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Sistema penitenciário brasileiro: aspectos sociológicos

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23/12/1998 às 00:00
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ANÁLISE DA REALIDADE SOCIOLÓGICA-JURÍDICA:


A prisão tem sido nos últimos séculos a esperança das estruturas formais do Direito em combater o processo da criminalidade. Ela constituía a espinha dorsal dos sistemas penais de feição clássica. É tão marcante a sua influência em todos os setores das reações criminais que passou a funcionar como centro de gravidade dos programas destinados a prevenir e a reprimir os atentados mais ou menos graves aos direitos da personalidade e aos interesses da comunidade e do Estado.

A prisão é o monoacordo que se propõe a executar a grande sinfonia do bem e do mal. Nascendo geralmente do grito de revolta das vítimas e testemunhas na flagrância da ofensa, ela é instrumento de castigo que se abate sobre o corpo do acusado e o incenso que procura envolver a sua alma caída desde o primeiro até o último dos purgatórios.

A recuperação social do condenado não seria um mito redivivo, assim como um estágio moderno de antigos projetos de redenção espiritual?

Somos herdeiros de um sistema que encontrou o seu apogeu no século das luzes quando o reconhecimento formal dos direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, impunha a abolição das penas cruéis. E a prisão não seria, portanto, uma pena cruel principalmente porque ela mantinha a vida que tão freqüentemente era o preço do resgate para o crime cometido.

Reconhecendo a imprestabilidade da pena capital para atender aos objetivos de prevenção e avaliando o sentimento popular, o legislador brasileiro viu na prisão uma forma de reação penal condizente com os estágios de desenvolvimento cultural e político do próprio sistema.

Na atualidade se promove em nosso país uma grande revisão em torno da eficácia das sanções penais de natureza institucional. Tal processo de abertura rompeu com a oposição funesta entre o Direito Penal e a Criminologia no concerto das demais ciências do homem, que o pensamento italiano fascista implantou a partir de 1910 e que se projetou para a América Latina.

A Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a proceder o levantamento da situação penitenciária nacional, instituída na Câmara dos deputados em 1975, colheu um vasto material que caracteriza o retrato fiel do antagonismo marcante entre os ideais desenhados pela lei e as violências do cotidiano.

O relatório daquela investigação reconheceu que "grande parte da população carcerária está confinada em cadeias públicas, presídios, casas de detenção e estabelecimentos análogos, onde os prisioneiros de alta periculosidade convivem em celas superlotadas com criminosos ocasionais , de escassa ou nenhuma periculosidade e pacientes de imposição penal prévia ( presos provisórios ou aguardando julgamento) para quem é um mito, no caso, a presunção de inocência".

E mais incisivamente foi dito que em tais ambientes de estufa a ociosidade é a regra; a intimidade, inevitável e profunda. "A deteriorização do cárcere resultante da influência corruptora da subcultura criminal, o hábito da ociosidade, a alienação mental, a perda paulatina da aptidão para o trabalho, o comprometimento da saúde, são conseqüências desse tipo de confinamento promiscuo, já definido alhures como "sementeiras de reincidência", dados os seus efeitos criminógenos".

Torna-se urgente a necessidade de revisão da qualidade e quantidade das sanções, não apenas quanto aos mo mentos da cominação e da aplicação, em torno dos quais se levantou uma pirâmide monumental de teorias, mas também em referência à execução e seus incidentes que se acomodam nos códigos e arquivos mal cuidados dos cartórios.

A esperança (honesta ou simulada) de alcançar a "recuperação", "ressocialização", "readaptação", "reinserção" ou "reeducação social" e outras designações otimistas de igual gênero, penetrou formalmente em sistemas normativos com proclamações retóricas em modernas constituições, códigos penais e leis penitenciarias sem que a execução prática das medidas corresponda aos anseios de "recuperação" que não raramente se exaurem na literalidade dos textos. A ideologia da salvação do condenado tem sido incensada às alturas, mas também denunciada como um dos grandes mitos dos projetos de prevenção.

Nos dias presentes se questiona com bastante insistência sobre um importantíssimo ângulo do problema da pena-emenda. Tem o Estado do direito de oprimir a liberdade ética do preso, impondo-lhe autoritariamente uma concepção de vida e um estilo de comportamento através de um programa de "reeducação" que não seja condizente com a sua formação e convicções? A tentativa de "retificar" a personalidade não seria uma das formas de lavagem cerebral? O poder público pretende, às vezes, sob a capa da redução invadir esferas totalmente alheias à sua competência e usar as pessoas como meros objetos.

Uma das demonstrações evidentes de que o encarceramento, na forma como está sendo posto em prática, não tem condições de melhorar a situação pessoal do condenado, se deduz do próprio espírito que orientou a Reforma penal e penitenciária decorrente da lei Nº 6.416 de 24 de maio de 1977. A exposição de motivos da mensagem revelou a preocupação de "resolver o problema da superlotação das prisões".

