Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/96703
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A (im) possibilidade de interceptação de correspondências de presos para fins de investigação criminal

A (im) possibilidade de interceptação de correspondências de presos para fins de investigação criminal

Publicado em .

A Constituição desautoriza a violação do sigilo de correspondência, contudo, a legislação infraconstitucional a permite em determinadas hipóteses. O que diz a Justiça?

Resumo: O presente trabalho tem como tema a (im) possibilidade de interceptação de correspondências de presos para fins de investigação criminal. Discorreu-se, primeiramente, sobre a Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, apresentando a abordagem desses direitos em suas dimensões, a diferenciação entre Direitos Humanos e direitos fundamentais, bem como as distinções entre Direitos e Garantias Fundamentais. Examinaram-se, ainda, os sujeitos que podem titularizar os direitos e garantias fundamentais, as eficácias horizontal, vertical e diagonal desses direitos e, por fim, a problemática da colisão e da possibilidade de restrição dos Direitos Fundamentais. Na segunda parte, cuidou-se do sigilo das correspondências, analisando a sua previsão constitucional, as disposições da legislação ordinária, o entendimento da doutrina e do Supremo Tribunal Federal (STF). A pesquisa foi desenvolvida eminentemente com base no acervo bibliográfico que trata do tema, na legislação e no entendimento do STF.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Sigilo das correspondências.


Introdução

O presente estudo foi desenvolvido no campo dos Direitos Fundamentais, com foco no Direito ao sigilo das correspondências e na possibilidade de violação deste para fins de investigação criminal.

Em primeiro plano, fez-se uma análise da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, das suas dimensões, das distinções em relação aos Direitos Humanos e no tocante às garantias fundamentais. Dando continuidade, discorreu-se acerca da titularidade dos Direitos Fundamentais, da eficácia destes e sobre a questão da colisão e da restrição dos Direitos em apreço. Em seguida, foram estudadas as regras afetas ao Direito do sigilo da correspondência e a possibilidade de sua violação, tratando dos direitos do preso na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) e da possibilidade de violação das cartas pelo diretor do estabelecimento prisional. Ademais, analisaram-se as disposições do Código de Processo Penal acerca da interceptação da correspondência epistolar, apontando, inclusive, que a violação fora das hipóteses legais pode configurar o delito do art. 151 do Código Penal. Por derradeiro, foi exposto o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.

A problemática consistiu em verificar se é possível a interceptação da correspondência de presos para fins de investigação criminal.

Como hipóteses, teve-se que, atualmente, a Constituição Federal desautoriza a violação do sigilo, contudo, a legislação infraconstitucional o permite em determinadas hipóteses, quando preenchidos alguns requisitos.

Nessa toada, com a pesquisa, objetivou-se analisar, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a existência de regras em relação à quebra do sigilo de correspondência de detentos.

Os objetivos específicos compreenderam-se na apresentação da Teoria Geral dos Direitos fundamentais, tratando de dimensões, distinções com outros institutos e eficácia, bem como da solução em caso de colisão de direitos fundamentais e na possibilidade de restrição destes. Como desiderato, ainda, havia o exame do Direito ao sigilo da correspondência sob o ponto de vista da constituição, da legislação ordinária, do entendimento doutrinário e do Supremo Tribunal Federal.

A Constituição Federal veda a quebra do sigilo da correspondência, em qualquer hipótese, seja esta direcionada aos presos ou a qualquer outra pessoa. Todavia, na legislação ordinária, em especial na Lei de Execução Penal e no Código de Processo Penal, se tem dispositivos que autorizam a violação do sigilo do conteúdo das cartas.

Doutrinariamente, não há consenso sobre a possibilidade de tal violação e, no campo da jurisprudência, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de ser cabível a violação, desde que baseada em imperativos de segurança pública, disciplina prisional e preservação da ordem jurídica.

Diante disso, revela-se nítida a utilidade prática do estudo, visto que a questão é corriqueira e não há consenso entre os estudiosos sobre a possibilidade de se violar ou não o direito fundamental ao sigilo das correspondências destinadas aos presos ou enviadas por estes, sobretudo porque, assim agindo, abrir-se-ia permissão para que direitos do detento, não alcançados pela pena, fossem indevidamente restringidos.

A metodologia aplicada foi predominantemente bibliográfica, com leituras, feitura de resumos e comparação dos entendimentos doutrinários.

Em arremate, no que toca aos autores, foram utilizadas as obras de Guilheme de Sousa Nucci, Júlio Fabrrini Mirabette, Flávio Martins, Renato Marcão e Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gonet Branco.


