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Técnica do direito processual civil na ação cautelar de arrolamento

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21/11/2007 às 00:00
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Contraditório

Aponta o processualista das Minas Gerais, sobre o contraditório, que:

"O arrolamento, mesmo quando deferido e realizado liminarmente, nos casos de urgência, não elimina de seu procedimento o caráter contencioso, mormente por se tratar de ação cautelar inibitória ou restritiva do poder de dispor em torno dos bens atingidos.

Aplica-se-lhe o rito dos arts. 801 a 804, de maneira a assegurar a presença de todas as fases lógicas do procedimento contencioso, ou seja, a de postulação, a de saneamento, a de instrução e a de decisão.

Haverá, pois, sempre a citação e a abertura de prazo de defesa para o requerido (art. 802). O momento da citação é que variará: esta será prévia, se a finalidade da medida não correr risco sério e iminente de frustração; ou posterior ao arrolamento, quando tal risco se fizer presente".

De fato, o contraditório exerce, entre nós, papel de garantia fundamental nos termos do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal.

"Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"24.

Daí a preocupação, com razão, ao respeito pelo contraditório e ampla defesa, binômio que exerce função estrutural no devido processo legal, outra garantia fundamental do regime político constitucional nos termos do mesmo art. 5º, LIV, conteúdo do continente republicano-democrático.


Eficácia

Por penúltimo, Humberto Theodoro Jr.25 fala da eficácia da medida cautelar:

"Os efeitos do arrolamento, inclusive o depósito, subsistirão até final solução da causa principal, sujeitando-se às regras normais de cessação de eficácia previstas no art. 808.

A alienação dos bens arrolados sem autorização judicial é ato ineficaz, tal como se passa com o arresto e o seqüestro.

O promovente, se sucumbente na ação de mérito, e nos demais casos de extinção previstos no art. 811, responderá por perdas e danos, independentemente de culpa ou dolo".

Por último, serve como auxílio o fluxograma didaticamente apresentado por Humberto Theodoro Jr.26, podendo ser consultado em sua obra.

Passemos, agora, às hipóteses em que cabe a medida cautelar de arrolamento de bens no Direito de Família, vinculando-se o instituto ao tema proposto.


Arrolamento de bens no Direito de Família

Nos termos do Código Civil, o Direito de Família está previsto no Livro IV, entre os arts. 1.511 a 1.783, respectivamente quanto aos títulos e subtítulos: do direito pessoal; do casamento; das relações de parentesco; do direito patrimonial; do regime de bens entre os cônjuges; do usufruto e da administração dos bens de filhos menores; dos alimentos; do bem de família; da união estável e da tutela e da curatela.

É o momento de verificar onde tem aplicação a medida cautelar de arrolamento de bens dentro do Livro IV.

Humberto Theodoro Jr.27 diz que a medida cautelar de arrolamento de bens terá aplicação na separação judicial e anulação do casamento, dentre outras como as ações visando à dissolução de sociedade, de prestação de contas do gestor de negócios alheios e nas relativas a sociedades de fato.

Interessa-nos agora as cautelares de arrolamento cabíveis para a preservação dos bens comunicáveis no casamento, seu destino depois da dissolução deste último, a problemática dos alimentos etc.

É nulo o casamento contraído pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil e o que infringir algum impedimento, diz o art. 1.548 do Código Civil. Trata-se do impedimento dirimente absoluto ou público. Neste caso, a legitimação ativa para a nulidade do casamento é ampliada, cabendo a qualquer interessado ou Ministério Público, mediante ação direta, iniciar o procedimento, de ordem pública (art. 1.549 do Código Civil). Em seguida, o art. 1.550 do mesmo Código diz que é anulável o casamento de quem não completou a idade mínima para casar; do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558; do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges e por incompetência da autoridade celebrante, equiparando-se, ainda, à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada. Tais hipóteses podem ensejar o ajuizamento da cautelar de arrolamento de bens, cumprindo, aqui, a função que exercia no Código de 1939, afeta às causas de família.

Casando o menor em idade núbil, quando não representado por seu representante legal, poderá ser anulado o casamento se a ação for proposta em cento e oitenta dias, seja por iniciativa do incapaz, ao deixar de sê-lo, de seus representantes legais ou de seus herdeiros necessários. É o que prevê o art. 1.555, caput, do Código Civil, e, também, onde pode haver necessidade do ajuizamento cautelar de arrolamento.

Anulado pode também ser o casamento por vício de vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro, diz o art. 1.556 do Código Civil e onde possa ser cabível o arrolamento de bens.

O art. 1.558 do Código Civil diz que é anulável o casamento em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares. Novamente, pode haver a necessidade cautelar depois de verificados os pressupostos de sua admissibilidade28.

O art. 1.560 do Código Civil estabelece prazos para a ação de anulação do casamento.

Prevendo a necessidade da ação cautelar de separação de corpos, o art. 1.562 do Código Civil abre, tacitamente, a possibilidade do interessado, também, ajuizar o arrolamento de bens.