A sobrecarga das populações carcerárias, como antagonismo diuturno aos ideais de classificação dos presidiários e individualização executiva da sanção, é uma denuncia freqüente na doutrina, nas comissões de inquérito parlamentar e nos relatórios oficiais.

A prisionalização é terapia de choque permanente, cuja natureza e extensão jamais poderiam autorizar a tese enfadonha de que constitui uma etapa para a liberdade, assim como se fosse possível sustentar o paradoxo de preparar alguém para disputar uma prova de corrida, amarrando-o a uma cama.

Relatando as suas memórias do cárcere, na intensidade dos maiores sofrimentos, Dostoiewiski escreveu que "o famoso sistema celular só atinge, estou disto convencido, um fim enganador, aparente. Suga a seiva vital do indivíduo, enfraquece-lhe a alma, amesquinha-o, aterroriza-o, e, no fim, apresenta-no-lo como modelo de correção, de arrependimento, uma múmia moralmente dissecada e semi-louca.

A degradação do sistema penitenciário a níveis intoleráveis vem sendo freqüentemente retratada com a opinião de que os presídios brasileiros são verdadeiros depósitos de pessoas e permanentes fatores criminológicos.

Já em 1973, na Moção de Goiânia, foi elaborado por penalistas de prestígio, um documento que afirma alguns princípios básicos para a prevenção da criminalidade. Destacam-se:

a) substituição do vigente sistema de penas;

b) melhores condições de dignidade para o tratamento dos presos;

c) o reconhecimento de que a pena privativa de liberdade tem se mostrado inadequada em relação aos seus fins, tanto sob o ângulo retributivo como sob os aspectos preventivos;

d) a necessidade de se reservar a prisão penal para os casos de maior gravidade;

e) a recomendação da efetiva aplicação do regime de prisão-aberta e outras medidas substitutivas da prisão.

Mas a decadência da instituição carcerária é somente a ponta do iceberg a mostrar a superfície da crise geral do sistema, para o qual convergem muitos outros fatores.

O espancamento dos princípios e das regras que empreitam significação à ciência pode brotar não somente dos profissionais que com ela trabalham na sua aplicação prática, como também de outras camadas populares, sejam ou não funcionários a serviço do processo, testemunhas ou partes. Perante o conceito popular o processo penal social de prevenção e repressão à violência e à criminalidade será objeto de satisfação ou repúdio em sua perspectiva total sem que a crítica faça distinções entre os ramos jurídico que formam a estrutura.

Teoricamente a NORMA JURÍDICA deveria provir do FATO SOCIAL, assim regulamentando-o. Entretanto àquela se afasta muito das necessidades sociais, não alcançando seus objetivos básicos, nem satisfazendo a contento as necessidades da sociedade.

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A garantia penal processual da motivação da sentença é negada ostensivamente quando, além de carência formal, o ato de julgamento em si mesmo é viciado pela distância profunda, um abismo entre o magistrado e o réu, ou entre o magistrado e as testemunhas, posto que não se adota no processo criminal a regra da identidade física.

A crise aberta que corrói até o cerne o prestígio do antigamente chamado magistério punitivo não será evidentemente contornada através do recuso à legislação de impacto ou das promessa de um direito penal do terror. É necessário cumprir etapas prévias, a começar pela denúncia, apontando a falência dos procedimentos e mecanismos obsoletos quanto à forma e antagônicos à realidade, quanto ao fundo. A inflação legislativa criticada freqüentemente nos últimos anos é também responsável pelo descrédito da intimidação que poderia gerar o ordenamento positivo, principalmente porque o fenômeno abateu um poderoso dogma: o dogma da presunção do conhecimento da lei.

A marginalidade social envolvendo uma vasta gama de menores é um dos pontos nevrálgicos da questão a preocupar intensamente a moderna orientação da Política Criminal, que reconhece a necessidade de respostas interdiciplinares para a delinqüência juvenil em lugar de rebaixar o limite de idade para estabelecer a capacidade penal.

Finalmente, o sistema está em regime de insolvência, sem poder quitar as obrigações sociais e os compromissos assumidos individualmente. E para este debitum não remido contribuiu também o desinteresse em tratar com o necessário rigor cientifico as figuras do réu e da vítima, os protagonistas, enfim, do fenômeno criminal em toda a sua inteireza. Antes, durante e depois da intervenção punitiva do Estado.



ALCATRAZ - A TEMIDA PRISÃO


Alcatraz é uma ilha na Bahia de São Francisco - USA, local da mais famosa prisão que leva o seu mesmo nome. A ilha fora descoberta por Espanhóis em 1545, e nomeada em 1775 de "alcatraces" (pelicanos, em Espanhol).

Designada para reserva militar dos EUA, em 1850 foi fortificada e utilizada por prisioneiros militares durante a Guerra Civil. Oficialmente tornou-se prisão militar em 1907 e, em 1933 tornou-se prisão federal.

