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A função jurisdicional e o Poder Judiciário no Brasil

A função jurisdicional e o Poder Judiciário no Brasil

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A função jurisdicional

            A análise etimológica do vocábulo jurisdição indica a presença de duas palavras latinas: jus, juris (direito) e dictio, dictionis (ação de dizer). Esse "dizer o direito" começa quando o Estado chama para si a responsabilidade de solucionar as lides.

            Anteriormente ao período moderno, ela era totalmente privada, pois não dependia do Estado.

            Os senhores feudais tinham-na dentro de seu feudo. Eram as jurisdições feudais e baroniais. Os donatários das Capitanias Hereditárias, no Brasil colonial, dispunham da jurisdição civil e criminal nos territórios de seu domínio.

            No período monárquico brasileiro, existia a jurisdição eclesiástica, especialmente em matéria de direito de família, a qual desapareceu com a separação entre a Igreja e o Estado.

            Agora só existe a jurisdição estatal, confiada a certos funcionários, rodeados de garantias – os magistrados. Hoje, ela é monopólio do Poder Judiciário do Estado (CF, art. 5º, XXXV). A esse Poder (CF, art. 92 a 126) compete a distribuição de justiça, de aplicação da lei em caso de conflito de interesses.

            A função jurisdicional, que se realiza por meio de um processo judicial, é de aplicação das normas, em caso de litígios surgidos no seio da sociedade.

            Esses choques são solucionados pelos órgãos do Poder Judiciário com fundamento em ordens gerais, abstratas, que são ordens legais, constantes de leis, de costumes ou de simples padrões gerais, que devem ser aplicados por eles.

            Assim os juízes e tribunais devem decidir, atuando o direito objetivo. Não podem estabelecer critérios particulares, privados ou próprios. No Brasil, o juiz, pura e simplesmente, aplica os critérios editados pelo legislador.

            A função legislativa é de elaboração de leis, impostas coativamente a todos, emanadas do Poder Legislativo. A função executiva é de formulação de políticas governamentais e sua implementação, de acordo com a as leis elaboradas pelo Poder Legislativo. A função jurisdicional é de aplicação das normas, por um órgão independente do Estado, em caso de falta de entendimento surgido no seio da sociedade.

            Em conformidade com o critério orgânico, jurisdição é aquilo que o legislador constituinte incluiu na competência dos órgãos judiciários. Desse modo, ato jurisdicional é o que emana dos órgãos jurisdicionais no exercício de sua competência constitucional, respeitante a solução de colisão de interesses.

            A função jurisdicional é exercida pela ordem judiciária do país. Ela compreende: a) um órgão de cúpula (CF, art. 92, I), como guarda da Constituição e Tribunal da Federação, que é o Supremo Tribunal Federal; b) um órgão de articulação (CF, art. 92, II) e defesa do direito objetivo federal, que é o Superior Tribunal de Justiça; c) as estruturas e sistemas judiciários, compreendidos pelos Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, Tribunais e Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais e Tribunais e Juízes Militares (CF, art. 92, III-VI); d) os sistemas judiciários dos Estados e do Distrito Federal (CF, art. 92, VII).

            A Constituição (CF, art. 92) acolheu a doutrina que vem sustentando pacificamente a unidade da jurisdição nacional, agora submetida à do Tribunal Pleno Internacional (CF, art. 5º, § 4º).


Supremo Tribunal Federal – a jurisdição constitucional

            Ela surgiu como instrumento de defesa da Carta Magna, não da Lei Maior considerada como um puro nome, mas da Constituição tida como expressão de valores sociais e políticos.

            O Supremo Tribunal Federal (STF) é órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro. Compete-lhe a relevante atribuição de julgar as questões constitucionais, assegurando a supremacia da Carta Constitucional em todo o território nacional.

            Ele não é uma corte constitucional, apesar de ter a sua competência reduzida à matéria constitucional, pois diversas outras prerrogativas foram-lhe conferidas (CF, arts. 102 e 103). Ademais, a defesa da Carta Política não é tarefa exclusiva sua.