O dispositivo seguinte, o art. 1.563 do mesmo Código, garante a retroação dos efeitos da sentença que decretar a nulidade do casamento, até a data de sua celebração, sem prejudicar a aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a resultante de sentença transitada em julgado. Os efeitos jurídicos patrimoniais – comunicabilidade dos bens do casal – nascidos com o casamento podem ser, portanto, anulados, havendo, ainda, a importância de se preservar os tais bens em cautelar de arrolamento nos termos do art. 855 e ss. do CPC.

Ainda há a possibilidade do ajuizamento cautelar de arrolamento caso o cônjuge que estiver em lugar incerto e não sabido, encarcerado por mais de cento e oitenta dias, interditado judicialmente ou privado, episodicamente, de consciência, em virtude de enfermidade ou de acidente, ou alguém por ele responsável nestas condições – curador, por exemplo – ou mesmo o Ministério Público, tomar ciência de que o exercício exclusivo da direção da família, com a conseqüente administração dos bens do casal, estiver em desvirtuamento pelo outro cônjuge29.

Um dos deveres dos pais, segundo a paternidade responsável, é a proteção da pessoa dos filhos. Nos termos do art. 1.585 do Código Civil, em sede de medida cautelar de separação de corpos, aplicam-se quanto à guarda dos filhos as disposições do art. 1.584. É a situação que pode ensejar o ajuizamento cautelar de arrolamento de bens caso o divorciando que esteja com a guarda do filho menor comece a praticar atos de dissipação do patrimônio, motivo suficiente para que o outro tome a medida acautelatória visando proteger o patrimônio do filho menor. Demonstrada sob juízo provisório de convicção e verossimilhança a dilapidação, pode o juiz regular de maneira diferente da estabelecida – guarda etc. – nos termos do art. 1.586 do Código Civil, aplicando a cautelar de arrolamento.

O art. 1.589 assegura que o pai ou mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, pode visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Ora, praticando atos de dissipação do patrimônio, desviando o destino da obrigação de educação do menor, pode o ex-consorte ajuizar a cautelar de arrolamento de bens para garantir os recursos necessários à educação do filho, ocorrendo a mesma garantia, igualmente, ao filho maior e incapaz30.

Prescreve o direito material que a sociedade conjugal termina, também, pela separação judicial e pelo divórcio31.

Terminado de fato o relacionamento, podem os cônjuges ou companheiros da união estável arrolar bens cautelarmente sempre que houver fundado receio de extravio ou de dissipação de bens (art. 855 do CPC). Obviamente, nestas condições a separação judicial e o divórcio serão litigiosos, pois não se concebe separação e divórcio consensuais se um dos cônjuges toma qualquer medida judicial contra seu consorte.

Nos termos do art. 1.591 do Código Civil são parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes. Em seguida, o art. 1.592 do mesmo Código diz que são parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra. Estabelecido o laço consangüíneo-sucessório pela lei pode o interessado, em situações das mais diversas e que se amoldem aos pressupostos objetivos do art. 855, 856 e § 1º, ambos do CPC, ajuizar a medida cautelar de arrolamento de bens, preparatoriamente ou de forma incidental, visando preservar seu patrimônio.

O estado de filiação, direito personalíssimo e de ordem pública, ao revés, encontra obstáculo em se tratando de ajuizamento cautelar de arrolamento de bens porque há, segundo a redação típica do CPC, norma especial que incide na espécie quando haja necessidade de se preservar eventual direito do sujeito concebido. Como a presunção do estado de filiação é relativa ou juris tantum, podendo ser elidida por prova robusta em contrário, não se despreza o uso da posse em nome do nascituro (art. 877 do CPC). Assim, pelo menos à primeira vista, pode o interessado ajuizar a posse em nome do nascituro ao invés da medida cautelar de arrolamento de bens, que serviria para um momento posterior se por acaso não fosse garantidos, por qualquer motivo de fato ou de direito, os direitos patrimoniais reclamados. O art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, positivou a Teoria da Antinomia segundo a doutrina. Com isso, em se tratando das hipóteses do art. 1.597 do Código Civil, que garante a presunção quanto à concepção do filho na constância do casamento, gerando efeitos patrimoniais sucessórios aos eventuais herdeiros necessários, fica sobrestada a aplicação do art. 855 e ss. do CPC, subsidiariamente aplicável depois do insucesso da posse em nome do nascituro.

No reconhecimento do filho, principalmente se feito por um dos pais, sendo o outro casado ou em constância de união estável, pode ensejar o arrolamento e bens desde que respeitados os pressupostos do art. 855 e ss. do CPC. Com efeito, o art. 1.607 do Código Civil prevê que o filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente.

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Quanto ao direito patrimonial do regime de bens entre os cônjuges, vejamos as possibilidades do arrolamento de bens como prevenção à dilapidação dos mesmos.