A prisão era considerada anti-fugas pois sua estrutura era realmente forte, rodeada de correntes marítimas frias e um sistema policial altamente qualificado. Mas o outro lado de Alcatraz, o mesmo que inspirou filmes como: "Assassinato em 1º Grau", mostra-nos atos desumanos, frios e cruéis, onde os castigos e torturas eram a lei daquele lugar.

Devido sua fama de ser intransponível, após o acontecimento de uma única fuga, fora fechada em 1963. Sua estrutura vazia fora confiscada por um grupo de indígenas em novembro de 1969.

Eles mantiveram-na até junho de 1971. Com o fracasso da reivindicação de obtê-la do governo norte-americano, a ilha fora aberta novamente em 1972 para o público e faz parte do Golden Gate Área de Recreação Nacional (GOLDEN GATE NATIONAL RECREATION AREA).



CONCLUSÃO


Como já dito, as prisões são cenário de constantes violações dos direitos humanos. Os principais problemas enfrentados são: a superlotação; a deterioração da infra-estrutura carcerária; a corrupção dos próprios policiais; a abstenção sexual e a homossexualidade; o suicídio; a presença de tóxico; a falta de apoio de autoridades governamentais; as rebeliões; a má administração carcerária; a falta de apoio de uma legislação digna dos direitos do preso-cidadão; a falta de segurança e pessoal capacitado para realizá-la, e a reincidência que é de vital importância para às vistas da sociedade; demonstram que o Brasil está torturando presos em penitenciárias, aniquilando qualquer possibilidade que venham a se recuperar, ao mesmo tempo que gasta dinheiro à toa. É preciso, urgentemente, mudar esse sistema cruel que forja mais criminosos.

O direito à educação e ao trabalho, que estão vinculados à formação e desenvolvimento da personalidade do recluso. São os direitos sociais de grande significação, pois o trabalho é considerado reeducativo e humanitário; colabora na formação da personalidade do recluso, ao criar-lhe hábito de autodomínio e disciplina social, e dá ao interno uma profissão a ser posta a serviço da comunidade livre. Na participação das atividades do trabalho o preso se aperfeiçoa e prepara-se para servir à comunidade. Porém, o nosso sistema penitenciário ainda mantém o trabalho como remuneração mínima ou sem remuneração, o que retira do trabalho sua função formativa ou pedagógica e o caracteriza como castigo ou trabalho escravo.

Prisão: violência ou solução?


A prisão é uma universidade do crime. O sujeito entra porque cometeu um pequeno furto e sai fazendo assalto a mão armada.

A violência não é um desvio da prisão: violenta é a própria prisão. Não é possível eliminar a violência das prisões, senão, eliminando as próprias prisões. Mas a supressão das prisões será somente possível numa sociedade igualitária, na qual o homem não seja opressor do próprio homem e onde um conjunto de medidas e pressuposto anime a convivência sadia e solidária entre as pessoas.

Se a prisão de indivíduos condenados pela Justiça é sempre uma violência, violência ainda maior é a prisão de quem ainda não foi julgado, é o encarceramento sob respaldo dos decretos de prisão preventiva.

Para diminuir a violência da prisão, a medida mais eficaz é a redução drástica do aprisionamento. A prisão em si é uma violência amparada pela lei. O desrespeito aos direitos do preso é uma violência contra a lei.

É visível a incompetência geral do sistema penitenciário que, além de não recuperar os detentos, agora os "devolve" à sociedade sem que haja um aprimoramento psicológico e sociológico suficiente para que o mesmo possa enfrentar uma nova realidade.

Não pode haver mais dúvidas de que o sistema penitenciário brasileiro rigorosamente está falido, além de inútil como solução para os problemas da criminalidade, nele há um desrespeito sistemático aos direitos humanos garantidos pela Constituição, inclusive aos condenados.

Diante das lamentáveis condições penitenciárias, o discurso que prega a reclusão como forma de ressocialização de criminosos, ultrapassa a raiz da hipocrisia tolerável.



BIBLIOGRAFIA


1. ALBERGARIA, Jason. Manual de Direito Penitenciário, São Paulo, Ed. Aide.

2. CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal, Itália, Ed. Conam. Tradução em 1957.

3. CATÃO, Yolanda; FRAGOSO, Heleno; SUSSEKIND, Elizabeth, Direito dos Presos, Ed. Forense.

4. HERKENHOFF, B. João. Crime Tratamento Sem Prisão, Porto Alegre, 1995, Ed. Livraria do Advogado, Edição 2ª.

5. NETO, M. Zahidé. Direito Penal e Estrutura Social, São Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo - SP. Edição Saraiva.

6. PASTORE, Alfonso Pe. O Iníquo Sistema Carcerário, São Paulo, 1991, Edições Loiola.

7. REVISTA VEJA, 23 de Outubro de 1996, Paulo Tonet Camargo

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Sobre a autora
Danielle Magnabosco

acadêmica de Direito no Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGNABOSCO, Danielle. Sistema penitenciário brasileiro: aspectos sociológicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1010. Acesso em: 19 mar. 2024.

Mais informações

Este trabalho é parte da tese apresentada pela autora como trabalho da disciplina Sociologia Jurídica

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