            Cumpre-lhe a guarda da Constituição (art. 102), função típica de guarda dos valores constitucionais. Mas mantém também o seu ofício de julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância (art. 102, III), como tribunal de julgamento do caso concreto, que sempre conduz à preferência pela decisão da lide e não pelos valores constitucionais.

            É composto de onze Ministros, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentro cidadãos, brasileiros natos (art. 12, § 3º, IV), com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101).

            A jurisdição constitucional com controle de constitucionalidade (art. 102, I, a e p) é de competência originária do STF, como juízo único e definitivo. No caso do recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral (art. 102, § 3º) das questões constitucionais discutidas no caso, a fim de que o tribunal examine a sua admissão.

            A jurisdição constitucional da liberdade, provocada por remédios constitucionais, é destinada à defesa dos direitos fundamentais. É o caso do habeas corpus, quando os pacientes forem altas autoridades federais (art. 102, I, d), quando o coator ou o paciente for tribunal, autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à sua jurisdição única ou quando se trate de crime sujeito a essa mesma jurisdição em uma única instância (art. 102, I, i).

            A jurisdição constitucional sem controle de constitucionalidade, que compõe litígio de natureza constitucional, é diverso do que existe no controle da constitucionalidade das leis. É o caso dos crimes de membros de outros Poderes (art. 102, I, b e c); as contendas com Estados estrangeiros ou organismos internacionais e as entidades federativas brasileiras, ou entre as próprias entidades federativas, incluindo-se os órgãos da Administração indireta (art. 102, I, e e f) e a extradição solicitada por Estados estrangeiros (art. 102, I, g).

            A jurisdição constitucional não é função exclusiva do Pretório Excelso. Só o é a suscitada por ação direta de inconstitucionalidade. Cabe a qualquer juiz ou tribunal a jurisdição constitucional que se exerce por via de exceção.

            Os princípios fundamentais da Constituição são abordados nos seus artigos 1º a 4º. Eles são o mandamento nuclear de um sistema, o alicerce das normas jurídicas e as regras básicas da organização constitucional.

            Mais à frente, a Carta Política diz que a argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição "será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei" (art. 102, § 1º).

            Preceitos fundamentais não é expressão sinônima de princípios fundamentais. É mais ampla, pois envolve aqueles princípios e todas as prescrições que dão o sentido primordial do regime constitucional.

            A Lei nº 9.882, de 3/12/99, que dispõe sobre esse processo, não tem a abrangência que o texto constitucional prognosticava. Mas poderá ter a importância de um recurso constitucional, para impugnar decisões judiciais, bem como para invocar a prestação jurisdicional em defesa de direitos fundamentais.

            Ponto controvertido das reformas do Judiciário são as súmulas vinculantes. José Thomaz Nabuco de Araújo apresentou um projeto nesse sentido, em 1843, porque, para ele, era uma anomalia que os tribunais inferiores pudessem julgar, em matéria de direito, o contrário do que tinha decidido o primeiro tribunal do Império. Em 1855, a Seção de Justiça do Conselho de Estado, em face de arestos contraditórios dos tribunais inferiores, lembrava a conveniência de uma medida legislativa no sentido de "estabelecer uma interpretação com força dos antigos assentos da Casa de Suplicação" (NABUCO, Joaquim, Um estadista do Império. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1975. p. 230 e 234).

            Hoje, o artigo 103-A é a norma sobre o assunto, pois a súmula "terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta". Visa a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarretem grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica (Lei nº 11.417, de 19/12/06).

            Tenho para mim que as súmulas vinculantes não parecem reduzir os recursos, pois se o ato administrativo ou a decisão judicial contrariar a súmula aplicável caberá reclamação para o Supremo Tribunal Federal, que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão reclamada e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso (art. 103-A, § 3º). Talvez tenha pouca utilidade relativamente ao âmbito da interpretação constitucional, para a qual está previsto o efeito vinculante.

