Temos ou não temos o direito de apagar nossas informações da internet no brasil?

18/11/2023 às 17:24
Leia nesta página:

Um dos problemas sobre a consequência de algo que é publicado na internet é a ocorrência de um dano moral eterno para o ofendido, já que o conteúdo permanece ecoando na internet indefinidamente.

Mas não existe apenas esse resultado, pois, para quem extrapolou a liberdade de expressão, também há consequências que podem ser até mesmo maiores.

Podemos dizer que as consequências são maiores, porque não há como se arrepender e agir de modo que seja esquecido aquele evento danoso e, por que não afirmar, ser perdoada uma atitude infeliz e inadequada praticada no passado.

A LGPD não prevê o direito ao esquecimento diferentemente da legislação de proteção de dados da União Europeia que o traz, e, em diversos países, existem sentenças favoráveis a esse direito.  

No Brasil, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, em 2021, que esse direito é incompatível com a Constituição Federal Brasileira, modificando o entendimento firmado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Segundo o STF, os excessos e os abusos na liberdade de expressão e de informação devem ser averiguados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e nas leis penal e civil. E, assim, por maioria dos votos, negou provimento a um recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida, vetando o pedido dos familiares da vítima de um crime de forte repercussão nos anos de 1950, no Rio de Janeiro. Eles pediam a reparação pela reconstituição do caso, no ano de 2004, no programa de televisão “Linha Direta”, da Rede Globo, sem a sua autorização.

Na decisão, o STF afirmou que não há como retirar do sistema jurídico brasileiro, de maneira genérica e plena, o esquecimento como um direito fundamental que limita a liberdade de expressão.  

Houve referência ao direito à verdade histórica, considerando o princípio da solidariedade entre as gerações.

Considerou-se não ser possível uma geração negar à seguinte o direito a saber a sua história. Por exemplo, chegou-se a pontuar sobre como as gerações futuras saberiam sobre a escravidão, sobre a violência contra a mulher, contra os índios, contra os homossexuais, se não fosse através dos relatos e dos exemplos específicos para comprovar a existência da tortura e das agressões ocorridas nas gerações passadas.

Mencionou-se também que a liberdade de expressão é um direito de extrema importância, ligando-se ao exercício da democracia, e o direito ao esquecimento apenas poderia ser apurado caso a caso, através de uma ponderação de valores, onde se equilibrariam dois direitos fundamentais para saber quem prevaleceria: a liberdade de expressão ou os direitos de personalidade. Mas isso seria caso a caso. E, com a possibilidade de se examinar, de maneira pontual, qual deles deveria prevalecer para fins do direito de resposta e da indenização. Isso tudo sem excluir a possibilidade da existência de outros instrumentos a serem aprovados pelo Congresso Nacional.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Enfim, concluiu-se que há, de fato, incompatibilidade com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim compreendido como o poder de impedir, em função da passagem do tempo, a divulgação de fatos verídicos e licitamente obtidos e publicados nos meios de comunicação social (digitais ou analógicos).

Por outro lado, entendeu-se também que os eventuais excessos e abusos cometidos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser verificados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, principalmente, os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade.

Finalmente, podemos afirmar que nós temos direito a apagar nossas informações da internet no Brasil, desde que isso seja resultado de uma análise cuidadosa após um processo judicial. Ou seja, a sentença judicial, após ponderar entre os valores da liberdade de expressão, do direito à informação e da proteção à imagem e à honra, decidirá, caso a caso, sobre quem deverá prevalecer.

Portanto, o direito ao esquecimento só não existe de forma absoluta. E melhor que seja assim. Mas esse direito existe de maneira relativa, a depender de cada caso. As nossas memórias – boas e ruins – devem ser consideradas para nos lembrarmos de que tipo de sociedade desejamos construir. É assim nas nossas vidas pessoais também, quando nos recordamos de fatos ruins do passado para que nos lembrem daquilo que não queremos viver no presente e no futuro. Ou seja, para que não repitamos um passado mau em um futuro que ainda está intacto e que pode ser construído com base nessas experiências desagradáveis, como um remédio preventivo ou como um recurso pedagógico.  

 

 

Sobre a autora
Juliana Vasconcelos de Castro

Possui mestrado e especialização em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa onde atualmente estuda doutoramento em Direito Privado Romano. Membro da Associação Nacional de Advogados de Direito Digital, onde atua em grupos de trabalho em startups, healthtechs e relações de trabalho digital. Sócia-fundadora do Juliana Vasconcelos Advogados, nas áreas de Direito Digital e de Startups. Compliance officer. Palestrante, docente e autora de e-books e de livros jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos