Licitação – que trem é esse?

21/06/2023 às 11:06
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De forma simples, acessível e fácil, sem a pretensão de esgotar o tema, mas contribuir com a compreensão coletiva e social

 A gente escuta muitas coisas, conhece muitas palavras, pela repetição que os jornais, mídia, rua e outras fontes reiteram no nosso cotidiano.

Foi comum, durante um tempo – isso ainda ocorre – de escutarmos a expressão “licitação” atrelada a alguma investigação, suspeita ou burocracia maligna sem honestidade.

No entanto, a ideia do presente artigo é apresentar as licitações de modo prático, simples e compreensível, até para que, quem nunca viu, olhou, sentiu, tocou – mas com toda certeza usufruiu de - uma licitação, saiba visualizá-la e entender as circunstâncias que envolvem esse processo. É verdade que esse mundo [licitatório] está cada vez mais jurídico, mais legal – e aqui não falo “bacana” é legal de lei mesmo, e não deveria ser tão técnico ou sofisticado em tantos pontos – opinião pessoal. Mas, já que é, que tal tentar simplifica-lo para que mais pessoas possam compreender.

Em resumo, a licitação é um processo, obrigatório para compras e contratações públicas.

Imagine você, ai de casa, quando pretende comprar um eletrodoméstico, ou qualquer coisa, você realiza um processo de compra. Pesquisa os lugares, os tipos de eletrodomésticos, reflete sobre a sua necessidade, vê se o cartão tem limite. E ai quando pinta o dinheiro ou aquele limite no cartão você, usando esse processo de análise, vai lá e adquire o bem que precisa.

Essa é uma escolha sua, que você tomou levando em conta os fatores importantes para você e a sua necessidade.

Com os recursos públicos o sistema é parecido, a licitação é o meio pelo qual são feitas as compras/contratações e vendas públicas, e ela existe para garantir que todas as etapas dessa compra/contratação/venda sejam, de fato, direcionadas ao melhor interesse público. É que ai, meu caro, minha cara, não basta a vontade individual de quem compra [e quem autoriza essas compras é o responsável pelo Órgão/Ente – tecnicamente: ordenador de despesas] mas sim o “interesse público” em realizar essa aquisição ou venda. E interesse público é outra coisa bem difícil de entender, que muda em cada situação, mas em regra é o melhor interesse para a coletividade.

 Mas então, para que existe um roteiro, chamado “licitação”, para que sejam feitas as compras com recursos públicos? E aqui vou fazer uma observação, não é exclusividade de Órgãos ou Entes Públicos, a regra da licitação, normalmente acompanha o dinheiro público, por isso vemos fundações, associações, licitando.

Respondendo à pergunta, o processo de licitação foi o mecanismo legal [definido por lei] desenvolvido ao longo do tempo, para garantir que não ocorra desvirtuamento dos recursos e das compras públicas. Dentro de toda a lógica da Administração Pública, ela se submete a princípios jurídicos, que são formas de ditar à postura administrativa em todos os casos. E entre esses princípios temos [os do art. 37 da CF/88]: legalidade [obedecer à lei]; impessoalidade [não deixam os interesses individuais sobressaírem sobre os interesses coletivos], moralidade [agir conforme se espera social e administrativamente em seu posto], publicidade [transparência em seus atos] e eficiência [optar e buscar os melhores resultados]. E como garantir que tudo isso respeitado em todas as compras públicas? [Que são despesas, meios de esvaziamento do dinheiro público] com o processo licitatório, uma forma a ser seguida por todos que fazem compras com recursos públicos, desse modo o controle social, controle dos órgãos específicos e a própria conduta dos agentes públicos pode sempre acompanhar as compras públicas e o respeito aos princípios públicos e as regras expressas em lei.

Então é isso, a licitação é um processo que tenta garantir regularidade, legitimidade e legalidade em todas as compras públicas. E vendas, viu? Se a ideia é dar publicidade e permitir que haja competição entre todos, de maneira igual, sem privilegiar, as vendas públicas ou concessões [que são basicamente: deixo você usar/fazer isso aqui, levantar dinheiro explorando isso, mas em troca quero isso – Ex.: transporte coletivo, seria responsabilidade do Poder Público organizar, ele transfere o serviço para Empresa que cobra por isso dos passageiros. A ausência de concessão, muitas vezes pode significar a ausência do serviço, portanto, é importante se ter em mente que nem sempre os serviços são melhores prestados pelo Poder Público, ou, nem sempre este reunirá condições de executá-lo, sendo a concessão um meio de viabilidade].

Quando escutamos que determinada contratação vem sendo investigada, significa que esse processo de compra, concluído ou não, está sendo observado, será analisado para fins de regularidade ou de eventuais crimes. O processo não existe somente para evitar que existam desvios ou crimes com os recursos públicos, pois, ainda que não os evite, ainda que se tente fraudar o processo, o famoso “fazer o errado pelo jeito certo”, ele permite também identificar com mais facilidade essas ocorrências [o errado nunca se mantém no disfarce de certo].

