Condomínio edilício

01/09/2023 às 18:54
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CONDOMÍNIO EDILÍCIO

Paulo Lôbo

Doutor em Direito (USP). Professor Emérito da UFAL.

Ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.

Resumo: Estudo do condomínio em edificações horizontais ou verticais, principalmente com as modificações introduzidas pelo Código Civil brasileiro de 2002. Delimitação doutrinária de suas características, nas relações entre o condomínio e os condôminos, destes entre si, e de ambos com a coletividade. Análise crítica da aplicação das normas jurídicas no contexto dessas múltiplas relações.

Palavras chaves: Condomínio. Condomínio edilício. Condôminos.

Abstract: Study of the condominium in horizontal or vertical buildings, mainly as determined by the Brazilian Civil Code of 2002. Delimitation of doctrinal characteristics, as between the condominium and the tenants in common, or of these with each other, and both with the community. Critical analysis of the application of legal rules in the context of these multiple relationships.

Keywords: Condominium. Building condominium. Tenant in common.

Sumário: 1. Conceito e âmbito de regência. 2. O condomínio edilício como sujeito de direitos. 3. Convenção do condomínio. 4. Assembleia dos condôminos. 5. Gestão e responsabilidade do condomínio. 6. Contribuição condominial. 7. Direitos e deveres dos condôminos. 8. Extinção do condomínio edilício.

1. Conceito e âmbito de regência

O condomínio edilício conjuga as titularidades de todos os condôminos sobre as partes comuns da coisa e a titularidade de cada condômino sobre a unidade imobiliária (casa, apartamento, escritório, loja, sala, abrigo para veículo). Tendo em vista suas peculiaridades, agrupando indivisibilidade e divisibilidade, qualifica-se como condomínio pro diviso, que é, em conformidade com Pontes de Miranda (2012, v. 12, p. 242), abreviação de “comunhão no terreno e nas partes indivisas do edifício e mais dependências e não-comunhão nas partes pro diviso”. O que é diviso é o que não está incluído na indivisão. O condomínio edilício se constrói sobre terreno, que se torna indiviso.

Segundo José de Oliveira Ascensão (1973, p. 498) "a propriedade horizontal é efetivamente um novo direito real. Mas não é um direito real simples, pois não traduz uma nova maneira de afetar uma coisa em termos reais. É antes um direito real complexo, pois combina figuras preexistentes de direitos reais".

O condomínio edilício se constitui por negócio jurídico entre vivos ou por testamento, após seu registro no registro imobiliário. Para sua constituição é necessário (1) que sejam discriminadas as unidades de titularidade exclusiva, com suas confrontações com as demais e com as partes comuns; (2) que seja fixada a fração ideal de cada unidade, sobre o terreno e as partes comuns; (3) a destinação do edifício, se residencial, ou não residencial, ou mista. A constituição do condomínio edilício, por negócio jurídico entre vivos, segundo a doutrina (Guedes; Rodrigues Junior, 2012, p. 415) pode ser feita por meio de destinação de propriedade de edifícios, incorporação imobiliária, constituição do regime por vários herdeiros, arrematação em hasta pública, doação, ou compra de frações do edifício. Para as edificações novas, a incorporação é o meio mais utilizado.

O condomínio edilício cresceu de importância jurídica com a verticalização das edificações nas cidades, especialmente após o século XX, em virtude das concentrações urbanas e do desenvolvimento de tecnologias de construção, que permitiram a elevação dos prédios com segurança. Já era aludido, sem a força que tomou na contemporaneidade, nas Ordenações Filipinas, que diziam (Liv. I, Tít. 68, § 38): “E se uma casa for de dois senhorios, de maneira que de um deles seja o sótão, e de outro o sobrado, não poderá aquele, cujo for o sobrado, fazer janela sobre o portal daquele, cujo for o sótão, ou loja, nem outro edifício nenhum”. Também havia previsão na Consolidação das Leis Civis, elaborada por Teixeira de Freitas, cujo art. 946 atualizou a regra das Ordenações.

O Código Civil regulou inteiramente as matérias relativas ao condomínio edilício, derrogando a Lei nº 4.591, de 1964, que apenas permanece vigente sobre a regulação da incorporação imobiliária, que é a principal modalidade de construção de edifícios de unidades autônomas, de onde promanam os condomínios edilícios. Nesse mesmo sentido, Luiz Edson Fachin (2003, p. 226) e Rodrigo Toscano de Brito (2002, p. 60). Assim pretendeu explicitamente a comissão elaboradora do anteprojeto do Código Civil (Chamoun, 1970, p. 17), para a qual as incorporações deveriam continuar sendo regidas exclusivamente por lei especial. A incorporação imobiliária é legalmente definida como (Lei nº 4.591, de 1964, art. 28) “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”, podendo ser o construtor do edifício ou não. É, portanto, atividade negocial ou empresarial e não relação de direito real, razão porque é matéria estranha ao direito das coisas. A incorporação pode adotar um dos seguintes regimes de construção: (a) por empreitada, a preço fixo, ou reajustável; (b) por administração ou a preço de custo; (c) por contratação direta entre adquirentes e o construtor.

Há controvérsias sobre a correta denominação desse específico condomínio. Na doutrina e na legislação encontram-se: condomínio horizontal, condomínio especial, condomínio de unidades autônomas, condomínio de edifício, condomínio em edificações. Prevaleceu no Código Civil de 2002 a expressão condomínio edilício, que sofreu crítica acentuada, principalmente de Caio Mário da Silva Pereira, que foi o autor do anteprojeto da Lei nº 4.591, de 1964, que regulamentava a matéria. Nesta, preferiu-se condomínio em edificações. Rebatendo a crítica, Miguel Reale (1986, p. 104), na exposição de motivos do anteprojeto, afirma que não pode ser apodado de “barbarismo inútil”, pois “vem de puríssima fonte latina, e é o que melhor corresponde à natureza do instituto, mal caracterizado pelas expressões condomínio horizontal, condomínio especial, ou condomínio em edifício”. Para ele é um condomínio que se constitui, objetivamente, como resultado do ato de edificação, sendo, por tais motivos, denominado “edilício”. Argumenta que essa palavra vem de aedilici, que não se refere apenas ao edil, mas, também às suas atribuições, sendo de uso corrente na linguagem jurídica italiana.

Também há condomínio edilício, sem elevação de prédios, nos empreendimentos de construção de casas ou moradias isoladas, nos quais são comuns os implementos urbanos e de utilidade coletiva (ruas, praças, energia elétrica, portaria, áreas de lazer e esporte, muros). Diferentemente de um edifício de vários andares, o terreno onde está edificada a unidade a esta integra, porque ela é isolada. No condomínio de casas há finalidade de edificação, de acordo com plano aprovado de construção.

O condomínio de casas difere de um simples loteamento, regulado pela Lei nº 6.766, de 1979, pois este (inclusive o fechado) tem por objeto o parcelamento do solo urbano, com intuito de alienação dos lotes, sem constituição de áreas comuns (vias e implementos urbanos), uma vez que estas são transferidas para o domínio público tão logo se procede ao registro público do empreendimento.

Sobre áreas comuns, o condomínio edilício assemelha-se ao condomínio geral, uma vez que o titular da unidade imobiliária é também titular da parte ideal correspondente das áreas comuns. Difere do condomínio geral porque as áreas comuns são permanentemente indivisíveis e não podem ser objeto de uso individual de qualquer dos condôminos ou de partilha entre eles. O condomínio é meio para o fim que são as unidades imobiliárias. Existe em razão destas. Tem, portanto, natureza objetiva, diferentemente do condomínio geral, que se forma e se extingue em razão das pessoas dos condôminos. As áreas comuns são de dois tipos: a) áreas comuns de uso comum dos condôminos (por exemplo, acessos às vias públicas, elevadores, escadas) e b) áreas comuns de uso restrito por condôminos (exemplo, salão de festas dependente de pagamento pelo uso ou de reserva prévia) ou pela administração (exemplo, portaria).

