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A penhora administrativa como pré-requisito da execução fiscal

08/12/2007 às 00:00
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O legislador pode instituir a penhora administrativa como pré-requisito da execução fiscal, a qual ganhará eficiência e celeridade, sem sacrificar os direitos do contribuinte.

Sumário: 1. Introdução. 2. Exame do anteprojeto da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. 3. Exame do Projeto de Lei nº 10/2005 apresentado pelo Senador Pedro Simon. 4. A penhora administrativa como pré-requisito da execução fiscal. 5. Conclusões.


1. Introdução

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, para subsidiar a elaboração do anteprojeto de lei de execução fiscal administrativa, realizou um diagnóstico da realidade existente no âmbito das execuções fiscais, apresentando os dados estatísticos acerca da dívida ativa da União, dentre os quais destacamos os seguintes:

a) o número de execuções fiscais ajuizadas corresponde a mais de 50% dos processos judiciais, em geral, em curso no âmbito do Poder Judiciário, sendo que no âmbito da Justiça Federal essa proporção é de 38,8%;

b) os dados de 2005 revelam que a taxa média de encerramento de controvérsias em relação às novas execuções fiscais ajuizadas é inferior a 50% e apontam um crescimento de 15% no estoque de execuções em 1ª instância na Justiça Federal, havendo uma taxa de congestionamento médio de 80% nos julgamentos de 1ª instância;

c) existem 2,5 milhões de execuções judiciais no âmbito da Justiça Federal, com baixíssima taxa de impugnação, seja por meio de embargos, seja por meio de exceção de pré-executividade;

d) no âmbito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, enquanto o processo administrativo tributário leva em média 4 anos, a execução judicial leva 12 anos para findar;

e) menos de 1% do estoque de dívida ativa da União de R$ 400 bilhões (R$ 600 bilhões se incluída a da Previdência Social) ingressam aos cofres públicos por via de execução fiscal, bem menos do que o percentual alcançado por medidas de parcelamento (REFIS, PAES e PAEX);

f) considerados os valores sob execução judicial e os que estão sob discussão administrativa, a dívida ativa da União atinge a cifra de R$ 900 bilhões, ou seja, 1,5 vezes a estimativa de receita da União para o exercício de 2006.

Com base nesses sombrios elementos fáticos, a PGFN apresentou anteprojeto de lei instituindo a execução fiscal administrativa nos âmbitos da União, dos Estados e do Distrito Federal, como instrumento de agilização da cobrança da dívida ativa. Concordamos em gênero, número e grau com os dados levantados pela PGFN, mas não como o anteprojeto apresentado.

Em que pesem os esforços de seus autores, este anteprojeto representa um grande equívoco por não examinar as causas do estoque acumulado da dívida ativa, bem como da ‘morosidade’ do Judiciário. Além de padecer de vícios insanáveis do ponto de vista jurídico, em nada contribui para a pretendida agilização do processo de cobrança da dívida ativa. É como a Reforma da Previdência: enquanto continuarem ignorando as causas do déficit da Previdência (algumas delas bem visíveis), as reformas periódicas se imporão, pois os cálculos atuariais só levam em conta o binômio custo/benefício e não os costumeiros desvios de recursos ou a falência da máquina arrecadadora. O mesmo se diga em relação às Pecs sobre precatórios ‘impagáveis’.

Ora, se apenas 1% da dívida ativa está sendo efetivamente arrecadada pelo processo de execução fiscal e se há baixíssimo índice de impugnação de execuções fiscais (embargos e exceção de pré-executividade), como sustentado na exposição de motivos, é porque não está havendo prévia seleção qualitativa das dívidas ativas a serem ajuizadas, nem está havendo a correta indicação do local onde se encontra o devedor e, tampouco, a indicação de seus bens passíveis de penhora.

Não se pode esperar eficiência se as execuções fiscais são ajuizadas em massa, sem o menor critério seletivo, misturando créditos tributários tingidos pelos efeitos da decadência, devedores presumivelmente insolventes ou não localizados, com créditos tributários de monta e de responsabilidade de empresas economicamente saudáveis. Não faz sentido concentrar os parcos recursos pessoais e materiais de que dispõe a Fazenda nas execuções contra devedores insolventes ou empresas inexistentes de fato.

