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O município no Estado Federal.

Notas ao art. 29 da Constituição do Brasil

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02/09/2007 às 00:00
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7. Os Incisos.

O primeiro e o segundo deles tratam das eleições gerais do município. ''E lendo o erudito Carlos Maximiliano [51], que afirma que é no self-government local que os anglo-saxões "têm adquirido os hábitos de subordinação, e obediência às leis, de sofredora paciência, propósito resoluto e familiaridade com as instituições civis, que os distinguem de todos os outros povos. É no município autônomo que se encontram as raízes da civilização moderna, as fontes vivificadoras do espírito público e os centros da liberdade constitucional" (Corte Suprema de Nova York, sentença no caso People versus Draper, in Black, op.cit.,1910, pág 504, - e ainda Pontes de Miranda, [52] que diz que "ainda hoje, qualquer programa político, que não seja o de dar o máximo poder possível aos Municípios, fazendo-os, com a União, as duas verdadeiras estruturas da vida constitucional do Brasil, pois que são as duas únicas realidades criadoras de riqueza, de agregação e de energia, não tocará, sequer, o problema político estrutural do Brasil.", - é que atentamos para o pensamento do Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, com o qual comungamos, quando diz que é de se reparar que o modo de eleição do prefeito e vice, bem como dos vereadores, e a duração do respectivo mandato, não deviam ser objeto de norma constitucional federal. De acordo com o espírito do federalismo, tais matérias deveriam ser deixadas para o constituinte estadual, caso prevalecesse o entendimento de que a questão era de interesse regional, ou do próprio "constituinte" municipal, se se entendesse que a questão era de interesse local. [53] (artigo constitucional conexo: 14§5º).

Nada se dispõe quanto aos municípios com menos de duzentos mil eleitores. O ponto fica para ser decidido pelo legislador federal ordinário: Código eleitoral: Lei n. 4737/65 (Art. 22, I, da CF). O crime cometido pelo Prefeito, quando ainda não ocupava o cargo, é da competência do TJ, a partir da posse no cargo, sendo válidos os atos processuais praticados pelo juízo do primeiro grau. TJSP- (Ap. 145.771-3-1ª. Câmara Criminal- j; 4-10- 1993). Relativamente ao falecimento de candidato eleito para o cargo de prefeito, ainda que antes da expedição do diploma, transfere-se ao vice-prefeito o direito subjetivo ao mandato, como titular. (TSE – Agravo de Instrumento n. 2.081 – Classe 2ª. – São Paulo – Rel.min.Eduardo Ribeiro-Diário da Justiça, Seção I, -24/3/2000, p. 125).

O inciso quarto trata do número de vereadores, sempre proporcional à população, sendo atualmente objeto de ampla discussão. O preceito remeteu à lei orgânica do município a fixação do número de Vereadores, observadas as balizas entre um mínimo e um máximo, o que gerou discussões na doutrina e na jurisprudência em relação ao número exato de vereadores a ser fixado pelos Municípios, entendendo uma corrente que, observado os parâmetros mínimo e máximo para cada uma das faixas, tem a Câmara autonomia para fixar o seu número; a outra sugere que a composição deve obedecer a valores aritméticos que legitimem a proporcionalidade constitucional. Com efeito, deixando-se ao alvedrio do legislador municipal a fixação do número de vereadores apenas pela relação de mínimo-máximo, permitindo-se-lhe uma opção aleatória e subjetivamente baseada na vontade de cada Câmara, pode tal opção significar tudo, menos a proporcionalidade constitucionalmente reclamada.

Por essa razão, o Supremo Tribunal entendeu, pela maioria de seus membros, [54] julgando questão suscitada incidenter tantum, no RE n. 197.917-8-SP, [55] ser inconstitucional lei municipal do município de Mira Estrela - SP, que fixou em onze o número de vereadores, deixando de atender o princípio da razoabilidade. Essa decisão, não resta dúvida, de cunho político-judiciário, é discutível, pois a matéria devia ser objeto de norma complementar, não podendo um acórdão do Supremo Tribunal, fazer às vezes da lei, em violação à autonomia municipal. [56]

Assim, frente essa decisão, muito embora não tenha ela efeito vinculante relativamente aos demais órgãos públicos, o Tribunal Superior Eleitoral também editou a Resolução n. 21.702 [57][58], em 2-4-2004, fixando o número de vereadores, para todos os municípios, observados os critérios declarados pelo Supremo Tribunal no julgamento do recurso extraordinário, estando inscrito em seu art.3º que, sobrevindo emenda constitucional que altere o art.29, IV, da Constituição, de modo a modificar os critérios referidos no art. 1º, o Tribunal Eleitoral proverá a observância das novas regras.

