Controle de constitucionalidade comparado: Brasil e Argentina

30/06/2023 às 11:46
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Resumo: O presente trabalho acadêmico, conformado em uma pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, teve como objeto os direitos e garantias fundamentais previstos no ordenamento jurídico argentino. A constituição argentina data de 1853, tendo sofrido, ao longo desse tempo, várias reformas, para se adequar à mudança dos tempos e evolução dos cidadãos argentinos, e, dessa forma, os direitos e garantias fundamentais também foram ajustados às diversas situações vivenciadas na nação portenha, com o que, até a presente data, sofreram acréscimos significativos, que só beneficiam a população argentina. É certo que sempre é possível encontrar uma lacuna ou outra, mas, tendo em vista que o país mostra tendência a ser democrático, vai depender de seu povo estar sempre atento para que seus direitos fundamentais sejam respeitados, fazendo valer as disposições constitucionais e criando outras naquilo em que a Constituição se mostrar lacunosa.

Palavras-chave: Sistema Jurídico Argentino. Direitos e Garantias Fundamentais.


1.1 Considerações introdutórias

Este capítulo é dedicado ao comparativo do Controle de Constitucionalidade nos ordenamentos jurídicos do Brasil e da Argentina, registrando-se as características presentes em cada um dos sistemas de leis, além de um pouco da evolução do instituto na História de cada país.

O Brasil e a Argentina são países da América do Sul e, como tal, já vivenciaram períodos de regimes de exceção, enfrentando as dificuldades e agruras desse tipo de governo. Mas, conseguiram superar essa situação e, na atualidade, observam regimes democráticos, nos quais, as disposições das respectivas constituições são preservadas.

No entanto, os sistemas de Controle de Constitucionalidade são diversos, eis que, enquanto o Brasil adota um sistema dual (concentrado e difuso), a Argentina emprega o controle difuso desde quando admitiu o instituto em seu sistema de leis.

Há que se considerar que embora vizinhos, os dois países são muito diferentes em tudo, a começar pelo idioma, terminando pela forma como as leis são criadas e aplicadas, além da divisão do território.

Então, a seguir, são feitas considerações sobre o instituto do Controle de Constitucionalidade, na forma de um introito, para, na sequência, adentrar-se às peculiaridades presentes em cada nação com relação ao referido controle de leis.

1.2 Controle de Constitucionalidade

Inicialmente, considera-se pertinente realizar breve reflexão a respeito dos principais sistemas de controle sobre os quais o Controle de Constitucionalidade se estruturou.

Assim, tem-se como o primeiro desses sistemas é o Sistema Político, no qual se constata que existência de uma estrutura de controle eminentemente política. Esse sistema foi adotado na França, no ano de 1958, a partir da criação do Conselho Constitucional.

Em solo francês, a estrutura do Controle de Constitucionalidade não se encontra compondo o Poder Judiciário, querendo-se com isso dizer que não é um órgão do poder Judiciário que controla a constitucionalidade, mas sim um órgão político, conforme ora mencionado, que é nominado de Conselho Constitucional.

A estrutura do Conselho Constitucional é integrada por nove membros e todos os ex-Presidentes franceses, com mandato de nove anos. Os noves se completam do seguinte modo: três são indicados pelo presidente em exercício, três indicados pela Assembleia Nacional e três indicados pelo Senado.

De modo geral, tem-se a efetivação de um controle preventivo, sendo esse controle preventivo provocado sobre as leis orgânicas e regulamentos das assembleias parlamentares. Sob esse ângulo, refere-se que os legitimados para provocação são o Presidente da República, o primeiro ministro, o Presidente da Assembleia Nacional, o Presidente do Senado, o Conselho de deputados ou Conselho de Senadores.

