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Registro de preços.

Análise crítica do acórdão TC-008.840/2007-3 do Plenário do TCU

29/10/2007 às 00:00
Leia nesta página:

Já há algum tempo discute-se a legalidade do procedimento adotado pelos chamados órgãos caronas nos procedimentos licitatórios em que se utiliza o sistema de Registros de Preço - SRP, que tem previsão legal no art. 15, II, da Lei de Licitações.

O procedimento de Registro de Preços é adotado em geral para aqueles bens de uso freqüente e com fornecimento parcelado, uma vez que a aquisição não precisa vir a ser efetivamente realizada.

Embora existam opiniões em sentido contrário [01], o Estado de Minas Gerais, ao regulamentar o SRP, dispôs, no art. 2º do Decreto Estadual nº 43.652/03, ser facultativa sua adoção.

São algumas das peculiaridades do SRP:

1.permitir a realização de um único processo de compra do qual participam vários órgãos da Administração, vinculadas ou não a um mesmo ente federativo (art. 3º, § 2º, II, do Decreto 43.652/03);

2.não gerar a obrigação de contratação, mas mera expectativa de direito (art. 7º do Decreto 43.652/03);

3.possibilitar a aquisição do material ou serviço licitado durante até 01 (um) ano, conforme disposição do Edital (Art. 4º do Decreto 43.652/03);

4.possibilitar o registro de mais de um fornecedor por objeto licitado, desde que ao menor preço oferecido, e de que respeitada a ordem de classificação (art. 6º do Decreto 43.652/03).

A denominação de órgão carona é atribuída àqueles órgãos que se utilizam de atas de Registro de Preços sem que tenham solicitado suas cotas quando do envio dos convites para adesão, ou seja, quando da elaboração do Edital.

Embora inexista previsão em texto de lei, a prática vem sendo tolerada nos regulamentos do SRP, gerando algumas distorções, como a apontada recentemente pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão TC-008.840/2007-3 – PLENÁRIO, objeto de análise neste estudo.

No regulamento mineiro a figura dos órgãos carona tem previsão no art. 8º, III, do Decreto 43.652/03.

No caso concreto, questionou-se a legalidade de um processo licitatório gerido pelo Ministério da Saúde, cuja previsão inicial de aquisição era de aproximadamente R$ 32.000.000,00 (trinta e dois milhões de reais), e que após a adesão de vários órgãos caronas, passou a representar uma despesa de aproximadamente R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais).

Decidiu o TCU:

6. Diferente é a situação da adesão ilimitada a atas por parte de outros órgãos. Quanto a essa possibilidade não regulamentada pelo Decreto nº 3.931/2001, comungo o entendimento da unidade técnica e do Ministério Público que essa fragilidade do sistema afronta os princípios da competição e da igualdade de condições entre os licitantes.

7. Refiro-me à regra inserta no art. 8º, § 3º, do Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que permite a cada órgão que aderir à Ata, individualmente, contratar até 100% dos quantitativos ali registrados. No caso em concreto sob exame, a 4ª Secex faz um exercício de raciocínio em que demonstra a possibilidade real de a empresa vencedora do citado Pregão 16/2005 ter firmado contratos com os 62 órgãos que aderiram à ata, na ordem de aproximadamente 2 bilhões de reais, sendo que, inicialmente, sagrou-se vencedora de um único certame licitatório para prestação de serviços no valor de R$ 32,0 milhões. Está claro que essa situação é incompatível com a orientação constitucional que preconiza a competitividade e a observância da isonomia na realização das licitações públicas.

(destacados no original)

Há distorções gravíssimas no procedimento de adesão de órgãos carona.

Uma delas é a de se abrir a possibilidade de adesão a 100% (cem por cento) do quantitativo registrado a esses órgãos, enquanto aqueles que aderiram previamente ao processo estão sujeitos ao limite previsto no art. 65, § 1º da Lei 8.666/93, ou seja, 25% (vinte e cinco por cento).

Ora, não há a menor razoabilidade e proporcionalidade em tal conduta.

Tal procedimento, aliás, constitui latente ofensa ao Princípio da Obrigatoriedade da Licitação, inserto no art. 37, XXI, da Carta Magna [02].

Mais que isso, ofende também o Princípio da Publicidade, uma vez que não existe obrigatoriedade de publicação de qualquer documento relativo à adesão de órgãos caronas, exceto a constante do parágrafo único do art. 61 da Lei 8.666/93, assim mesmo nos casos em que haja a formalização de contrato [03].

Ao contrário, quando há a adesão prévia ao procedimento, a participação de cada um dos órgãos integrantes do Registro de Preços deve ser detalhada no Edital (art. 9º, VII, do Decreto 43.652/03).

Outra disparidade é o potencial prejuízo para todos os órgãos integrantes do processo de compra, uma vez que dado à maior escala de contratação, o valor unitário do item contratado faltamente seria inferior ao inicialmente registrado.

Tal entendimento constou do Acórdão em análise:

8. Para além da temática principiológica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerada que, num cenário desses, a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas.

Concluindo, podemos apontar com possíveis soluções, a edição de lei geral [04] pela União, de modo a balizar a utilização do SRP, suprimindo assim liberdade hoje conferida ao Poder Executivo, ou até mesmo a limitação de percentual de adesão ao SRP pelos Órgãos Carona [05], que poderá ser feita pelo próprio Poder Executivo local, de modo a adequá-lo aos Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade.


Notas

01 Disponível em http://licitacao.uol.com.br/artdescricao.asp?cod=27. Benedicto de Tolosa Filho. Acesso em 18 de setembro de 2007.

02 XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações

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03 Embora a nosso ver a Ata de Registro de Preços (não a ata da sessão de lances), que deve integrar o Edital, nada mais seja que uma espécie de contrato.

04 Lei Nacional, com fulcro no art. 22, XXVII, da Constituição da República.

05 Que entendemos, seguindo os ditames da Lei 8.666/93, como 25% (vinte e cinco por cento) incidentes sobre a menor das cotas registradas.

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Sobre o autor
Fernando Henrique Cherém

especialista em Direito Público pelo IEC/PUC Minas e em Direito Eleitoral pela Uniderp/Anhanguera. Advogado em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHERÉM, Fernando Henrique. Registro de preços.: Análise crítica do acórdão TC-008.840/2007-3 do Plenário do TCU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1580, 29 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10586. Acesso em: 28 mar. 2024.

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