1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA
O presente artigo objetiva a esclarecer a incompatibilidade da advocacia pública com a privada, não se aplicando as disposições da Lei nº 8.906, de 7.1.1994, ao advogado público. Para tanto, inicialmente, direi o significado da palavra advogado, distinguindo o advogado público com o particular, para depois informar quais são os pontos conflitantes inconciliáveis. Finalmente, demonstrarei que não incumbe ao Poder Judiciário fiscalizar a regularidade da inscrição do profissional na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
De Plácido e Silva assim conceitua advogado:
"... advogado é toda pessoa que, patrocinando os interesses de outrem, aconselha, responde de direito, e lhe defende os mesmos interesses, quando discutidos, judicial e extrajudicialmente". [01]
Desse modo, pode-se ver advocacia em todo ato que é praticado na defesa de interesse de outrem. Todavia, do ponto de vista estrito, a advocacia é uma profissão regulada por lei, sendo que a Constituição Federal estabelece diferentes espécies de advocacia.
2. DA ADVOCACIA PRIVADA
Advocacia privada em sentido estrito é aquela regulada pela Lei nº 8.906/1994, na qual uma pessoa (física ou jurídica) firma contrato com um profissional para defesa de seus interesses em juízo. Assim, para exercer advocacia privada em juízo é necessária a inscrição na OAB, sendo equivocada a visão popular de que todo bacharel em Direito constitui advogado.
Entre os cristãos é comum afirmar que "Cristo é nosso advogado no céu", sendo que até o mais vil pecador é merecedor do seu perdão e de sua graça. Destarte, não é o fato de uma pessoa ter praticado crimes terríveis que deve inibir o profissional de assumir sua representação e defender seus interesses. Juridicamente, obedecidos aos parâmetros legais, relativos aos deveres das partes, a visão é exatamente a mesma, até porque todo acusado tem direito a uma defesa técnica.
Um advogado privado que, por razões morais, religiosas ou filosóficas, entenda que o interesse da parte não pode ser bem defendido por ele, deve recusar o mister, mantendo sigilo sobre o que tomou conhecimento em função de sua profissão.
3. DA ADVOCACIA PÚBLICA
3.1 Conceituando a advocacia pública
Advogado público é aquele mantido pelo patrimônio público, direta ou indiretamente, para defesa de seus órgãos, autarquias, fundações empresas, bem como agentes que tenham seus direitos afetados em função da atividade pública. Outrossim, existem advogados mantidos pelo poder público para defesa da própria coletividade, bem como de pessoas desprovidas de recursos financeiros para defesa de seus interesses jurídicos sem privar-se de suas necessidades essenciais.
3.2 Da advocacia como essencial à administração da justiça
O processo é um conjunto de atos coordenados entre si, tendentes à aplicação da lei material ao caso concreto. Sua natureza, não obstante razoável discussão em torno do assunto, é a de uma relação triangular, envolvendo, em seus vértices, o Juiz, o autor e o réu. Como é necessário o contraditório para que se estabeleça um processo regular, a representação processual técnica, em favor das duas partes é imprescindível.
A CF, em seu Título IV, Capítulo IV, distingue claramente os órgãos essenciais a Administração da Justiça, instituindo capacidades postulatórias diversas, in verbis:
"Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
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Art. 128. Omissis.
............................................................................................
§ 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:
............................................................................................
II - as seguintes vedações:
............................................................................................
b) exercer a advocacia;
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Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
§ 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
§ 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.
Art. 132.
Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.Parágrafo único.
Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)
Parágrafo único. Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais".
A Constituição Federal distingue claramente: a) Ministério Público; b) Advocacia-Geral da União; c) procuradorias dos Estados e do Distrito Federal; d) advogado privado; e) Defensoria Pública.
A natureza do Ministério Público é administrativa. Concordo com Pontes de Miranda, no sentido de que o MP postula, pede, promove etc. [02] No entanto, conforme transcrito, a CF enuncia que o membro do MP não pode "exercer a advocacia". De qualquer modo, ao MP incumbe a promoção da ação civil pública e propor a ação criminal de iniciativa pública, o que permite sustentar que a ele é assegurada a capacidade postulatória, só restando proibida a advocacia privada. Qualquer entendimento em sentido contrário constituirá mera aleivosia.