1. Teoria geral dos direitos fundamentais

Antes de analisar especificamente o direito ao sigilo das correspondências, afigura-se necessária breve incursão na seara da teoria geral dos direitos fundamentais, abordando as gerações/dimensões desses direitos, a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais, bem como as distinções entre direitos e garantias fundamentais. Demais disso, é pertinente examinar os sujeitos que podem ser titulares dos direitos e garantias fundamentais, as eficácias horizontal, vertical e diagonal desses direitos e, por fim, talvez mais importante para o presente trabalho, a problemática da colisão e da possibilidade de restrição dos direitos fundamentais.

1.1. Gerações/dimensões dos direitos fundamentais

A classificação dos direitos fundamentais em dimensões/gerações tem como ponto fundante o desenvolvimento histórico desses direitos.

Doutrinariamente existe divergência acerca do número de dimensões/gerações, contudo, prevalece o entendimento de que os direitos fundamentais se desenvolveram em três dimensões, cada uma baseada em um ideal da revolução francesa (1789): liberdade, igualdade e fraternidade.

Por oportuno, averbe-se que há doutrinadores que questionam a terminologia gerações, considerando mais adequado o uso da expressão dimensões. Conforme tais estudiosos, ao se utilizar a terminologia gerações, passa-se a ideia de sucessão, vale dizer, de que uma geração substituiria a anterior.

Nesse sentido, precisas são as lições de Mendes e Branco (2017, p. 128):

Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica. Deve-se ter presente, entretanto, que falar em sucessão de gerações não significa dizer que os direitos previstos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instante seguinte. Os direitos de cada geração persistem válidos juntamente com os direitos da nova geração, ainda que o significado de cada um sofra o influxo das concepções jurídicas e sociais prevalentes nos novos momentos.

(Grifou-se)

Nessa esteira, como visto, a doutrina majoritária indica a existência de três dimensões dos direitos fundamentais.

Na primeira dimensão, estabeleceram-se os chamados direitos de liberdade, assim considerados aqueles que exigem uma atuação negativa do Estado, prevalecendo a autonomia privada do indivíduo. Em tal dimensão, foi possibilitada ainda a participação do povo no cenário político do Estado. Daí dizer-se que a primeira dimensão preconiza os direitos civis e políticos.

Sobre o assunto, oportuno citar as ponderações de Mendes e Branco (2017, p. 128), nestes termos:

Outra perspectiva histórica situa a evolução dos direitos fundamentais em três gerações. A primeira delas abrange os direitos referidos nas Revoluções americana e francesa. São os primeiros a ser positivados, daí serem ditos de primeira geração. Pretendia -se, sobretudo, fixar uma esfera de autonomia pessoal refratária às expansões do Poder. Daí esses direitos traduzirem -se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo.

Por seu turno, a segunda dimensão, em direção oposta à anterior, estabeleceu rol de direitos que reclamam do Estado uma atuação positiva, intervencionista, haja vista que, na prevalência do individualismo da primeira dimensão, começaram a surgir situações de desigualdade, nas quais os sujeitos de maior poderio econômico sobrepujavam os de parcos recursos. Assim é que surgem os direitos sociais, culturais e econômicos, os quais objetivavam o alcance de uma igualdade substancial e não meramente formal.

Mais uma vez, pertinentes são os ensinamentos de Mendes e Branco (2017, p. 219):

O ideal absenteísta do Estado liberal não respondia, satisfatoriamente, às exigências do momento. Uma nova compreensão do relacionamento Estado/sociedade levou os Poderes Públicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse superar as suas angústias estruturais. Daí o progressivo estabelecimento pelos Estados de seguros sociais variados, importando intervenção intensa na vida econômica e a orientação das ações estatais por objetivos de justiça social. Como consequência, uma diferente pletora de direitos ganhou espaço no catálogo dos direitos fundamentais direitos que não mais correspondem a uma pretensão de abstenção do Estado, mas que o obrigam a prestações positivas. São os direitos de segunda geração, por meio dos quais se intenta estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante a ação corretiva dos Poderes Públicos. Dizem respeito a assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer etc. O princípio da igualdade de fato ganha realce nessa segunda geração dos direitos fundamentais, a ser atendido por direitos a prestação e pelo reconhecimento de liberdades sociais como a de sindicalização e o direito de greve.