No condomínio edilício são comuns as áreas, partes do edifício e equipamentos necessários ou úteis para o conjunto edificado ou para utilização dos condôminos. Consideram-se comuns: o terreno, as fundações do edifício, as fachadas, a cobertura, os elevadores, as escadas, as áreas de circulação e recreação, as estruturas do edifício - ainda que atravessando as unidades -, os salões de festas, as portarias, o hall, os acessos às vias públicas, as redes de distribuição de água, telefonia, gás, energia, os muros cercantes do terreno, as dependências utilizadas pelos empregados do condomínio. É comum tudo que esteja para além das portas de acesso das unidades imobiliárias. Também é comum, por ser elemento estrutural do edifício, a laje que serve de piso para uma unidade e de teto para outra, não podendo ser alterada ou removida, salvo com a anuência do condomínio.

As coisas comuns, por serem inalienáveis, separadamente das coisas indivisas nos condomínio edilícios, não podem ser objeto de penhora, como por exemplo (STJ, REsp 259.994), o elevador, porquanto se encontra incorporado à estrutura do prédio, constituindo condomínio de todos e sendo insuscetível de divisão, de alienação em separado ou de utilização exclusiva por qualquer condômino. Qualquer condômino tem legitimidade para propor ação demolitória contra outro condômino que realiza obra invasora de área comum, notadamente em caso de omissão do síndico (STJ, REsp 114.462).

Integra a unidade imobiliária os espaços internos a ela destinados e descritos no título de propriedade ou de direito real, as vagas de garagens a ela vinculadas e assim registradas e a parte ideal indisponível sobre as áreas e partes comuns. Quanto ao elevador, pode ser considerado privativo, se apenas serve a uma unidade. As vagas de garagens, integrantes ou não das unidades ou autônomas, não podem ser alugadas ou alienadas a estranhos ao condomínio, salvo se houver autorização expressa na convenção do condomínio, de acordo com a Lei nº 12.607, de 2012. Essa norma teve por finalidade por cobro aos conflitos de interesses que ocorriam com a utilização desses espaços por pessoas estranhas ao condomínio, com risco para sua segurança. Hábito comum das construtoras, que passou a ser vedado pela lei, era a reserva de vagas de garagens para alienação a terceiros.

Há vaga de garagem que não integra qualquer unidade, considerando-se ela própria unidade autônoma. Em conformidade com a Súmula 449 do STJ, a vaga de garagem autônoma, que possui matrícula própria no registro de imóveis, não constitui bem de família, podendo ser penhorada.

As relações entre o condomínio e os condôminos não são de consumo, não se lhes aplicando a legislação de proteção do consumidor. O condomínio não realiza atividade de fornecimento à coletividade de produtos ou serviços. Suas atividades são de meio, no interesse dos próprios condôminos e não atividades fins. Portanto, o condomínio não se qualifica como fornecedor, segundo a delimitação posta no art. 2º do CDC (Lei nº 8.078, de 1990). Diferentemente ocorre com o incorporador, que realiza atividade fim típica, que se enquadra na relação de consumo, sendo disciplinada não apenas pela lei de regência da incorporação (Lei nº 4.591, de 1964), mas também pela legislação de defesa do consumidor. Porém, essa atividade antecede a constituição do condomínio. No sentido da aplicação concorrente do CDC, decidiu o STJ (REsp 747.768), que também invocou os princípios da justiça contratual, da equivalência das prestações e da boa-fé objetiva.

As associações constituídas espontaneamente pelos residentes de determinadas ruas, quadras ou blocos, para defesa de interesses comuns, prática frequente nas cidades brasileiras não configuram condomínio edilício e não ficam sob a tutela da legislação específica. Não podem obrigar, portanto, aos não associados que contribuam com as despesas, ainda que beneficiados pelas atividades desenvolvidas, tendo em vista a liberdade constitucional de associação. Essa matéria foi pacificada no âmbito da Segunda Seção do STJ (EREsp 44.931), em face das decisões divergentes dos tribunais. Todavia, é possível a aplicação das regras do enriquecimento sem causa (CC, arts. 884 a 886), pois aquele que se enriquecer à custa de outrem está obrigado a restituir o indevidamente auferido.

2. O condomínio edilício como sujeito de direitos

O condomínio edilício não é pessoa jurídica, mas é sujeito de direitos. No direito contemporâneo não se resume à personalização jurídica a possibilidade de exercício de direitos e deveres, tanto no âmbito do direito material quanto no âmbito do direito processual. O condomínio, mediante sua administração, pode adquirir para si mesmo e não em nome dos condôminos coisas móveis e imóveis, pode firmar negócios jurídicos para prestação de serviços ou realização de obras em benefício da coisa comum, pode admitir, gerir e demitir empregados e tem legitimidade para agir em juízo, dita capacidade processual.

Sujeito de direito é categoria mais ampla que abrange a pessoa física, a pessoa jurídica e o sujeito de direito não personalizado. O condomínio edilício é sujeito de direito não personalizado, ao lado de tantas entidades assim investidas pelo direito: a herança, a massa falida, a sociedade em comum, a sociedade em conta de participação, o grupo de empresas, o consórcio de empresas (joint venture), o consórcio para aquisição de bens, administrado por terceiro.

O Código Civil, no art. 1.348, II, estabelece que o condomínio em unidades imobiliárias pode praticar “em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns”, inclusive contra os condôminos, impor multas, adquirir bens que serão considerados comuns, além de relações jurídicas com terceiros (ex. empregados, empreiteiros, fornecedores de materiais), podendo adquirir unidade autônoma do mesmo edifício em seu nome. “Conquanto o condomínio não possua personalidade jurídica, é inviável deixar de reconhecer que deve exprimir sua vontade para deliberar sobre seu direcionamento” (STJ, REsp 1.120.140), o que se realiza com o reconhecimento de sua qualidade de sujeito de direito não personalizado.

Superada está a doutrina tradicional, para a qual sujeito de direito só pode ser quem o direito considere pessoa. Segundo essa doutrina, se essas entidades não são pessoas, então não seriam sujeitos de direito, desqualificando a capacidade de direito que ostentam, ainda que limitada, como de caráter meramente processual, ou como simples legitimação, ou como parte de ofício. Todavia, sujeito de direito é todo aquele que seja portador ou titular de direito – não necessariamente pessoa física ou jurídica -, que possa contrair obrigações autonomamente, ou que possa por si ir a juízo, tenha ou não personalidade jurídica própria.

Como sujeito de direitos não personalizado, o condomínio, analogicamente à pessoa jurídica, de cujo modelo legal mais se aproxima, é dotado de órgãos. O Código Civil prevê dois órgãos obrigatórios e necessários, que devem estar disciplinados na convenção do condomínio: a assembleia dos condôminos e o síndico. Pode a convenção prever outros órgãos, como o conselho fiscal, mas são facultativos.

O condomínio, por meio do síndico, tem legitimidade para promover, em juízo ou fora dele, a defesa dos interesses comuns. Todavia, é parte ilegítima (STJ, REsp 1.177.862) para pleitear pedido de compensação por danos morais em nome dos condôminos. Com efeito, essas matérias se inscrevem nos interesses individuais dos condôminos, pois o resultado só a estes aproveita.

3. Convenção do condomínio

A convenção do condomínio é o estatuto regulamentar das relações entre os condôminos e destes com o condomínio, fixando direitos e deveres correspondentes. A estrutura básica da convenção é dada pela lei, mediante normas cogentes observância obrigatória. Mas há largo espaço para a autonomia dos condôminos estabelecer o que estes julgam conveniente e oportuno como regras de convivência, o que termina por tornar singular cada convenção. A forma da convenção é por escritura pública ou por instrumento particular, por livre escolha dos condôminos ou do instituidor do condomínio.

Para que a convenção do condomínio possa produzir seus efeitos são necessários: (1) aprovação pelos condôminos; (2) registro no cartório de registro de imóveis, onde o condomínio tenha sido registrado. Para a aprovação, exige-se que seja subscrita por, no mínimo, dois terços dos titulares das unidades imobiliárias. Não é quórum de assembleia, mas sim número mínimo de assinaturas. O número é relativo às unidades e não aos condôminos, pois um condômino pode ser titular de duas ou mais unidades no mesmo condomínio, o que é muito comum quando o incorporador adquire o imóvel original permutando-o por unidades futuras, quando a construção for concluída. Equiparam-se aos titulares das unidades imobiliárias, para fins de subscrição da convenção, os promitentes compradores e os cessionários das promessas de compra e venda.