Quem conhece a realidade dos Anexos Fiscais sabe muito bem que a paralisação dos processos executivos se deve, ou à falta de citação do devedor que se encontra em lugar incerto e não sabido, ou à ausência de indicação, pela exeqüente, dos bens penhoráveis, causando aquilo que a PGFN chama de ‘taxa de congestionamento’ da ordem de 80% das execuções. O pior é que a maioria dessas execuções paralisadas é alcançada pela prescrição intercorrente, mas os respectivos autos continuam ocupando, inútil e desnecessariamente as prateleiras do Anexo Fiscal, por não ter quem tome a iniciativa de requerer a sua extinção e arquivamento. Resultado: devedores saudáveis do ponto de vista financeiro e de quantias consideráveis continuam se beneficiando, pois seus processos ficam escondidos entre os milhares de processos fadados ao insucesso. Ora, isso é intolerável! Com tamanha desídia e falta de vontade política nenhum instrumento legal poderá propiciar a esperada eficiência! Por conta desse tumulto, decorrente da falta de planejamento, para dizer o mínimo, simples pedido de baixa da penhora em razão do pagamento do débito, leva meses, às vezes, anos.

Logo, se há morosidade nas execuções fiscais, a culpa não é apenas do Judiciário. Por isso, parece óbvio que transferir a execução fiscal para o âmbito da Administração não irá resolver o problema.

Aliás, se a Administração Tributária leva 4 anos, em média, para ultimar o processo administrativo tributário, como afirmado na exposição de motivos (na verdade leva 56 meses em média), dos quais o contribuinte é responsável por apenas 75 dias (30 dias para impugnar, 30 dias para interpor recurso ordinário e 15 dias para eventual recurso especial), não se vê como possa a Administração agilizar a cobrança coativa da dívida ativa chamando para si tal atribuição.

Como se vê, o exame crítico dos dados apresentados pela PGFN está a recomendar outro tipo de providência legislativa, qual seja, o melhor aparelhamento material e pessoal da Procuradoria da Fazenda Nacional à altura de suas atribuições constitucionais e com recursos financeiros prioritários como prescreve o inciso XXII do art. 37 da CF. E acima de tudo é preciso alimentar muita vontade política de resolver o problema, ao invés de esperar que medidas legislativas supram o laborioso trabalho do servidor público e a eficiência do serviço público, que é um dos princípios constitucionais que rege a Administração Pública (art. 37 da CF).


2. Exame do anteprojeto apresentado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional

Trata-se de uma versão amena do Projeto de Lei nº 5615/05 do nobre Deputado Celso Russomanno, que abole a execução fiscal hoje existente, substituindo-a inteiramente pela execução fiscal administrativa. Confunde penhora administrativa, com execução fiscal administrativa, e interesse público, com interesse privado do poder público. Por isso, reservou para o Judiciário apenas algumas tarefas de menor relevância.

Representa mais uma manifestação da fúria fiscal ao lado de tantas outras: arrolamento fiscal; indisponibilidade universal de bens do devedor; exigência de certidão negativa de tributos para levantar valores depositados em juízo [1]; bloqueio on-line de todas as contas bancárias [2]; inscrição no Cadin; protesto da certidão de dívida ativa; proibição de obter talonários de notas fiscais; inabilitação do CNPJ, como se criar obstáculos ao livre exercício da atividade econômica e denegrir a imagem das empresas em dificuldades financeiras momentâneas pudesse contribuir para o crescimento econômico e conseqüente aumento da receita tributária. Se for para liquidar as empresas em débito com o fisco, a nova lei de falências, que introduziu a recuperação judicial e extrajudicial de empresas em dificuldades econômicas, não teria razão de ser. É preciso o mínimo de coerência na legislação como um todo. Não pode haver um instrumento normativo salvando as empresas em dificuldades financeiras, enquanto que outro visa inviabilizar a continuidade da atividade produtiva motivada por débitos tributários, muitas vezes, discutíveis.

Abandona-se o meio regular de coerção, que assegura a observância dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (execução fiscal) substituindo-o por normas legais não conformadas com o Texto Maior dentro daquele princípio ‘o fim justifica o meio’.

