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Recurso do Ministério Público em favor do réu no processo penal

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01/02/2001 às 00:00
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4. Pressupostos para o conhecimento do recurso do Ministério Público em favor do réu no Processo Penal

4.1 Legitimidade

Para interpor qualquer recurso é necessário ter a legitimidade para tal fim. O art. 577, caput, do Código de Processo Penal brasileiro enumera as pessoas que têm legitimidade para interpor recursos:

O recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, ou pelo querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor.

Vejam que a norma não vincula a legitimidade para recorrer a um determinado objetivo; especificamente, no que toca ao Ministério Público, não diz ela que este só tenha legitimidade para recorrer quando persiga a condenação ou o agravamento da pena.

Para evidenciar a legitimidade do Ministério Público para interpor recurso em prol do acusado, deve-se observar o seguinte: no processo penal o Parquet apresenta-se sob dois aspectos – a) como parte instrumental, incumbindo-lhe a promoção da ação penal pública; b) como custus legis (fiscal da lei), tendo como escopo fiscalizar a aplicação da lei penal, ou seja, a defesa da ordem jurídica. Entretanto, a atividade fiscalizatória é proeminente, porque na promoção da ação penal deve ele estrita obediência à defesa da ordem jurídica. Assim, como fiscal da lei, o órgão ministerial é apenas e somente fiscal da lei, mas como parte, é ele, ao mesmo tempo, parte e fiscal da lei. Em outras palavras, quando custus legis (apenas fiscaliza), quando parte (promove a ação penal e também fiscaliza).

No processo, o Ministério Público não é órgão de acusação, mas sim, órgão de promoção da ação penal. Promover não significa acusar, significa dar impulso, ser o dínamo da função jurisdicional objetivando a aplicação da lei penal objetiva ao caso concreto. Ora, se coligidas as provas entender o membro do Parquet que não há razão para se punir o indigitado autor do fato delituoso, deve pedir a absolvição do mesmo; se o juiz a quo entender não ser cabível a absolvição, por que razão não tem o Ministério Público legitimidade para pleitear a absolvição do acusado em Segunda instância?

"No processo penal, o Ministério Público não funciona somente como titular da ação penal pública. É também, custos legis (fiscal da lei). E nesta qualidade pode recorrer de sentença condenatória em favor do réu. Se não pudesse, que fiscal seria esse, impedido de recorrer para realizar a justiça?".

(JESUS, 1985: 140)

No mesmo sentido, entretanto, data venia, com maior profundidade, se manifesta o Min. Vicente Cernicchiaro:

"O Ministério Público, como instituição, não esgota suas atribuições na função do Promotor Público. Indiscutivelmente, perante o público, é a figura expoente, mais comparece, mais se evidencia, notadamente na Tribuna do Júri. Ocorre, entretanto, o Ministério Público, tecnicamente, juridicamente, não é acusador, no sentido de perseguir, de visar a aplicar, a qualquer custo, sanção a quem haja cometido a infração penal. Ao contrário, exerce, constitucionalmente, a renomada missão de apurar o fato. Dado ninguém poder ser condenado criminalmente, sem antes, através da garantia do contraditório e da defesa plena, averiguar-se o fato, com todas as circunstâncias. O Ministério Público, portanto, juridicamente, não está jamais contra o réu. Ao contrário, confluem interesses, a fim de evitar o erro judiciário. Por isso, não obstante no caso concreto o Ministério Público haver feito as vezes de órgão da imputação, como o que interessa é a verdade real, e o Ministério Público exerce a função de evitar, como dito, o erro judiciário, preliminarmente, reconheço a legitimidade do Ministério Público para, em favor do réu, interpor recurso".

(RESP 105715/PR)

4.2 Interesse em recorrer

De acordo com o art. 577, parágrafo único, do Código de Processo Penal brasileiro:

Não se admite recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão.

Alguns doutrinadores se embasam neste dispositivo para negarem a possibilidade de o Ministério Público recorrer em favor do réu. Segundo eles, o recurso seria destituído de interesse jurídico, já que havendo a condenação o Parquet não seria sucumbente.

"O interesse está condicionado à posição de partes no processo. A essa condição não pode subtrair-se o órgão do Ministério Público. A ação por ele movida tem por finalidade a condenação do acusado, posto eventualmente as suas conclusões possam ser favoráveis a este. A sua função é precisamente a de promover em juízo a ação decorrente do dever de punir por parte do Estado; colima, como autor, um interesse prefixado, que é antítese do interesse do réu, pois este defende em juízo o direito subjetivo de liberdade. Quando, portanto, venha eventualmente a formular conclusões favoráveis ao réu, o Ministério Público age como órgão consultivo no processo exercendo uma atividade semelhante à do juiz, cujos atos são inspirados na justiça e não por outro interesse. Seria, assim, destituído de interesse jurídico o recurso que o Ministério Público interpusesse da condenação, a despeito de suas conclusões formuladas no sentido da absolvição."

