Tema 1003 do STF, aplicação (ou não) da tese para todas as hipóteses do §1°-B do artigo 273 do Código Penal

Leia nesta página:

Uma análise do alcance da tese do STF para todas as hipóteses de incidência do artigo 273 do Código Penal.

O artigo 273 do Código Penal visa sancionar, dentre outras, a falsificação e adulteracao de produtos terapeuticos ou medicinais, confira-se:

Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

Ademais, além da regra do caput, os §§ 1º-A e § 1º-B estabelecem outras hipóteses de incidência do referido tipo, confira-se:

§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; ( (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

V - de procedência ignorada; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Assim, é correto afirmar que se trata de norma penal demasiadamente abrangente, capaz de abarcar diversas situações fáticas.

E nesse ponto, após o julgamento da tema 1003 do Supremo Tribunal Federal que surgiu a seguinte problemática:

“A orientação tomada pelo STF (no tema 1003) abrange todas as hipóteses do § 1º-B?”

Não existe uma única resposta ao questionamento acima, mas é correto afirmar que já existe orientação jurisprudencial do STJ no sentido de que sim, que a tese firmada pelo STF aplica-se a todas as hipóteses do § 1º-B do artigo 273 do CP.

Tal orientação fora tomada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Habeas Corpus, número 739791, SP, 2022/0129991-2, confira-se:

HABEAS CORPUS. ART. 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 9.677/1998. INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO. PRECEDENTE. ALCANCE. TIPO MISTO ALTERNATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 979.962 (TEMA 1003). REPRISTINAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO DA REDAÇÃO ORIGINAL DO TIPO. 1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pronunciou a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, tendo em conta a violação do princípio da proporcionalidade pelo legislador na fixação em abstrato da pena ( AI no HC n. 239.363/PR, de minha relatoria, Corte Especial, DJe de 10/4/2015). 2. No julgamento do RE n. 979.962, com repercussão geral (Tema 1.003), o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional o preceito secundário, especificamente do inciso I, § 1º-B, do art. 273 do Código Penal, determinando a repristinação do preceito secundário da norma, solução diversa da adotada por este Tribunal. 3. O tipo penal do art. 273, § 1º-B, do Código Penal perfaz-se com a prática de quaisquer das condutas elencadas nos seus incisos e, quando praticadas num mesmo contexto, configuram crime único. Trata-se de tipo penal misto alternativo (ou de ação múltipla ou conteúdo variável). No caso, a interpretação dada pelo Tribunal local violou a técnica legislativa, cindindo o tipo penal. A gravidade das condutas descritas nos incisos não é exatamente a mesma. A técnica legislativa do tipo misto alternativo elenca condutas diversas, mas dentro de um mesmo contexto de reprovabilidade, com gravidade muito semelhante. 4. Necessário adequar a jurisprudência deste Tribunal e aplicar o preceito secundário da redação original do art. 273 do Código Penal. 5. Ordem concedida para determinar que o Quinto Grupo Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo rejulgue a Revisão Criminal n. 228671243.2021.8.26.0000, observando a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal. Determinado, ainda, o recolhimento do mandado de prisão até o julgamento do feito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Nas razões do relator, tal interpretação deve ser assim tomada:

A meu sentir, a interpretação dada pelo Tribunal local violou a técnica legislativa, cindindo o tipo penal. De fato, a gravidade das condutas descritas nos incisos não é exatamente a mesma. Comercializar medicamento de valor terapêutico reduzido me parece mais grave do que comercializar produto de procedência ignorada, por exemplo. É da essência da técnica do tipo misto alternativo elencar condutas diversas, mas dentro de um mesmo contexto de reprovabilidade, com gravidade muito semelhante. Ora, o mesmo ocorre com o tráfico de drogas: "ter em depósito" também me parece conduta menos grave do que "entregar para consumo". São condutas distintas, de gravidade semelhante, mas submetidas à mesma pena. Isso posto, a inconstitucionalidade do preceito secundário alcança todos os incisos do dispositivo em questão, haja vista a manutenção da relação desproporcional entre as condutas tipificadas e a sanção cominada. Reforço que essa questão ainda será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal como dito acima, mas entendo não haver óbice na atuação deste Tribunal da Cidadania.

Nesses termos, conforme indicado pelo STJ, a tese firmada pelo STF deve abranger todas hipóteses anteriormente mencionadas.

Por fim, cumpre esclarecer que tal entendimento não encontra-se consolidado.

Fonte:

STJ, HABEAS CORPUS Nº 739791 - SP

STF, RECURSO EXTRAORDINÁRIO 979.962 - RS


Sobre o autor
Michel Radames Goncalves Lopes

Advocacia Criminal Especializada

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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