Na verdade, esse cipoal de instrumentos normativos violentos vêm suprindo a falta de eficiência dos servidores públicos. Dia chegará em que o contribuinte nenhum direito terá. Tamanha é a fúria fiscal que é possível prever para o futuro não muito remoto um sistema jurídico-fiscal em que a Fazenda, em convênio com o Banco Central, programe seus computadores, para promover a compensação dos tributos que ela entender devidos com os saldos em contas correntes, inclusive, promovendo resgates antecipados das aplicações financeiras do contribuinte devedor. Assim, o empresário poderá ficar sem recursos para pagar o tributo retido na fonte, os fornecedores e os salários de seus empregados.

O anteprojeto sob análise é mais um instrumento de manifestação dessa fúria fiscal.

Ademais, a proposta legislativa mistura providências de natureza administrativa e providências de natureza judicial ao longo do processo de execução fiscal. Confere natureza administrativa ao processo de execução fiscal (art. 3º) remetendo ao Judiciário o controle dos atos praticados pelas Fazendas Públicas com manifesta violação do princípio do juiz natural (arts. 5º, XXXVII e LIII da CF), do devido processo legal (art. LIV da CF), confundido-o com mero ‘procedimento legal’ e com afastamento do princípio do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV). A penhora, a avaliação, o arresto, a remoção dos bens apenhados, o seu registro, o reforço de penhora, a substituição do bem penhorado à critério da Fazenda e independentemente da observância da ordem legal e o leilão faturamento, seguida de nomeação, pelo juiz, de um depositário [3] são conduzidos pela administração, adentrando no campo reservado à jurisdição (arts. 10 e 19). Porém, se houver impugnação da avaliação cabe ao juiz decidir (§ 2º do art. 12). O arbitramento do percentual do faturamento para fins de penhora também é feito pelo juiz (art. 17). Por oportuno, é de se lembrar que não existe legalmente a figura da penhora de faturamento bruto, nos moldes pretendidos pelo anteprojeto, que outra coisa não é senão uma intervenção atabalhoada na vida da empresa. O que existe é a penhora de estabelecimento empresarial ou penhora de responsável pela sua administração (art. 677 e § 3º do art. 655-A do CPC), o que envolve, necessariamente, reserva de numerários para os pagamentos de encargos trabalhistas e tributários e de fornecedores. É bem diferente da simples penhora de um determinado percentual do faturamento bruto, figura abusiva e ilegal que pode implicar falência da empresa devedora.

O anteprojeto contém, ainda, outros vícios. Cria, de forma indireta, a figura da responsabilidade tributária pessoal em relação à terceira pessoa que nada tem a ver com a situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária (§ 3º, do art. 6º); cria nova hipótese de interrupção da prescrição [4] ao arrepio do CTN (§ 5º, do art. 7º); e permite a Fazenda proceder ao leilão na forma eletrônica (§ 3º do art. 20) antes do julgamento de eventuais embargos apresentados pelo executado (art. 23).

Ao estabelecer um sistema híbrido de cobrança coativa da dívida ativa, o anteprojeto em questão cria um tumulto processual, intercalando providências de natureza administrativa e de natureza judicial ao longo do processo de execução.

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Nem mesmo nos países que adotam o contencioso administrativo, existente entre nós no tempo do Império, permite-se a promiscuidade de atos administrativos e judiciais no bojo da execução fiscal.

Os ilustres autores, ao procurar ancorar o anteprojeto no princípio da auto-executoriedade de que é dotada a Administração, parecem confundir o interesse público com o interesse privado do poder público. A Fazenda é parte na relação jurídica tributária. O Estado-juiz substitui as partes dessa relação para a solução da controvérsia. Há uma tremenda confusão, também, entre exigibilidade que permite a Administração utilizar-se de meios coercitivos indiretos como a imposição de multas, nos casos expressamente previstos em lei, com executoriedade em que a Administração, independentemente de previsão legal, emprega meios de coerção direta para o atendimento de uma situação emergencial que coloca em risco a segurança, a saúde ou o interesse coletivo (erradicação de pomar contaminado pelo cancro cítrico, demolição ou interdição de prédio ameaçando ruir, dissolução de uma passeata que ponha em risco a segurança das pessoas ou dos bens, internamento de pessoa com doença contagiosa etc), na precisa lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro [5]. Nessas hipóteses, o controle judicial ocorre a posteriori, se provocado pelo interessado.