            As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, § 2º).

            Trata-se de uma providência aceitável e conveniente, pois explicita a situação inerente à declaração de inconstitucionalidade abstrata que, publicada, já tem o efeito de retirar a eficácia da lei ou ato normativo por ele fulminado, como já acontecia com a declaração de constitucionalidade.

            Pena que não foi determinado que leis e atos normativos perderiam a eficácia a partir do dia seguinte ao da publicação da decisão definitiva que os tenha declarado inconstitucionais, suprimindo o inciso X do artigo 52.


Conselho Nacional de Justiça – controle externo do Judiciário

            Apesar da sua má significação, porque não é um Poder (CF, art. 2º), o Conselho Nacional de Justiça existe em razão da necessidade de um órgão não judiciário para o exercício de certas funções de controle administrativo, disciplinar e de desvios de conduta da magistratura. É previsto constitucionalmente também em outros países, como Itália, França, Portugal, Espanha, Turquia, Colômbia e Venezuela.

            Esse controle externo, que é uma verdadeira política judicial, impede que os integrantes do Poder Judiciário se convertam num corpo fechado. Como este não nasce da fonte primária da democracia, que é o povo (art. 1º, parágrafo único), esse tipo de controle contribui para dar-lhe legitimidade democrática.

            O Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B) assume algumas dessas funções, para prestar bons serviços ao sistema nacional de administração da justiça, embora em sua composição haja predomínio de magistrados (incisos I-XIII).

            Ele funciona sob a presidência do ministro do Supremo Tribunal Federal, que votará em caso de empate, ficando assim excluído da distribuição de processos naquele tribunal (§ 1º). Efeito danoso, porque um tribunal, sobrecarregado de processos, vai privar-se da contribuição de um de seus membros pelo espaço de dois anos.

            Junto ao Conselho oficiarão o procurador-geral da República e o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (§ 6º).

            Ao Conselho compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Suas atribuições são as mais diversas, conferidas pelo Estatuto da Magistratura (§ 4º):

            I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

            II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

            III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

            IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

            V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

            VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

            VII – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

            É bom fixar que não faz sentido criar ouvidorias sem conferir-lhes poderes de apuração das reclamações e denúncias.


Superior Tribunal de Justiça – a supremacia da legislação federal

            O Superior Tribunal de Justiça é órgão do Poder Judiciário criado pela Constituição de 1988. Sua finalidade é julgar questões federais da justiça comum no Brasil, assegurando a primazia da legislação federal em todo o país, bem como a uniformidade de interpretação, entre os tribunais, das normas emanadas da União.

            Compõe-se de, no mínimo, 33 ministros, nomeados pelo presidente da República, dentre brasileiros com mais de 35 anos e menos de 65 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (CF, art. 104, parágrafo único).

            Um terço virá dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal (inciso I). Também um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, do Estadual e do Distrito Federal, alternadamente, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes, da qual o Tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos 20 dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação (arts. 94 e 104).

            A prevalência e a uniformidade de interpretação das leis federais, que eram de competência do Supremo Tribunal Federal, foram transferidas para esse novo órgão (STJ), com o claro objetivo de desafogar o volume de causas que chegam ao órgão de cúpula do Poder Judiciário no Brasil.

            A competência do STJ está distribuída em três áreas: 1) competência originária para processar e julgar as questões relacionadas no inciso I do art. 105; 2) competência para julgar, em recurso ordinário, as causas referidas no inciso II; 3) competência para julgar, em recurso especial, as causas indicadas no inciso III.

            Entre essas atribuições judicantes do STJ algumas constituem matéria de jurisdição constitucional da liberdade. É assim que ele processa e julga o habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio tribunal; o habeas corpus, quando o coator ou o paciente for qualquer das pessoas mencionadas no art. 105, I, a; e o mandado de injunção. Tem também a competência para julgar, em recurso ordinário, os habeas corpus e os mandados de segurança decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal, quando a decisão for denegatória. Ainda lhe cabe julgar as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no país (art. 105, I, b, c e h, e II, a, b e c).