O registro não é necessário para que o condomínio passe a produzir imediatamente seus efeitos jurídicos, obrigando os condôminos, tão logo se alcance o número mínimo de assinaturas. Nesse sentido a Súmula nº 260 do STJ. Mas o registro (Lei nº 6.015, de 1973, art. 167, I, 17) é indispensável para ser oponível contra terceiros, na defesa judicial ou extrajudicial dos interesses do condomínio.

Quando o instituidor do condomínio for único (testador ou incorporador), a convenção do condomínio pode ser por ele elaborada, para fins do registro imobiliário. Nesta hipótese, como prevê o enunciado nº 504 das Jornadas de Direito Civil, patrocinadas pelo CJF/STJ, “a escritura declaratória de instituição e convenção firmada pelo titular único da edificação composta por unidades autônomas é titulo hábil para registro”. Cabe à assembleia dos condôminos, após a entrega das unidades, mantê-la, ou substituí-la, ou modificá-la.

Ainda que a convenção do condomínio seja fruto da autonomia privada, sua natureza não é contratual e sim estatutária. Equivale ao estatuto de pessoa jurídica, quando a lei o exige (por exemplo, fundação). Sendo assim, como teve de explicitar o STJ (REsp 195.450), é inadmissível ao condômino invocar a exceção do contrato não cumprido para escusar-se ao pagamento das cotas condominiais.

A convenção deve conter, no mínimo: (1) a definição da quota ou taxa condominial, para cobertura das despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio, com a periodicidade – normalmente mensal -, vencimento, forma de pagamento e o modo de sua alteração ou revisão; (2) a forma de administração do condomínio, que pode ser direta ou com a participação de empresa especializada e o modo de escolha e substituição do síndico e subsíndicos, se houver; (3) a assembleia geral – suas competências, formas de convocação e quóruns para deliberação; (4) a existência ou não de conselho fiscal, com suas competências, composição e modos de eleição e substituição; (5) as modalidades de sanções que serão aplicadas aos moradores, condôminos ou locatários, e os órgãos encarregados de aplicá-las; (6) o regimento interno. Para além dessas matérias básicas, a convenção pode ser livremente definida pelos condôminos.

A destinação (residencial, não residencial, ou mista) é definida no ato de instituição do condomínio edilício, levado ao registro imobiliário. Tão importante é a destinação, que somente pode ser alterada pela unanimidade dos condôminos (CC, art. 1.351). Se a destinação é residencial, não pode o titular da unidade utilizá-la para fins profissionais, com recepção de público externo, pois envolve circulação de pessoas estranhas, sobrecarregando os serviços de portaria, de segurança, de limpeza e dos meios de circulação, como escadas e elevadores. Ademais (Rizzardo, 2011, p. 76), o constante ingresso e movimento de pessoas desconhecidas nos vários recintos, de difícil controle, gera acréscimo de riscos à segurança interna, sem contar com a quebra da privacidade, o barulho, os distúrbios.

Na vigência do Código Civil anterior, o STJ (REsp 38.006) considerou que a substituição de área ajardinada, de lazer, por quadra poliesportiva não caracterizava alteração substancial da destinação da coisa, razão porque não havia necessidade de quórum necessário para a deliberação, ou consenso unânime dos condôminos. No Código Civil atual, a destinação não pode ter tal abrangência (substituição de utilização de áreas comuns), contendo-se nas finalidades últimas do condomínio (residencial, empresarial ou mista), em virtude dos precisos termos do inciso III do art. 1.331 do Código Civil (“o fim a que as unidades se destinam”) e da exigência de unanimidade dos condôminos para sua alteração. Fim das unidades não se confunde com utilização das partes comuns. Não há, pois, que se referir a alteração substancial da coisa, mas sim de alteração pura e simples da destinação que foi atribuída às unidades, no ato de instituição do condomínio edilício, objeto do registro imobiliário.

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Quanto ao regimento interno, não se exige que ele esteja contido na convenção do condomínio. Se assim fosse, não se distinguiriam os dois tipos de regulações. A convenção é regulação geral do condomínio, enquanto que o regimento interno tem por objeto seu detalhamento. É o regulamento da convenção. Nesta devem estar explicitados o modo de deliberação e reforma e as matérias de sua competência. Para o registro da convenção não é necessário que o regimento interno já tenha sido aprovado, até porque este não necessita de registro para ser válido e eficaz. O quórum da assembleia dos condôminos para aprovação ou reforma do regimento interno é livremente fixado na convenção, pois a lei não o determina. Se não for fixado, será o quórum comum, ou seja, de metade mais um dos presentes. O momento para a reforma do regimento interno é a assembleia ordinária anual dos condôminos, não precisando o ato de convocação explicitá-lo, pois a inserção é determinada em lei (CC, art. 1.350). Não há óbice legal a que a alteração do regimento interno seja feita em assembleia extraordinária, para o que deve constar expressamente do ato de convocação.

A adoção de nova convenção do condomínio, ou a reforma e alteração da já existente dependem de aprovação em assembleia dos condôminos. Não basta a subscrição destes, no documento que as expressem. O quórum para deliberação é de dois terços dos votos dos condôminos. O voto do condômino, referido na norma legal (CC, art. 1.351), não é pessoal, pois não excepciona o modo de conferência, que é objetivo, ou seja, de acordo com o número de unidades, ou frações ideais pertencentes a cada condômino.

4. Assembleia dos condôminos

A assembleia dos condôminos é o órgão máximo do condomínio. Algumas matérias são de sua competência exclusiva. Outras a ela chegam em virtude de sua inclusão no ato de convocação. A assembleia é, também, órgão revisor e recursal dos atos da administração do condomínio. O modo de convocação da assembleia é regulado na convenção do condomínio.

A assembleia é ordinária ou extraordinária. A assembleia ordinária se reúne obrigatoriamente uma vez por ano, devendo ser convocada pelo síndico, tendo por finalidade a aprovação do orçamento das despesas do ano seguinte, a deliberação sobre a prestação de contas do síndico e, se for o caso, a fixação ou alteração da contribuição ordinária dos condôminos, a alteração do regimento interno e a substituição do síndico. Como essas matérias são determinadas em lei, não há necessidade de serem expressas no ato de convocação. Ainda que o ato de convocação não refira a alteração do regimento interno, qualquer condômino presente poderá propô-la. A substituição do síndico depende de estar com seu mandato concluído ou se a convenção determinar o término coincidente com a data da assembleia ordinária. A assembleia ordinária não é o momento oportuno para destituição do síndico, pois esta é dependente de convocação expressa e de se lhe assegurar o devido processo e o direito de defesa. Se o síndico não a convocar, poderá fazê-lo ao menos um quarto dos condôminos, de acordo com suas frações ideais. Como a assembleia ordinária é obrigatória, se a convocação não for feita pelo síndico ou pelo grupo de condôminos, caberá ao juiz decidir sobre as matérias, a requerimento de qualquer condômino.

A assembleia extraordinária pode ser convocada em qualquer tempo, para deliberação sobre matérias estranhas à assembleia ordinária. As matérias devem estar expressas no ato de convocação e somente sobre elas pode haver deliberação. Cabe ao síndico convocá-la ou ao menos um quarto dos condôminos, de acordo com suas frações ideais. O grupo de condôminos pode se dirigir ao síndico para a convocação ou fazê-la diretamente aos demais condôminos. A assembleia extraordinária pode ser convocada por qualquer condômino, isoladamente, para autorização de despesas com obras consideradas necessárias, porém não urgentes (CC, art. 1.341, § 3º), se o síndico se omitir em convocá-la.