O exercício do direito ao contraditório e ampla defesa deve anteceder o ato de expropriação de bens do executado, pois prescreve a Carta Magna que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art. 5º, LIV, da CF). Conceder esse direito após o leilão é o mesmo que conceder o direito ao contraditório e ampla defesa ao acusado depois de executada a pena.

Se um particular pretendesse cobrar coativamente o seu devedor incorreria em crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do CP. Não se pode esquecer jamais que a Fazenda, no processo de execução, é parte e não juiz.

Parece, fora de dúvida, que a cobrança do crédito tributário mediante expropriação de bens do devedor está submetida ao princípio da reserva de jurisdição, tanto quanto a inviolabilidade do domicílio da pessoa, ressalvada a hipótese de flagrante delito ou desastre.

Supor que a divisão das atividades próprias da execução fiscal entre s órgãos do Executivo e do Judiciário irá agilizar o desfecho das demandas é incorrer no equívoco elementar de quem não conhece a realidade. Como seria possível sustentar que a intervenção do Executivo poderia agilizar a execução fiscal, se os processos administrativos tributários no dizer da PGFN levam, em média, 4 anos para decisão final, dos quais, o contribuinte é responsável pela consumação de, no máximo,

dois meses e meio, entre impugnação e recursos? Como um órgão administrativo, que timbra pela morosidade de seus atos, poderia agilizar a execução fiscal? Claro está que o acúmulo de executivos fiscais no Judiciário é mero pretexto para implementação de instrumentos normativos autoritários e arbitrários para arrecadar, a todo custo, o que o fisco entende ser devido, anulando os princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa.

Seria preferível, mediante reforma constitucional, implantar o contencioso administrativo, subtraindo da esfera do Judiciário a composição de lides de natureza tributária. Os julgadores administrativos gozariam de garantias e prerrogativas que assegurem independência no exercício de suas funções.


3. Exame do Projeto de Lei nº 10/2005 apresentado pelo Senador Pedro Simon

De outro lado, encontramos o Projeto de Lei do Senado de nº 10/05, de iniciativa do ilustre Senador Pedro Simon, que institui a penhora administrativa em termos de faculdade da Fazenda Pública interessada.

Trata-se de reapresentação do antigo projeto de lei elaborado e apresentado pelo ilustre ex-Senador Lúcio Alcântara.

Feita a penhora, com obediência à gradação e à formalidade previstas na atual LEF, Lei nº 6.830/80, o devedor apresentaria embargos perante o juiz competente. Tecnicamente nada a objetar. Tendo os embargos natureza de ação, sua apresentação não depende de prévia existência do processo de execução fiscal.

Só que, em termos da mera faculdade, dificilmente a penhora administrativa será efetivamente implementada pela Administração tributária, que não tem demonstrado preocupação com o reaparelhamento das Procuradorias. Essas Procuradorias, em todas as esferas políticas, continuam carecendo de recursos materiais e pessoais. Alguns Municípios, exatamente os das Capitais, não se sabe porquê, preferem e insistem em terceirizar a cobrança da dívida ativa, que a Constituição diz constituir serviço essencial do Estado a ser executado exclusivamente por servidores exercentes de carreiras específicas (art. 37, XXII da CF). A penhora administrativa pressupõe diligências para localização de devedores e de seus bens, bem como trabalho de seleção das dívidas ativas a serem cobradas judicialmente. Tenho a impressão que tudo continuará como está até agora: grampear as certidões de dívida ativa nas petições iniciais impressas e distribuí-las aos milhares no fórum antes que prescrevam os créditos tributários.

Daí porque essa penhora administrativa deveria ser obrigatória no âmbito nacional, facultando-se a execução fiscal, nos moldes atuais, apenas aos Municípios que não disponham de quadro de servidores públicos organizados em carreiras específicas voltadas para a administração tributária.


4. A penhora administrativa como pré-requisito da execução fiscal

Examinando as duas propostas legislativas, o anteprojeto da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, de um lado, que peca pelo radicalismo e, de outro lado, o Projeto de Lei do ilustre Senador Pedro Simon, que se mostra demasiadamente tímido, tivemos a idéia de promover um casamento entre as duas proposições legislativas, instituindo a penhora como pré-requisito da execução fiscal. Para tanto, bastaria simples alteração ou adequação de alguns dispositivos da Lei nº 6.830/80 aproveitando-se quanto ao mais, a doutrina e a jurisprudência formadas ao longo de seus 26 nos de vigência.

