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Livre apreciação da prova

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28/09/2007 às 00:00
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3. A PARTICIPAÇÃO DO JUIZ E SUA CONVICÇÃO FRENTE À ANÁLISE DAS PROVAS

3.1 A tese sueca sobre o convencimento judicial.

A doutrina sueca e a doutrina alemã trouxeram à processualística civil interessantes formas de atuação do juiz frente às provas produzidas pelas partes, principalmente no tocante ao ônus da prova incumbido a cada uma delas. No processo civil brasileiro é utilizada a regra da distribuição do ônus da prova, conforme disposto no artigo 333 do Código de Processo Civil, incumbindo ao autor a prova dos fatos constitutivos de seu direito e ao réu a prova dos fatos modificativos, extintivos e impeditivos.

LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART ensinam que na Suécia foi diminuída a importância da regra do ônus da prova, bastando ao juiz uma convicção de verossimilhança. Nesse sistema, a liberdade atribuída ao magistrado era assustadoramente vasta. Ensinam que "em certos casos, o juiz deveria chegar à verossimilhança prevista na lei, enquanto que, em outros, ele mesmo poderia determinar o grau de verossimilhança necessário, considerando as circunstâncias do caso concreto. Ou seja, a falta de previsão legal não retiraria do juiz a possibilidade de julgar com base em verossimilhança, quando então o julgamento deveria considerar as conseqüências que derivariam da exigência de um grau de verossimilhança muito alto e, portanto, de um julgamento fundado na regra do ônus da prova". [60]

Assim, na Suécia o juiz estabelecia o grau de prova suficiente e posteriormente atribuía um grau às provas produzidas. Se as provas produzidas não atingissem aquele grau preestabelecido pelo juiz, este lançaria mão da utilização da regra do ônus da prova. [61]

Interessante, ainda, ressaltar a conclusão a que chegou SALVATORE PATTI ao analisar a doutrina Sueca sobre o convencimento judicial partindo das premissas acima expostas. [62]

a) il giudice deve stabilire quale sia il grado di prova sufficiente per decidere (c.d. punto dell’onere della prova): soltanto se questo grado non viene raggiunto occorre decidere in base alla regola sull’onere della prova; b) il giudice deve quindi attribuire un certo grado alle prove fornite dalle parti: il valore delle prove non è predeterminato dal legislatore. Cosí, ad esempio, se per un determinado rapporto della vita di relazione la legge richiede un grado di verossimiglianza del 75%, la prova non puó considerarsi raggiunta se il giudice accerta, ad. es., un grado del 70%. Viceversa, la prova deve considerarsi raggiunta, e non se pone un problema di «convencimento», quando viene accertato un grado di verossimiglianza del 75% (o più).

Entretanto, como explicam LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, apoiados no próprio SALVATORE PATTI, a doutrina sueca ousou mais ainda. Não satisfeita com a possibilidade de julgamento baseado em verossimilhança nos casos especificados por lei ou quando o juiz, frente às peculiaridades do caso concreto assim decidisse, a doutrina sueca sustentou que o juiz poderia abandonar a regra do ônus da prova quando existisse um mínimo de preponderância das provas de uma das partes, ou seja, um grau de 51%. Eis as lições dos Professores da Universidade Federal do Paraná: "Se posição de uma das partes é mais verossímil que da outra, ainda que minimamente, isso seria suficiente para lhe dar razão. Nessa lógica, ainda que a prova do autor demonstrasse com um grau de 51% a verossimilhança da alegação, isso tornaria a sua posição mais próxima da verdade, o que permitiria – segundo a doutrina escandinava – um julgamento mais racional e melhor motivado que aquele que, estribado na regra do ônus da prova, considerasse a alegação como não provada. [63]

Concluem os dois professores paranaenses que nesses casos – do Överviktsprincip na Suécia e do Überwiegensprinzip na Alemanha – a idéia da distribuição do ônus da prova acaba assumindo a feição de uma régua que indicaria a parte que deveria ter êxito. Assim, este ônus não pesaria sobre nenhuma das partes. Aquela que conseguisse fazer com que a régua pendesse em seu favor, ainda que minimamente, seria a ganhadora da causa. [64]