Posteriormente, em agosto de 2005, o STF decidiu que a precitada Resolução 21.702 continuará valendo em todo o País para as eleições municipais. A maioria do Plenário do Supremo julgou improcedentes as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIS 3345 e 3365) que questionavam os critérios estabelecidos pela norma para a fixação do número de vereadores nos municípios brasileiros As ações foram ajuizadas pelo Partido Progressista (PP) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Foram 10 votos a favor da Resolução contra um, do Ministro Marco Aurélio, pela procedência das ações. [59] Este voto vencido afirmou que não cabe ao TSE, nem ao Supremo, regulamentar a lei. "Não reconheço a competência do TSE e do Supremo em atuar com essa repercussão", ressaltou. No voto Marco Aurélio destacou que a Resolução do TSE afastou as leis orgânicas municipais, o que considerou ser uma violação ao texto constitucional. "Será que é dado desconhecer essas leis orgânicas sem afastá-las mediante procedimento próprio da ordem jurídica?", indagou o Ministro. Seguindo ele, o TSE substituiu os constituintes alterando "a própria Constituição Federal para elaborar o que essa mesma Constituição previu como sendo da incumbência der cada câmara de vereadores, que é a lei orgânica do município".

O inciso quinto teve sua redação dada pela EC n.19, de 4-6-1998, e as remissões aos artigos 150, II e 153, III, e 2º, I, significam que sobre a remuneração fixada incidirá o imposto sobre a renda. Como leitura recomendada v.nota infra. [60]

O inciso seguinte, que disciplina os subsídios dos vereadores, teve sua redação dada pelo inciso VI e alíneas "a" a "f" da Emenda Constitucional n.25, de 14-2-2000, estando seu limite vinculado ao do Prefeito. ( "A remuneração dos vereadores está sujeita ao teto, considerada a do prefeito." (STF – Pleno – RE n.181.715 – Rel.min. Marco Aurélio. No mesmo sentido: STF – 2ª. Turma – RE n. 220.006-SP - Rel.min.Néri da Silveira.). O inciso sétimo limita a despesa com relação receita municipal, tendo sido acrescentado pela EC n. 1, de 31/3/1992.

O oitavo, antigo inciso VI foi renumerado pela Emenda n.1 e essa garantia inscrita na norma constitucional visa resguardar, no plano do direito penal, a atuação institucional dos membros integrantes da Câmara Municipal em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da Casa Legislativa. Vale ressaltar que as manifestações havidas no exercício das funções inerentes ao mandato não autorizam a abertura de inquérito policial nem poderá o Vereador ser submetido a processo penal por atos que se caracterizem como delitos contra a honra, sob pena de configurar-se violação à garantia constitucional. Excessos cometidos pelo vereador em suas opiniões e votos, no âmbito do município e no exercício do mandato é questão a ser submetida à Casa, nos termos das disposições regimentais.

Nesse sentido, portanto, é a jurisprudência do STF sobre essa imunidade de ordem material [61], observando-se que a inviolabilidade alcança também o campo da responsabilidade civil, nos termos de precedentes do Pretório Supremo, pelo seu Plenário [62].

Esse tema, tratado no julgamento do RE n. 210.917, pela sua relevância, merece a transcrição de parte de sua ementa, da lavra do Min. Sepúlveda Pertence, verbis: "3. A imunidade parlamentar [63] material se estende à divulgação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou de terceiros [64], do fato coberto pela inviolabilidade. 4. A inviolabilidade parlamentar elide não apenas a criminalidade ou a imputabilidade criminal do parlamentar, mas também a sua responsabilidade civil por danos oriundos da manifestação coberta pela imunidade ou pela divulgação dela: é conclusão assente na doutrina nacional e estrangeira, por quantos se tem ocupado especificamente do tema."