O Sistema Judicial é o segundo sistema a prover suporte ao Controle de Constitucionalidade. Este é o sistema que a estrutura de controle está atrelada ao poder judiciário, são órgãos do poder judiciário que realizam o controle. Há duas grandes divisões: uma voltada para o controle difuso de constitucionalidade – originada da matriz americana (1803) – todos os juízes fazem o controle de constitucionalidade de leis federais, estaduais, inferiores e superiores; e outra voltada para o controle concentrado – Surgiu 117 anos depois, na Áustria (1920) – apenas um órgão de cúpula controla a constitucionalidade das leis, nesse caso um tribunal ou corte constitucional.

O Sistema Misto é o terceiro sistema. Este também envolve uma estrutura de controle – é aquele onde há uma coexistência do sistema político com o sistema judicial. Todos dois são regra e, nesse caso, a estrutura é mista. Um exemplo desse modelo está na Suíça, as leis federais têm o controle político; as leis estaduais têm um controle judicial.

Enviesando a discussão, após a breve análise sobre os sistemas, cumpre mencionar que atualmente cada país edifica seu sistema de controle de constitucionalidade. A partir dele busca o seu modo de utilização.

Esse tipo de construção possibilita viabilizar o controle e ao mesmo tempo encontrar respostas mais atuais, por meio da interpretação constitucional, ante aos casos concretos dentro da sua complexidade, amplitude e profundidade.

Na verdade, o controle de constitucionalidade é um juízo de adequação da norma infraconstitucional à norma constitucional, por meio de uma análise de conformidade vertical entre a mais inferior com aquela imbuída de supremacia, neste caso a Constituição. Busca-se, com isso se verificar a compatibilidade ou a incompatibilidade material ou formal com a norma mãe (Moraes4, 2013, p. 135).

A jurisdição constitucional é uma atividade de defesa da Constituição. Sua atuação se dá para proteger o conteúdo constitucional e também proteger os direitos e garantias fundamentais. A partir disso, surgem três vertentes teóricas principais.

A primeira dessas vertentes teóricas pode ser encontrada na natureza da jurisdição constitucional, que segundo Kelsen5 (2010, p. 197), a atividade é dotada de índole jurisdicional,

... a jurisdição constitucional tem um caráter político em uma medida muito maior do que a função exercida ordinariamente pelos juízos e tribunais, não porque sua função não seja jurisdicional, nem porque a sua função não pode ser conferida a órgão com independência judicial.

Sob o aspecto de seu pensamento, a jurisdição constitucional é bem mais ampla que a interpretação constitucional feita pela atividade jurisdicional. Nesse aso, leva o conteúdo tratado pelas normas a um aspecto político, em que o juiz ao fazer análise comparativa entre o que é constitucional e inconstitucional, no aspecto concreto, está intimamente ligado ao contexto jurídico-político em que se dará sua interpretação.

Contrariamente ao seu posicionamento, Schmidt6 (1996, p. 71) sustenta que a atividade exercida não tem conteúdo jurisdicional, pois está fundada em se resolver aquilo que se encontra na colisão de regras; busca-se interpretar e analisar a aplicação de uma regra a outra regra e extirpá-la do mundo jurídico aquela que estiver em incompatibilidade com a Constituição. Disso conclui-se que a jurisdição constitucional não tem conteúdo jurídico.

A segunda se volta para a legitimidade dos órgãos investidos na jurisdição constitucional. Busca-se através dela dizer quem realmente tem legitimidade para o exercício da interpretação constitucional. Sua legitimidade se funda no amparo de se viabilizar à sociedade uma abertura à ampliação dos participantes do processo de interpretação constitucional. Visa à possibilidade de abrir o debate interpretativo e de aplicação da Constituição, na busca de sua eficácia voltada a dar sentido mais democrático às decisões da jurisdição constitucional.

A terceira vertente busca tratar dos limites de atuação dos órgãos incumbidos da jurisdição constitucional. Nesse aspecto, busca-se através deles delimitar a atuação dos órgãos que farão o controle de constitucionalidade. Tem-se nesse ponto assegurar a efetividade dos direitos fundamentais inscritos no modelo constitucional, de forma coerente e levada ao critério sistêmico do ordenamento jurídico delineado no Estado.