A convenção do condomínio ou o regimento interno definem quem preside a assembleia, o local, o horário preferencial, a ordem dos trabalhos, o modo de discussão das matérias, a votação. Não há exigência legal de a votação ser secreta ou por utilização de cédulas. Basta o levantamento da mão para expressar o voto favorável ou contrário, ou a manifestação individual, declinando-se o número de cada unidade.

Apenas podem participar das assembleias e votar os condôminos que estejam quites com suas obrigações com o condomínio. Os votos não são pessoais, mas proporcionais às frações ideais de cada condômino. A lei brasileira adota o critério da fração ideal e o princípio da inseparabilidade que rege as unidades imobiliárias em relação às frações ideais. “O cálculo das frações ideais precede, pois, ao lançamento da incorporação, e é exigência para que o incorporador possa negociar as unidades” (Pereira, 1999, p. 105). Admite a lei, no entanto, que a convenção do condomínio disponha de forma diferente (não o regimento interno, pois diz respeito ao exercício do direito). A convenção pode estabelecer que o voto seja pessoal, ou seja, cada condômino presente significa um voto, ou que a titularidade de cada unidade valha voto igual, ainda que as unidades tenham frações ideais diferentes, pois o condomínio pode ser composto de unidades com áreas distintas (por exemplo, o prédio pode ter apartamentos com tamanhos e dependências maiores e menores). Os condôminos podem ser representados por procurador, condômino ou estranho, salvo se a convenção não o admitir. Sustenta-se, doutrinariamente, que a minoria não se vincula quando a deliberação da maioria aprovar ato ilícito. A Lei nº 4.591, de 1964, admitia o voto do locatário, mas essa norma permissiva não foi reproduzida no Código Civil, que revogou a legislação anterior, prevalecendo o que dispuser a convenção; entendimento pela sua continuidade implica repristinação, o que nosso direito rejeita.

A distribuição dos poderes de voto, de modo diferente ao do modelo legal supletivo da proporção às frações ideais, pode se refletir na fixação da contribuição condominial. A assembleia pode deliberar que, independentemente dos tamanhos das unidades, a contribuição de cada condômino será igual. Essa deliberação é frequente em situações de condomínios de casas ou de condomínios com grandes áreas de lazer e jardins, pois a utilização e as despesas de manutenção destas são iguais, independentemente das áreas internas das unidades.

Os quóruns são de presença e de deliberação. Os quóruns de deliberação nas assembleias ordinárias e extraordinárias são variados, dependentes das matérias (sempre considerando a proporção às frações ideais, salvo disposição diferente na convenção do condomínio):

(1) Maioria dos presentes, isto é, metade mais um, em segunda convocação, salvo quando exigido quórum especial para determinada matéria. Não há quórum de presença. A segunda convocação já pode estar contida no ato de convocação, como é costume se fazer, fixando-se outro horário no mesmo dia, caso não se consiga alcançar o quórum, no primeiro horário, de pelo menos metade das frações ideais.

(2) Maioria dos presentes, no horário da primeira convocação, salvo quando exigido quórum especial. O quórum de presença exigível deve corresponder pelo menos à metade das frações ideais.

(3) Metade mais um dos condôminos, proporcionalmente às frações ideais, para: a) autorização de obras úteis ao condomínio (não necessárias); b) reconstrução ou venda do imóvel, em caso de destruição da edificação, por fatos estranhos à deliberação dos condôminos.

(4) Quórum de dois terços dos votos dos condôminos para: a) deliberar sobre o percentual da multa a ser cobrada do condômino inadimplente, quando a convenção não a tiver previsto; b) realização de obras no condomínio, consideradas benfeitorias voluptuárias; c) realização de obras novas em partes comuns, acrescentadas à construção original, para facilitar ou aumentar a utilização pelos condôminos; d) alteração da convenção do condomínio. O STJ (REsp 1.230.916) admitiu que a convenção do condomínio possa estabelecer quórum mais elevado para essas deliberações.

(5) Quórum de três quartos dos votos dos condôminos, excluído desse cálculo o condômino inadimplente, para: a) deliberar sobre o pagamento por este de multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição condominial; b) deliberar sobre a imposição de multa, correspondente ao décuplo do valor atribuído à convenção condominial, ao condômino antissocial. Há entendimento (TJSP, Acórdão 6549920) no sentido de a convenção poder adotar quórum menor, porque a norma do art. 1.377 do Código Civil não seria de ordem pública (como a que fixa o limite máximo da multa), mas sim de ordem privada.

(6) Unanimidade dos votos dos condôminos para: a) mudança da destinação ou finalidade do edifício ou da unidade (residencial, empresarial ou mista); b) construção de outro pavimento no edifício já construído, ou para construção de outro edifício no terreno comum, destinado a conter novas unidades imobiliárias; c) alteração das frações ideais. A unanimidade dificilmente se obtém em um grupo de pessoas, pois a divergência pode ocorrer. Por essa razão, apenas essas hipóteses excepcionais, que dizem respeito à essência do condomínio, a exigem. A falta de unanimidade, ainda que por razões inconfessadas ou por motivos desarrazoados de algum condômino, não pode ser suprida pelo Poder Judiciário, pois configura direito potestativo.

O art. 1.351 do Código Civil, quando prescreve a unanimidade, alude a “mudança de destinação do edifício”, que deve ser interpretado em harmonia com as expressões “o fim a que as unidades se destinam”, previstas no art. 1.332, III, como requisito para a instituição do condomínio edilício, pois este também existe quando as unidades autônomas são isoladas (condomínio de casas ou de quadra). Segundo Ebert Chamoun (1970, p. 18) a comissão elaboradora do anteprojeto do Código Civil optou pela exigência da unanimidade dos condôminos para a construção de nova unidade imobiliária, ainda mesmo quando realizada no terraço de cobertura particular; mas, obras de acréscimo pode o condômino aí empreender, subordinadas inclusive à condição de não erguer mais de um pavimento no edifício. A lei brasileira segue orientação distinta da faculdade contida no art. 1.127 do Código Civil italiano, de o condômino do último andar poder elevar outros andares, salvo se houver impedimento no título, ou a estrutura do edifício não permitir. A alteração da fração ideal, pela construção de novas unidades “necessita de aprovação unânime de todos os condôminos, que inexistindo impede a sua efetivação” (STF, RE 96.409).

Se a convenção de condomínio tiver previsto um conselho fiscal, cuja criação é facultada pelo art. 1.356 do Código Civil, ele deverá ser composto de três membros efetivos. Além dos membros efetivos, pode a convenção do condomínio incluir suplentes. Compete ao conselho fiscal dar parecer sobre as contas do síndico, como subsídio para deliberação da assembleia dos condôminos. A escolha dos membros do conselho fiscal é feita mediante eleição em assembleia dos condôminos. A apreciação das contas do síndico não se resume aos aspectos contábeis, mas também à regularidade e à necessidade das despesas, inclusive se dependiam ou não de prévia autorização da assembleia dos condôminos.

5. Gestão e responsabilidade do condomínio

A gestão ou administração do condomínio compete ao síndico, eleito em assembleia dos condôminos, que a esta deve prestação de contas. O síndico é o órgão executivo do condomínio. O síndico é eleito entre os condôminos, mas pode ser escolhido estranho, se nenhum desejar assumir a gestão ou não conseguir ser eleito. Para Caio Mário da Silva Pereira, a função de síndico pode ser dada a uma pessoa jurídica (1999, item 98). Nesse sentido permite a lei que a assembleia invista outra pessoa com poderes de representação. O prazo do mandato do síndico não pode ultrapassar de dois anos, de acordo com o que estabelecer a convenção do condomínio. A lei (CC, art. 1.347) permite que o prazo do mandato possa ser renovado, pela assembleia dos condôminos. Não há limite para as renovações, deixando-se a critério dos condôminos, que, eventualmente, prefiram manter o síndico enquanto lhes satisfizer.

Dependendo do número de unidades, a convenção do condomínio pode prever a figura de subsíndico ou de vários subsíndicos. Quando o condomínio é composto de vários edifícios de unidades imobiliárias, cada um pode contar com um subsíndico, cabendo ao síndico a tarefa de coordenação. Nas relações com terceiros apenas o síndico tem poderes de atuar em nome do condomínio, mas pode haver distribuição de poderes na convenção ou delegação deles feita pelo síndico.