            Nos crimes comuns, julga os governadores dos Estados e do Distrito Federal; nos crimes comuns e de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal; os conflitos de jurisdição; a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur das cartas rogatórias.

            O que dá característica própria ao STJ são suas atribuições de controle da inteireza positiva, da autoridade e da uniformidade da lei federal, consubstanciando-se aí jurisdição de tutela do princípio da incolumidade do direito objetivo.

            Em recurso especial, julga as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

            A questão do art. 105, III, b envolve uma questão constitucional, já que se tem que decidir a respeito da competência constitucional para legislar sobre a matéria da lei ou ato de governo local, algo suscetível de apreciação pelo STF mediante recurso extraordinário.


A Justiça Federal

            Os jornais sempre nos falam sobre a gestão fraudulenta de instituições financeiras, o abuso do poder econômico, a lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, aliciamento para o fim de emigração e tantos outros crimes.

            Para julgar os infratores, a Constituição de 1946 criou o Tribunal Federal de Recursos. Pela estrutura adotada pela atual Constituição (CF, art. 106), seus órgãos são os Tribunais Regionais Federais e os juízes federais.

            A remoção dos juízes federais (art. 107, § 1º) será disciplinada por lei. Não há problema quanto à permuta, que depende da vontade dos permutadores. Mas a remoção nos leva a indagar se ela autoriza o afastamento da garantia de inamovibilidade (art. 95, II). A conciliação exegética é que a lei tratará da remoção nos limites autorizados no art. 95, II, com a aplicação do art. 93 e seus incisos VIII e VIII-A. No mais, ela será somente a pedido do juiz.

            A sua competência (art. 108) é variada:

            Processar e julgar originariamente, nos crimes comuns e de responsabilidade, os magistrados federais da área de jurisdição, as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados ou dos juízes federais; os mandados de segurança e os habeas data contra atos do próprio tribunal ou de juiz federal da região; os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz federal; os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao tribunal. Em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal na área de sua jurisdição.

            Providência importante facultativa (art. 107, § 3º) é que poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo. Pena que não seja impositiva como a do § 2º, que determina que instalem justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional.

            Denominam-se juízes federais os membros da justiça federal de primeira instância, que ingressam no cargo inicial mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da OAB em todas as suas fases (art. 93, I).

            A sua competência (art. 109) é ampla.

            Processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas; as entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e município; as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; as referentes às nacionalidades; os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens da União; os crimes previstos em tratado ou convenção internacional; as relativas a direitos humanos; os crimes contra a organização do trabalho, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira e muitos outros elencados no art. 109.

            As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde a outra parte tiver domicílio (art. 109, § 1º). As intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor (§ 2º). As processadas e julgadas na justiça estadual terão recurso cabível sempre para o Tribunal Regional Federal (§§ 3º e 4º).

            Nas causas relativas a direitos humanos, no caso de grave violação desses direitos, haverá o incidente de deslocamento de competência para a justiça federal (inciso V-A), tendo em vista a responsabilidade do Estado brasileiro em face de organismos internacionais de defesa dos direitos humanos.


A Justiça do Trabalho – o trabalho humano

            Embora reconheça o direito dos missionários à sua subsistência (1Cor 9, 6-14; Gl 6, 6; 2Ts 3,9; Lc 10, 7), Paulo quis sempre trabalhar com as próprias mãos (1Cor 4, 12), para não ser pesado a ninguém (1Ts 2, 9; 2Ts 3, 8; 2Cor 12, 13s) e provar seu desinteresse (At 20,33s; 1Cor 9, 15-18; 2Cor 11, 7-12). Só aceitou auxílio dos filipenses (Fl 4, 10-19; 2Cor 11, 8s; At 16, 15 +). Recomenda também aos fiéis que trabalhem para prover às próprias necessidades (1Ts 4, 11s; 2Ts 3, 10-12) e às dos indigentes (At 20, 35; Ef 4, 28).