Referindo-se à Súmula 245 [65] do STF, Alberto Zacharias Toron, com propriedade, diz que algumas considerações são necessárias: a primeira é de que a Súmula tem como alvo a imunidade formal. Basta que se leia o único julgado que lhe serviu de base (Agravo de Inst. Crim. n.27890-MG - Rel.Victor Nunes - in RTJ 27435) para que se verifique a correção do que se afirma. Depois, se a ação do Vereador não é típica, segue-se que o assessor que tenha redigido um discurso ou realizado a sua divulgação "a mando do parlamentar" (sic) estará, como este, acobertado pela inviolabilidade. Se a ação dos agentes guarda uma unidade, parece artificiosa a pretensão de cindir as condutas e considerar que uma está protegida e a outra não. Um tratamento punitivo diferenciado entre agentes que, unidos em seus propósitos e, muito freqüentemente por laços de subordinação, representaria uma iniqüidade. [66]

Com relação à questão da imunidade formal, o legislador não deferiu essa garantia aos vereadores. Nessa conformidade, o Supremo Tribunal, em mais de uma oportunidade, decidiu que a Constituição Federal não assegura ao vereador a garantia da imunidade formal. Os membros do Poder Legislativo dos Municípios podem ser submetidos a processo penal, independentemente de prévia licença da Câmara de Vereadores a que pertencem. [67] Sobre as imunidades em geral, na doutrina, leia os autores referidos nesta nota. [68]

En passant, devemos notar que o art. 125, da Constituição Federal, permite que os Estados-membros organizem sua Justiça, devendo a competência de seus tribunais ser definida em suas respectivas Constituições. Em conseqüência, fazendo opção de natureza política, podem perfeitamente os vereadores ser processados e julgados pelos Tribunais de Justiça, eis que essa instituição de foro por Carta estadual não afronta a federal, quando os destinatários forem tais agentes políticos, desde que haja simetria entre cargos (municipal, estadual, federal). Nesse sentido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, interpretando a Súmula 721, do STF, que indica claramente a possibilidade de atribuição de foro privilegiado por prerrogativa de função estabelecida - exclusivamente por Constituição estadual. [69] Na Lei estadual do Rio de Janeiro, em seu art. 161,IV, d, 3, encontramos a atribuição ao Tribunal de Justiça julgar vereadores, o que não se vê na Constituição paulista atual.

O nono é sinal claríssimo da tendência a assegurar aos vereadores [70] o mesmo status que aos congressistas, o que é justo, pois todos são representantes do povo, aqui se manifesta. Assim, os vereadores de todo o Brasil são colhidos, mutatis mutandis, pelas proibições constantes do art. 54 e outros da Constituição Federal, referentes aos deputados e senadores. Igualmente, às que a Constituição do respectivo Estado estipular em relação aos deputados estaduais. [71]

O seguinte, décimo, trata da controvertida questão do julgamento do Prefeito, mercê de sua qualidade. O Decreto-lei n.201/67 definiu os crimes de responsabilidade de Prefeitos e Vereadores. Entretanto, os artigos 2º, 4º e 8º foram revogados pelo art.29-30, da CF, devendo a matéria dos dois últimos ser regulada pela lei orgânica dos municípios. Todavia, a EC 25, de 2000, que entrou em vigor em 1.1.2001, já definiu em nível constitucional, nos incisos I e III, do § 2º do art.29-A, algumas condutas que considera como crimes de responsabilidade do Prefeito. E a Lei 8.429, de dois de junho de 1992 dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.

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A lei 10.628/02 (que modificou o art.84, do CPP) [72] foi julgada inconstitucional, por maioria de votos no STF, na ADI 2797/DF, com voto vencedor do Relator, o Ministro Sepúlveda Pertence. O voto vencido do Min. Eros Grau (infra a parte dispositiva) dava procedência parcial à ação para interpretar os parágrafos 1o. e 2o. da lei precitada conforme a Constituição e invocava também o art. 27, da lei 9.868/99, para restringir seus efeitos. [73]

Relativamente à organização das funções legislativas e fiscalizadoras [74][75], objeto do décimo primeiro inciso, a Câmara Municipal, deve organizar suas funções legislativas, que estão disciplinadas no art.30, I, da Constituição Federal, estatuindo a competência legiferante local. Estudando essa matéria, Manoel Gonçalves Ferreira Filho nos diz que as regras estabelecidas para o processo legislativo no plano federal já não são obrigatórias para os Estados federados. Não há na Constituição em vigor norma equivalente ao art.200 da Emenda n.1/69, o qual incorporava no que coubesse, ao Direito Constitucional, as disposições constantes da Lei Magna federal. Ora, por julgamento unânime da doutrina e da jurisprudência, um dos pontos em que essa incorporação cabia era exatamente o processo legislativo, ex vi do art.13, III, da Emenda n.1/69. Mas, de qualquer forma, o art.25 da Constituição vigente manda os Estados observarem os princípios do ordenamento federal. Por isso, é de se perguntar se há princípios que se impõem ao Direito Constitucional, no que tange ao processo legislativo. Não há dúvida que os Estados têm hoje, quanto ao processo legislativo, amplo campo de autodeterminação. Não estão obrigados a incorporar ao seu direito normas especificas do direito federal. Apenas devem respeitar princípios - normas abstratas e genéricas - que se possam deduzir do processo legislativo federal e que sejam suficientemente relevantes para que se justifique sua obrigatoriedade.