Finalmente, a terceira geração de direitos fundamentais, surgida logo após a segunda grande guerra, se caracteriza por enunciar os chamados direitos difusos, isto é, direitos transindividuais, titularizados por todos, não sendo possível definir precisamente os sujeitos aos quais lhe assistem.

Nesse ponto, Mendes e Branco (2017, p. 129) asseveram:

Já os direitos chamados de terceira geração peculiarizam-se pela titularidade difusa ou coletiva, uma vez que são concebidos para a proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos. Tem -se, aqui, o direito à paz, ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural.

Verifica-se, portanto, que as dimensões de direitos fundamentais, ao decorrer dos séculos, foram se complementando. Tal constatação fica bastante evidente quando se compara o direito à propriedade (1ª dimensão) com a função social da propriedade (2ª geração), não se podendo olvidar ainda a função socioambiental da propriedade, que conjuga direitos das três dimensões.

Fixadas as premissas sobre as dimensões de direitos fundamentais, passa-se à análise das distinções entre direitos humanos e direitos fundamentais.

1.2. Direitos humanos e direitos fundamentais

A princípio, pode-se pensar que direitos humanos e direitos fundamentais são expressões sinônimas, que se confundem, entretanto, os termos são distintos, conforme se verá.

Para melhor compreensão do assunto, seguem as digressões de Martins (2019, p. 786):

Podemos afirmar que direitos humanos são os direitos previstos em tratados e demais documentos internacionais, que resguardam a pessoa humana de uma série de ingerências que podem ser praticadas pelo Estado ou por outras pessoas, bem como obrigam o Estado a realizar prestações mínimas que assegurem a todos existência digna (direitos sociais, econômicos, culturais).

[...]

Por sua vez, direitos fundamentais são aqueles direitos, normalmente direcionados à pessoa humana, que foram incorporados ao ordenamento jurídico de um país. Essa é a razão pela qual, na maioria das vezes, quando o estudioso se refere aos direitos previstos em tratados internacionais, fala direitos humanos e, quando estuda a Constituição de um país, refere-se a direitos fundamentais.

Vê-se, pois, que os direitos humanos estão ligados ao plano internacional, objetivando assegurar a concretização da dignidade da pessoa humana e a contenção do poder estatal, sendo que suas regras são supraestatais e encontram-se materializadas em tratados ou outros documentos internacionais. Já os direitos fundamentais, que, de igual modo, objetivam assegurar a dignidade da pessoa humana e limitar o poder do Estado, se diferenciam porque dizem respeito ao regramento interno de determinado ente soberano e são, via de regra, enunciados nas constituições.

Por derradeiro, importa destacar que, no Brasil, nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (CF/88), os tratados internacionais que versarem sobre direitos humanos e que forem aprovados, em cada uma das casas do Congresso Nacional, por 3/5 (três quintos) dos votos, em dois turnos de votação, terão envergadura constitucional, sendo equivalentes às emendas. Em outros termos, o tratado internacional sobre direitos humanos aprovado pelo Congresso Nacional com o quórum especial das emendas passa a ter supremacia em relação à legislação infraconstitucional.

1.3. Distinção entre direitos e garantias fundamentais

Outra importante distinção é a relativa aos direitos e às garantias fundamentais. Afinal, o que são direitos e o que são garantias fundamentais?

Para responder a tal questionamento, citam-se as lições de Martins (2019, p. 788):

Direitos fundamentais são normas de conteúdo declaratório, previstas na Constituição. São posições de vantagem conferidas pela lei. A Constituição assegura, por exemplo, o direito à vida (art. 5º, caput), à liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), à liberdade de religião (art. 5º, VI), direito à honra (art. 5º, X), direito à informação (art. 5º, XIV), à liberdade de locomoção (art. 5º, XV) etc. Por sua vez as garantias fundamentais são normas de conteúdo assecuratório, previstas na Constituição. São instrumentos destinados a garantir, a assegurar os direitos previamente tutelados.

Em linhas gerais, baseado nas lições do respeitado doutrinador, é possível perceber que os direitos fundamentais são os próprios direitos em si, são os bens da vida considerados essenciais e indispensáveis a uma existência digna. Por outro lado, as garantias fundamentais são medidas que buscam assegurar o pleno e efetivo exercício desses direitos, havendo relação de acessoriedade destas em relação àqueles. Como exemplo, pode-se citar o direito à liberdade de locomoção (art. 5º, inciso XV, da CF/88), o qual, uma vez violado, pode ser salvaguardado pelo remédio constitucional do habeas corpus (art. 5º, inciso LXVIII, da CF/88). O primeiro constitui um direito fundamental, já o segundo constitui uma garantia fundamental.