            "Quem não quer trabalhar também não há de comer" (2Ts 3,10). Esta regra, que visa apenas à recusa de trabalhar, provém talvez de uma palavra de Jesus, ou simplesmente de máxima popular. É a "regra de ouro do trabalho cristão".

            Essa, a teologia do trabalho. E que diz o direito a esse respeito?

            A Constituição de 1934, art. 122, instituiu a justiça do trabalho. Foi criada em 1942, como órgão vinculado ao Ministério do Trabalho. A Constituição de 1946 integrou-a ao Poder Judiciário, dotando-a de função jurisdicional destinada a solucionar conflitos de interesse decorrentes das relações de trabalho.

            Sua organização compreende o Tribunal Superior do Trabalho, que é o órgão de cúpula dessa justiça especializada, os Tribunais Regionais do Trabalho e os Juízes do Trabalho (CF, arts. 111 e 111-A).

            Deve haver pelo menos um Tribunal Regional do Trabalho em cada Estado e no Distrito Federal. Nas comarcas onde não for instituída Vara do Trabalho, a jurisdição do trabalho em primeira instância poderá ser atribuída aos juízes de direito (CF, art. 112). No Estado de São Paulo, por exemplo, existem dois Tribunais Regionais do Trabalho, um com sede na capital e outro em Campinas, para julgar as causas do interior paulista.

            É múltipla a sua competência, para processar e julgar as reclamações oriundas da relação de trabalho. Assim lhe compete (art. 114) processar e julgar:

            I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

            II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

            III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e empregadores;

            IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

            V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

            VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

            VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

            VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

            IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

            Entes de direito público externo entendem-se as representações diplomáticas de outros países. Assim, a justiça é competente para examinar e decidir as reclamações de trabalho de brasileiros com essas representações estrangeiras.

            Dissídio individual é o que se funda no contrato individual de trabalho de um ou alguns, e a sentença que o resolve tem eficácia apenas entre as partes da relação jurídica processual. Dissídio coletivo visa a estabelecer normas e condições de trabalho; envolve interesse genérico e abstrato da categoria de trabalhadores; a sentença que o soluciona tem por objetivo fixar essas normas e condições, e sua eficácia se estende a todos os membros da categoria indistintamente.

            O dissídio coletivo pressupõe negociação coletiva intersindical. Se as partes não chegarem a um acordo, poderão eleger árbitros (art. 114, § 1º). Se uma das partes recusar-se à negociação ou à arbitragem, será facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a justiça do trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as disposições convencionadas anteriormente.

            As decisões do TST são irrecorríveis, salvo as que denegarem mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção e as que contrariarem a Constituição ou declararem a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, caso em que caberá, respectivamente, recurso ordinário e extraordinário para o STF (art. 102, II e III).

            O STJ não tem competência para rever decisões da justiça do trabalho. O art. 105, I e II, exclui as causas decididas por ela das hipóteses recursais ali indicadas.


Algumas Justiças especiais

            Com a publicação do Código Eleitoral, Getúlio Vargas, em 1932, instituiu a justiça eleitoral, com o propósito de moralizar o processo eleitoral.

            Na República Velha, as eleições eram controladas pelo grupo político que estava no poder, com voto em aberto e listas fraudadas de eleitores. A desmoralização do processo eleitoral serviu de justificativa política para a não aceitação do resultado pelos vencidos e a posterior Revolução de 30, comandadas por Getúlio Vargas.

            Sua criação visou substituir o então sistema político de aferição de poderes (feita pelos órgãos legislativos) pelo sistema jurisdicional, em que se incluiriam todas as atribuições referentes ao direito político-eleitoral.

            A organização e a competência da justiça eleitoral serão dispostas em lei complementar (CF, art. 121), mas a Constituição já oferece um esquema básico de sua estrutura. Assim, ela compõe-se de um Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seu órgão de cúpula, de Tribunais Regionais Eleitorais (TRE), de Juízes Eleitorais e de Juntas Eleitorais (art. 118).

            Das decisões dos TREs, somente caberá recurso para o TSE quando: forem proferidas contra disposição expressa da Constituição ou de lei; ocorrer divergência na interpretação da lei entre dois ou mais tribunais eleitorais; versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais; anularem diplomas ou decretarem a perda de mandados eletivos federais ou estaduais; ou denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção (art. 121, § 4º).

            São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem a Constituição e a denegatória de habeas corpus ou mandado de segurança (art. 121, § 3º).

            A justiça militar foi instituída em decorrência da vida do militar, sujeita a estrita hierarquia e disciplina. É composta pelo Superior Tribunal Militar e por Tribunais e Juízes Militares (art. 122).

            Tem competência para julgar os crimes militares definidos em lei (art. 124, parágrafo único), que são os tipificados no Código Penal Militar.

            Militares e civis podem ser julgados pela prática de infrações previstas na legislação penal de competência da justiça militar da União, pois esta não estabelece qualquer restrição, ao contrário do que ocorre em relação à justiça militar dos Estados, que se aplica somente a militares dos Estados (art. 125, § 4º).

            O artigo 98, I, impõe a criação de juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

            Já no Império, a Constituição exigia que se intentasse conciliação prévia entre as partes, sem o que não começaria processo algum (art. 161). E acrescentava no art. 162: "Para este fim haverá juízes de paz, os quais serão eletivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Câmaras. Suas atribuições e distritos serão regulados por lei."

            A Constituição atual dá-lhe configuração semelhante (art. 98, II), com as mesmas características de juizado eletivo e de conciliação.


A magistratura

            O ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, far-se-á mediante concurso público de provas e títulos (CF, art. 93, I).

            Sua promoção será de entrância para entrância, por antiguidade e merecimento.

            É obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento (II, a); a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância (II, b); a aferição do merecimento será conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais (II, c); na apuração de antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, assegurada ampla defesa (II, d); não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver os autos em seu poder, além do prazo legal (II, e), medida esta destinada a realizar o cumprimento do direito à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).

            O acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antiguidade e por merecimento, apurados na última entrância ou única entrância (Art. 93, III), dada a extinção dos Tribunais de Alçada, onde havia.

            A sua remuneração assumiu a forma de subsídios (arts. 48, XV, 93, V, 95, III, e 96, II, b), com critérios variados para os ministros do Supremo Tribunal Federal (arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III e § 2º, I) e para os membros dos Tribunais Superiores e dos Tribunais de Justiça dos Estados, sendo que eles serão fixados em parcela única, sem acréscimos.

            A sua inatividade será por aposentadoria e disponibilidade. A regra da sua aposentadoria e a pensão de seus dependentes subordinam-se às normas constitucionais (arts. 40 e 93, VI), podendo ser por invalidez ou compulsória aos 70 anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, e voluntária, desde que cumprido o tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco no cargo de magistratura, observando-se as condições de idade (art. 40, III, a e b). A inatividade por disponibilidade é aplicada mediante voto da maioria absoluta do tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça (art. 93, VIII), assegurada ampla defesa.

            Todos os seus julgamentos serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (art. 93, IX).

            Igualmente se requer que as decisões administrativas dos tribunais sejam motivadas e em sessão pública, sendo que as disciplinares, tomadas por voto da maioria absoluta de seus membros (do tribunal, não do órgão especial – art. 93, XI).

            Nos tribunais com número superior a 25 julgadores poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de 11 e o máximo de 25 membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais de competência do tribunal pleno.

            Metade das vagas será provida por antiguidade e a outra metade, por eleição pelo tribunal pleno. Tal política procura evitar uma composição só com os magistrados mais antigos, supondo que a eleição vai selecionar membros mais jovens para o órgão especial (art. 93, XI).

