A separação dos poderes e o Estado de Direito

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Artigo originalmente publicado no livro: Novos direitos, socioambientalismo e desenvolvimento na sociedade moderna hiperconsumista [recurso eletrônico] : anais da I Mostra Científica do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade de Caxias do Sul / org. Cleide Calgaro, Agostinho Oli Koppe Pereira, Patrícia Noll. – Caxias do Sul, RS : Educs, 2016.

Resumo: O tema desta pesquisa é demonstrar a possibilidade de articulação de uma teoria acerca da Separação dos Poderes enquanto princípio político, e ainda sua relação com o Estado de Direito. Por tratar a Separação dos Poderes como princípio, alerta-se que essa não deve ser considerada como um mero conglomerado de três princípios (executivo, legislativo e judiciário) relacionados, mas como um meio garantidor da liberdade. Para tanto, argumenta-se que o Estado de Direito exige a existência de uma articulação institucional entre os poderes. O problema de pesquisa abordado é identificar como é moldada a articulação no Princípio da Separação dos Poderes e a relação com o Estado de Direito. O objetivo é demonstrar que a Separação dos Poderes apoia e defende o caráter distinto de cada uma das três funções do governo, ao mesmo tempo em que demonstra o problema de interferências entre estes, Para tanto, a metodologia aplicada neste estudo compreende a análise bibliográfica, com foco nas obras de Jeremy Waldron, especialmente o livro Political Political Theory: Essays on Institutions, lançando em março de 2016. A hipótese do autor é centrada na ideia de que é fundamental a existência prévia de normas para que depois haja julgamento ou administração. Como considerações destaca-se que havendo transcurso de tempo entre o surgimento das normas e seus usos posteriores, isto permitiria um processo duplo: ao mesmo tempo em que essas normas devem ser internalizadas pelos indivíduos também devem ser difundidas amplamente pelas instituições. Desrespeitar esse processo corresponde a um equívoco, de tal forma substancial, que Waldron argumenta ser nesta situação que ocorrem sobreposições entre o respeito pelo Estado de Direito e o Princípio da Separação dos Poderes. Nesse sentido, garantir a Separação dos Poderes de forma articulada entre as instituições corresponde a uma garantia da dignidade da legislação, da independência do poder judicial e da autoridade especial do executivo.

Palavras-Chave: Separação dos Poderes; Estado de Direito; Jeremy Waldron.

Abstract: The theme of this research is to demonstrate the possibility to articulate a theory of Separation of Powers as a political principle, and also its relation to the Rule of Law. By treating the Separation of Powers as a principle, is warning that this should not be considered as a mere conglomeration of three principles (executive, legislative and judiciary) related, but as a guarantor through freedom. Therefore, it is argued that the rule of law requires the existence of an institutional link between the powers. The problem of the research is to identify how is shaped the articulation between the Principle of Separation of Powers and it relationship with the Rule of Law. The goal is to demonstrate that the Separation of Powers supports and defends the distinct character of each of the three functions of government, while demonstrating the problem of interference between them. The methodology applied in this study comprises the analysis of the literature, focusing on works by Jeremy Waldron, especially the book Political Political Theory: Essays on Institutions, launching in March 2016. The assumption of the author is centered on the idea that the prior existence of rules so that after there is judgment or administration is critical. As considerations emphasized that there passing time between the emergence of standards and their subsequent uses, this would allow a dual process: while these rules should be internalized by individuals should also be widely disseminated by the institutions. Disrespect this process corresponds to a misunderstanding, so substantial, that Waldron argues that is in this situation occurring overlaps between respect for the Rule of Law and the Separation of Powers Principle. In this sense, to guarantee the Separation of Powers in coordination between institutions represents a guarantee of the dignity of law, independence of the judiciary and the special executive authority.