Feita a penhora, a execução fiscal seria distribuída no prazo de 48 horas, sob pena de lei. O prazo de embargos passaria a fluir da citação, ao invés da intimação da penhora, como está na atual legislação.

O objetivo é obrigar a cobrança judicial do crédito tributário sob o prisma qualitativo. A idéia é só permitir bater às portas do Judiciário as execuções fiscais bem aparelhadas com a localização dos respectivos devedores e instruídas com os respectivos autos de penhora. A finalidade perseguida por essa propositura legislativa é acabar de vez com esse triste e inadmissível quadro bem retratado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, onde se vislumbra uma constante e progressiva acumulação de processos de execução fiscal fadados ao insucesso. A se permitir esse estado de coisas, os processos de execução fiscal, que foram centralizados nos Anexos Fiscais, para não prejudicar o Judiciário como um todo, logo entrarão em colapso total e irreversível. E isso, causará um grande desgaste à imagem do Poder Judiciário, de um lado, e, de outro lado, dará pretexto ao Executivo para patrocinar leis tributárias cada vez mais truculentas, objetivando a rápida cobrança dos créditos tributários de que necessita, para o cumprimento da finalidade do Estado. Fala-se, hoje, em colocar o nome do contribuinte devedor no SERASA. Pergunta-se, com que propósito?

Contudo, parte dos estudiosos com que troquei idéias, não abrem mão do concurso do Judiciário para a realização do ato de constrição patrimonial do devedor. Todavia, ninguém conseguiu apresentar, até agora, uma objeção de natureza científica para sustentar a tal reserva de jurisdição, apegando-se, ao que tudo indica, à velha tradição.

A reserva de jurisdição que a Corte Suprema reconhece refere-se à prisão (ressalvada a prisão em flagrante), à invasão de domicílio (salvo para evitar cometimento de crimes), à quebra de sigilo telefônico.

Como se sabe, o ‘devido processo legal’ (art. 5º, LIV da CF) não se confunde como mero ‘procedimento legal’. É preciso que as normas legais estejam em harmonia com os preceitos constitucionais, no caso, com o art. 5º, LV da CF que estabelece o princípio do contraditório e da ampla defesa em processo administrativo ou judicial.

É preciso saber inovar, ousar para dar solução a esse gravíssimo quadro representado pela montanha de processos de execuções fiscais ‘intermináveis’ (como os precatórios ‘impagáveis’). A criação dos Anexos Fiscais já resultou da necessidade de não congestionar as Varas das Fazendas Públicas e não atrapalhar o andamento de processos de outra natureza.

A excelente justificativa do culto Senador Pedro Simon, com lastro nos estudos feitos pela Associação de Magistrados Brasileiros e nas precisas lições do Professor Leon Frejda Szklarowisky, Sub-Procurador Geral da Fazenda Nacional aposentado, uma das maiores autoridades nessa matéria e um dos autores do anteprojeto que resultou na atual Lei de Execução Fiscal, Lei nº 6.830/80, demonstra, de forma irretorquível, que o ato de penhora ‘não configura atividade jurisdicional e, portanto, não necessita realizar-se sob as vistas do juiz, como ressalta, enfaticamente, o Ministro Carlos Velloso’.

É de ser lembrado que, quando a antiga lei de execução fiscal, o Decreto-lei nº 960, nos idos de 1938, instituiu a figura da inscrição do débito na dívida ativa em livro próprio, na repartição fiscal, conferindo à administração tributária a faculdade de criar, unilateralmente, um título líquido e certo contra o contribuinte-devedor, nenhuma voz se levantou.

Naquela época, os grandes debates jurídicos eram travados no âmbito do Direito Privado, que repousa no princípio da autonomia de vontades. Tudo que não for proibido por lei ou não contrariar os bons costumes é permitido. Exatamente o oposto do direito público, onde vigora o princípio da estrita legalidade. O agente público só pode agir quando, onde e como a lei prescrever. Grandes nomes do direito público só mais tarde surgiram em quantidade e com o vigor dos dias atuais.