O síndico ou subsíndico podem ser remunerados, de forma direta ou indireta, neste caso com dispensa de pagamento das contribuições condominiais ou outra modalidade, tudo de acordo com o que tiver previsto a convenção. Ambos respondem pelos prejuízos que causar ao condomínio, pelo desempenho inexato de suas atribuições.

Em condomínio de muitas unidades, a gestão é tarefa complexa, que demanda necessidade de terceirizar as atividades, com a contratação de empresas especializadas em administração de condomínio. São necessários serviços de cobranças, de serviços de advocacia e de contabilidade, de gestão de contratos com prestadores de serviços permanentes de manutenção, de gestão de pessoal empregado no condomínio, de controle de material, de contratação e acompanhamento de obras e serviços. Dependendo de aprovação da assembleia dos condôminos, pode o síndico transferir poderes de representação judicial ou extrajudicial do condomínio a outra pessoa física ou jurídica, salvo se a convenção não o permitir.

O síndico atua pelo condomínio edilício, em juízo ou fora dele. O Código Civil diz que compete a ele “representar, ativa e passivamente” o condomínio. Mas, o síndico é órgão do condomínio e órgão não representa e sim “presenta”. A entidade se exterioriza pela atuação do órgão, segundo o modelo dos órgãos da pessoa física: o cérebro ou a mão, por exemplo, integram-na. Diferentemente, a representação é externa à pessoa ou entidade; outra pessoa ou entidade atuem em nome da representada. Os poderes do síndico são os mais amplos possíveis para atuar pelo condomínio perante os condôminos e terceiros, suficientes à “defesa dos interesses comuns” (CC, art. 1.348, II). Cabe ao síndico receber citações do Poder Judiciário, nas ações que se fundem deliberação da assembleia, ou que envolvam responsabilidade do condomínio. O síndico que excede de seus poderes, ou age contra as deliberações da assembleia dos condôminos, é mero gestor de negócios em relação a esses atos (CC, art. 861), salvo se os condôminos os ratificarem.

O condomínio, por seu síndico e mediante representação judicial outorgada a advogado, pode ajuizar ações contra os titulares das unidades, principalmente para cobrança dos débitos destes com contribuições condominiais. O STJ (REsp 1.100.087), interpretando extensivamente e por analogia o art. 3º, IV, da Lei nº 8.009, de 1990, passou a admitir a penhora da unidade residencial, que se qualifica como bem de família, em execução movida pelo condomínio edilício para cobrança das despesas condominiais.

Além dos poderes gerais de administração e atuação, o síndico é investido de competências específicas, pela lei e pela convenção do condomínio. Essas competências têm o significado de atribuições, configurando mais deveres que faculdades. Compete-lhe cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as deliberações da assembleia; convocar as assembleias ordinárias e extraordinárias; informar os condôminos de fatos que lhes interessem e os que lhes possam acarretar encargos; conservar, guardar e manter as coisas comuns; cobrar dos condôminos as contribuições condominiais e multas; prestar contas à assembleia e realizar seguro das edificações.

As obras a serem feitas no condomínio classificam-se, como as benfeitorias, em necessárias, úteis e voluptuárias. As necessárias são as indispensáveis ao condomínio, que pode ficar comprometido em sua segurança ou ser depreciado se não forem feitas. Têm por finalidade a conservação, a manutenção, a segurança e a integridade das partes comuns. As obras e reparações necessárias impõem-se por si mesmas, não dependendo de autorização dos condôminos e podem ser realizadas pelo síndico, cujas despesas serão apreciadas pela assembleia ordinária subsequente, no conjunto da prestação de contas. A omissão do síndico, em virtude da urgência e do risco de prejuízo ao condomínio, faculta a qualquer condômino a realizá-las, se tiver condições financeiras para isso.

As obras necessárias, ainda que urgentes, que importarem valores elevados ou excessivos, após iniciadas, devem ser comunicadas aos condôminos, com a convocação de assembleia, para que esta decida se: são necessárias, são urgentes e se os valores podem ser suportados. O quórum para deliberação é simples (maioria dos presentes). Porém, se as obras não forem urgentes e acarretarem despesas excessivas somente poderão ser iniciadas após autorização da assembleia extraordinária, convocada para esse fim pelo síndico ou, se este não fizer, por qualquer condômino, também com quórum simples de deliberação. Não necessitarão de autorização da assembleia as despesas não excessivas com obras necessárias não urgentes. Consideram-se excessivas as despesas que ultrapassem os limites das receitas ordinárias do condomínio e impliquem rateio entre os condôminos de contribuições extraordinárias.

As obras e reparos úteis ampliam as possibilidades de uso, utilidade e conforto das partes comuns, no interesse dos condôminos. Não são necessárias, mas agregam valor econômico ao condomínio. São assim: a ampliação do salão de festas, a construção de piscina, a criação de salão de jogos, a abertura de outro acesso. Às vezes, de acordo com as circunstâncias, as obras úteis podem ser consideradas necessárias. Em locais de elevado risco, sistemas eletrônicos de segurança podem ser considerados necessários. As obras úteis para que possam ser iniciadas pela administração do condomínio dependem de aprovação em assembleia extraordinária, para a qual se exige o quórum especial de votação (e não de presença) da maioria dos condôminos, proporcionalmente às frações ideais.

As obras voluptuárias são as que têm finalidades estéticas. Não são necessárias nem úteis, mas agregam valor, pois é da natureza humana a apreciação da beleza e do que é agradável à contemplação. São assim: as esculturas nos ambientes de circulação do condomínio; os jardins (são úteis, no entanto, quando têm por finalidade a melhoria da temperatura dos ambientes comuns); a ornamentação em geral; a pintura de artista plástico conhecido. As obras voluptuárias, por não serem necessárias ou mesmo úteis, necessitam da aprovação de dois terços dos condôminos, proporcionalmente às frações ideais.

A responsabilidade civil do condomínio por danos ocorridos dentro ou fora de suas instalações são equivalentes à atribuída à pessoa jurídica. Por exemplo, há responsabilidade do condomínio pelos danos causados a terceiros por seus empregados ou pessoas a seu serviço, no exercício de suas atividades, notadamente quando ocorrer de condução ou manejo de equipamentos ou veículos a ele pertencentes. Já está assentado no STJ (EDiv no REsp 268.669) que “o condomínio só responde por furtos ocorridos nas suas áreas comuns se isso estiver expressamente previsto na respectiva convenção”.

Os titulares das unidades imobiliárias são responsáveis pelos danos causados pelos respectivos moradores, nas áreas comuns, ou em decorrência de objetos caídos delas. Assim, aplicando-se o art. 938 do Código Civil, é do titular da unidade e não do condomínio a responsabilidade pelo dano proveniente de coisas que dele caírem ou forem lançadas em local indevido. A responsabilidade é do condomínio se o dano provier da falta de reparos na fachada do prédio, porque esta é coisa comum.

Há dever para o condomínio edilício de realizar seguro de toda a edificação contra o risco de incêndio ou destruição parcial ou total. O fim da norma legal (CC, art. 1.346) é de possibilitar a reconstrução da edificação, com a indenização recebida, de acordo com a apólice do seguro. Independentemente desse seguro geral, de caráter obrigatório, pode cada condômino contrair idêntico seguro especificamente para sua unidade.

A responsabilidade por defeitos de execução da obra é do incorporador. De acordo com o STJ (REsp 884.367), ao incorporador, nos termos da Lei nº 4.591, de 1964, cabe a contratação da edificação do imóvel construído de unidades imobiliárias e “é exatamente por lhe caber essa tarefa que responde pela má ou defeituosa execução da obra, traduzida, na sua ruína ou ameaça de ruína, exigindo reparações de vulto ou reconstrução”. Quase sempre a empresa construtora é também a incorporadora.