É difícil e delicado identificar esses princípios. Parece, todavia, que um deles concerne à estrutura do processo legislativo ordinário: fase constitutiva integrada pela deliberação parlamentar mais sanção por parte do Chefe do Executivo, ou superação desta, por maioria qualificada. Outro, à previsão de leis complementares sobre matérias especiais, análogas àquelas que a Constituição federal prevê. Terceiro: o da reserva da iniciativa em termos também análogos. Mais discutível já é a possibilidade de legislação delegada. De modo algum, porém, a admissão de medida provisória com força de lei, que é uma exceção (e aberrante) ao próprio sistema da Constituição brasileira.

O que se disse relativamente aos Estados, aplica-se aosMunicípios. Com uma diferença teórica, a que decorre do fato de que o art. 29, caput, da lei Magna federal, lhes dá auto-organização, mas subordinada não só aos princípios da Constituição federal, como aos da Constituição estadual. Entretanto, difícil é apontar um exemplo de princípio decorrente do Direito estadual obrigatório para o processo legislativo dos Municípios.

Tem, pois, o Município ampla autonomia para determinar as regras de seu processo legislativo. Contudo, com a reserva de eventual princípio estadual, essa autonomia é limitada, apenas, pelos mesmos princípios apontados acima e obrigatórios para os Estados-Membros. [76] O mesmo se diz dos regimentos internos, no que se refere ao processo de elaboração legislativa, eis que se constituem eles de normas processuais, complementos necessários das leis. Assim, o regimento interno, porque emanado do direito constitucional, é a lei das corporações, especialmente das legislativas, cuja violação está sujeita ao controle jurisdicional. [77] A posição da jurisprudência, atualmente, com relação a essa questão, está refletida no Acórdão MS-22.503-3, do STF. [78] O Ministro Moreira Alves, em seu voto nesse julgamento, trata de distinguir entre disposições regimentais "meramente ordenatórias" – destinadas a regulamentar o funcionamento do processo legislativo, organizar a estrutura interna, distribuir competências, etc. – e as que entendem com direitos individuais – sujeitas, portanto, à jurisdição do Tribunal.

Quanto à função de controle e fiscalização [79] da Câmara, mereceu ela do constituinte de 1988 destaque idêntico ao da função legislativa, na medida em que o inciso as coloca dentre os preceitos obrigatórios a serem observados na elaboração das leis orgânicas municipais. A função de controle e fiscalização da Câmara sobre a conduta do Executivo tem caráter político-administrativo e se expressa em decretos legislativos e resoluções do plenário, alcançando unicamente os atos e agentes que a Constituição federal em seus arts, 70/71, por simetria, e a lei orgânica municipal, de forma expressa, submetem à sua apreciação, fiscalização e julgamento.

O Estatuto da Cidade, lei n.9452, de 20 de março de 1997, determina que as Câmaras Municipais sejam obrigatoriamente notificadas da liberação de recursos federais para os respectivos Municípios, e a Lei de Responsabilidade estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão.

A cooperação das associações representativas no planejamento municipal, do inciso XIII, tem por referência o art. 3º.,I e II, da Constituição que estabeleceu vários objetivos fundamentais a serem seguidos pelas autoridades constituídas, no sentido de desenvolvimento e progresso da nação brasileira. A partir da definição dos objetivos, os diversos capítulos da Lei Magna [80] passam a estabelecer regras que possibilitem seu fiel cumprimento. Ao legislador ordinário e ao intérprete, em especial às autoridades públicas dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e da Instituição do Ministério Público, esses objetivos fundamentais deverão servir como vetores de interpretação, seja na edição de leis ou atos normativos, seja em suas aplicações. [81]