Keywords: Separation of Powers; Rule of Law; Jeremy Waldron

Introdução

A Separação dos Poderes, concebido como um princípio político é um meio eficaz para avaliar os arranjos legais e constitucionais de um estado moderno. A essência do princípio jaz em uma separação qualitativa das diferentes funções do governo. Entretanto, a justificação para tal separação ainda parece incerta na literatura canônica da teoria política dos séculos XVII e XVIII.

A concepção da Separação dos Poderes é comumente confundida e misturada na literatura convencional com outros princípios considerados pelo autor, sendo, os Checks and Balances e ainda a Divisão do Poder, comumente previsto em sistemas constitucionais. Este trabalho foca-se na separação funcional dos poderes, visando a sua forma “pura”, explicitando como esta seria e sua relevância em um Estado de Direito.

É notável que existam exemplos que sugerem que um princípio como a Separação dos Poderes não tenha um status legal positivado, por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos da América não expressa que deva existir a Separação dos Poderes. Ainda assim, este pode vir a ser uma parte indispensável do constitucionalismo, se tornando até mesmo base para avaliação de operações para mudanças nas estruturas constitucionais.

Ainda, na filosofia política os questionamentos acerca desta temática parecem estar situados em segundo plano, tomando noções sedimentadas como a de que a separação dos poderes é necessária para evitar a tirania, como algo indiscutível. Note-se aqui que o intuito deste trabalho é de fato a reafirmar essa separação como essencial, entretanto, mais do que apenas aceitar os pressupostos teóricos já existentes, faz-se essencial buscar as justificativas para a vigência da separação dos poderes ainda ser vital em Estados modernos.

A pesquisa para o desenvolvimento deste artigo foi desenvolvida a partir de uma metodologia compreendendo a análise bibliográfica, com foco nas obras de Jeremy Waldron, especialmente o livro Political Political Theory: Essays on Institutions, lançando em março de 2016 pela Harvard University Press. Para tanto, a construção que visa-se aqui é demonstrar como através dessa separação como princípio político essencial, pode-se atingir a integridade e o respeito que são necessários a um Estado de Direito através da dignidade da legislação, a independência das cortes e a autoridade do Executivo, onde cada qual têm seu próprio papel para desempenhar nas práticas governamentais.

Separação dos Poderes enquanto Princípio Político

Inicialmente – para um melhor desenvolvimento do cerne da Separação dos Poderes enquanto princípio – há de se destacar a existência de outros quatro princípios políticos tão importantes quanto a Separação dos Poderes, que exercem papéis essenciais para legitimidade institucional. O primeiro a se destacar seria o princípio da Divisão do Poder, que aborda sobre a necessidade de não haver concentração do poder político nas mãos de uma pessoa, grupo ou instituição. O segundo, os Checks and Balances [4], que requerem a concorrência ordinária de uma entidade governamental nas ações de outra, assim permitindo que cada um o poder/dever de checar ou ainda vetar as ações do outro. O terceiro, o Bicameralismo, princípio que explicita a necessidade de leis serem promulgadas e votadas em duas assembleias legislativas coordenadas e independentes entre si. E o quarto, o princípio do Federalismo que distingue os poderes institucionais dos Governos Federais dos que são exercidos pelos estados e ou municípios. Assim, o foco aqui proposto é sobre apenas um dos complexos princípios políticos que compõem um Estado Moderno, mas que necessariamente se comunica com os já citados.

Faz-se válido deixar clara a distinção no sentido de que tudo o que seria preciso no princípio da Divisão do Poder seria a dispersão desses poderes, não importando então a forma particular com a qual isto venha a ocorrer, desde que não haja concentração excessiva. Dessa forma, para Waldron, a Separação dos Poderes auxilia na Divisão do Poder, afinal se “we want to divide power up, what would be better than to begin by dividing the power of a judge from that of a legislator and from that of an executive oficial? [5]” (WALDRON, 2013, p. 440) Já os Checks and Balances requerem que cada poder cheque os outros poderes ou “concorra” no exercício do outro, onde o que importa é a contraposição entre os poderes para se balancearem, não importando quais e como esses poderes fariam isto. Dessa forma, a taxonomia dos poderes é importante na Separação dos poderes, mas não na Divisão os nos Checks and Balances.