Vendo a advocacia como instrumento de exercício de mandato, como meio para se expor o que pretende, é fácil perceber que é advogado o particular que recebe um mandato decorrente de instrumento particular como também o é aquele que recebe os poderes por meio de instrumento público ou por meio da lei. Destarte, da mesma forma que o MP advoga em favor de pessoas, na defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos, os Procuradores Federais, Advogados da União, Procuradores da Fazenda, Defensores Públicos etc. são advogados porque defendem judicialmente e extrajudicialmente interesses alheios.
Não estando o membro do MP obrigado a efetivar sua inscrição na OAB, o mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação a todos que se encontram na mesma situação. Enquanto membro do parquet, o Promotor de Justiça, Procurador da República etc., fala em nome de terceiro e não está obrigado a se inscrever na OAB. Daí a certeza que a inscrição de certos advogados na OAB é desnecessária, até porque têm capacidade postulatória constitucional, como é o caso dos advogados públicos.
Ao legitimar os órgãos para representarem a União, os Estados e a sociedade, a CF conferiu capacidade postulatória aos seus membros. A LC 73, de 10.2.1993 distingue claramente os membros da AGU dos servidores do órgão. Da mesma forma procedem as leis complementares que versam sobre o MP (LC nº 75, de 20.5.1993) e a Defensoria Pública (LC 80, de 12.1.1994).
3.3 Dos limites de atuação do advogado público
O advogado público tem dois princípios básicos a serem seguidos: a) da legalidade; b) da supremacia do interesse público sobre o particular. Os demais princípios são corolários destes dois. [03] Destarte, quando a CF enuncia que são princípios da administração pública a moralidade, a impessoalidade, a eficiência e a publicidade (art. 37, caput), tem em vista a legalidade estrita e a supremacia do interesse público sobre o particular.
Tenho defendido a inexistência da discricionariedade na administração pública, visto que é necessário que toda decisão se dê em conformidade com a legalidade e o interesse público a que se destina, ou seja, a decisão estará sempre vinculada ao melhor resultado possível. A possibilidade de escolha entre duas ou mais opções não deixa o agente público livre para fazê-la sem antes analisar qual a que melhor se apresenta do ponto de vista da probabilidade, devendo optar pela mais plausível.
Ao advogado público já foi imposto o dever de recorrer indiscriminadamente, cultura que vem se modificando dia-a-dia. No Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão em que trabalhei de 1996 a 2003, sempre defendi que a atuação pública não deve ser feita em prol de um governante, mas do interesse público. Hoje, defendo a necessidade imperiosa de criar economia para o Estado, ela é possível por meio do acordo e da aceitação da sentença condenatória, uma vez que o recurso poderá elevar os ônus da sucumbência, isso sem falar das possíveis multas decorrentes da litigância de má-fé, caracterizada pela interposição de recurso temerário.
O advogado público não pode defender a imoralidade. Ainda que ele seja Defensor Público, sua defesa deve ser feita na forma da lei. Chicanas são incompatíveis com sua atuação. É comum um governante pretenderem atrasar o pagamento das dívidas públicas, lançando o problema ao sucessor. Isso é irresponsável, mormente quando o descumprimento da obrigação gera astreintes e outras evoluções significativas na dívida, superiores aos juros de mercado.
Tenho uma amiga que advoga para o Banco do Brasil S.A. Ela defende autoridades acusadas de improbidade administrativa. No CADE, defendi uma autoridade acusada de improbidade. No entanto, recentemente, o INSS constava como litisconsorte passivo em ato de improbidade administrativa, sendo que pedi a inversão da posição da autarquia, ou seja, ela passaria a figurar como litisconsorte ativa porque evidentemente imoral o ato. Destarte, a defesa do agente público por advogado público, ainda que acusado de improbidade administrativa, é possível, mas de forma moral.
O MPT propôs, recentemente, ação civil pública contra o credenciamento de advogados para defender interesses do INSS (ou Receita Federal do Brasil?). O Procurador Federal encarregado do caso, perguntou, usando o sistema mundial de computadores, o que fazer. Respondi o óbvio: sendo a previsão constante de lei, não podem os órgãos e agentes públicos, declararem a inconstitucionalidade. No entanto, defender a evidente contrariedade à CF, além de imoral, viola ao princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.
Evidentemente, a Justiça do Trabalho, a fim de justificar a sua injustificável existência, vem buscando ampliar sua competência. Acompanha tal desiderato o MPT. De qualquer modo, a burla à CF constitui ato inaceitável. Por isso, orientei ao Procurador Federal a apenas fazer defesa técnica, sustentando a ausência de competência da Justiça do Trabalho. No mérito, o assunto seria objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ser proposta perante o STF, não sendo cabível a ACP. No entanto, do jeito que o discurso vem crescendo, logo, o ato de improbidade administrativa será discutido no âmbito da Justiça do Trabalho.