Para Dworkin7 (2019, p. 41), a atividade da justiça constitucional é baseada na índole substancial, partindo da interpretação de que o fundamento dos direitos fundamentais está fincado nos princípios morais essenciais ao funcionamento da democracia constitucional.

Para Habermas8 (2011, p. 298), a atividade da justiça constitucional está ínsita na índole procedimental, sustentando que os direitos fundamentais estão no plano essencial ao funcionamento da democracia discursiva.

1.3 O modelo de controle de constitucionalidade brasileiro

O controle de constitucionalidade pela via judicial evoluiu do controle meramente difuso, previsto inicialmente apenas na Constituição de 1891, para um sistema original que mescla elementos dos modelos difuso-incidental e concentrado principal de controle de constitucionalidade, aperfeiçoado na Constituição de 1988, que ampliou o rol de legitimados para propor as ações de controle de constitucionalidade, garantindo, pois, em teoria, uma maior possibilidade de preservação da ordem constitucional.

Conforme Tavares9 (1991), o processo constituinte de Portugal influenciou bastante o processo ocorrido no Brasil, influências que se observaram não só no processo, mas também no texto, sobretudo no que concerne aos direitos fundamentais. Tal fato se deu muito em razão das afinidades histórico-culturais existentes entre os países, mas também pelas dificuldades observadas nos processos de transições democráticas ocorridas nos dois países (Tavares, 1991).

No Brasil, o controle abstrato da constitucionalidade de normas é realizado pela cúpula do Poder Judiciário, podendo o controle difuso também alcançar aquela instância através de sucedâneos recursais. Contudo, até o advento de um sistema de precedentes trazidos pelo Novo Código de Processo Civil, que vigora desde março de 2016, somente o controle concentrado vinculava tribunais inferiores e administração pública, servindo os demais julgados como precedentes meramente persuasivos.

As ações de controle concentrado existentes no Brasil são: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e, insofismavelmente, representam mecanismos assecuratórios de direitos fundamentais, como o julgamento que reconheceu o direito à união de pessoas do mesmo sexo (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132), a liberação de pesquisa com células tronco embrionárias (Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510), entre outras.

No Brasil, a atuação do Poder Judiciário, respaldada na própria Constituição, notadamente analítica e com vocação à garantia dos direitos fundamentais e da democracia, juntamente com os remédios constitucionais que promoveram maior acesso da população ao Judiciário causaram um insofismável aumento da litigiosidade de matérias constitucionais. Tal movimento acarretou no controle judicial de políticas públicas, caracterizando, por vezes, a restrição de atos provenientes de deliberações tomadas democraticamente, provenientes de órgãos não eleitos pelo povo, suscitando uma suposta violação ao princípio da separação de Poderes, problemática bastante atual do constitucionalismo contemporâneo (Barroso10, 2019).

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Pela via do controle difuso, seja por meio de ações ordinárias ou pelos remédios constitucionais, importantes direitos fundamentais são cotidianamente tutelados pelo Judiciário, citando-se, como exemplo, as reiteradas decisões sobre direito a saúde, que visam conceder medicamentos ante a omissão ou ineficiência do poder público.

Destaca-se a utilização do mandado de segurança, remédio constitucional previsto no art. 5º, LXIX da Constituição Federal de 1988, cabível em todas as situações de ilegalidade ou abuso de poder por autoridade pública, desde que não concernentes a restrições ao direito de liberdade/locomoção ou informação, impugnáveis por habeas corpus ou habeas data, respectivamente.

O Supremo Tribunal Federal, órgão encarregado do controle concentrado de constitucionalidade, é composto de 11 ministros, de livre escolha pelo Presidente da República dos mesmos dentre os cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, cabendo ao Senado Federal, através de decisão de maioria absoluta, aprovar a escolha. Sendo membros do Poder Judiciário, os ministros do Supremo Tribunal Federal gozam de todas as garantias concedidas pela Constituição em seu art. 95, como a vitaliciedade.