A distinção dos poderes advinda do princípio é pensada através de uma teoria de governança articulada, na qual distingue-se estas funções pelo que elas são e devem exercer, mas não sob o que elas podem fazer para manterem umas as outras “sob controle”.

Uma das problemáticas essenciais ao instituir-se um Estado de Direito é de desenhar a governança através de instituições que possam trazer segurança prática contra qualquer tipo de concentração excessiva de poder, o que a Separação dos Poderes visa assegurar. Ao reduzir o tamanho do poder que alguém ou alguma instituição possa exercer reduz-se o risco a danos as liberdades (tanto individuais como coletivas) ou ainda que outros interesses estejam suscetíveis a denotações negativas. Pode-se pensar também que o estímulo ao confronto entre os poderes que a dispersão dos mesmos traria se torne positivo e produtivo, trazendo embates e aprofundamentos de questões essenciais no meio social. Ainda mais, destaca-se a possibilidade que isto possibilita e existência de múltiplos centros de recurso aos quais cidadãos podem recorrer quando uma das instituições de poder não estiver satisfazendo as demandas do meio social. Dessa forma, o princípio da Separação dos Poderes busca instituir a maneira como isto vem a ocorrer em um Estado de Direito.

A Separação dos Poderes funcional pode estar associada a uma espécie de supremacia legislativa, no sentido de que é apenas a partir da legislação que os outros poderes podem julgar e executar a lei. Ainda através disto é menos provável que a legislação venha a ser opressiva, se o próprio legislador seja um cidadão ordinário e tenha que arcar com o peso das respectivas leis promulgadas.

Sob um prisma formalista no que tange-se o princípio, o papel de cortes em casos relativos a Separação dos Poderes deveria estar limitado a determinar se a contestação da ação de um dos poderes está sob a ótica de seus poderes derivados da constituição, se estiver fora deste então haveria inconstitucionalidade. E do papel executivo em apenas realizar aquilo que legislação promulgada até então o permite fazer, tanto no sentido de administrar quanto no sentido de implementação de suas políticas discricionárias.

Da Separação dos Poderes na Literatura Canônica

Mais ainda do que apenas a separação prática, a Separação dos Poderes precisa passar por um plano teórico. Assim, o mais importante seria que mesmo se houvesse concentração de poder, seria de vital importância distinguir cada um dos poderes em suas respectivas execuções. Dessa forma Jeremy Waldron argumenta no sentido de que um soberano Hobbesiano poderia “exercising those powers as separable incidentes of his authority, even though they are united in one set of hands” [6] (WALDRON, 2013, pg. 449). Esse soberano absolutista estaria articulando os poderes que ele possui em fases distintas, ao contrário poderia existir um soberano absolutista que desconhece essa articulação e/ou não importa-se com essa articulação, pois afinal o poder é todo dele.

Assim, é possível a problematização da Separação dos Poderes para este soberano podendo haver violações, no sentido de que em um teor prático a distinção destes poderes e de suas suscetíveis fases e diferentes funções podem ser confusas se realizadas por uma única instituição ou pessoa. Afinal, como Hobbes expõe o soberano não está sujeito às leis que ele mesmo criou, podendo modifica-las ou afastá-las a seu prazer libertando-o da sujeição, afinal se o soberano Hobbesiano está apenas vinculado a ele mesmo, então ele não está vinculado.

Ou ainda nas palavras de Locke:

It may be too great a temptation to human frailty (…) for the same Persons who have the power of making Laws, to have also in their hands the power to execute them, whereby they may exempt themselves from Obedience to the Laws they make, and suit the Law, both in its making and execution, to their own private advantage (…) [7] (LOCKE, 1988 apud WALDRON, 2013, p. 446).