1.4. Titularidade dos direitos fundamentais

Entre as características dos direitos e garantias fundamentais está a universalidade, segundo a qual tais instrumentos, por objetivarem concretizar a dignidade da pessoa humana, devem ser titularizados por todos os indivíduos.

Assim é que, no Brasil, a CF/88, em seu art. 5º, caput, assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].

Sobre o tema, já escreveram Mendes e Branco (2017, p. 158):

Há direitos que se asseguram a todos, independentemente da nacionalidade do indivíduo, porquanto são considerados emanações necessárias do princípio da dignidade da pessoa humana. Alguns direitos, porém, são dirigidos ao indivíduo enquanto cidadão, tendo em conta a situação peculiar que o liga ao País. Assim, os direitos políticos pressupõem exatamente a nacionalidade brasileira. Direitos sociais, como o direito ao trabalho, tendem a ser também compreendidos como não inclusivos dos estrangeiros sem residência no País. É no âmbito dos direitos chamados individuais que os direitos do estrangeiro não residente ganham maior significado.

Consoante se infere, guardadas as devidas distinções realizadas pelo próprio texto constitucional, os direitos e garantias fundamentais são assegurados tanto aos brasileiros como aos estrangeiros, sejam estes residentes ou que estejam de passagem no país.

1.5. Eficácia dos direitos fundamentais

Via de regra, os direitos fundamentais são mais incidentes nas relações travadas entre o Estado e o particular, estabelecendo-se um equilíbrio entre o poder estatal e as liberdades individuais e evitando-se abusos.

A essa relação dá-se o nome de eficácia vertical dos direitos fundamentais, pois parte da relação de supremacia do Estado em relação ao indivíduo.

Tratando do assunto, Martins (2019, p. 901) escreveu:

Historicamente, os direitos fundamentais surgiram e foram aplicados verticalmente, seja quando o texto constitucional impunha ao Estado uma obrigação de não fazer (de não interferir na esfera da individualidade das pessoas), seja quando impunha uma obrigação de fazer (como nos direitos sociais, por intermédio dos quais o Estado tem o dever de garantir moradia, educação etc.). Trata-se da eficácia vertical dos direitos fundamentais.

Conforme apontado pelo doutrinador, a eficácia vertical diz respeito aos deveres estatais de não fazer (abstenção) ou de fazer (prestação). Todavia, além dessa eficácia vertical, fala-se ainda em eficácia horizontal, a qual diz respeito às relações existentes entre particulares.

Como visto alhures, os direitos de primeira dimensão eram caracterizados por deveres de abstenção estatal, com prevalência do indivíduo. Ocorre que, com o decorrer do tempo, as desigualdades foram surgindo e, ainda que na relação entre particulares não existisse, a princípio, relação de supremacia entre as partes, havia uma desigualdade que necessitava ser debelada pelo Estado.

Nessa esteira, surge a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que apregoa a aplicação de tais direitos não mais só nas relações estado/indivíduo, mas também na relação indivíduo/indivíduo. Por essa razão, é possível verificar que até mesmo nos contratos regidos pelo Código Civil e nas questões relativas à propriedade, os direitos fundamentais passaram a incidir, mormente quando se fala de dignidade da pessoa humana e da função social (dos contratos e da propriedade).

Tratando do contexto brasileiro, Martins (2019, p. 902) afirma:

No Brasil, é pacífica a aceitação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas marido e esposa; empregado e empregador, fornecedor e cliente etc. Todavia, um alerta inicial deve ser feito: a eficácia horizontal deve ser aplicada com cautela, sob pena de ferir a autonomia da vontade, princípio que rege as relações privadas. Não há como aplicar às relações entre particulares os direitos fundamentais na mesma amplitude que nas relações que envolvem o Estado.

Por fim, a eficácia diagonal dos direitos fundamentais é aplicável às situações em que há a presença de particulares, sendo que um destes se encontra em posição de superioridade em relação ao outro, o que exige a atuação intervencionista do Estado. Exemplificando, é possível vislumbrar aplicação da tese da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas, em que, de um lado, tem-se o empregador/patrão e de outro o empregado, parte hipossuficiente, bem como nas relações de consumo, em que se tem, num dos polos, o fornecedor/fabricante, e, de outro, o consumidor, parte mais fraca da relação.