No Brasil o sistema de controle de constitucionalidade é dual ou paralelo. Nele buscou fundir todas as espécies de modalidades discutidas no Direito Comparado. Há duas espécies, o controle preventivo político e o controle repressivo judicial.

O primeiro tem natureza política e abre espaço para o controle de constitucionalidade de proposta de emenda à constituição e projeto de lei pelo Poder Executivo e Poder Legislativo, este último atuando por meio de suas duas casas o Senado Federal e a Câmara Federal.

O segundo tem lugar quando o órgão de cúpula do Poder Judiciário, de natureza judicial, declara a inconstitucionalidade de emenda à Constituição Federal.

Em alguns casos é possível o exercício do controle repressivo político quando o Poder Executivo em sua atuação exorbite dos limites do poder regulamentar, ou ainda quando utilizando o múnus da delegação legislativa.

Há ainda um caso em que baseado no controle preventivo judicial é possível se verificar a constitucionalidade em tese do mandado de segurança impetrado por membro do Congresso Nacional, processado e julgado pela Suprema Corte, contra proposta de emenda ou projeto de lei que viole limitação ao poder de reforma constitucional, baseando sua convicção de que o impetrante é titular de direito líquido e certo e não se sujeita ao processo legislativo inconstitucional (Moraes, 2013. p. 151).

Assim, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de duas modalidades, quais sejam: O controle difuso onde qualquer órgão judicial pode declarar a inconstitucionalidade; bem como do controle concentrado, onde quem faz o controle de constitucionalidade é somente o Supremo Tribunal Federal. Esse é instrumentalizado por meio da via de exceção.

Sob essa perspectiva a democracia e os direitos humanos em algum ponto ficam comprometidos. Os interesses dos indivíduos ou grupos minoritários são facilmente envolvidos por um modelo incutido sob o critério da maioria. Este é instrumentalizado por via de ação direta de constitucionalidade. Assim sendo, a decisão tem efeitos erga omnes e tem repercussão em toda a sociedade.

Um defeito desse modelo está em quando grandes instituições detentoras de monopólios se apropriam de discursos populistas e iniciam uma forma de se manter no poder para garantir o poder ou sua permanência, por meio da legitimidade do modelo representativo, incutido na conformação da interpretação das leis ao âmbito constitucional.

A ponta da cadeia está no lado social que deveras sofre os prejuízos do que foi mencionado ao longo do ensaio, visualizando como polarização entre minoria e maioria. Há um distanciamento, como por exemplo, entre os mais ricos e os mais pobres, justamente porque o olhar daqueles não vislumbra igualdade nos últimos, portanto, só existirão direitos humanos quando um ser humano conseguir enxergar direitos no outro.

O processo democrático de discussão e tomada de decisões ficam prejudicados e afetados por escolhas cada vez mais voltadas para os interesses de um grupo dominante. Direitos humanos na sua essência passam a ter a conotação que for interessante a quem deter o domínio das ações.

A democracia, cidadania e os direitos humanos estão sempre em processo de construção. Isso significa que não podemos determinar para certas sociedades uma lista de direitos, sem ao menos identificar quais os parâmetros e fenômenos sociais envolvidos. Essas reivindicações serão sempre historicamente determinadas. Como se verifica nas palavras de Arendt11 (2007): "O que permanece inarredável, como pressuposto básico, é o direito a ter direito".

1.4 O modelo de controle de constitucionalidade argentino

O modelo argentino tem sua característica baseada no sistema da Civil Law, desde o primeiro momento adotou o sistema norte-americano de controle judicial, em alguns momentos houve variações derivadas da influência do direito continental europeu. Nesse modelo o controle de constitucionalidade é realizado pelo modo difuso. Tem caráter repressivo, ou seja, este controle é feito a posteriori (Ekmekdjian12, 2011, p. 44).