Tratando a respeito da Separação dos Poderes é quase impossível desvincular o assunto de Montesquieu, autor da clássica obra O Espírito das Leis. Montesquieu acredita que á a natureza humana que confere a justificativa para dividir os poderes do Estado e colocá-los sob responsabilidade de pessoas e órgãos diferentes ao afirmar que “todo homem que tem poder é levado a dele abusar, ele vai até onde encontra limites” (2000, p. 166). Pelo exposto anteriormente é possível afirmar isso tratando-se da Divisão do Poder, mas não da Separação dos Poderes.

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Em seu recente escrito, Jeremy Waldron compartilhando passagens de M. J. C. Vile identifica um ponto obscuro na teoria de Montesquieu:

Montesquieu’s “justifications”, for example, were mostly tautologies. And in the spirit of those tautologies, modern constitutionalism has, until recently, taken the separation of powers for granted – meaning that it takes for granted that the separation of powers is necessary to avoid tyranny, but it does not explain why [8] (WALDRON, 2013, p. 434).

Um exemplo dessas tautologias é a seguinte passagem, que segundo Waldron pode ser utilizada para resumir tudo o que Montesquieu escreveu para defender a Separação dos Poderes:

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor (MONTESQUIEU, 2000, p. 168).

É nesse ponto válido ressaltar a crítica de Waldron que a Separação dos Poderes tem sido esquecida de maiores estudos teórico-políticos no meio acadêmico. É comum a repetição destas tautologias sem maiores investigações filosóficas a respeito do surgimento da tirania em modelos de Estado onde não ocorra a separação. Citando o autor não pode-se mais justificar que “the failure to separate powers leads to arbitrariness because it involves a failure to separate the powers” [9] (WALDRON, 2013, p. 454). Este é o temor de Waldron à simplificação do princípio, no qual a sociedade toma-o como “certo e dado”.

Articulando a Governança

O princípio da Separação dos Poderes divide os processos de governança em conceitualmente três funções principais “enacting a law, adjudicating disputes on the basis of a law, and administering a legal decision” [10] (WALDRON, 2013, pg. 456). Por exemplo, a simples utilização do poder coercivo pelas autoridades públicas de forma recorrente para garantia desse processo é uma forma ingênua do exercício do poder político. Cada uma das fases geradas pela separação que prevê o princípio é importante em si e levanta preocupações institucionais distintas.

Considerada a construção trazida até aqui, o Estado de Direito requer mais do que apenas a existência de leis e o cumprimento destas. É necessário que toda ação governamental, esteja sob o escopo e seja conduzida sobre as áuspices da lei, neste sentido a legislação deveria ser criada a fim de autorizar ações governamentais que precisaram ser realizadas.

Isto significaria o já referido processo articulado, para que os diversos aspectos do processo legislativo e ações legais autorizadas “are not just run together into a single Gestalt” [11] (WALDRON, 2013, pg. 457). As pessoas (físicas ou jurídicas) teriam tempo para compreenderem as normas, as internalizarem e assim organizarem as suas condutas e como tocam suas vidas e negócios, enquanto o governo e suas agências “begin the process of weaving these norms into the broader fabric of their supervision of various aspects of social life and begin developing strategies for (as it might be) inspection and enforcement” [12]. (WALDRON, 2013, pg. 458)

Estar sob a égide de um Estado de Direito requer também que exista a vigência deste processo que responde a articulação institucional requerida pela Separação dos Poderes, devendo haver legislação anterior à adjudicação ou administração; ou o devido processo legal e então adjudicação que geram força executiva desta decisão.

Assim, ao estar em um estado moderno que implica na utilização da Separação dos Poderes, cada um dos poderes criados através dessa separação – o legislativo, o executivo e o judiciário – deve manifestar-se antes de qualquer decisão dada por um destes impactar a vida de um sujeito de direitos. Assim, desrespeitar este processo é desrespeitar o Estado de Direito em si, e nem mesmo uma autoridade legitima – nem mesma pela força de suas credencias democráticas – pode interferir neste processo sem gerar esta problemática.

