Transparência e accountability: quando um lindo peixe está escondido num leito pedregoso de um rio de águas turvas.

Leia nesta página:

A transparência vai muito além da informação.

Você pode pensar que o passo decisivo a ser dado para aprimorar a accountability realmente seria a publicação do máximo de informações possíveis que estão disponíveis.

Com um grande volume de dados, a sociedade poderia assim exercer seu papel fundamental de defesa da democracia e de combate à corrupção.

Mas somente isso seria o suficiente?

O problema é que publicar em websites está longe de ser o aceitável para assegurar accountability e combater a corrupção e a ineficiência (MICHENER; BERSCH: 2013).

As informações, além da necessidade de serem visíveis (visibility), têm que permitir a possibilidade de inferências, sem o que seria meramente uma tautologia.

A visibilidade tem dois componentes básicos:

1) a informação deve ser completa; e

2) ela precisa ser de fácil detecção.

Certa feita, visitando um oceanário com minha filha de 10 anos, Martha, tentei mostrar um peixe lindo, mas muito temido pelos pescadores, chamado em Aracaju, Sergipe, de ‘niquim’ ou peixe-pedra.

A água estava mexida no aquário.

Então Martha demorou para ver o ‘niquim’. Quando ela viu o lindo peixe, sorriu, indagou por que o niquim embora bonito, era tão temido, eu respondi rapidamente, e passamos ao próximo aquário.

Com águas mais límpidas, o passeio pela biologia marinha e fluvial fluiu com maior rapidez.

Assim, não adianta saber-se que há um peixe exótico que possui cores lindas e se encontra num oceanário que iremos visitar, se ele tiver extrema capacidade de se camuflar, o fundo do aquário for pedregoso e as águas estiverem turvas.

É que a informação publicizada tem que ser de fácil acesso, transparente para ser encontrada nos emaranhados da internet, ou, como denomina Michener e Bersch (2013), as informações devem ser findable.

Além de serem “acháveis”, os dados disponibilizados têm que permitir inferências, senão do contrário é um calhamaço de informações sem qualquer utilidade prática.

Segundo Michener e Bersch (2013) para permitir a inferência, as informações devem seguir três mecanismos:

1) desagregação de dados;

2) verificabilidade; e

3) a simplificação

Dados agregados dificultam inferir-se algo com precisão, muitas vezes inviabilizando qualquer conclusão sobre o assunto.

Ainda que os dados já estejam de forma granular, ou seja, desagregados, é fundamental a testagem por um terceiro (verification), para garantir a confiabilidade de sua utilização com segurança.

Por fim, a simplificação permitirá que essas informações sejam compreensíveis pelo maior número de cidadãos, na verdade, num mundo ideal, por todos os cidadãos.

Para complicar e apimentar a discussão, outro problema que podemos levantar é se as informações podem estar contaminadas por viés (racial, de gênero, dentre outros) em razão de a pessoa que alimentou o sistema padecer desse vício preconceituoso.

Se isso tiver acontecido, as inferências também sofrerão do mesmo problema (MICHENER; BERSCH: 2013) e estarão contaminadas pelo erro de viés.

Entretanto, além da questão do viés, que pode contaminar a informação, um erro pouco explorado ainda na produção de informação e na tomada de decisões, é o ruído, por ser de mais difícil detecção (KANHEMAN; SIBONY; SUNSTEIN: 2021).

O ruído é um erro de variação nos julgamentos humanos.

O erro de ruído pode ser detectado, por exemplo, em julgamentos divergentes sobre uma mesma situação por pessoas distintas, quando se tem um erro de sistema: dois juízes julgando casos idênticos, proferem sentenças diferentes.

O erro de ruído pode acontecer na esfera de julgamento de uma mesma pessoa em momentos diferentes, como quando o mesmo juiz, em razão de momentos ou circunstâncias, inconscientemente, julga casos similares aplicando penalidades em dosagens diferentes.

Segundo os citados autores, informações ruidosas podem ser tão ou mais prejudiciais do que informações que sofram de viés (KANHEMAN; SIBONY; SUNSTEIN: 2021).

O fornecimento de informações de forma simples e com a devida clareza, respeitando inclusive a boas práticas de acessibilidade, é primordial para uma sociedade mais consciente de seus direitos, podendo exercer a esperada accountability.

Referências

MICHENER, G; BERSCH, K. Identifying Transparency. Information Polity, IOS Press, n. 18, pp 233-242.

KANHEMAN, D.; SIBONY, O; SUNSTEIN, C. R. Ruído: uma falha no julgamento humano. Ed. Objetiva, 2021.

Sobre o autor
Fabio Lucas de Albuquerque Lima

Advogado. Procurador Federal. Ex-Procurador-Geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT. Coordenador-Geral de Processo Administrativo Disciplinar/CONJUR/MPS/CGU/AGU.<br>Autor do livro "Elementos de Direito Administrativo Disciplinar" Editora Fórum, 2014.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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