(ABREU, 1945: 345)

Data venia, não assiste razão ao preclaro mestre. O interesse em recorrer não está condicionado à posição de parte no processo. Dentre outros argumentos, podemos observar a situação do ofendido que não se habilitou como assistente, ou seja, não é parte no processo, mas a lei lhe reconhece a legitimidade para interpor recurso. Outrossim, não tem o Parquet um interesse que seja antítese ao interesse do réu. O interesse do Ministério Público é a exata aplicação da lei. Não se constitui em uma máquina acusatória. Razão assiste a Manzini quando afirma que em relação ao Ministério Público, o requisito do interesse em recorrer deve ser considerado com maior largueza, do que respeito às outras partes, porque tem ele, sempre, na esfera própria de sua função, interesse que a lei seja exatamente aplicada. O operador do direito, deve se livrar daquela concepção histórica e atrasada que coloca o Ministério Público como órgão de acusação, especialmente pela amplitude que lhe deu a Constituição Federal de 1988

4.3 Sucumbência

A doutrina coloca a sucumbência como o pressuposto fundamental de qualquer recurso. E, para alguns, o recurso do Ministério Público em favor do acusado, objetivando a exata aplicação da lei, não pode ser conhecido por não ser o Parquet sucumbente, já que, se houve a condenação do acusado inexiste desconformidade entre o que persegue o Ministério Público e a decisão.

"Ao Ministério Público falta legítimo interesse em recorrer em favor do réu. Não pode ele, portanto, interpor apelação ou recurso em sentido estrito, para pleitear, no juízo ad quem, a absolvição do acusado. Nem mesmo quando tenha se pronunciado, nesse sentido, ao oficiar no processo de primeiro grau, facultado lhe está interpor recurso com aquela finalidade."

(MARQUES, 1958: 207)

É necessário delimitar a natureza da sucumbência como pressuposto fundamental dos recursos no processo penal. Ela não pode ser interpretada com a mesma importância que tinha outrora, principalmente no que diz respeito ao Ministério Público. Conforme o ensinamento de Carnelutti, o princípio da sucumbência não pode ser, em absoluto, como ocorre no Processo Civil, o leme, o ponto básico e orientador do instituto dos recursos. Destarte, deve-se afastar o liame entre interesse e sucumbência, para vincular o interesse em recorrer ao binômio utilidade-necessidade. A primeira consiste no proveito que a reforma da decisão irá proporcionar; a segunda, consiste na obrigação de recorrer para alcançar o seu desiderato. O Prof. José Carlos Barbosa Moreira oferece a formulação mais precisa sobre o interesse como requisito de admissibilidade dos recursos, suplantando a idéia de vinculação do interesse à sucumbência. Vejamos:

"O núcleo vital do conceito há de consistir, na idéia de utilidade ou proveito que, pelo ângulo prático, seja esperável da interposição do recurso. Subordina-se ele, entretanto, a dois princípios limitadores: o da possibilidade e o da necessidade. Só se deve reconhecer à parte interesse em recorrer quando – em tese ut si vera exposita – o eventual julgamento do recurso seja apto a acarretar-lhe proveito prático legalmente possível e para cuja obtenção se precisa utilizar tal meio."

(MOREIRA, 1988: 145)

Logo, o interesse do Ministério Público em recorrer em favor do réu no processo penal, está vinculado à circunstância de que como defensor da ordem jurídica não pode deixar passar ilegalidades, injustiças, só porque o seu reconhecimento irá beneficiar o acusado. Ora, quando interpuser o recurso, o Parquet não estará agindo no interesse do acusado, mas sim, no interesse precípuo da restauração da ordem jurídica afrontada pela decisão da qual se recorre. Só por conseqüência é que o recurso beneficia o acusado. O escopo da atuação do Ministério Público é a exata aplicação da lei.

4.4 Erro judiciário

A execução de uma sentença penal condenatória injusta ou ilegal poderá trazer gravames insuperáveis ao indivíduo, tanto pelo tolhimento da liberdade, bem como pelas conseqüências nefastas que da prisão advêm. É por isso que está insculpido no art. 5, LXXV, da Constituição Federal o seguinte:

"O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença".

(grifo nosso).

Destarte, não interessa ao Estado a execução de uma sentença iníqua, pois ela traz a conseqüência de o mesmo ser obrigado a adimplir uma indenização ao condenado por erro judiciário. Ora, se o Estado incumbiu ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, por conseguinte, da exata aplicação da lei penal ao caso concreto, e se este for, como quer alguns, impedido de interpor recurso em prol do acusado, como poderá o Estado evitar a ocorrência do erro judiciário? Seria incongruência, se um órgão do Estado que participa da relação processual não pudesse indicar ilegalidades, injustiças, só porque o reconhecimento dessas circunstâncias tragam por conseqüência um benefício para o acusado, ainda mais quando, o Estado é obrigado a indenizar o condenado por erro judiciário. Escrevia Giacomo Delitala:

"Mas o apelo do Ministério Público poderá ser interposto também a favor do acusado, pois que é interesse do Estado tanto que o culpado seja punido, quanto que não seja punido o inocente. O Ministério Público não representa outro interesse que aquele da Justiça e tal interesse é lesado todas as vezes em que a decisão não é conforme o direito".