1.6. Restrição e colisão de direitos fundamentais

Originalmente, tinha-se o entendimento de que os direitos fundamentais eram absolutos, insuscetíveis de sofrer qualquer tipo de limitação. Sucede que tal ideia foi sendo transformada e, atualmente, prevalece o entendimento de que os direitos e garantias fundamentais são passíveis de limitação/restrições.

Para melhor entendimento da questão, colaciona-se excerto da doutrina de Martins (2019, p. 888):

Como vimos acima, quando tratamos da relatividade dos direitos fundamentais, os direitos não são absolutos, mas relativos. Considerar um direito como sendo absoluto é aceitar dois efeitos colaterais igualmente graves: a) sempre que houver um outro direito colidindo com esse direito tido como absoluto, será ele aprioristicamente descartado, desprezado, violado; b) se um direito é absoluto, provavelmente seus titulares abusarão de seu exercício (por exemplo, considerada absoluta a presunção de inocência, permitia que o réu condenado fizesse dezenas de recursos com o único objetivo de procrastinar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória).

Efetivamente, admitir que um direito fundamental seja tido como absoluto traz significativas implicações, em especial quando ocorre colisão entre esses direitos. A primeira delas diz respeito ao exercício abusivo. Daí o entendimento de que os direitos fundamentais são relativos, haja vista que o exercício destes deve conter certas limitações, além do que, em havendo confronto entre dois direitos fundamentais, a técnica mais adequada é a ponderação e não o afastamento de um em detrimento do outro.

Feito isso, entramos no segundo assunto do presente tópico, afeto à problemática da colisão de direitos fundamentais.

Consoante exposto linhas atrás, os direitos fundamentais são instrumentos que objetivam concretizar o valor máximo do Estado democrático, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Outrossim, tais direitos visam conter o absolutismo estatal, ora exigindo posturas negativas, ora exigindo prestações positivas, como no campo dos direitos sociais. Por tais razões, os direitos fundamentais são considerados os bens e valores essenciais à existência digna do ser humano, sendo que a resolução de situações de colisão de tais direitos não deve ser a mesma utilizada para os casos de conflitos de normas.

Nesse contexto, entre os princípios que regem o arcabouço dos direitos fundamentais está o princípio da concordância prática ou harmonização.

Sobre o referido princípio, precisas são as digressões de Martins (2019, p. 511):

Trata-se de um corolário do princípio da unidade, visto acima. O princípio da concordância prática ou harmonização visa a compatibilizar direitos fundamentais em conflito. É um princípio comumente utilizado, tendo em vista que os direitos fundamentais normalmente têm o formato de princípios, normas de conteúdo mais amplo, vago, indeterminado. Destarte, caberá ao intérprete tentar harmonizar os direitos em conflitos, visando à melhor solução.

E continua o autor (p. 512), citando as palavras do eminente José Joaquim Gomes Canotilho, nos seguintes termos:

[...] reduzido ao seu núcleo essencial, o princípio da concordância prática impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos).

À vista disso, tratando-se de direitos considerados fundamentais, em havendo colisão, não deve haver o afastamento de um direito em detrimento do outro, em estrita observância ao postulado da concordância prática ou harmonização. Por certo, deve haver a harmonização ou a ponderação dos direitos colidentes a fim de se evitar a inaplicabilidade total de um direito. A título de exemplo, imagine-se uma matéria jornalística em que são divulgadas informações pessoais de determinado indivíduo. Ora, no caso posto, ainda que de forma superficial, é possível se constatar que existem direitos fundamentais em confronto: num extremo, a liberdade de imprensa e a liberdade de comunicação, no outro, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada de determinado sujeito.

Fixadas as premissas acerca da teoria geral dos direitos fundamentais, passa-se ao exame do direito à inviolabilidade do sigilo das correspondências.


2. Direito à inviolabilidade do sigilo das correspondências

O direito ao sigilo das correspondências encontra previsão no título II, capítulo I da Constituição Federal, que, em seu art. 5º, inciso XII, preconiza:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Trata-se de norma constitucional que enuncia direito fundamental de primeira dimensão, haja vista que relativo à liberdade do indivíduo, mais especificamente à sua intimidade e vida privada, exigindo-se, por parte do Estado, uma posição abstencionista, a fim de evitar indevida ingerência na esfera privada do sujeito. Além disso, pelo seu conteúdo, com base na classificação propugnada por José Afonso da Silva, é possível concluir que a norma em apreço possui eficácia contida - pelo menos quanto à sua parte final (sigilo das comunicações telefônicas), sendo sua aplicabilidade direta e imediata, porém restringível.