Assim, tenta-se evitar um processo legislativo em que as leis promulgadas sirvam apenas aos interesses do poder executivo em realizar sua administração; Ou ainda, de decisões judiciais sobrepujarem as elaborações legislativas ou discricionariedades da administração. Logo, a Separação dos Poderes deve enaltecer os caráteres distintos de cada uma desses poderes e suas funções essenciais a um Estado de Direito.

Cada poder precisa estar preocupado em exercer única e exclusivamente suas funções. O legislativo precisa preocupar-se em criar as leis, de maneiras genéricas e com certa abstração, a fim de não adereçar uma pessoa ou mais pessoas em situações específicas. O judiciária em julgar o caso de cada sujeito e a sua respectiva relação com as leis promulgadas pelo legislativo. E o executivo, para além da administração, desenvolver estratégias amplas para a implementação das leis promulgadas. Assim, na medida do possível, é preciso separar, além dos processos articulados de governança, as pessoas que as executam [13]. Esse transitar dos sujeitos entre os poderes é uma forma de contaminação, pois os indivíduos carregam com si as funções específicas dos poderes as quais estão vinculados.

Exemplificando, o princípio da Separação dos Poderes seria indiferente a delegações desde que as instituições a que se delega mantivessem seu caráter puro e distinto, não contaminado por outro poder. Dessa forma, o que importa no princípio da Separação dos Poderes é que haja separação entre o estágio legislativo, a administração e o julgamento dessas leis. Protege-se assim não apenas os processos que formam as leis e consequentemente o Estado de Direito, mas também a mentalidade dos indivíduos que exercem estes papéis institucionais de contaminações entre estes estágios da governança articulada pelos respectivos poderes resultantes da separação.

Considerações Finais

A Separação dos Poderes não é uma conclusão teleológica da sociedade, mas uma dentre várias escolhas políticas possíveis dentro dessa escolha política que fizemos denominada Constitucionalismo. A possível ocorrência de uma supremacia legislativa nessa separação não ocorre devido ao conceito desse poder prever essa hierarquia, essa supremacia decorre do respeito ao processo chamado de Estado de Direito.

O Estado de Direito então é um processo que prevê primeiramente que o Poder Legislativo crie as leis, que essas leis possam ser amplamente difundidas e divulgadas pelas mais diversas instituições, que respeite-se um período para que os indivíduos internalizem estas leis. Somente depois de transcorrido esse período o Poder Executivo estaria apto a tomar ações com base nestas leis e o Poder Judiciário poderia utilizá-las como base de suas decisões. Esse processo – difusão; internalização; supervisão; inspeção e julgamento – é de vital importância para Jeremy Waldron (2013, p. 458) que “there is a serious failure of the Rule of Law when any of these various steps is omitted [14]”.

O autor não pretende com isso afirmar com isso que esses princípios – Separação dos Poderes e Estado de Direito – se confundem, ou ainda são os mesmo, sua ideia é de que para que seja possível um governo pela lei deve existir uma articulação institucional adequada que garanta a dignidade dessas leis, a Separação dos Poderes seria um dos requisitos para essa articulação.

Vale lembrar que o tema deste artigo não é a convivência independente e harmônica de três princípios; e sim o princípio que garante que cada um destes mantenha seu cerne íntegro e específico livre de contaminação por parte dos outros. O Princípio da Separação dos Poderes assegura que cada um destes cernes manifeste-se em tarefas específicas e são essas tarefas mais suscetíveis de interferência e contaminação por parte dos outros.

O que visa-se então, é uma distinção da integridade pura de cada um dos poderes, criando um cenário em que seja possível para os sujeitos confrontar o poder político de maneiras diferenciadas dentro de um Estado de Direito. Assim, a governança articulada através de fases sucessivas mantém sua própria integridade, através da distinção e manutenção dos poderes em si mesmos, garantindo a dignidade da legislação, a independência do poder judicial e a autoridade administrativa do executivo.

