Menor sob guarda como dependente nos RPPS [ADIn’s 4.878 e 5.083]

06/12/2022 às 11:26
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Buscamos neste breve estudo, sem qualquer pretensão didática, analisar a figura do menor sob guarda como dependente para fins previdenciários nos Regimes Próprios de Previdência Social - RPPS, a teor das decisões proferidas pelo e. Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIns) 4.878 e 5.083.

Por primeiro, cumpre-nos estabelecer que o menor sob guarda não faz parte expressamente do rol de dependentes do RGPS, conforme se depreende da leitura do art. 16, Lei Federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que prevê:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

...

Ainda, nos termos do § 2º do artigo 16, vê-se que somente os tutelados e enteados, que não possuam bens suficientes para o próprio sustento e educação, podem ser equiparados a filhos, podendo ser inscritos como dependentes no RGPS.

Na mesma sistemática, equiparam-se aos filhos, inclusive com a presunção de dependência econômica, aqueles havidos por adoção, em respeito aos preceitos estabelecidos no art. 1.596 do Código Civil.

A maioria dos RPPS utiliza o rol de dependentes do RGPS, tendo em vista que a proibição de se adotar critérios diferenciados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), consoante preceitua o art. 40, §§ 4º e 12 da Constituição da República.

Ademais, o art. 51, § 2º, da Orientação Normativa nº 2/09 do então Ministério da Previdência Social, dispunha claramente:

Art. 51 ...

...

§ 2º Os regimes próprios deverão observar também a limitação de concessão de benefício apenas aos dependentes constantes do rol definido para o RGPS, que compreende o cônjuge, o companheiro, a companheira, os filhos, os pais e os irmãos, devendo estabelecer, em norma local, as condições necessárias para enquadramento e qualificação dos dependentes.

...

Contudo, o Supremo Tribunal Federal concluiu recentemente o julgamento das ADIns 4.878 e 5.083, ocasião em que reconheceu a inconstitucionalidade da Lei nº 9.528/97, no que diz respeito à supressão da figura do "menor sob guarda" do rol de dependentes previdenciários previsto no art. 16 da Lei Federal nº 8.213/91.

É que o menor sob guarda tinha reconhecida a sua qualidade como dependente pela legislação federal, tendo sido retirado do rol de dependentes com o advento da Lei nº 9.528/97, aprovada, à época, sob o argumento de que as situações de "guarda de menor" possibilitam recorrentes fraudes.

Com a referida decisão, o RGPS, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), obrigatoriamente, deverá passar a considerar o menor sob guarda como dependente para fins previdenciários.

Entretanto, a decisão não afeta diretamente o rol de dependentes dos RPPSs, pois, embora as decisões proferidas nos julgamentos de Ações Diretas de Inconstitucionalidade possuam efeitos erga omnes, ou seja, força geral e contra todos, só alcança os indivíduos sujeitos à aplicação da norma impugnada, relativa aos trabalhadores gerais.

Nesse sentido, considerando que os RPPS não estavam sujeitos à aplicação da norma impugnada através das ADIs citadas, é certo que a decisão exarada nas aludidas ações não vinculam os RPPSs, em respeito ao art. 506 do Código de Processo Civil.

Somente se os RPPSs dos entes federativos alterassem o rol de dependentes previsto em suas legislações locais é que seria possível reconhecer a qualidade de dependente do menor sob guarda, em observância ao princípio da legalidade consagrado expressamente no art. 37, caput, da Constituição Republicana.

E não se diga que o rol de dependente do RPPS deve ser idêntico ao do RGPS, devendo apenas se observar o limite de dependentes daquele regime, a exemplo do filho que pode ser limitada sua condição aos 18 (dezoito) anos de idade pois a idade é inferior à idade limite do RGPS.

Vale dizer, ainda, que mesmo após a reforma previdenciária promovida no âmbito nacional, através da Emenda Constitucional nº 103/19, o menor sob guarda continuou fora do rol de dependentes, não tendo sido equiparado aos filhos, conforme art. 23, § 6º, da EC 103/19.

Desse modo, considerando-se que o rol de dependentes dos Regimes Próprios de Previdência Sociais devem se limitar ao rol estabelecido no RGPS, é certo que não há fundamento constitucional ou legal para que o menor sob guarda seja contemplado como dependente no âmbito do RPPS.

Diante de todo o exposto, compreendidas as matérias que regem a temática, podemos concluir que as ADIns 4.878 e 5.083 não afetam diretamente os RPPSs e, portanto, não há como reconhecer a qualidade de dependente do menor sob guarda.

Sobre o autor
Tiago Alves de Oliveira

Advogado militante com Pós-Graduação em Nível de Especialização Lato Sensu em Direito Constitucional pelo Complexo Educacional Prof. Damásio de Jesus, com extensão em Direito Público pela Universidade de Santiago de Compostela e Pós-Graduando em Nível de Especialização Lato Sensu em Regime Próprio de Previdência Social pelo Instituto de Estudos Previdenciários - IEPREV, Consultor Técnico Jurídico e palestrante pela ABCPREV Gestão e Formação Previdenciárias, atuando na área do Direito Público, na Administração Pública, prestando consultoria e assessoria em especial aos Regimes Próprios de Previdência Social - RPPS.

Informações sobre o texto

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