Isso porque, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nas hipóteses que a lei estabelecer, é possível a violação do sigilo das comunicações telefônicas.

Sobre o dispositivo em comento, Mendes e Branco (2017, p. 254), com propriedade, advertem:

O sigilo das comunicações é não só um corolário da garantia da livre expressão de pensamento; exprime também aspecto tradicional do direito à privacidade e à intimidade.

A quebra da confidencialidade da comunicação significa frustrar o direito do emissor de escolher o destinatário do conteúdo da sua comunicação.

[...]

A leitura do preceito pode levar à conclusão de que apenas nos casos de comunicações telefônicas seria possível que o Poder Público quebrasse o sigilo e que seria impossível abrir ao seu conhecimento os dados constantes de correspondência postal, telegráfica ou de comunicações telemáticas.

(Grifou-se)

Correspondência, para o contexto, pode ser entendida como o instrumento ou canal, manuscrito ou datilografado, por meio do qual dois interlocutores (emitente e destinatário) se comunicam.

Adentrando especificamente no âmbito da execução penal, importante rememorar que a Constituição Federal vigente propugna que é dever do Estado assegurar que os presos tenham respeitada a sua integridade física e moral (art. 5º, inciso XLIX, da CF).

Seguindo essa linha, o Código Penal, em seu artigo 38, dispõe que o indivíduo que se encontra preso conserva todos os direitos não atingidos pelo cerceamento da liberdade, exigindo-se de todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.

Nesse particular, ao tratar dos direitos dos presos na Lei de Execução Penal, Marcão (2015, p. 65) afirma o seguinte:

Também em tema de direitos do preso, a interpretação que se deve buscar é a mais ampla, no sentido de que tudo aquilo que não constitui restrição legal, decorrente da particular condição do encarcerado, permanece como direito seu.

(Grifos do autor)

Outro dispositivo que merece destaque é o art. 233 do Código de Processo Penal, que proíbe a admissão em juízo, como meios de prova, de cartas particulares, que tenham sido interceptadas ou obtidas por meios criminosos. Em havendo uma dessas circunstâncias, a prova será considerada ilícita e não poderá servir de base para o convencimento do julgador no sentido de prejudicar o acusado.

Além disso, o Caderno Processual Penal preconiza, no artigo 240, § 1º, alínea f, combinado com o § 2º do mesmo dispositivo, que a busca será domiciliar ou pessoal e que esta será possível quando houver fundadas razões de que alguém oculte consigo (...) cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato.

A redação do artigo mencionado é anterior à Constituição Federal vigente e, conforme lições de Nucci (2017, p. 480), parcela da doutrina o entende como não recepcionado, haja vista que o art. 5º, inciso XII, da CF/88 tornou inviolável, sem ressalvas, o sigilo das correspondências, sejam elas destinadas ou não a indivíduos acusados de crimes. Por outro lado, parte dos estudiosos entende que o dispositivo não deve ser interpretado de forma restritiva, sendo permitida a quebra do sigilo das correspondências.

A violação de correspondências, inclusive, é tipificada pelo Código Penal como crime, sujeitando o autor à pena de detenção de 01 (um) a 06 (seis) meses ou multa. O núcleo do tipo penal é devassar, que significa, linha gerais, invadir, verificar, conhecer o conteúdo, e tem como elementar a correspondência fechada, ou seja, não estando a carta cerrada, o fato é atípico.

No tópico 1.6, abordou-se a problemática da restrição e da colisão de direitos fundamentais, apontando que estes, atualmente, não podem e nem devem ser considerados absolutos. Inegavelmente, o direito ao sigilo das correspondências se inclui nesse rol.

Nessa esteira, no plano infraconstitucional, a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84) declara, no art. 41, inciso XV, que são direitos do apenado, além de outros ali elencados, o contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

Por seu turno, o parágrafo único do dispositivo em comento apregoa que o supracitado direito poderá ser restringido mediante ato motivador do diretor do estabelecimento penal.

Vê-se, pois, que o direito do preso de se comunicar com o ambiente externo mediante carta (missiva) é garantido expressamente pela lei de execução penal, sendo que tal direito pode ser suspenso ou restringido por ato do diretor do estabelecimento prisional. Trata-se de restrição de direito fundamental perpetrada por legislação infraconstitucional, autorizando terceira pessoa a conhecer o conteúdo de correspondência que deveria ser mantida em sigilo.