3.2 GERHARD WALTER e a técnica da redução do módulo da prova

LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, baseados nos ensinamentos de GERHARD WALTER, defendem a utilização da chamada "redução do módulo da prova", que se dá em situações nas quais se exigir o "grau unitário de cognição" importa em negação a direitos. [65] Assim, em situações como a da necessidade da concessão da tutela de urgência, o julgador deve aceitar a "prova possível" da alegação, dispensando a certeza e julgando com base em verossimilhança. [66]

Como bem explicam os professores da Universidade Federal do Paraná, GERHARD WALTER levanta a questão sobre o fato de ser possível a variação do "módulo da prova" diante das diversas situações de direito material. E conclui que ao se determinar o "módulo da prova" não se pode afastar da matéria subjacente, "sob pena de os fins do próprio direito serem desvirtuados, ou ainda, de se entrar e choque com outros importantes princípios do direito". [67] Demais disso, ainda lembram que se deve levar em consideração – quando se trata do juízo de conveniência e necessidade da utilização da redução do módulo da prova - não somente os princípio jurídicos, mas também o propósito do legislador diante da matéria concreta. [68]

Assim, GERHARD WALTER entende que há um determinado grupo de casos que, por serem extremamente difíceis de serem provados, admitiriam a dispensa do método da convicção de verdade, utilizando, dessa forma, o método da convicção de verossimilhança. [69]

É o mesmo GERHARD WALTER quem traz perfeitos exemplos nos quais deve ser aplicada a técnica da redução do módulo da prova, como o das lesões pré-natais, indenização a refugiados e vítimas do nazismo e, por fim, dos casos de pagamento de seguro. [70]

OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA reconhece o uso de uma estrutura muito parecida, para não se dizer igual, à redução do módulo da prova preconizado por GERHARD WALTER, no direito brasileiro. Apóia-se nos casos de investigação de paternidade anteriores ao surgimento do exame de DNA, que indica com 99% de certeza a paternidade natural. [71]

Outro interessante exemplo do uso da técnica da redução do módulo da prova no direito brasileiro é trazido por LUCIANE TESSLER. A professora paranaense expõe o constante uso dessa técnica em ações relativas à proteção da higidez ambiental. [72]


4. DEMAIS ELEMENTOS UTILIZADOS PELO JUIZ NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS

4.1 O juiz, a prova indiciaria e as presunções

Chama-se de prova indiciária a prova destinada a demonstrar o fato indiciário (indício). [73] Lembre-se de que o fato indiciário é um mero fato que deve ser alegado pela parte, assim como esta alegação, deve ser demonstrada. Estas também são as conclusões a que chegou FRANCESCO CARNELUTTI [74]

A importância do indício [75] verifica-se naqueles casos em que o juiz não dispõe de elementos que apontem diretamente para o fato alegado [76].

A conclusão a que chega o juiz após raciocinar de forma presuntiva a partir de um fato indiciário chama-se presunção. [77]

Se vedada fosse a utilização das presunções no processo, correr-se-ia o risco de grande número de casos resolverem-se pela "absolvição por insuficiência de provas", ou melhor, inúmeros casos restariam nebulosos por um apego irracional à forma por parte do juiz.

Lembre-se, todavia, que o artigo 230 do Novo Código Civil exclui a utilização de presunções judiciais nos caso em que a lei afasta a prova testemunhal. [78]

Ensina ANDREA PROTO PISANI, que as presunções "consistem no raciocínio pelo juiz, uma vez adquirido o conhecimento de um fato secundário através de fontes materiais de prova, dirigido a deduzir desde a existência ou não do fato principal ignorado". [79]

As presunções dividem-se em presunções legais – absolutas (iuris et de iure) e relativas (iuris tantum) – e presunções judiciais, também conhecidas como presunções simples ou praesumptiones hominis.