O Controle de Constitucionalidade das leis argentinas é feito pela Corte Suprema onde seus membros são nomeados pelo Presidente da República Argentina, cuja decisão é ratificada pela maioria de 2/3 dos senadores, para ser indicados é necessário ser jurista de grande conhecimento, com exercício na profissão por período não menos inferior que oito anos.

Esse entendimento é defendido por Losing13 (2002, p.218), quando emite a manifestação abaixo, na qual se pode apreciar com maior propriedade a imagem da Corte Suprema Argentina:

La Corte Suprema es el órgano con más alto rango dentro del órgano jurisdiccional en Argentina. Es la última instancia en todos los ramos legales, tribunal constitucional y último interprete de la Constitución. En contra de sus sentencias no hay ningún recurso nacional.

O sistema argentino pode comportar em todos os procedimentos judiciais o controle de constitucionalidade, com vistas a efetivar a supremacia da Constituição. Qualquer parte pode suscitar ou iniciar o processo de inconstitucionalidade de uma norma, tanto por ação, bem como por omissão.

Nesse caso, entende-se que qualquer juiz detém a prerrogativa de poder declarar uma norma e o efeito da decisão será inter partes, conforme analisa Silva14 (2010/2011. p. 8.):

Observa-se, portanto, que em todos os casos possíveis de controle de constitucionalidade jurisdicional na Argentina, tem-se como requisito a existência de um fato concreto, de uma contenda sub judice para que se possa acionar o Judiciário para se manifestar sobre a constitucionalidade ou não de determinada lei. Ademais, qualquer órgão judiciário pode se manifestar acerca da (in)constitucionalidade das leis, não se concentrando o controle em um determinado órgão, seja ele a Suprema Corte ou uma Corte Constitucional. Deste modo, tem-se que o controle de constitucionalidade na Argentina é fundamentalmente concreto e difuso, não se permitindo a realização do controle concentrado de normas.

Há também o controle para exigir o cumprimento de direitos fundamentais, como é conhecido no Brasil pelo nome de arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Nessa construção, direitos inscritos no modelo constitucional, mesmo que no plano dos princípios, é possível se buscar garantir direitos de minoria que em algum ponto seja aviltado.

Vê-se que este sistema proporciona uma abertura crítica pública, através dos casos concretos, de forma mais acurada, pois abre a possibilidade de se discutir a validez de uma norma ou ato por meio de uma forma mais democrática inscrita na própria Lei Suprema.

A origem do controle de constitucionalidade no segundo maior país da América do Sul também foi largamente influenciada pela teoria do judicial review norte-americano, tendo, inclusive, sido criação jurisprudencial formulada quando inexistente qualquer previsão no texto da constituição (Viso15, 2008).

No mesmo sentido acerca das influências no controle de constitucionalidade, Biachi16 (2002, p. 165) é taxativo ao afirmar que “Nuestro sistema de control de constitucionalidade fue tomado literalmente del modelo norte-americano”.

Contudo, apesar de aplicado desde o século XIX, somente em 1994, com a reforma da Constituição da Argentina, positivou-se o controle jurisdicional de constitucionalidade em seu art. 116.

Não só o controle de constitucionalidade, mas toda a história do constitucionalismo argentino é peculiar, bem diferenciada da experiência brasileira que está na sua sétima constituição escrita.

A Argentina, enquanto país independente, teve sua primeira constituição em 1853 e grande parte do texto da constituição permaneceu o mesmo durante suas reformas, tal qual a última reforma, ocorrida em 1994, ainda que a sua aplicabilidade tenha restado restringida durante diversos episódios.

Desde o século XIX a Argentina utiliza o controle judicial de constitucionalidade pela via difusa, tendo tal meio de controle sido criado pela jurisprudência da Corte Suprema de Justicia de La Nación Argentina quando do julgamento do caso Cafarena c/ Banco Argentino del Rosario de Santa Fe, no qual asseverou que a própria essência de uma ordem constitucional dependeria do controle de todos os atos contrários àquela pelo tribunal. Segundo Bianchi, embora o caso Cafarena c/ Banco Argentino del Rosario de Santa Fe seja considerado o marco inaugural do controle naquele país, é o caso Eduardo Sojo que configuraria o marco de incorporação formal do controle (Bianchi, 2002).