O constituinte de 1988 seguiu o modelo português, cuja Constituição (art. 9º) também consagra objetivos, tarefas, metas a serem observadas, como categorias fundamentais, as quais visam assegurar a existência de uma sociedade livre, justa e solidária, procurando o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza para promover o bem-estar de todos. Ferreira Filho, comentando sobre essa Constituição dirigente, [82] e os direitos fundamentais escritos na Lei fundamental brasileira, concluiu que esses direitos aqui não têm garantias, em parte por que a inspiração foi de estabelecer uma Constituição-dirigente, nos moldes apregoados pelo marxista (sic) português Canotilho, em lugar de uma Constituição-garantia, como é da tradição democrático-liberal. Quer dizer, uma Constituição segundo o fracassado modelo português de 1976, destinada a orientar a transição para o socialismo, por meio de reformas econômico-liberal-sociais, antidemocrático-liberais, em lugar de uma Constituição que limitasse o poder político, por meio de um sistema de garantia de direitos e de divisão de funções, criando um sistema de freios e contrapesos. [83][84]

Com relação às associações representativas da sociedade civil, difundiu-se uma nova designação aplicada ao conjunto dessas organizações sem fins lucrativos - Terceiro Setor [85]- e com a ampliação de sua participação nos negócios do Estado, foram editadas as leis 9.608/98 e 9/790/99 [86], para incentivo dos atores sociais na execução e financiamentos de projetos que busquem dar cumprimento aos objetivos do art. 3º da CF. Portanto, deve o legislador municipal, através de lei ordinária, atender à norma constitucional programática, com observância dessa legislação infraconstitucional e dos princípios que a inspiraram.

A participação, enfim, de todas as entidades comunitárias na solução dos problemas locais é uma evidência do alto nível de cultura do Município. A Câmara é o poder nato que pode catalisar essas forças vivas da comunidade, integrando-as num só vetor, como que somando a potencialidade diversificada dos representantes ao poder político que erigiram.

Relativamente à iniciativa popular de projetos de lei [87], a participação política é forma de exercício da soberania popular inerente à democracia e necessária ao desenvolvimento da cidadania. Dentre as suas modalidades, a participação popular através de representantes eleitos "pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos" (art. 14, caput, da Constituição), é a que vem sendo utilizada nos regimes de governo modernos e contemporâneos, por isso mesmo denominadas democracias representativas. [88] Já Rui dizia que "o interesse do país não está em ser governado consoante a formula deste ou daquele sistema, senão sim em ser bem governado; e os governos bons são os temperados e fiscalizados pela discussão." [89]

A Constituição nada fala [90] sobre o procedimento da iniciativa popular, apenas prescreve sua existência e requisitos subjetivos e objetivos, estes em nível federal e municipal. Isso leva à conclusão que o procedimento legislativo dependerá da espécie de lei proposta. Em nível municipal deverá ser observado o que dispuser a lei orgânica do município e a norma local específica porventura existente, devendo ainda ser considerados os regimentos internos das casas legislativas. Quanto a estes, observa-se que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, nos artigos 252, inciso VI, 105 e 171, trata da matéria, o segundo prevendo a impossibilidade de arquivamento de projetos de iniciativa popular que se encontrem em tramitação ao fim da legislatura e o terceiro estipula prioridade dos subscritores de projeto de lei de iniciativa popular na discussão da Ordem do Dia, o que servirá de parâmetro para o legislador municipal. Dispõe o povo, pois, de titularidade de exercício de mais um mecanismo constitucional de cunho eminentemente político de controle de atos governamentais contrários aos seus interesses, muito embora o trâmite legislativo possa desestimular a sua prática em prol do exercício de mecanismos judiciais, como a ação popular, de resposta em tese mais célere. [91]

O inciso XIV diz que, nos termos do art.28, o Prefeito não pode usufruir duplicidade de vencimentos. Perderá ele o mandato caso venha a assumir outro cargo ou função na Administração Pública direta ou indireta, exceto nos casos de concurso público, aludidos no art.28, § único. Nesta hipótese deverá licenciar-se do mandato a fim de tomar posse no cargo para que foi nomeado por efeito de concurso público. Esta norma também se aplica aos governadores, com uma diferença: o Prefeito tem a faculdade de optar pela remuneração do cargo em que tomou posse, ou continuar recebendo o seu subsídio como Prefeito, como lhe permite o art.38, II, da CF. [92]

O princípio constitucional da simetria.

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Sobre o autor
Sergio Miranda Amaral

advogado, procurador do Município aposentado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Sergio Miranda. O município no Estado Federal.: Notas ao art. 29 da Constituição do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1523, 2 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10354. Acesso em: 18 abr. 2024.

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