É óbvio que os fatos devem ser levados ao Advogado-Geral da União, a fim de se tentar corrigir a distorção legal. Com efeito, ele pode promover ação direta de inconstitucionalidade e, com isso, evitar a permanência da insustentável advocacia pública por advogados privados credenciados.
Estou encarregado de um processo em que os peritos médicos do INSS pedem a equiparação com os médicos credenciados, autorizados pela lei por certo período. Verifiquei que os credenciados que recebiam os maiores valores, em média, percebiam acima de R$ 15.000,00, enquanto que os menores valores médios ficavam em torno de R$ 2.300,00. Tenho que informar a situação e esperar coerência do Juiz, apenas isso. Todavia, devo reconhecer, a situação é complicada.
Um médico credenciado tinha o limite 104 perícias diárias, ao valor de R$ 21,00. Isso importava, se ele trabalhasse 22 dias por mês, no total de R$ 48.048,00. Como defender um absurdo como esse? Simples, a defesa é processual e, quando muito, sustentando a inexistência de provas de que os credenciados tivessem o mesmo trabalho dos peritos médicos. Além disso, qualquer defesa será imoral, portanto, vedada.
Todo aquele que é mantido pelo patrimônio público deve obedecer aos dois princípios básicos que regem a administração pública. Consequentemente, mormente em matéria criminal, a defesa, em muitos casos, a ser desenvolvida pela Defensoria Pública, deverá ser técnica, a fim de evitar a construção de situações imorais. Só a título de exemplo, fiz uma defesa gratuita no júri em que o réu contava uma história insustentável. Tentei convencê-lo a aproximar a história da verdade, ou ficar calado, mas ele estava convencido de que aquele absurdo era a verdade.
Durante os debates, não sustentei a história do réu, sendo que a acusação disse que tamanha era a evidência do crime, a ponto da defesa não defender a história narrada pelo réu. Foi o momento em que eu disse não precisar ter a defesa uma história, mas apenas provar que a criada pela acusação não resta provada. Seria imoral criar uma história, assim como era imoral o comportamento da acusação, que insistia em uma história que não estava lastreada em provas. O réu foi absolvido, sem que eu tivesse que agir de má-fé.
4. DA INCOMPATIBILIDADE DA ADVOCACIA PÚBLICA COM A PRIVADA
4.1 Da evolução legislativa
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC nº 35, de 14.3.1979), em seu art. 36, não veda o exercício da advocacia. Também, o MP era parte integrante do Poder Executivo (CF, de 24.1.1967, Tít. I, Cap. VII). Seu membro podia exercer advocacia privada, vedação que adveio com a CF de 5.10.1988 (art. 128, § 5º, inc. II, alínea "b"). No entanto, foi respeitado o direito deste ao exercício da advocacia privada, desde que investido no cargo antes da nova CF (ADCT, art. 29, § 3º). Observe-se, no entanto, que tal direito somente é dado ao Membro do Ministério Público da União, ressalvado o do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, ex vi da Resolução nº 8, de 8.5.2006. [04]
Fui investido no cargo de Procurador Autárquico no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) no dia 25.10.1996. Naquela ocasião era exigida a inscrição na OAB para a investidura. Porém, era lícito o exercício da advocacia privada, com os impedimentos da Lei nº 8.906/1994 que dispõe:
"Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:
I – os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora.
..........................................................................................."
Inscrito na OAB/DF, verifiquei o surgimento de lei nova que tornou o meu cargo incompatível como o exercício da advocacia privada. A OAB, embora sem grande empenho, promoveu ação direta de inconstitucionalidade, não obtendo sucesso. Destarte, entendo que referida ordem profissional passou a ter o dever de cancelar, de ofício, a inscrição de todos aqueles atingidos pela nova situação jurídica nacional (Lei nº 8.906/1994, art. 11, inc. V), visto que, embora a lei não obrigue a iniciativa oficial, a OAB tomou conhecimento da incompatibilidade.
Somente o aumento da arrecadação pode justificar a tentativa de manter os advogados públicos inscritos na OAB, eis que é evidente a revogação do art. 3º, § 1º da Lei nº 8.906/1994, que dispõe:
"Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional".