6. Contribuição condominial

O pagamento da contribuição condominial pelo condômino, para cobertura das despesas ordinárias ou extraordinárias, é indispensável para que o condomínio possa cumprir suas finalidades e os condôminos possam utilizar suas unidades. O condomínio pode fixar a periodicidade, cuja preferência é a mensal. O não pagamento acarreta a incidência de juros moratórios que forem fixados pela assembleia dos condôminos. Se não houver previsão dos juros, prevalecerá a taxa legal (CC, art. 1.336, § 1º) de um por cento ao mês, sobre cada contribuição vencida. “Após o advento do Código Civil de 2002, é possível fixar na convenção do condomínio juros moratórios acima de 1% (um por cento) ao mês em caso de inadimplemento das taxas condominiais” (STJ, REsp 1.002.525). Não é possível a capitalização dos juros moratórios, ou seja, o cálculo destes não incidirá sobre o débito e os juros não pagos de outras parcelas. Na execução de crédito relativo a cotas condominiais, este tem preferência sobre o hipotecário (Súmula 478-STJ); o crédito é privilegiado, superando os créditos comuns e até mesmo o hipotecário, porque diz respeito a necessidades imediatas, de custeio corrente.

Além dos juros moratórios, poderá o condomínio cobrar multa de até dois por cento do débito, excluído deste o cálculo dos juros moratórios. O limite legal da multa tem sido criticado, porque, por seu reduzido percentual, pode estimular atrasos, em prejuízo da vida do condomínio. É nula a estipulação que, dissimulando ou embutindo multa acima de dois por cento, confere suposto desconto de pontualidade no pagamento de taxa condominial, pois configura fraude à lei e não redução por merecimento (enunciado 505 das Jornadas de Direito Civil, do CJF/STJ). O desconto para pagamento antecipado ou para pagamento até ao vencimento, que é prática comum, não se qualifica como multa invertida, ou penalidade, mas estímulo correto ao adimplemento; quando muito, seria sanção premial ou positiva.

O critério legal de proporção das partes ideais, para cálculo das contribuições condominiais, não é absoluto, pois a convenção pode estabelecer de modo diferente, ou modificar o critério anterior. Pode, por exemplo, fixar valor único para as contribuições periódicas, frequentemente mensais, independentemente das áreas ou das proporções de frações ideais das unidades, máxime quando haja disponibilidade de áreas e equipamentos comuns, de elevada manutenção. A redação originária do art. 1.336 do Código Civil impunha o critério exclusivo da proporção das frações ideais, mas a Lei nº 10.931, de 2004, transformou-o de cogente em supletivo.

A jurisprudência dos tribunais tem reafirmado a responsabilidade da empresa incorporadora ou construtora pelo pagamento das contribuições condominiais, relativamente às unidades ainda não vendidas. Assim, decidiu o STJ pela invalidade, porque abusiva, da cláusula de convenção condominial que isenta a construtora e incorporadora do empreendimento do pagamento das contribuições dessas unidades (REsp 151.758), ou pela ineficácia de cláusula exoneratória de responsabilidade dos alienantes (REsp 282.740).

Não pode o condômino, para eximir-se ou exigir redução proporcional do valor da contribuição condominial, renunciar ao uso de partes comuns. Independentemente do uso, a contribuição é devida. Esse tema foi debatido pelo STF, no RE 75.951, como se extrai do voto do Min. Aldir Passarinho, que indaga se um condômino que resolver fechar sua porta de serviço deixaria de pagar as despesas de manutenção do elevador do hall de serviço: “Deveriam os demais condôminos suportar as despesas relativas àquele condômino sobre a utilização que ele deixou de fazer do elevador e do hall de serviço? Por certo que não”.

O condômino inadimplente contumaz, isto é, o que reiteradamente deixa de pagar as contribuições condominiais não pode ser tratado como um devedor comum, pois sua conduta causa prejuízo aos demais condôminos, que devem suportar as despesas necessárias à manutenção do condomínio. Não é simples relação de crédito e débito que se resolve entre as partes. Tal comportamento torna insuportável a convivência e até mesmo a utilização das suas unidades pelos outros condôminos. Por essa razão, a lei confere ao condomínio, por deliberação de três quartos dos demais condôminos, a faculdade de impor sanção de multa de até cinco vezes do valor da contribuição condominial. Essa multa não é compensatória, pois o condomínio poderá cobrar-lhe, ainda, as perdas e danos que tenham sido causadas pela inadimplência reiterada.

Pode, ainda, o condomínio valer-se de outros meios legais para compelir o condômino ao pagamento das contribuições condominiais, juros e multas, quando a sanção pecuniária não gera o efeito pretendido. Por decisão simples da assembleia dos condôminos, pode o débito do inadimplente ser inscrito no serviço de proteção ao crédito ou equivalente, que se tem revelado mais eficiente que a multa ordinária de dois por cento.

7. Direitos e deveres dos condôminos

Os condôminos podem livremente usar, fruir e dispor de suas unidades imobiliárias, porque sobre elas há direito de propriedade exclusiva. Todavia, ante as peculiaridades do condomínio edilício, tornam-se mais exigentes os direitos de vizinhança e as regras de convivência estabelecidas na convenção do condomínio e no regimento interno.

Com relação ao que não integra a unidade autônoma, o condômino pode usar as partes comuns, de modo comum, ou seja, não excluindo o mesmo uso por parte dos outros condôminos. Evidentemente, que o uso está condicionado à destinação dada pelo condomínio às partes ou áreas comuns. Assim, as áreas e equipamentos destinados às crianças não podem ser utilizados para diversão de adultos.

Permite-se ao condômino alienar parte acessória da sua unidade (por exemplo, sua vaga de garagem) a outro condômino. Apenas é permitido a alienação a terceiro se houver prévia autorização no ato de constituição do condomínio. Todavia, ainda que a faculdade para alienação a terceiro seja assim prevista, poderá a assembleia dos condôminos deliberar por sua proibição.

A preferência é ao condômino na locação, por outro condômino, da parte acessória, com objetivo de prevenir os conflitos que frequentemente causam a admissão e a circulação de estranhos nessas áreas. Se nenhum condômino se interessar, poderá ser alugada a estranho. Contudo, pelas mesmas razões de vedação de alienação, pode a convenção do condomínio ou a assembleia dos condôminos proibir que se alugue a estranho. A lei (CC, art. 1.338) não assegura direito irrestrito à locação da vaga de garagem, mas sim estabelece restrição, quando assegura a outro condômino o direito de preferência. Sua interpretação é no sentido de ser permitida a locação a estranho, se outro condômino não a quiser e se não houver proibição na convenção ou por deliberação da assembleia dos condôminos.

Pode o condômino, que discordar de determinada verba ou questionar a necessidade dela ser dispendida, ingressar em juízo contra o condomínio, quando deste não obtiver prestação de contas satisfatória. O síndico tem de prestar contas de sua gestão, perante a assembleia ordinária dos condôminos, ou quando demandado por condômino. Ao cobrar as despesas, o síndico assume plenamente a obrigação de prestar contas, uma vez que administra e gere valores e interesses alheios. A exigência legal (CC, art. 1.350, § 1º) de um quarto dos condôminos é relativa à convocação da assembleia, quando não a faz o síndico, mas não é requisito para o exercício do direito de o condômino, isoladamente, pedir prestação de contas ou questionar despesas. A legitimidade do condômino assenta no fato de ter de assumir, proporcionalmente, o pagamento de despesas, que não concorda ou cujo esclarecimento não obteve. Nesse sentido, decidiu o STJ (REsp 535.696) que é razoável a interpretação de que o condômino tem legitimidade
para, em nome próprio, pedir prestação de contas ao síndico quando este não as tenha prestado por ausência de convocação de assembleia de condôminos e impossibilidade de obtenção de quórum para convocação de assembleia extraordinária.

As áreas de uso comum não podem ser destinadas para uso exclusivo de alguns condôminos, “como se lhes pertencesse como propriedade particular” (STJ, REsp 710.845). Nesse caso, houve cessão pela incorporadora a alguns condôminos de área sobre pilotis. Mas essa regra não é absoluta e tem sido mitigada, ante situações específicas, pela jurisprudência dos tribunais. O próprio STJ já decidiu (REsp 214.680) caso de área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. “Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé (supressio)”. No mesmo sentido, aplicando o princípio da boa-fé objetiva, o REsp 356.821, no caso dos proprietários de duas unidades condominiais que faziam uso exclusivo de área comum, sendo os únicos com acesso a esta, há mais de trinta anos e autorizados pela assembleia do condomínio.

A concorrência de uso exclusivo das unidades imobiliárias e de uso comum das partes comuns, no mesmo espaço, impõe a fixação de deveres aos condôminos, para que a convivência seja a mais harmônica possível. São deveres gerais de conduta, derivados diretamente da lei e não da autonomia privada, gerando obrigações não autônomas. O condomínio edilício, como adverte Pontes de Miranda (2012, v. 12, p. 241) não é relação obrigacional autônoma, quer dizer, por si só não se forma no domínio do direito das obrigações, ainda que os princípios deste sirvam supletivamente.

Cada condômino deve pagar as contribuições condominiais, ordinárias e extraordinárias, que sejam fixadas em assembleia, na proporção das partes ideais. O critério legal da proporção das partes ideais é o mesmo utilizado para a computação dos votos em assembleia.

Não pode o condômino realizar obras em sua unidade autônoma que comprometa a segurança do prédio, edificado em andares sucessivos. O condômino pode realizar modificações internas na unidade, para ambientá-lo ao seu gosto, atendo-se às partes livremente removíveis, com observância ao que estiver disposto na convenção do condomínio. Mas não pode modificar ou mesmo afetar as partes estruturais do prédio, tais como vigas, colunas e até mesmo paredes, quando estas sejam estruturais ou de sustentação. Tragédias ocorreram quando reformas de unidades comprometeram as partes estruturais dos prédios, que desabaram. Não há impedimento legal para a abertura de acessos entre unidades contínuas, do mesmo titular, se não acarretar comprometimento às partes estruturais da edificação; assim, com abertura de portas ou vãos livres entre apartamentos contíguos no mesmo andar, ou com escada de comunicação entre apartamentos contíguos em dois andares.

De acordo com o art. 1.308 do Código Civil, não pode o condômino encostar à parede divisória das unidades, inclusive em sacadas ou varandas, chaminés, fogões, fornos, churrasqueiras ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais. Se o fizer, pode o prejudicado pedir em juízo o desfazimento ou cessação da obra.

Não pode o condômino modificar a cor, a forma e os materiais originalmente utilizados para as fachadas. Tampouco pode modificar os modelos e especificações das esquadrias das fachadas, em suas unidades. Esse é um problema constante, para o qual nenhuma concessão pode ser admitida, salvo expressa disposição na convenção, pois a falta de uniformidade compromete a valorização do imóvel, como um todo, prejudicando os demais condôminos. Para Caio Mário da Silva Pereira, nenhum condômino tem o direito de mudar a forma da fachada externa ou decorar as paredes e esquadrias externas com tonalidades ou cores diversas das empregadas no conjunto do edifício (1999, p. 155). É uma forma restrição ao direito de propriedade, no interesse da coletividade dos condôminos. A restrição nos condomínios residenciais é total, mas, nos condomínios empresariais tem sido mitigada, quando a convenção do condomínio é omissa, admitindo-se a colocação de cartazes ou letreiros que não comprometam a estética do edifício. Não se considera modificação de fachada a instalação de telas ou grades de proteção em varandas e janelas, no caso de morador com filho menor. O envidraçamento de sacadas é permitido, se houver aprovação da assembleia e de acordo com as especificações por ela definidas, para que haja uniformidade, ficando sob encargo financeiro exclusivo do condômino interessado, uma vez que é obra em área comum de uso particular (CC, art. 1.340); por se tratar de obra classificada como voluptuária (CC, art. 1.341, I), sua realização depende do voto de dois terços dos condôminos.

Não pode o condômino dar à sua unidade destinação diferente da que tem a edificação. Se for residencial, não pode destiná-la para objetivos profissionais ou não residenciais. Todavia, ante a grande transformação que está a ocorrer nas atividades profissionais, esse dever negativo deve ser interpretado com mitigação, pois a revolução da informática passou a permitir que as pessoas utilizassem seus ambientes domésticos também para trabalho. O fim social da norma é impedir que os titulares das unidades residenciais desenvolvam atividades que impliquem atendimento ao público. Se quem realiza a atividade é o próprio morador; se a atividade não provoca fluxo de pessoas estranhas, nem o emprego de trabalho de terceiros, no ambiente da unidade, salvo os trabalhadores domésticos, não há mudança de destinação. Parece-nos que a convenção do condomínio que proibisse ao morador qualquer atividade profissional violaria a garantia do livre exercício de trabalho, ofício ou profissão (CF, art. 5º, XIII). Pontes de Miranda (2012, v. 12, p. 390) já antevia essa modulação, assegurando que “se no apartamento o dono ou locatário mora e exerce a sua profissão, sem empregados que fabriquem, a lei não lho proíbe, porque não se transformou o apartamento em apartamento não-residencial”, salvo se a residência é somente simulada, para se evitar que se classifique como mudança de destinação. A lei argentina não considera desvio do uso residencial a prática de atividade meramente artesanal ou de indústria doméstica, no apartamento, desde que não sejam utilizados empregados, nem haja afluência de público no local. Tem sido decidido que, se exercidas sem qualquer anormalidade ou abuso, pode o condômino ministrar aulas particulares em seu apartamento (RT 397/174).

Não pode o condômino utilizar a unidade de modo prejudicial à saúde, ao sossego e à segurança dos demais condôminos da edificação. Essa regra é mais restrita que as regras gerais dos direitos de vizinhança. Sons, ruídos, odores e utilização de produtos prejudiciais devem observar as regras estabelecidas na convenção, que é lei entre os condôminos. Animais são sempre causadores de conflitos entre condôminos e não podem ser permitidos se causarem incômodos aos condôminos, ainda que a convenção seja omissa, ante a incidência das regras dos direitos de vizinhança. Se houver previsão expressa na convenção, a vedação de animais nas unidades não pode ser desafiada sob o argumento da garantia genérica do direito de propriedade, pois esta não é absoluta e não pode prevalecer sobre o interesse do conjunto dos condôminos. “A propósito de animal em apartamento, deve prevalecer o que os condôminos ajustaram na convenção” (STJ, REsp 161.737)

Os barulhos constantes emanados da unidade não devem ser suportados pelos demais condôminos (por exemplo, sons musicais muito altos), independentemente do horário. Os barulhos episódicos, como os decorrentes de reformas na unidade, devem observar os períodos de repouso tradicionais, incluindo os destinados às refeições; as convenções de condomínios costumam estabelecer o horário comercial para tais serviços. Essas condutas, ainda que não disciplinadas na convenção do condomínio, sofrem a incidência das normas de regência dos direitos de vizinhança (CC, art. 1.277) em virtude do uso anormal da propriedade, pois qualquer condômino, proprietário ou possuidor de unidade, tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que a habitam, provocadas pela utilização de unidades vizinhas.

Para Pontes de Miranda (2012, v. 12, p. 462), as relações entre o dono do apartamento de cima e o dono do apartamento de baixo, no que se refere ao teto-e-soalho, são relações de vizinhança e não relações de condomínio. Eles são condôminos das partes comuns a todos, não do teto-e-assoalho, porque, respeito a essa laje, estão na mesma situação que os confinantes de casas têm com as paredes comuns. Com efeito, são aplicáveis as regras do art. 1.306 do Código Civil de 2002, sobre parede-meia. Não pode, por exemplo, perfurar a laje para além de sua metade. Se o apartamento superior provoca umidade no inferior, ou se prejudica a segurança e a saúde dos que habitam no debaixo, há violação dos direitos de vizinhança.

Os bons costumes devem ser observados pelo condômino. Trata-se de conceito indeterminado, cujo conteúdo apenas a situação concreta pode permitir preencher. De modo geral, os bons costumes são os que a comunidade, onde se localiza a edificação, observa de modo espontâneo, consolidados no tempo. Não são bons costumes os valores, ainda que majoritários, que expressem preconceitos e desrespeito às diferenças, principalmente culturais, das pessoas e de grupos sociais minoritários, em violação aos direitos fundamentais assegurados pela Constituição.