Ironicamente, exatamente, agora, que temos o pleno domínio dos princípios de direito público como os da legalidade, da moralidade, da eficiência no serviço público, da impessoalidade, da razoabilidade etc., bem como dos poderes da administração pública como os da exigibilidade (meios de coerção indireta) e da executoriedade em algumas hipóteses (meios coercitivos diretos) a justificar até a inclusão de cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, vozes se levantam contra a penhora administrativa como mero pré-requisito para ajuizamento da execução fiscal. Mas, nenhuma objeção fazem contra a inscrição na dívida ativa, que municia a Fazenda com um título líquido e certo, passível do controle judicial apenas a posteriori, a exemplo da penhora que se pretende instituir na fase administrativa da cobrança do crédito tributário.

Aos opositores da penhora administrativa eu pergunto: a penhora de um imóvel X, ordenada pelo juiz competente, causa constrangimento menor ao devedor do que a penhora do mesmo imóvel X, ordenada pela autoridade administrativa competente? Claro que não! A penhora efetivada por ordem da autoridade administrativa competente oferece maior dificuldade de defesa do que aquela ordenada pelo juiz competente? A resposta negativa se impõe! Então, pergunto, por que a resistência? Por que o juiz deveria ficar vigiando o ato de penhora?

O importante, o relevante juridicamente, é assegurar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Se a penhora for excessiva ou se ela não obedecer a gradação prevista na lei sempre restará ao devedor impugnar essa penhora por ocasião dos embargos, regidos pelo princípio da eventualidade.


5. Conclusões

Concluindo, a única questão jurídica que merece exame diz respeito à existência ou não da reserva de jurisdição em matéria de penhora. Já demonstramos que não há. O legislador é livre para instituir a penhora administrativa como pré-requisito da execução fiscal.

Positivamente, a penhora administrativa é a medida que se impõe neste momento, até mesmo para forçar a Administração a reestruturar as Procuradorias, tanto para localização dos contribuintes devedores, como também para encontrar os bens penhoráveis. Não é, nem deve ser, função do juiz ficar investigando o paradeiro do devedor ou localizando seus bens.

É preciso implementar o princípio da eficiência do serviço público. Para tanto é necessária mudança legislativa, como a aqui proposta, obrigando os governantes levar a sério a questão da administração tributária, sob pena de lei, não mais permitindo que continuem atribuindo à morosidade do Judiciário a responsabilidade pelo reduzido percentual de cobrança judicial da dívida ativa.

Se convertida em lei a proposta aqui apresentada, e aplicada conjugadamente com as disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, que define os requisitos essenciais na gestão fiscal (art. 11 da LC nº 101/00), impondo sanções institucionais aos entes políticos, e com as disposições da Lei nº 8.429/92, que definem como atos de improbidade administrativa, a negligência na arrecadação tributária e a omissão na prática de ato de ofício (arts. 10, X e 11, II), temos a convicção de que a cobrança judicial da dívida ativa ganhará eficiência e celeridade, sem sacrificar os direitos e garantias fundamentais do contribuinte.


Notas

[1] Já julgada inconstitucional pelo STF, Adin 3453-DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 16-3-2007.

[2] Começou com o convênio celebrado entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central e hoje virou rotina.

[3] O leilão extrajudicial de imóvel financiado pelo SFH de que cuidam os arts. 31 e 32 do Decreto-Lei nº 70/66 vem sendo considerado inconstitucional pelos nossos tribunais, à luz da ordem constitucional vigente, apesar da jurisprudência em contrário do STF, pela sua composição antiga, fundada na ordem constitucional antecedente. O acórdão proferido no RE nº 223.075-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão (DJ de 6-11-98), que considerou constitucional o leilão extrajudicial à luz da Constituição de 1988, está inteiramente fundamentado na decisão por ele proferida na AC nº 148.231-SC, quando integrava o extinto TFR ( RTFR-161, 163). No RE nº 304.464-SP, Rel. Min. Carlos Velloso, decidindo a questão à luz da Constituição de 1988 restou reconhecida a inconstitucionalidade do leilão extrajudicial por violação dos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (DJ de 24-6-2003, p. 048).

[4] Matéria sob reserva de lei complementar conforme art. 146, III, b da CF.

[5] Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 17ª ed., 2004, p. 194.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. A penhora administrativa como pré-requisito da execução fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1620, 8 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10729. Acesso em: 22 nov. 2024.

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