A legislação superveniente evidencia a revogação tácita do art. 3º, § 1º, da Lei nº 8.906/1.994, conforme se passa a expor:
- a MP 1.585, de 9.9.1997, em seu art. 21, proibiu o então Procurador Autárquico de "exercer advocacia fora das atribuições institucionais";
- foi necessário renumerar a MP nº 1.585/1997, que ganhou o nº 1.587, de 1997, mas restou mantida a incompatibilidade do Procurador Autárquico com a advocacia privada (art. 24);
- não mais existe o cargo de Procurador Autárquico, tendo sido criada a MP 2.048-26, de 25.6.2000, que instituiu o cargo de Procurador Federal. Esta manteve a incompatibilidade do ocupante de tal cargo com exercício da advocacia privada (art. 38, 1º);
- hoje, vige a MP 2.229-43, de 6.9.2001, "congelada" pela EC nº 32. Tal medida provisória constitui renumeração da MP nº 2.048, mantendo a incompatibilidade com a advocacia privada (art. 38, § 1º).
- com a Lei nº 10.480, de 2.7.2002, o Procurador Federal foi colocado claramente na posição de membro da AGU, cuja vinculação é expressa (art. 9º).
A revogação de todo sistema normativo, sem a revogação de algum dispositivo incompatível, deve levar à interpretação que este foi tacitamente revogado. Nesse sentido:
"Se uma lei nova cria, sobre o mesmo assunto da anterior, um sistema inteiro, completo, diferente, é claro que todo o outro sistema foi eliminado. Por outras palavras: dá-se ab-rogação, quando a norma posterior se cobre com o conteúdo da antiga". [05]
O exposto demonstra claramente a revogação do art. 3º, § 1º, da Lei nº 8.906/1994, pois este preceito se volta apenas àqueles que só podem advogar com impedimentos. A Lei nº 8.906/1994, não faz qualquer referência ao membro do MP, quando a natureza de sua atividade nada mais é que executiva.
4.2 Do esvaziamento do art. 30, inc. I, da Lei nº 8.906/1994
Conforme exposto, até a CF/1988, o membro do MP podia exercer advocacia privada. Assim, ele estava obrigado a manter inscrição na OAB, mas com impedimentos da mesma ordem daqueles que hoje estão expressos no art. 30, inc. I, da Lei nº 8.906/1994.
Ao MP passou a ser proibida a advocacia fora das atribuições do cargo. Corolário foi a inexigência de inscrição na OAB ao membro do parquet. Entende-se que o órgão do MP é incompatível com a advocacia, portanto, lhe é defeso inscrever na OAB. Ora, ele advoga propondo a ação criminal, a ação coletiva para direitos difusos e direitos individuais homogêneos etc. O que se veda ao membro do MP é a advocacia privada.
O ocupante do cargo de Procurador Federal tem as mesmas proibições que o membro do MP, ou seja, ambos só podem exercer a advocacia nos limites de seus múnus públicos. Resta claro que ambos são incompatíveis com o exercício da advocacia privada.
A OAB insiste na obrigatoriedade de inscrição, sustentando que não há incompatibilidade do Procurador Federal com a advocacia. Destarte, ele, ao se inscrever, receberá uma carteira de identidade que o impedirá tão-somente de advogar contra a fazenda que o custeia. Data venia, resta evidente no item anterior que todo ordenamento jurídico – nessa matéria – foi modificado, estando esvaziado o art. 30, inciso I, da Lei. nº 8.906/1994. Há um crime na identidade funcional, visto que, embora a lei nupercitada só faça a previsão de referidos impedimentos, a OAB e o inscrito sabem que, na verdade, o que há é incompatibilidade com a advocacia privada.
A União mantém uma corregedoria com status de ministério. O Procurador Federal, ao cometer algum ilícito, estará sujeitos às sanções civis e criminais cabíveis, sendo que é atribuição do Procurador-Geral Federal impor a sanção administrativa correspondente ao ilícito. Daí ser oportuno perguntar sobre qual é a utilidade do Tribunal de Ética da OAB para julgar o Procurador Federal por atos de advocacia que ele pratica, se – administrativamente – já existem mecanismos mais eficazes.
Como todos órgãos públicos e empresas mantidas pelo patrimônio público têm suas seções disciplinares, o controle administrativo da OAB é desnecessário. Caso um advogado público venha a perder o cargo ou o emprego em função de processo administrativo disciplinar, a OAB poderia analisar esse aspecto no momento da inscrição do profissional na ordem, a fim de decidir se o mesmo tem aptidão moral para o exercício da profissão.