Nesse contexto, citam-se mais uma vez as lições de Mendes e Branco (2017, p. 254), nestes termos:

[...] a restrição de direitos fundamentais pode ocorrer mesmo sem autorização expressa do constituinte, sempre que se fizer necessária a concretização do princípio da concordância prática entre ditames constitucionais. Não havendo direitos absolutos, também o sigilo de correspondência e o de comunicações telegráficas são passíveis de ser restringidos em casos recomendados pelo princípio da proporcionalidade.

No mesmo sentido, Nucci (2017, p. 71 e 72):

[...] em formato privado, existe a correspondência escrita, sempre dirigida (ou recebida) em relação a alguém específico. Nesta hipótese, admitimos a possibilidade de abertura da correspondência, com acompanhamento do seu teor, pois o emitente ou o destinatário está preso, logo, não tem total e completo acesso ao mundo exterior.

Não fosse assim e estaríamos privilegiando um direito absoluto, quando todos são relativos, merecendo harmonização com os demais.

Eis o ponto nevrálgico do tema: a constituição garante o sigilo das correspondências, erigindo-o à categoria de direito fundamental, contudo, a Lei de Execuções Penais e o Código de Processo Penal permitem que esse sigilo seja violado pelas autoridades competentes a depender do caso.

Expondo opinião favorável à violação das correspondências destinadas aos detentos, Nucci (2017, p. 482) pondera:

Segundo pensamos, nenhum direito ou garantia fundamental é absoluto. Fosse assim e haveríamos de impedir, terminantemente, que o diretor de um presídio violasse a correspondência dirigida a um preso, ainda que se tratasse de ardiloso plano de fuga, pois a inviolabilidade de correspondência seria taxativa e não comportaria exceção alguma na Constituição Federal. Nem mesmo poderia devassar a correspondência para saber se, no seu interior, há drogas, o que configura um despropósito.

Em sentido diametralmente oposto, Mirabette (2000, p. 320) assevera:

Proibida a violação de correspondência, ilícita também a sua interceptação ou apreensão. Apreendida a correspondência, é ela prova obtida ilicitamente, inadmissível no processo (item 8.1.5). A apreensão só é lícita se houver consentimento do acusado, quando se tratar do próprio objeto material do crime ou quando for ela obtida em circunstâncias que caracterizem uma causa excludente da ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa etc.).

Recentemente, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei nº 13.913/2019 (o texto chegou a ser publicado no DOU, mas a mensagem do veto foi publicada em edição extra), que permitia a interceptação de correspondência de presos condenados ou provisórios para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal. Referida norma alterava o artigo 41 da Lei de Execuções Penais, acrescentando-lhe dois parágrafos (2º e 3º) e estabelecendo o seguinte:

§2º A correspondência de presos condenados ou provisórios, a ser remetida ou recebida, poderá ser interceptada e analisada para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal, e seu conteúdo será mantido sob sigilo, sob pena de responsabilização penal nos termos do art. 10, parte final, da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.

§3º A interceptação e análise de correspondência deverá ser fundada nos requisitos previstos pelo art. 2º da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, e comunicada imediatamente ao órgão competente do Poder Judiciário, com as respectivas justificativas.

Conforme se depreende, o § 2º da lei em questão, embora permitisse a interceptação das correspondências de presos definitivos e provisórios, exigia que o conteúdo dessas fosse mantido em sigilo pela autoridade responsável pela violação, sob pena de responsabilização pelo delito capitulado no artigo 10 da Lei nº 9.296/96, que prevê:

Art. 10.  Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei: 

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

(Grifou-se).

Demais disso, o § 2º do diploma normativo estabelecia que o quebramento da confidencialidade das correspondências deveria ser realizado com fundamento nos requisitos elencados pelo artigo 2º da lei das interceptações telefônicas (Lei nº 9.296/96), que preconiza:

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

À vista de tais circunstâncias, verifica-se que a alteração legislativa condicionaria o quebramento do sigilo das correspondências ao preenchimento dos mencionados requisitos, o que, de certa maneira, dificultaria a ação da autoridade competente. Isso porque, com a redação anterior, a LEP somente enunciava que a correspondência dos detentos poderia ser interceptada pelo diretor do estabelecimento mediante ato motivado, não estabelecendo outras condições. Todavia, a alteração legislativa impunha o preenchimento dos requisitos insculpidos no art. 2º da Lei nº 9.296/96.