O processo em si é desenvolvido por etapas. Imagine então que você quer comprar uma geladeira. Se você tem limite no cartão, passa na primeira loja que viu e adquire, pode ter certeza que não terá problemas com isso. Talvez o seu vizinho ou parente [aquele que você deixa vassoura atrás da porta para “recepciona-lo”] podem falar: “rapaz, você pagou caro”, e ai é só dizer “não lhe perguntei”, e tudo está resolvido. Mas com à Administração Pública não é bem assim. É preciso motivar, ou seja, registrar e documentar as razões e as necessidades que ensejam na compra daquele bem, naquela contratação – “preciso da geladeira, pois a outra quebrou e sem uma geladeira não terei equipamento para depositar e manter meus alimentos, minhas cervejas, ovos e o chocolate que costumo comer depois de toda refeição”, essa seria a sua motivação. Além disso, existe um dever na licitação, finalidade, que é buscar a melhor proposta. Isso pode ser alcançado por diversos caminhos. As Leis das Licitações [Lei Federal 8.666/93 e Lei Federal nº 14.133/21 e outras específicas] sempre estabelecem isso. E para não ficar chato, técnico, e incompreensível por enquanto – já que, se você está lendo esse artigo vai ter vontade e condições de aprender ainda mais sobre o tema – existem diferentes “modalidades” de licitação [pregão, concorrência, tomada de preços, leilão, concurso, diálogo competitivo e convite – convite e tomada de preços estão com os dias contados], que são todas licitações, mas que acontecem de forma diferente. O tempo delas, as ações que se tem que fazer, e até mesmo a escolha de uma delas, são diferentes. Quando nasce uma demanda, como você quando vai comprar a geladeira, essa necessidade tem que ser analisada pelo Órgão/Ente/Contratante, para que seja pensada a melhor modalidade de licitação e quais os passos que esse processo vai seguir.

Em síntese, são grandes fases do processo: a interna e a externa. A interna é o planejamento, a Administração descobre o que quer e como quer. Na externa, os particulares fornecedores/prestadores vão disputar para fornecer/prestar esse objeto que a Administração divulga estar interessada em comprar.

“ESTAMOS PRECISANDO DE UMA GELADEIRA”

Na interna os responsáveis pela licitação vão planejar, vão olhar o objeto – que é o que se pretende comprar/contratar, no seu caso o objeto seria a geladeira – e ver qual a melhor alternativa para essa licitação. Vão pesquisar preços, elaborar o edital – que é uma carta, regulamentadora do processo de disputa, as regras da licitação, é o “manual do jogo”-, e, inclusive, vão pensar sobre essa contratação lá no futuro, pois já vão elaborar o contrato e tudo mais.

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“ATENÇÃO, ATENÇÃO, TÔ COMPRANDO DE GELADEIRA”

Já na externa, é o momento que se publica todo esse planejamento, essa intenção de contratar/adquirir, em que os fornecedores – aqueles que terão condição de entregar/trabalhar no objeto que está sendo licitado, no seu caso, as lojas e fabricas que vendem geladeira – vão olhar o edital e se interessar, ou não, em vender/prestar aquele serviço que à Administração está precisando. E então, no dia marcado, e na forma que estiver estabelecida no edital – em alguns casos é necessário fazer um cadastro prévio – os interessados vão até o local ou acessam a plataforma – porque a tendência e nova legislação dispõem que a regra será de licitações virtuais – e disputam essa venda.

Existem etapas em cada “modalidade de licitação”. Não querendo esgotar todas, mas na fase externa, por exemplo, existe a etapa de lances, que é o momento em cada interessado que está participando da licitação faz suas ofertas, dá seu preço para aquele objeto que está sendo licitado. Posteriormente – e como já foi dito, existem modalidades e situações em que essa disputa de preços é feita em outra etapa, então pode ser que a ordem seja alterada – a Administração analisará os documentos e regularidade da empresa – esses documentos já estão previstos no edital, então a empresa que participa de licitação já conferiu se ela tem condições ou não – essa etapa é conhecida como habilitação. E ai, finalmente, aquele que deu a melhor oferta, foi considerado regular com os documentos e análise da equipe, adjudicado e homologado, é vencedor da licitação e firma contrato.

A licitação, então, é um processo que resulta numa contratação/aquisição ou venda, e posteriormente em um contrato público com o vencedor.

Isso tudo para garantir que o interesse público seja de fato alcançado com a licitação.

Sem um processo adequado, com critérios, forma adequada, as compras públicas seriam verdadeira vontade própria dos ordenadores de despesa, sem regras ou uniformidade.