Diz o art. 1.640, caput, do Código Civil, que não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. Esse o regime ex lege adotado pelo ordenamento jurídico nas situações ordinárias e no silêncio dos nubentes no pacto nupcial32.

Em seguida, diz o art. 1.641 do Código Civil que é obrigatório o regime da separação de bens no casamento: das pessoas que contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; da pessoa maior de sessenta anos; e de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Deixando de lado a discussão sobre a constitucionalidade do dispositivo restritivo, devemos frisar, desde já, que não cabe arrolamento de bens – preparatória ou incidentalmente – sobre bens incomunicáveis do regime de separação universal ou absoluta. O art. 1.687 do Código Civil diz que estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. Garantida a incomunicabilidade pelo direito material, não poderá o requerente obter tutela judicial através do arrolamento de bens porque se trata de bem alheio, direito de propriedade constitucionalmente garantido ao seu consorte. Pretensão cautelar neste sentido, assim, deve ser rejeitada pelo magistrado nos termos do art. 295, parágrafo único, III, do CPC, pois há impossibilidade jurídica, de direito material, à comunicabilidade de bem cuja propriedade é assegurada durante e depois do regime de bens do casamento quando se estipule no pacto antenupcial a separação absoluta de bens.

Sobre o usufruto e administração dos bens de filhos menores, em exceção ao regular exercício do poder familiar, que cabe aos pais, em conjunto, pode haver a necessidade de arrolamento de bens havendo divergência entre os genitores, se um deles estiver dissipando bens do casamento. O juiz, neste caso, soluciona a questão apresentada com fulcro no art. 1.690, parágrafo único, do Código Civil. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, exige a norma proibitória do art. 1.691, caput, do Código Civil.

Quanto aos alimentos, previstos no art. 1.694 e ss. do Código Civil, existe procedimento próprio, específico, a respeito. Incide, também aqui, a regra da especialidade da norma (art. 2º, § 1º, da LICC). Porém, não se descarta a utilização do arrolamento de bens para justamente garantir a futura satisfação do direito material quando o requerente da cautelar, por exemplo, tiver comunhão de direitos – co-propriedade – sobre o bem dilapidado, antevendo, pois, que poderá vir a pedir alimentos àquele que possuir mais bens em eventual separação e divórcio.

Quanto ao bem de família, instituído pelo direito material no art. 1.711 e ss. do Código Civil e Lei 8.009, de 29 de março de 1990, certamente eventual credor terá maiores dificuldades na utilização da medida cautelar de arrolamento de bens visando o adimplemento de seu crédito. Se o direito material é protegido, fica sensível demais a discussão cautelar sobre tais bens, incidindo, em regra, o art. 649 do CPC na redação da Lei 11.382, de 6 de dezembro de 2006. Em situações ordinárias, mesmo em cautelar preparatória, deve o juiz rejeitar liminarmente o arrolamento de bens nos termos do art. 295, parágrafo único, III, do CPC. Note-se que aqui talvez se encaixe o comentário feito por Barbosa Moreira no sentido de se aplicar o art. 285-A no processo cautelar33.

Quanto à união estável, instituída pelo art. 226, § 3º, da Constituição, considerada como entidade familiar, e, ainda, nos termos do art. 1.723 e ss. do Código Civil, aplica-se o que foi dito sobre as regras atinentes ao casamento sem prejuízo de regras específicas estabelecidas pelo legislador ordinário.

Ainda sobre a incidência do arrolamento de bens no Direito de Família, pode haver necessidade de ajuizamento cautelar nas hipóteses em que os filhos menores são postos em tutela em caso de os pais decaírem do poder familiar, conforme o art. 1.728 do Código Civil. Visando proteger o patrimônio do menor, pode o tutor requerer a medida como proteção dos bens dilapidados pelos genitores à revelia dos menores. A intervenção do Ministério Público, nesses casos, é fundamental, principalmente se o tutor se quedar inerte e o membro do Parquet tomar conhecimento do ato ilícito perpetrado em prejuízo do menor. Sobre a curatela, devem ser aplicados os institutos da teoria geral da tutela34.

Esses foram, perfunctoriamente, alguns apontamentos sobre o arrolamento de bens, instituto previsto no art. 855 e ss. do CPC, aplicável ao Direito de Família.

Melhor adentrarmos, sem dévio, nas questões específicas sobre o instituto, aliando-se, ainda, alguns institutos que deram efetividade à jurisdição segundo o compromisso fincado pelo texto constituinte ou de primeiro grau ao garantir que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito35.

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Sobre o autor
Tassus Dinamarco

advogado, pós-graduando em processo civil pela Universidade Católica de Santos (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINAMARCO, Tassus. Técnica do direito processual civil na ação cautelar de arrolamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1603, 21 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10632. Acesso em: 27 abr. 2024.

Mais informações

Texto baseado em Seminário realizado na pós-graduação em Direito Processual Civil da Universidade Católica de Santos.

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