E foi justamente tal razão que levou o Presidente da República a vetar integralmente o texto da Lei nº 13.913/2019. Por meio da mensagem nº 616, de 25 de novembro de 2019, publicada no Diário Oficial da União DOU e enviada ao Congresso Nacional, o Chefe do Executivo nacional aduziu que o veto se dava em razão da contrariedade da norma ao interesse público e pela sua inconstitucionalidade.

Outrossim, apresentou as seguintes razões: a limitação das hipóteses de interceptação de correspondências de presos e o estabelecimento dos mesmos requisitos para a interceptação telefônica (Lei nº 9.296/96) causaria insegurança jurídica e conflito de normas, além do que e agravaria a crise no sistema penitenciário nacional, causando impacto negativo no sistema de segurança e na gestão dos presídios.

Por fim, alegou que o Supremo Tribunal Federal possui o entendimento de que a inviolabilidade do sigilo de correspondência dos presos não pode constituir instrumento para se permitir a prática de atos ilícitos.

Oportunamente, cabe ressaltar que a Corte Constitucional efetivamente já analisou a matéria, ainda que não definitivamente, quando do julgamento do Habeas Corpus 70814-5, de relatoria do Ministro Celso de Mello. Na oportunidade, a Corte fixou o entendimento de que:

A administração penitenciária, com fundamento em razoes de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a clausula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. - O reexame da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar na ação sumaríssima de habeas corpus.

No caso posto, o Supremo Tribunal Federal realizou ponderação de direitos fundamentais, admitindo que, por imperativos de segurança pública, de disciplina prisional ou para a preservação da ordem jurídica, fosse violado o sigilo das correspondências de presos.


3. Conclusão

A Constituição Federal elenca como direito fundamental do indivíduo o sigilo das correspondências (art. 5º, inciso XII). Por se tratar de direito não absoluto, o sigilo das correspondências, quando em colisão com outros direitos de igual envergadura, deve ser submetido à técnica da ponderação, a fim de que seja garantida a sua máxima efetividade. Ademais, a norma em questão tem eficácia contida, podendo sofrer restrições, sejam elas estabelecidas pela própria constituição ou pela legislação ordinária.

Tais restrições, inclusive, são encontradas no Código de Processo Penal (art. 240, § 1º, alínea f, c/c § 2º da mesma figura) - quando permite a busca pessoal de correspondência epistolar, aberta ou não, direcionada ao acusado ou que já esteja em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do conteúdo possa auxiliar na elucidação do fato delituoso - e na Lei de execução penal - quando, em seu art. 41, parágrafo único, autoriza o diretor do estabelecimento penal a violar correspondências enviadas ou recebidas pelos detentos a fim de que saiba o seu conteúdo, devendo, contudo, motivar sua ação.

Quanto à necessidade de autorização judicial, no primeiro caso, o art. 244 do CPP preconiza sua prescindibilidade no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de papéis que constituam corpo de delito. Na segunda hipótese, a legislação nada menciona sobre a obrigatoriedade de autorização judicial, até mesmo porque consta expressamente que o diretor do estabelecimento penal deve motivar a violação do sigilo.

Em relação à doutrina, verifica-se que esta se divide sobre o tema, havendo doutrinadores que entendem que o sigilo da correspondência não pode ser violado em nenhuma hipótese, por expressa vedação constitucional. Outros há, todavia, que entendem que, por questões de segurança pública e disciplina prisional, tal direito deve ser restringido, não havendo inconstitucionalidade no caso.

Por fim, o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário Nacional e Guardião da Constituição, conquanto ainda não tenha se manifestado definitivamente sobre o tema em ações do controle concentrado, entende que é possível a interceptação das correspondências de detentos, de forma excepcional e por razões de segurança pública, disciplina prisional e manutenção da ordem jurídica, respeitados os demais requisitos do art. 41 da Lei de Execuções Penais.


Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

BRASIL. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.

BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.

BRASIL. Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal.

MARCÃO, RENATO. Curso de Execução Penal. 13. ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. 376 p.

MENDES, GILMAR FERREIRA; BRANCO, PAULO GUSTAVO GONET. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. 1.762 p.

MIRABETE, JÚLIO FABBRINI. Processo Penal. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2000. 784 p.

NUCCI, GUILHERME DE SOUSA. Curso de Execução Penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. 254 p.

NUNES JÚNIOR, FLÁVIO MARTINS ALVES. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. 2.396 p.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, Júlio Ribeiro de Amorim. A (im) possibilidade de interceptação de correspondências de presos para fins de investigação criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6841, 25 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96703. Acesso em: 2 maio 2024.