Similarmente ao Brasil pós constituição de 1891, a tradição argentina recepcionou vários institutos norte-americanos no âmbito constitucional, mas não adotara um sistema de precedentes vinculantes, tornando as decisões da Suprema Corte, a princípio, sem vinculação da ratio decidendi de suas decisões para as demais instâncias. Assim, em razão do controle do tipo difuso o controle de constitucionalidade somente é exercido em casos concretos, cujos efeitos em regra só operam inter partes.

Contudo, impende ressaltar que desde a década de 40 a Suprema Corte começou a construir uma tese de uma força vinculante em seus precedentes [Bianchi, 2002, p. 358-359], propagando a obrigatoriedade dos demais órgãos jurisdicionais de seguirem as decisões proferidas por aquela corte, somente podendo divergir do conteúdo quando o fizerem por fundamentos distintos e não enfrentados pela instância superior.

Assim, como ressaltado, somente em períodos mais recentes a Suprema Corte da Argentina passou a decidir que um caso decidido pudesse produzir efeitos erga omnes, existindo pronunciamentos da última década do século XX que apontava para uma tendência expansiva dos efeitos dos pronunciamentos daquela corte, através de uma reiteração de seus julgados e adesão dos juízes singulares àqueles (Bianchi, 2002).

Enquanto no Brasil a criação de um sistema de precedentes esteja em curso e seja decorrente de uma alteração legislativa inserida pelo Código de Processo Civil de 2016, a Argentina intenta criar um sistema de obrigatoriedade por meio de construção jurisprudencial da Suprema Corte da Argentina que exerce o controle das decisões de tribunais inferiores que não seguem suas decisões (Vega; Vega17, 2015), revertendo um entendimento anteriormente existente que entendia ser a decisão restrita ao caso em análise.

Desde 1997, quando do julgamento do caso conhecido como D’Alessandro, a Suprema Corte começou a se posicionar pela vinculação de suas decisões aos casos similares, sob o fundamento de que a interpretação dada pela Suprema Corte extrairia o próprio conteúdo da Constituição.

Pelas vias ordinárias é cabível a qualquer juiz singular afastar a aplicabilidade de lei ou ato considerado inconstitucional, desde que provocado por qualquer uma das partes cujo direito restar ofendido. Tanto demandante quanto demandado podem, ao vislumbrar uma inconstitucionalidade de uma norma ou até por omissão, alegar a inconstitucionalidade desta, sendo cabível o exame da matéria pela Suprema Corte através do Recurso Extraordinário.

O controle de constitucionalidade na Argentina, dada a sua importância para o sistema, vem sendo exercido ainda que o Judiciário não tenha sido provocado pelas partes a se manifestar sobre a inconstitucionalidade no caso em análise (Viso, 2008).

Os remédios constitucionais, por sua vez, estão previstos no art. 43 da Constituição da Argentina de 1994, no qual constam o amparo, habeas data e o habeas data, que corresponderiam, respectivamente, ao mandado de segurança e aos dois remédios de mesma nomenclatura prevista na Constituição brasileira de 1988. Assim como no Brasil, o amparo na Argentina é amplamente utilizado para exigir uma prestação devida pelo poder público em casos de direitos fundamentais, como a saúde.

Os três remédios supracitados são destinados à proteção dos direitos reconhecidos e tutelados pela Constituição, prevendo ainda que “en el caso el juez podrá delcarar la inconstitucionalidade de la norma em que se funde e lacto u omisión lesiva”.

Durante muitos anos a Argentina manteve uma forte tradição de impossibilidade de apreciação pelo Judiciário das chamadas questões políticas, que ao longo dos últimos anos vem sendo superada sobretudo diante do chamado controle de convencionalidade, atualmente mais valorizado na Argentina do que no Brasil, sendo observável a aplicação de convenções internacionais para resguardar direitos dos cidadãos.