Caberá sanção de multa ao condômino que realizar obras que comprometam a estrutura da edificação ou que alterar a fachada desta. A multa deverá ser prevista na convenção do condomínio e poderá ser fixada em até cinco por cento do valor das contribuições mensais. Essa sanção depende de comprovação do fato e de ser assegurada a garantia de defesa ao condômino, após notificação encaminhada pelo síndico. Se for omissa a convenção, a assembleia dos condôminos poderá fixar o percentual da multa até àquele limite, por deliberação de no mínimo dois terços dos condôminos, na proporção de suas frações ideais. Além da multa, o condomínio poderá cobrar as perdas e danos causados pela conduta do condômino.

Sanção de multa de até dez vezes do valor da contribuição mensal pode ser aplicada a condômino que tenha comportamento considerado antissocial, que gera incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Cabe à assembleia deliberar pela imposição da multa mensal, no caso de conduta continuada, ou para cada conduta, por deliberação de três quartos dos condôminos, a qual persistirá “até ulterior deliberação da assembleia” (CC, art. 1.337, parágrafo único). Além da imposição da multa, cabe a incidência das normas dos direitos de vizinhança (CC, arts. 1.277 e seguintes). Legislações estrangeiras chegam a cominar ao condômino antissocial a perda da unidade, mediante venda forçada, ou a sanção da privação do uso. A lei brasileira preferiu a sanção pecuniária, que, de acordo com Ebert Chamoun (1970, p. 18), por sua gravidade, pode levar o recalcitrante a mudar-se, devolvendo à tranquilidade a convivência entre os moradores. Todavia, entende-se que (enunciado nº 508 das Jornadas de Direito Civil, do CJF/STJ), devem ser aplicados o princípio da função social, previsto no art. 5º, XXIII, da Constituição, e a vedação do abuso do direito (CC, art. 187), quando se verificar que a sanção pecuniária é ineficaz, para se promover a exclusão do condômino antissocial, mediante ação judicial, deliberada em assembleia e garantido o devido processo legal ao condômino. O TJPR (AC 957.743-1) decidiu pela legalidade da limitação do direito de uso e habitação de condômino com conduta antissocial contumaz que, apesar de ser notificado de deliberação da assembleia e da aplicação da multa pecuniária, continuou com o mesmo procedimento; o condômino aliciava candidatas a emprego de domésticas com salários acima do mercado, mantendo-as presas e incomunicáveis na unidade condominial, com graves indícios de crimes contra a liberdade sexual, agressões físicas e redução a condição análoga a de escravas.

A Lei das Locações (Lei nº 8.245, de 1991) estabelece que o condômino locador é obrigado a pagar as despesas extraordinárias de condomínio. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente, obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel; pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas; obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício; indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação; instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer; despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum; constituição de fundo de reserva. Essas despesas são meramente enunciativas ou exemplificativas. Ao locatário ou inquilino incumbe o pagamento das despesas ordinárias de condomínio, necessárias à administração deste, notadamente as contribuições condominiais e às contribuições extraordinárias que digam respeito à manutenção do condomínio. O locatário pode exigir a qualquer tempo a comprovação dessas despesas.

As despesas condominiais constituem obrigações propter rem, ou seja, vinculam-se à unidade. Assim, se, apesar do contrato de locação, o locatário não pagar as contribuições condominiais, é responsável o condômino, que, após pagá-las, terá direito de regresso contra aquele. Igualmente, o promissário comprador que se imitiu na posse do imóvel, ainda que em caráter precário, e de cuja imissão o condomínio teve conhecimento, deve responder pelas despesas condominiais no período em que exerceu essa posse, mostrando-se irrelevante o fato de o contrato ter sido ou não registrado.

Pode o condomínio, em relatórios periódicos de informação de suas contas, dar conhecimento aos condôminos da situação dos inadimplentes, indicando os números das unidades e respectivos valores. Esse procedimento não pode ser considerado cobrança vexatória, porque essa informação é direito dos condôminos, uma vez que os débitos repercutem no patrimônio jurídico destes, que têm de assegurar a manutenção do condomínio, com majoração das contribuições condominiais. Tem sido entendido, no entanto, que a veiculação do nome do condômino moroso caracterizaria dano moral, sujeito o condomínio à responsabilidade civil.

8. Extinção do condomínio edilício

O condomínio edilício, como qualquer obra humana, pode ser extinto. A extinção pode ter causa natural ou humana.

Extingue-se o condomínio quando a edificação for totalmente destruída ou se houver destruição parcial que comprometa sua substância e suas finalidades. A destruição pode ter origem em fatos da natureza, tais como terremotos, maremotos, inundações. Pode ter sido originada de atos humanos, como a reforma de unidade que comprometeu a estrutura do prédio, levando-o ao desabamento ou o comprometimento irremediável de fundações, que recomendam a destruição. Nessas situações, os condôminos poderão deliberar pela reconstrução ou venda, sendo que o quórum exigível é de metade mais uma das frações ideais.

O condômino que não concordar com a deliberação pela reconstrução, poderá alienar a outro condômino sua parte ideal, ou ao demais condôminos, neste caso mediante avaliação judicial. Se a deliberação majoritária for pela venda, terá preferência o condômino ou grupo de condôminos que oferecerem o mesmo valor ofertado por terceiro. O resultado da venda será repartido entre os condôminos, na proporção do valor das suas unidades imobiliárias, que excepciona o critério da proporção das frações ideais, porque o preço leva em conta a valorização, decorrente dos investimentos e melhoramentos feitos em cada unidade. O preço não é matemático, mas estimativo, razão porque não pode levar em conta apenas a área de cada unidade. Várias circunstâncias contribuem para a fixação do valor de cada unidade, especialmente sua localização nos andares: os da frente no mesmo andar e os dos andares mais elevados são mais caros, ainda que tenham a mesma área útil.

No caso de desapropriação de toda a edificação, o valor da indenização, ajustada amigavelmente entre a autoridade expropriante e os condôminos, ou determinada em juízo, será também repartido proporcionalmente ao valor das unidades imobiliárias. Na hipótese de desapropriação de parte do condomínio edilício, cogita-se doutrinariamente (Geraige Neto, 2004, p. 154) das seguintes soluções: a) se a desapropriação recair apenas sobre parte das áreas comuns, haverá repartição proporcional entre os condôminos; b) se recair sobre algumas unidades, os titulares serão indenizados, observada a proporção das frações ideais; c) se recair sobre parte das áreas comuns (por exemplo, redução do recuo do prédio para fins de alargamento de via pública), os condôminos poderão pleitear, além do valor da área atingida, também a indenização a ser fixada.

Extingue-se, também, o condomínio quando os condôminos deliberarem, por unanimidade, por sua venda conjunta a terceiro, ou pela derrubada do imóvel, para ser nele construído outro edifício, mediante incorporação, permutando com futuras unidades.

Referências

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direitos reais. Lisboa: Centro de Estudos de Direito Civil, 1973.

BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano de. Contornos do condomínio edilício no novo Código Civil. Revista de direito imobiliário. São Paulo: RT, v. 53, jul./dez. 2002.

CHAMOUN, Ebert. Exposição de motivos do esboço do anteprojeto do Código Civil – Direito das Coisas. Revista de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: TJRJ, v. 23, 1970.

FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.

GERAIDE NETO, Zaiden; et alii. Comentários ao Código Civil brasileiro (arts. 1.277 a 1.389). Arruda Alvim e Thereza Arruda Alvim (Coords.). Rio de Janeiro: Forense, 2004.

GUEDES, Jefferson Carús; Rodrigues Junior, Otavio Luiz. Notas de atualização a: Pontes de Miranda, Tratado de direito privado. Vol. 12. São Paulo: RT, 2012.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Vol. 10 a 21. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1986.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela USP. Professor Emérito da UFAL. Foi Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Membro fundador do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎

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