(DELITALA, 1976: 41)

Entretanto, se houver recurso do Ministério Público em favor do acusado, e este também interpuser o seu, o do Parquet considerar-se-á prejudicado, apreciando-se o que fora interposto pelo réu.

4.5 Revisão criminal e habeas corpus

Inexiste dúvida de que seja legítima a interposição de revisão criminal e habeas corpus pelo Ministério Público em prol do acusado ou condenado. E, não obstante a discussão sobre a natureza desses dois institutos, o legislador processual penal brasileiro os encartou topograficamente como recursos. Destarte, se para o Código constituem recursos, e podem ser interpostos pelo Ministério Público em favor do acusado ou condenado, por que não pode o Parquet interpor os outros recursos elencados pelo Código de Processo Penal, quando tenha por conseqüência beneficiar o acusado? Logo, se pode interpor revisão e habeas corpus, pode também, por exemplo, apelar, porque ubi ratio, ibi jus idem esse debet.

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4.6 Direito comparado

Alemanha:

"Titulares do direito de recorrer: (1) Os recursos admissíveis contra decisões judiciais competem tanto ao Ministério Público quanto ao réu. (2) O Ministério Público também pode utilizá-los a favor do réu". (parágrafo 296, StPO) (grifo nosso)

"O Ministério Público não poderá desistir do recurso, interposto a favor do réu, sem anuência deste". (parágrafo 302, StPO) (grifo nosso)

            Portugal:

"É legítimo o interesse do Ministério Público para recorrer de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do argüido". (art. 401, 1, "a", Código de Processo Penal português)

            Argentina:

"Recursos del Ministerio Fiscal – En los casos establecidos por la ley, el Ministerio Fiscal podrá recurrir incluso a favor del imputado..." (art. 467, do Código de Processo Penal da Província de Córdoba)

Outrossim, de lege ferenda, será conferida expressamente a legitimidade para o Ministério Público recorrer em favor do réu, pois o projeto de Código de Processo Penal brasileiro que se encontra no Senado Federal, em seu art. 501, parágrafo primeiro, dispõe:

O órgão do Ministério Público pode recorrer em favor do réu.


6. Conclusões

A) O Ministério Público no processo penal deve agir com imparcialidade, tanto que ao membro da instituição são aplicáveis as prescrições relativas a suspeição e aos impedimentos.

B) No processo penal, o Ministério Público apresenta-se sob dois aspectos: 1) como parte instrumental, incumbindo-lhe a promoção da ação penal pública; 2) como custus legis (fiscal da lei), tendo como escopo fiscalizar a aplicação da lei penal, ou seja, a defesa da ordem jurídica. Pela interpretação do art. 257, do CPP, verifica-se que, como fiscal da lei, o órgão ministerial é apenas e somente fiscal da lei, entretanto, como parte, é ele, ao mesmo tempo, parte e fiscal da lei. Em outras palavras, quando custus legis (apenas fiscaliza), quando parte (promove a ação penal e também fiscaliza).

C) O Ministério Público não é órgão de acusação; quando é parte instrumental no processo penal cabe-lhe, tão somente, promover a ação penal, mas sua função proeminente, e da qual não se desvincula, é a defesa da ordem jurídica, ou seja, tem a função de perquirir a verdade dos fatos, mas sem se afastar da luta pela exata aplicação da lei ao caso concreto.

D) A sucumbência deve ser considerada com maior largueza em relação ao Ministério Público, porque toda vez que a ordem jurídica for violada ele está sofrendo um gravame, já que, cabe a ele a defesa da mesma.

E) Só por conseqüência o recurso do Ministério Público beneficia o réu, porque antes de tudo, o Parquet deve recorrer com o objetivo de restaurar a ordem jurídica.

F) Não interessa ao Estado executar uma sentença ilegal, injusta, ante que, pode ser condenado a indenizar pelo erro judiciário. Assim, se a Constituição Federal prevê a indenização por erro judiciário, seria despiciendo que um órgão do Estado que participa da relação processual não pudesse apontar os erros judiciários, elidindo a possibilidade de indenização pelos mesmos.

G) Se o Ministério Público pode impetrar em benefício do réu ou condenado, revisão criminal e habeas corpus, e estes institutos, malgrado a discussão doutrinária sobre a sua natureza, foram colocados topograficamente como recursos, inexiste razão para obstar o ajuizamento dos outros recursos, ainda que, por conseqüência, venham beneficiar o acusado, pois, "ubi eadem ratio, ibi jus idem esse debet."

H) De lege ferenda, será inserido dispositivo legal em nosso ordenamento jurídico, conferindo legitimidade para o Ministério Público interpor recurso em prol do acusado (art. 501, parágrafo primeiro, do Projeto de Código de Processo Penal, em tramitação no Congresso Nacional).


BIBLIOGRAFIA

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________________. Comentários ao Código de Processo Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo: 1976.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Saraiva. São Paulo: 1997.

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Sobre o autor
Roberto Paranhos Nascimento

acadêmico de Direito em Aracaju (SE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Roberto Paranhos. Recurso do Ministério Público em favor do réu no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1063. Acesso em: 22 dez. 2024.

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