Quanto à composição, a Corte Suprema de Argentina é também composta de membros indicados pelo Presidente da República ao Senado que deve em sessão pública aprovar por meio de dois terços de seus integrantes a indicação do Presidente. Contudo, diferentemente da Constituição do Brasil, não há previsão expressa da quantidade de membros integrantes da Suprema Corte.

Nesse contexto, em 2003, o então Presidente, Nestor Kirchner regulamentou por meio do Decreto 222/03 o procedimento de seleção dos integrantes da Suprema Corte, diminuindo a margem de discricionariedade do Poder Executivo, havendo de se destacar a previsão contida no art. 3º do referido decreto, que determina que a escolha do integrante da Suprema Corte deverá, sempre que possível, refletir as diversidades de gênero, especialidade e procedência regional, reportando-se a um marco ideal de representatividade do país.

CONCLUSÃO

Ao fim do capítulo, os conhecimentos já detidos sobre o Controle de Constitucionalidade no âmbito dos ordenamentos jurídicos do Brasil e da Argentina, consolidando mais um aprendizado.

O direito constitucional dos países da América Latina recepcionou vários institutos criados no direito europeu e anglo-saxônico, as influências do judicial review, que teve pouca penetração no direito continental europeu, são perceptíveis desde o século XIX tanto no Brasil quanto na Argentina.

Curiosamente, enquanto a Argentina mantém um modelo difuso de controle de constitucionalidade desde a segunda metade do Século XIX, tendo a reforma da Constituição de 1994 consagrado expressamente o amparo, o Brasil passou a adotar, ao longo do século XX, sistema misto de controle de constitucionalidade, visando conferir maior efetividade às normas constitucionais através da inserção do controle concentrado de constitucionalidade com eficácia erga omnes.

Assim, em que pese haver nítida diferença entre os sistemas, haja vista que o Brasil adota um sistema misto de controle e a Argentina um sistema difuso, os dois países consagraram remédios constitucionais com funções muito semelhantes, que possuem vasta utilidade e conferem ampla legitimidade para a concretização dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados pela via judicial, destacando-se a figura do amparo, na Argentina, e o Mandado de Segurança, no Brasil.

O atual momento de aplicação do Direito no Brasil está em adaptação a um novo sistema processual que prevê precedentes vinculantes agora não mais só quando do controle concentrado de constitucionalidade, mas também das decisões do Supremo Tribunal Federal pela via difusa de controle, podendo tal alteração acarretar em um novo momento do controle de constitucionalidade, haja vista que a adoção de um sistema de precedentes pode implicar num maior respeito às normas constitucionais.

De outro lado, a Argentina independentemente de um sistema legal de precedentes, intenta conferir efeito vinculante às suas decisões por meio de construção jurisprudencial, alterando o entendimento anteriormente predominante da Corte segundo o qual a inexistência de previsão constitucional impossibilitava a atribuição de um efeito às suas decisões, sob pena de malferir a liberdade de cognição dos tribunais de instâncias inferiores.

O sistema difuso existente na Argentina vem sendo alvo de críticas por parte da doutrina (Guerci18, 2014), que a partir de uma análise comparada dos diversos sistemas de controle de constitucionalidade na América Latina e Europa defende a necessidade de não só haver o controle a partir da existência de danos concretos para possibilitar o exercício da jurisdição constitucional.

Dada a inexistência de um controle preventivo ou abstrato de constitucionalidade, tem-se hoje na Argentina uma valorização do controle de convencionalidade da legislação para aplicar nos casos concretos os tratados internacionais como regras às soluções dos conflitos.

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Notas

  1. Moraes. Guilherme Peña de. Curso de direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2013.

  2. Kelsen, Hans. O que é justiça? A justiça, o direito e a política no espelho da ciência. Tradução de Luís Carlos Borges. 3.ª ed., 2.ª tiragem. São Paulo: Martins Fontes, 2010, 404p.