Ratifica-se, a única razão que pode levar à obrigatoriedade de mantença da inscrição do Procurador Federal junto à OAB é o lobby tendente a arrecadar maiores valores correspondentes às anuidades, bem como manter a maior influência potencial, em face do elevado número de inscritos.
4.3 Das razões éticas para determinar o cancelamento da inscrição do Procurador Federal
Estando inscrito com os impedimentos do art. 30, inc. I, da Lei nº 8.906/1994, o Procurador Federal será estimulado ao ilícito administrativo, ou seja, será tentado a violar a legislação que o rege. A inscrição do Procurador Federal na OAB tende a gerar a indisciplina e o prejuízo para administração pública. Essa constitui razão suficiente para proibir a inscrição do Procurador Federal na OAB.
É absurdo pretender manter a inscrição de pessoas que não podem exercer advocacia fora de suas atribuições com o fim exclusivo de arrecadar mais anuidades. O móvel que pode levar o Procurador Federal a desejar sua inscrição na OAB é contrário ao constitucional princípio da impessoalidade. Não há qualquer benefício para a administração pública pela concretização da inscrição do Procurador Federal na OAB, razão pela qual ela deve ser proibida.
Em movimento de greve que se concretizou no primeiro semestre do ano de 2.004, os Procuradores Federais defendiam, entre outros aspectos, a reserva de vaga, no "quinto constitucional", para o advogado público concorrer à magistratura nos tribunais, o que evidencia serem colidentes os interesses das classes. Por isso, não deve o Procurador Federal ser representado pela OAB.
No caso vertente, o que se pode concluir é que toda ordem jurídica foi alterada em relação aos direitos dos servidores públicos, sendo pacífico o entendimento de que não há direito adquirido quanto a regime jurídico. Por isso, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.754-9 proposta pelo Conselho Federal da OAB teve o pedido de liminar negado pelo Pleno do STF. [06] Tal ação enfrentava a MP nº 1.587-4 e resta prejudicada porque referida MP foi convertida na Lei nº 9.651, de 27.5.1998, embora tenha sido mantida a incompatibilidade com o exercício da advocacia fora do cargo (art. 24).
A OAB não tem interesse na advocacia privada do Procurador Federal, tanto é que deixou a ADIn proposta se esvair sem adotar novas providências. Destarte, ao contrário de continuar mantendo os Procuradores Federais inscritos em seus quadros, deveria, de ofício, cancelar a inscrição do Procurador Federal, uma vez que este perdeu o requisito para estar inscrito na OAB (Lei nº 8.906/1994, art. 11, inciso V).
Ratifica-se, não se defere a inscrição do membro do MP porque ele não pode exercer advocacia privada, entendendo-se que suas atribuições são incompatíveis com a advocacia. Obviamente, a advocacia à qual a incompatibilidade do MP é existente é a privada. Não há incompatibilidade do membro do MP para a advocacia pública, isso é óbvio. Destarte, o mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação ao Procurador Federal.
A incompatibilidade é reconhecida institucionalmente. Observe-se o que se pode extrair do sistema mundial de computadores:
"Brasília, 16/08/2007 – O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu apoiar o projeto de lei nº 4.091/2005, que dispõe sobre alterações aos artigos 17 e 19 da Lei número 10.910/04 e prevê a revogação da intimação pessoal dos Procuradores Federais e do Banco Central, representantes judiciais da União, Estados, Distrito Federal, municípios e suas respectivas autarquias e fundações, quando suas autoridades administrativas figurarem como coatoras. A decisão foi tomada por maioria de votos, com base no voto apresentado pelo relator da matéria na OAB, o conselheiro federal pelo Estado do Mato Grosso, Francisco Eduardo Torres Esgaib". [07]
Prazos privilegiados, intimação pessoal e outras prerrogativas processuais constituem o mínimo necessário para equiparar a administração pública perante os inúmeros litígios em que é parte. Agora, a OAB que tanto insiste nos anuênios dos advogados públicos, luta contra as conquistas destes.
Verifico que alguns advogados públicos, em menoria, fazem questão de manter suas inscrições na OAB. Eles são, em regra, mais velhos e planejam ocupar uma cadeira em algum tribunal. [08] Todavia, não é o interesse pessoal de uma minoria que deve prevalecer sobre o interesse público. Ainda que todos advogados públicos fossem favoráveis à manutenção da inscrição na OAB, o interesse público seria contrário a tal pretensão.