            A Constituição anterior (art. 144, V) impunha a criação de órgão especial. Agora, sua instituição é facultativa. Só não ficou claro se é facultativa para o legislador ou para o próprio tribunal.

            A doutrina mais moderna inclina-se para a segunda solução, que dá mais liberdade e independência de organização interna aos tribunais, em harmonia com os princípios constitucionais.

            A solução dos conflitos de interesses, a aplicação da lei aos casos concretos, inclusive contra o governo e a administração, missão que interfere com a liberdade humana, destinando-se a tutelar os direitos subjetivos, tinha mesmo que ser conferida a um poder do Estado cercado de garantias constitucionais de independência, o Judiciário (CF, art. 2º).

            Faz parte da competência privativa dos tribunais (art. 96, I) a autonomia orgânica administrativa para:

            a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

            b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízes que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;

            c) prover, na forma prevista [na] Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição;

            d) propor a criação de novas varas judiciárias; [...].

            Igualmente lhes é reconhecida a garantia de autonomia financeira de elaboração do próprio orçamento (arts. 99, § 1º, e 165, II).

            Mas para manter a sua independência e exercer a função jurisdicional com dignidade, desassombro e imparcialidade, a Constituição estabeleceu em favor dos juízes garantias de independência (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio) e de imparcialidade dos órgãos judiciários (vedações).

            A vitaliciedade diz respeito à vinculação do titular ao cargo para o qual tenha sido nomeado. Não é privilégio, mas condição para o exercício da função judicante, que exerce garantias especiais de permanência e de estar definitivamente no cargo. Tornam-se vitalícios a partir da posse os integrantes dos tribunais (art. 95, I).

            A inamovibilidade refere-se à permanência do juiz no cargo para o qual foi nomeado, não podendo ser removido, a qualquer título, de forma compulsória, do cargo que ocupa, salvo por ordem de interesse público (arts. 95, II, e 93, VIII).

            Irredutibilidade de subsídios significa que os seus salários não podem ser reduzidos. Mas a Constituição determina que ficam sujeitos aos limites máximos previstos no art. 37 e ao imposto de renda, como qualquer contribuinte, com a aplicação do disposto nos arts. 150, II, 153, III e § 2 º, I.

            As garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários aparecem, no art. 95, parágrafo único, sob a forma de vedações aos juízes, denotando-lhes restrições formais. Assim, lhes é vedado:

            I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

            II – receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

            III – dedicar-se à atividade político-partidária;

            IV – receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;

            V – exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

            A reforma do Judiciário preocupou-se com a morosidade da atividade jurisdicional, adotando providências que podem auxiliar no andamento mais rápido dos processos e a efetividade do direito (art. 5º, LXXVIII).

            É assim que a atividade jurisdicional é ininterrupta (art. 93, XII), sendo proibidas férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau.

            Fica idealizado que "o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população" (XIII) e que "a distribuição dos processos será imediata, em todos os graus de jurisdição" (XV).

            O que é inacreditável é que essas medidas tinham que ser cuidadas por emenda constitucional. Isso tornou-se necessário diante do fato de que os órgãos superiores não vinham distribuindo os processos na sua totalidade, sob o argumento de não poderem sobrecarregar os juízes. Data venia, tal procedimento era antiético e imoral.

            Para o aperfeiçoamento e preparação de magistrados, ficam eles obrigados a participar de "curso oficial ou reconhecido por escola nacional" destinada à sua formação e aprimoramento (arts. 93, IV, 105, parágrafo único, I, e 111-A, § 2º, I).

            O perigo dessas escolas é tornarem-se mecanismo de orientação unilateral, sem atender ao livre curso das idéias, o que poderá ser uma deformação que contraria a "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber", assim como o "pluralismo de idéias" (art. 206, II e III).


Autor


Informações sobre o texto

Texto resultante da fusão de uma série de artigos do autor, publicados entre 04/02 e 08/04/2007.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Máriton Silva. A função jurisdicional e o Poder Judiciário no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1643, 31 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9981. Acesso em: 19 abr. 2024.