  3. Schmitt, Carl. Der Hüter der Verfassung. 4ª ed. Berlin, Duncker & Humblot, 1996.

  4. Dworkin. Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes. 2019.

  5. Habermas. Jürgen. Direito e democracia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2011.

  6. Tavares, Ana Lúcia de Lyra Tavares. A Constituição brasileira de 1988: Subsídios para os comparatistas. In: Revista de Informação Legislativa n. 109, p. 71-108. Brasília: Senado Federal, jan./mar., 1991.

  7. Barroso, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 8.ª ed. São Paulo: Saraiva Jurídica, 2019.

  8. Arendt, Hannah. A Condição Humana. Trad. Roberto Raposo. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

  9. Ekmekdjian, Miguel Ángel. Manual de la Constitución. Argentina. 6ª ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot. 2011.

  10. Losing, Norbert. La Jurisdiccionalidad Constitucional en Latinoamérica. Madrid: Editora Dykson, 2002.

  11. Silva, Marilia Montenegro. Jurisdição Constitucional no Mercosul. Observatório da Jurisdição Constitucional. Brasília: IDP, Ano 4, p. 1-19, 2010/2011.

  12. Viso, Adela Pérez del. Planteo del "Sistema Británico y Norteamericano" en relación con el sistema latino y argentino”, 2008. Disponível em: https://www.saij.gob.ar/convert-html-to-pdf?url=/adela-perez-viso-planteo-sistemabritanico-norteamericano-relacion-sistema-latino-argentino-dacf110097-2008-08- 22/123456789-0abc-defg7900-.pdf Acessado em: mar. 2022.

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  14. Vega, Lorena A. Vega, Gustavo J. Obligatoriedad de los precedentes en el sistema argentino. Disponível em: https://www.saij.gob.ar/lorena-vegaobligatoriedad-precedentes-sistema-argentino-dacf150649-2015-06-01/123456789- 0abc-defg9460- 51fcanirtcod?q=%20%20autor%3Avega&o=0&f=Total%7CTipo%20de%20Document o/Doctrina%7CFecha%7COrganismo%7CPublicaci%F3n%7CTribunal%7CTema%7 CEstado%20de%20Vigencia%7CAutor%7CJurisdicci%F3n&t=16. Acessado em: mar. 2022.

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Resumen: El presente trabajo académico, conformado a una investigación bibliográfica cualitativa, tuvo como objeto los derechos y garantías fundamentales previstos en el ordenamiento jurídico argentino. La constitución argentina data de 1853, habiendo sufrido, durante ese tiempo, varias reformas, para adaptarse a los tiempos cambiantes y la evolución de los ciudadanos argentinos, y, de esta manera, los derechos y garantías fundamentales también se ajustaron a las diferentes situaciones experimentadas en la nación. Buenos Aires, con lo cual, hasta la fecha, han sufrido adiciones significativas, que solo benefician a la población argentina. Es cierto que siempre es posible encontrar una brecha u otra, pero, dado que el país muestra una tendencia a ser democrático, dependerá de que su gente esté siempre consciente de que se respetan sus derechos fundamentales, haciendo cumplir las disposiciones constitucionales y creando otras. donde falta la Constitución.

Palabras clave: Sistema legal argentino. Derechos y garantías fundamentales.

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Sobre a autora
Maura Campos Domiciana

Bacharel em Direito, Pós Graduada em Direito Processual Civil e Direito Previdenciário , Mestranda em Direito Processual Constitucional pela UNLZ- AR. Possuo vasta experiencia na Advocacia Pública (AGU), Atuante na advocacia Privada Previdencia. Faço parte da ABMCJ- Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Juridica, bem como sou integrante da Comissão de Heteroidentificação da UFG, Menbra participante da ANAJUR, Associação Nacional dos Menbros da Carreira Juridica da União, Ex conselheira da OAB-GO.

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Trabalho elaborado sobre orientação da Professora Mestra Amanda Cabral Fidalgo.

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