Excelente diferenciação entre presunções legais e judiciais faz JOSÉ LUIS VÁSQUEZ SOLETO, professor catedrático de direito processual da Universidade de Barcelona. Ensina que "la diferencia esencial es que en las presunciones legales es el legislador el que, en aplicación de la experiencia de la vida en cada momento histórico, establece la vinculación entre los dos hechos aplicando una máxima de la experiencia o del criterio humano que el legislador codifica, mientras que en las presunciones judiciales el legislador deja al juez el cometido de poder establecer en cada caso concreto la vinculación entre el hecho admitido o demostrado y el hecho a presumir, mediante la aplicación de una regla de la lógica o de la experiencia que el propio Juez realiza por la delegación del legislador." [80]

Cabe lembrar que para JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA a diferença conceptual entre presunções legais relativas e absolutas visa fixar, para a solução da controvérsia, a relevância ou irrelevância, de determinada prova. [81]

4.1.1 Presunções judiciais

As presunções judiciais, simples ou ainda praesumptiones hominis nada mais são do que relações estabelecidas exclusivamente pelo juiz entre um fato conhecido e outro desconhecido. [82] A partir de um fato comprovado o juiz forma, através de raciocínio indutivo, a presunção de existência do fato desconhecido. [83]

Frise-se, ainda, que está presunção não constitui meio de prova. Quando o juiz, através de processo mental, passa da premissa ‘se aconteceu x deve ter ocorrido y, absolutamente nada de novo surge no pano material, concreto, sensível. Por isso é impróprio se afirmar que através da presunção se adquire mais uma prova. O que se tem, em verdade, é um conhecimento novo, que se estabelece exclusivamente in mente iudicis. [84]

4.1.2 Presunções Legais

4.1.2.1 Presunções legais relativas

As presunções legais, como leciona JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, são muito semelhantes às presunções judiciais [85] diferenciando-se tão somente pelo fato de nesta a correlação entre os fatos é deixada ao juiz e, naquela, a correlação é feita pelo legislador.

JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA no mesmo trabalho traz conclusão importante para o tema. Expõe que a função prática das presunções legais relativas é a distribuição do ônus da prova. [86] Frise-se que não se trata da distribuição como a feita pelo art. 333 do Código de Processo Civil brasileiro. [87] Para este tipo de presunção não importa se a parte é autora ou ré, assim, incumbe à parte a quem a presunção desfavorece provar o contrário, independentemente de qual pólo processual ocupe.

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Não se pode falar, contudo, que a presunção relativa é técnica de inversão do ônus da prova. Há casos em que a aplicação da presunção coincidirá com o resultado que se obteria aplicando a regar da distribuição do ônus da prova do art. 333 do CPC. [88] Evidencia-se, por isso, que a importância das presunções relativas ressalta-se nos casos de não coincidência coma regra prevista no Código de Processo Civil. Caracterizam-se, desse modo, normas especiais de distribuição do ônus da prova, e não exceções.

Exemplo claro da vasta aplicação das presunções legais relativas no direito brasileiro é a presunção de paternidade formada quando o investigado se recusa a se submeter ao exame de DNA. Nesses casos, a jurisprudência dos Tribunais Brasileiros tem entendido que se a parte se recusa à submissão à prova pericial, presume-se, em seu desfavor, a paternidade, com base, principalmente no artigo 232 do Código Civil Brasileiro que dispõe que "a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame".

Há autores, contudo, que entendem que a recusa à submissão ao exame de DNA não pode gerar presunção de paternidade, pois razões outras podem ter levado a parte a se esquivar de tal exame, como as religiosas, por exemplo. [89]

Discorda-se, entretanto, deste raciocínio, entendendo-se que a recusa à participação em exame pericial de DNA gera sim a presunção de veracidade em favor do investigando, como entende a jurisprudência brasileira. [90]

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, por sua vez, flexibiliza este entendimento sustentando que a norma do artigo 232 do Código Civil pressupõe um juízo complementar do julgador para que se forme a presunção de paternidade. [91]

4.1.2.2 Presunções legais absolutas

As presunções legais absolutas são aquelas, estabelecidas pelo legislador, que não admitem prova em contrário. Evidencia-se, portanto, que nesta não há lugar para raciocínio presuntivo por parte do julgador, que já foi realizado pelo legislador. Com efeito, este com receio de deixar algumas situações cuja prova é de extrema dificuldade, injustiçadas, preferiu impor a presunção absoluta de que tais fatos ocorreram. Lembre-se de que a escolha dessas situações é questão de política legislativa, assim, os motivos são pré-jurídicos.

