois conceitos, "por causa da existência de pequenos grupos ao lado dos grandes partidos. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, se encontram alguns pigmeus atrás dos dois gigantes democrata e republicano: Partido Trabalhista, Partido Socialista, Partido dos Fazendeiros, Partidos Proibicionistas, Partidos Progressistas" (op. cit., p. 237).

            Se, no Brasil, fosse permitido criar partidos de âmbito regional, certamente muitos daqueles partidos aparentemente nacionais, como PSP, PRT, PST, PL, seriam praticamente desconhecidos na maioria dos Estados. Nessa época, de 1946, só havia três partidos: a UDN, o PSD e o PTB, que dominavam cerca de 75% das cadeiras nas duas Casas do Congresso.

            Isso mostra que o efeito que se atribui ao sistema de representação proporcional não se verificou nem se verifica. E a estatística eleitoral sugere que, à medida que as forças populares compreenderam a importância do voto universal no seu interesse, passaram a prestigiar os partidos populares, que cresceram.


Autor


Informações sobre o texto

Texto resultante da compilação de artigos do autor publicados no “Jornal da Cidade”, de Caxias (MA), entre 12/09 e 14/11/2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Máriton Silva. Direitos políticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1288, 10 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9375. Acesso em: 27 abr. 2024.