Referências

MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. Do espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

VILE, M. J. C. Constitutionalism and the separation of powers. Indianapolis: Liberty Found. Inc., 1998.

WALDRON, Jeremy. A dignidade da Legislação. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

______. Separation of Powers in Thought and Practice. Boston College Law Review, Boston, v. 52, n. 2, p. 433-468, 2013.

______. Political Political Theory: Essays on Institutions. Cambridge: Harvard University Press, 2016.

  1. .....

  2. ......

  3. ......

  4. Tradução livre, “freios e contrapesos”.

  5. Tradução livre, “nós queremos dividir o poder, o que seria melhor do que começar dividindo o poder de um juiz, daquele de um legislador e daquele de um membro do executivo?”.

  6. Tradução livre, “exercer estes poderes como incidentes separados de sua autoridade, ainda que estes estejam unidos em um único par de mãos”.

  7. Tradução livre, “Pode ser muito grande a tentação da fragilidade humana (...) que as mesmas pessoas que tem o poder de fazer leis, tenham também em suas mãos o poder de executá-las, através do qual elas podem isentar-se da obediência às leis que fazem, e adequar a lei, tanto na sua concepção quanto na sua execução, a sua própria vantagem privada”.

  8. Tradução livre, “As justificativas de Montesquieu, por exemplo, eram em sua maioria tautologias. E no espírito daquelas tautologias, o constitucionalismo moderno tem, até recentemente, concebido a Separação dos Poderes como garantida – o que significa que toma como certo que a Separação dos Poderes é necessária para evitar a tirania, mas não explica o porquê”.

  9. Tradução livre, “a falha para separar os poderes leva a arbitrariedade porque envolve uma falta de separação dos poderes”.

  10. Tradução livre, “promulgação de uma lei, adjudicação de disputas com base em uma lei, e a administração de uma decisão da lei”.

  11. Tradução livre, “não sejam executados apenas em uma única forma”.

  12. Tradução livre, “iniciam o processo de tecer essas normas no tecido mais vasto da sua supervisão de vários aspectos da vida social e começam a desenvolver estratégias para (como poderia ser) inspeção e execução”.

  13. “For example, if, as in a Westminster-style constitution, the executive is a committee of the ruling party in the legislature, then there is a danger that the legislature will gravitate naturally to the administration’s agenda. (WALDRON, 2013, p. 461) Tradução livre, “por exemplo, se, como em uma constituição de estilo Westminster, o executivo é um comitê do partido que controla o legislativo, na sequência existe o perigo de que o legislativo vai gravitar naturalmente para a agenda do governo”.

  14. Tradução livre, “há uma séria falha no Estado de Direito quando qualquer um desses vários passos é omitido”.

Sobre os autores
César Augusto Cichelero

Professor e Coordenador do curso de Direito da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul (FISUL). Doutorando em Ciências Criminais na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com bolsa CAPES. Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2018), com bolsa CAPES e integrando o grupo de pesquisa Metamorfose Jurídica. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2016), com bolsa PIBIC/CNPq e integrando o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas Sociais (NEPPPS). Advogado e colunista.

Caroline Ferri

Professora do curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito na Universidade de Caxias do Sul. Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2003), graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006) e Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012).

Eduardo Brandão Nunes

Acadêmico do curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul. Bolsista de Iniciação Científica BIC/UCS na pesquisa Identidade, Comunidade e Desenvolvimento Sustentável: A participação das Mulheres na Conservação da Biodiversidade no Brasil e a Posição do Conselho Municipal do Meio Ambiente e do Conselho Municipal de Mulheres; que é financiada pelo CNPQ e também vinculada ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Sociais (NEPPPS) da Universidade de Caxias do Sul.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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