Lembre-se de que nas presunções legais relativas se dispensa a prova do fato, enquanto nas presunções legais absolutas se dispensa o próprio fato. Como visto aquela diz respeito ao ônus da prova enquanto que esta nada tem a ver com o processo. Está, sim, ligada ao direito material.

Nestas presunções o que a lei faz é atribuir o mesmo efeito jurídico a situações diferentes. [92] Percebe-se com isso incrível semelhança entre as presunções legais absolutas e as ficções jurídicas. Para JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA [93] os resultados práticos que o legislador consegue, recorrendo a um ou a outro expediente são semelhantes, tendo a distinção entre ambas as figuras valor meramente teórico, ocorrendo freqüentemente, na visão do autor, confusão entre elas. [94]

Frise-se, ademais, que as presunções legais absolutas não se relacionam à prova, dizem respeito ao direito material. Assim, tentar-se enquadrar as duas figuras – presunções relativas e absolutas – como espécies do gênero da presunção legal, não é aceitável.

4.1.3 Conflito entre presunções

Estabelecido o conflito entre presunções o magistrado deve tomar as seguintes providências:

i) se uma das presunções for legal absoluta e a outra não, como parece óbvio, prevalecerá a primeira; ii) se o magistrado estiver defronte a uma presunção legal relativa e um presunção judicial, ou entenderá que a esta é prova contrária àquela ou entenderá que a presunção judicial não constitui prova bastante para afastar a presunção legal relativa.

Nas duas situações anteriores não se percebe grande complexidade. Surgem dúvidas, entretanto, quando iii) o conflito se estabelecer entre presunções da mesma espécie (absoluta com absoluta, relativa com relativa).

Com base nos ensinamentos de LUIZ GUILHERME MARINONI e de SÉRGIO CRUZ ARENHART o magistrado deverá encontrar a solução analisando o caso concreto, utilizando-se do princípio da proporcionalidade. [95] Entretanto, discorda-se desta posição.

Nos casos em que há conflito entre duas presunções legais absolutas ou entre duas presunções legais relativas que, invariavelmente estão positivadas em lei, não cabe a utilização do princípio da proporcionalidade por uma razão simples: Está-se diante de uma antinomia (conflito de regras) que deve ser resolvida com base nos seguintes critérios: cronológico, hierárquico e de especialidade. [96]

NORBERTO BOBBIO explica que o critério cronológico, também chamado de lex posterior "é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori. Esse critério não necessita de comentário particular. Existe uma regra geral no Direito em que a vontade posterior revoga a precedente, e que de dois atos de vontade da mesma pessoa vale o último no tempo. Imagine-se a Lei como expressão da vontade do legislador e não haverá dificuldade em justificar a regra". [97]

Esta mesma regra está estampada no art. 2º, § 1º da Lei de introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942).

O critério hierárquico - também chamado de lex superior -, por sua vez, nas palavras de NORBERTO BOBBIO "é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat inferiori. Não temos dificuldade em compreender a razão desse critério depois que vimos...que as normas de um ordenamento são colocadas em planos diferentes: são colocadas em ordem hierárquica. Uma das conseqüências da hierarquia normativa é justamente esta: as normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as superiores". [98]

Finalmente, o critério a especialidade, o da lex specialis, "é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional) prevalece a segunda: lex specialis derogate generali". [99]

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Sobre o autor
Maurício Dalri Timm do Valle

advogado, professor colaborador da Unibrasil, ex-Bolsista PIBIC/CNPq

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALLE, Maurício Dalri Timm. Livre apreciação da prova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1549, 28 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10469. Acesso em: 18 abr. 2024.

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