E veja, não digo que a licitação seja um meio perfeito, pois é bem burocrática, não está livre de irregularidades ou tentativas de burla, e nem mesmo é de simples compreensão, tem suas especialidades, mas é o nosso caminho de compras e aquisições públicas, em franca renovação, inclusive, já que a Nova Lei de Licitações e contratos já está vigente, a Lei Federal nº 14.133/21, provisoriamente, junto com a antiga, Lei Federal nº 8.666/93 – que irá viger, tudo indica, até o final do presente ano [2023]. É um período de transição, já que existe muita inovação legal na Norma de 2021 de regras antes não legalizadas e algumas novidades.

Hoje então, existem dois grandes “regimes” de licitações, o da Lei 8.666 e o da Lei 14.133, sendo possível optar por um ou por outro, e embora tenham algumas semelhanças, os processos e as ferramentas são diferentes, por isso não se pode misturar os dois regimes, a sistemática de fundo de cada lei [princípios, etapas, institutos...] são de origem e anatomia diferentes.

Conhecendo o básico sobre as licitações, é possível aprofundar mais um pouquinho sobre parcelas interessantes envolvendo o Edital.

Veja, você comprando a geladeira, algumas características devem ser predominantes.

“Eu quero uma geladeira com porta cerveja”. “Eu quero uma geladeira com fundo falso” – “esconder os doces da galera da família”, nunca se sabe. Quando a licitação está na sua etapa de planejamento, se pensa sobre isso. A descrição e característica mínimas do objeto a ser licitado. Isso é muito importante, pode atrapalhar todo o processo de licitação e inclusive mudar o processo.

Nesse ponto, existem situações de dispensa e de inexigibilidade, que são ocasiões que não se aplicam essa fase externa de disputa da licitação, etapa de publicação do edital e disputa, lembra? Então, não vão ser usadas essas etapas. Será feita a contratação com um fornecedor de forma direta, e por isso, constantemente se chama de “contratações diretas”. A Nova Lei [14.133] altera um pouco isso, pois ela dá preferência para que se faça uma publicação buscando uma disputa em alguns casos de dispensa, é quase como se no momento anterior a contratação, a Administração desse mais um grito de “quem dá mais?”, para confirmar se de fato aquele será o melhor preço.

Mas a diferença básica entre dispensa e inexigibilidade, é que na primeira se refere as situações em que a Lei autoriza que não seja feita aquela etapa externa alongada, de edital e disputa, então a Lei já diz “nesse caso aqui, pode comprar direto”. Como se a lei dissesse: “se for comprar geladeira, hiper frio, 7 portas, com rodinhas e que faz pipoca, pode fazer dispensa de licitação“. Já na segunda, a inexigibilidade, existe uma impossibilidade de se competir, então a  lei já autoriza a contratar – é o caso de fornecedor exclusivo de um bem, por exemplo, não faz sentido abrir disputa se somente ele ou aquele produto que fornece poderão atender à minha necessidade. Nesse caso eu vou justificar,  “preciso comprar geladeira da marca Polonorte, hiper frio, 7 portas, com rodinhas e que faz pipoca”, por isso vou comprar direto como fornecedor. Comprar direto: não realizar aquela fase de disputa com edital [lembrando que a nova lei privilegia uma etapa de disputa eletrônica nas dispensas, o popular “preguinho” – diminutivo do pregão, modalidade].

As dispensas são aqueles casos previstos em lei, ok? a inexigibilidade é um conceito, que não está esgotado em lei, será justificado em cada caso.

Vale ressaltar aqui, que a dispensa ou inexigibilidade, também são publicadas, divulgadas e seguem as demais etapas da licitação, também se verificam os documentos dos contratados, realiza-se pesquisa de preços, existe uma obrigatoriedade de instruir o processo mesmo que não exista a etapa de disputa, a de briga, de lance, de “quem dá mais”...

Ainda, lá no edital, é possível a Administração, e aí depende de cada caso, exigir documentos diferentes em cada licitação. De regularidade da empresa, trabalhista, técnica – para ver se atenderá ao que está contratando, financeira e até social, pela Nova Lei. Mas isso sempre vai depender do objeto, alguns mais e outros menos, outros nada.

Bom, a licitação é isso, em resumo, sem aprofundar, de maneira simples e acessível, espero que tenha contribuído a sua leitura despretensiosa ou ainda, agregado algo. Existe muita coisa em cada detalhe disso que foi escrito, aspectos que só é possível conhecer aprofundando bem.

De qualquer forma, compreender esses elementos ajuda nas conversas, na compreensão do rádio, na rua, no jornal local, na TV, no trabalho da escola, da faculdade ou qualquer coisa que envolva licitação, a ideia foi essa e não, não tive a intenção de traumatizar as compras de geladeiras.

Sobre o autor
Leonardo Vieira de Souza

Advogado e Consultor em Gestão Pública. Pós-graduado em Direito Administrativo, Constitucional, Eleitoral e Gestão Pública com ênfase em Licitações.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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