A nova Lei de Licitações e inovações jurisprudenciais

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Em tempos de “lançamento” do ChatGPT, pela OpenAI/Microsoft, e do Bard, pelo Google – Inteligências Artificiais que prometem elaborar respostas de forma lógica, capazes de apresentar uma forma atual de pesquisa, produção “autoral” de textos e até pinturas artísticas - nossos Tribunais de Contas e Órgãos Públicos se descobrem diante de outra modernidade, muito mais complexa e revolucionária, a nova Lei de Licitações.

Tanto é assim que, às vésperas do fatídico dia D, da inevitável aplicabilidade obrigatória e exclusiva da Lei nº 14.333/2021, fomos surpreendidos com a prorrogação do período de transição (Medida Provisória nº 1.167/2023), em que é possível utilizar de quaisquer das normas, até 30/12/2023, mesmo após 2 anos de prazo para aprendizado e preparação dos órgãos públicos.

De qualquer sorte, nossas Cortes de Contas já se enveredam por situações impensáveis, passando a produzir decisões importantíssimas e que certamente trarão uma realidade desafiadora para a dinâmica das licitações brasileiras.

Entre tantas singularidades – Estudo Técnico Preliminar, Diálogo Competitivo, etc. – a exemplo das atuais inteligências artificiais, sejamos objetivos e diretos, nos atendo especificamente quanto às sistemáticas de impugnação/representação ou denúncia nos editais advindos do próximo regramento.

A Lei nº 14.133/2021, em seu artigo 169, prevê três linhas de defesa – a exemplo de mecanismos internacionais de gerenciamento de riscos - que seriam, de forma sucinta e desapegada de terminologias técnico-jurídicas: i) o dever de autotutela e controles primários, a ser exercido pelos próprios agentes da licitação, ou as respostas que estes apresentam às eventuais impugnações ao Edital; ii) a representação, direcionada às unidades de assessoramento jurídico e de controle interno, a nível de gestão, do próprio Órgão ou entidade e, por último; iii) a terceira linha, responsável por avaliar as atuações da 1º e 2º linhas, formada pelos Órgãos Centrais de Controle Interno e os Tribunais de Contas.

Pois bem, em decisão sui generis, o TCU decidiu que deveria o denunciante seguir “ordenadamente” estas linhas, ou seja, buscar antes a impugnação administrativa, na primeira e segunda linhas de defesa e, só depois, subsistindo motivos, denunciar na Corte de Contas. Vejamos trecho do julgado:

considerando o princípio da eficiência insculpido no art. 37 da Constituição Federal e as disposições previstas no art. 169 da Lei 14.133/2021, deve o interessado acionar inicialmente a primeira e a segunda linhas de defesa, no âmbito do próprio órgão/entidade, antes do ingresso junto à terceira linha de defesa, constituída pelo órgão central de controle interno e tribunais de contas, evitando, por exemplo, a apresentação de pedidos de esclarecimentos ou impugnação a edital lançado, ou mesmo de recurso administrativo concomitantemente com o ingresso de representações/denúncias junto a esta Corte de Contas, sob pena de poder acarretar duplos esforços de apuração desnecessariamente, em desfavor do erário e do interesse público.” (Acórdão 572/2022-TCU-Plenário)

Em que pese estarmos diante de caso específico, podemos perceber, de forma sumária, que as disposições legais, as futuras normas regulamentadoras e especialmente as inesperadas decisões, certamente trarão novidades ao dia a dia de todos os envolvidos nas licitações e contratos administrativos, sejam os licitantes, os agentes internos ou os Órgãos de Controle Externo.

De qualquer forma, uma característica subliminar tem se desenvolvido no seio dos nossos Tribunais Judiciais e de Contas, o sopesamento de princípios, diante de cada caso concreto, em contraposição à “criação” de verdades automáticas e absolutas, não se aplicando, portanto, a citada decisão a toda e qualquer situação.

Da mesma forma que preza pelo princípio da eficiência, da celeridade, da economicidade e da segregação de funções – que motivaram a citada decisão do TCU – a Lei nº 14.133/2021 defende e cria mecanismos de obediência também aos princípios da eficácia, da ampla defesa, do contraditório e da probidade à Administração Pública, que nortearão as ações dos Tribunais diante de cada nova denúncia, permitindo a existência de verdades relativas, ou seja, aplicadas caso a caso, o que se mostra exemplarmente harmonioso com o futuro célere, dinâmico e de inteligência artificial que se avizinha.

No entanto, diante do inquietante tema e da citada decisão, faz-se necessário recordar que as atribuições e garantias dos Tribunais de Contas (assim mesmo, escrito em letras maiúsculas – e não em minúsculas, como constou na nova Lei de Licitações) estão gravadas nas Constituições Federal e Estaduais, portanto, não é cedido ao legislador infraconstitucional poderes para reduzir a legitimidade das Cortes de Contas, relegando sua atuação de forma secundária ou terciária na defesa do erário.

Pra finalizar, e não dizerem que não falei das flores, bye bye Convite - se outras alterações não ocorrerem, até a vigência definitiva e única da nova norma!

Sobre o autor
Rodrigo Corrêa da Costa Oliveira

Atualmente é Diretor da Unidade Regional de Registro, do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público. Atua na área do Direito Público a mais de 20 anos. Participou de Comissões de Licitações e do Departamento Jurídico do Ministério Público do Mato Grosso, foi Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos do Município de Peruíbe. Exerceu a advocacia na Monte Cruz Advogados Associados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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