A mídia dramatiza as informações relacionadas com a violência: apresenta a criminalidade por meio de estereótipos, condena com sua publicidade pessoas que ainda são presumidas inocentes, difunde o discurso de endurecimento das penas, amplia o alarme social gerado pela violência, espalha o medo, não raramente tenta influenciar no resultado dos julgamentos jurídicos e é seletiva, evitando, muitas vezes, noticiar nomes de pessoas ou empresas que possam lhe trazer complicações ou prejuízos. Como se vê, a mídia não é isenta, não faz um discurso neutro.
Tudo isso significa que ela não contribui com absolutamente nada para a prevenção da delinqüência? Negativo. Como todas as instituições do país, ela também cumpre papel relevante em favor da Justiça, contra a impunidade. De qualquer modo, é certo que seus métodos muitas vezes são estarrecedores.
A "mídia" escandaliza as pessoas por ela selecionadas? Sim. Vejamos o que diz o antropólogo Roberto DaMatta:
"No Brasil, a transgressão é tratada como escândalo, pois tem que explodir o sujeito, fazê-lo passar pela vergonha, denunciá-lo publicamente, porque ele não vai ser preso (...). Qualquer brasileiro sabe que, no escândalo do momento (qualquer que ele seja), a punição vai depender menos das circunstâncias e muito mais da pessoa. Não é somente uma questão de indeterminação, pois poderia haver competição entre a lei e a pessoa. Não! O que há é uma certeza de que a lei varia de acordo com a pessoa à qual ela se aplica" (O Estado de S. Paulo, 02/09/07, p. A14).
A mídia exerce pressão contra os juízes? Sim. A independência judicial, assim como a objetividade das decisões, não são fenômenos isolados do contexto social. Nas sociedades de opinião pública, conseqüentemente, nenhum exercício de poder fica imune à mídia, em maior ou menor intensidade.
Pesquisa dirigida pelo sociólogo Fermín Bouza Álvarez (Catedrático na Complutense de Madrid), realizada na Espanha de 10/03/06 a 24/03/06 (cf. "Justicia y médios de comunicación - Cuadernos de Derecho judicial", Consejo General del Poder Judicial, XVI, p. 37 e ss.), com quatro jornais, comprovou que um quarto das notícias de primeira página relaciona-se com as atividades judiciárias (mais precisamente: 25,23%). Dessas notícias, 40% referiam-se diretamente aos juízes.
O mundo judicial experimenta uma das maiores pressões midiáticas. O que se passa na Espanha, seguramente, não é tão diferente do Brasil. O juiz, cada vez com maior freqüência, acaba judicando sob o "fogo midiático". A isso dá-se o nome de midiatização da Justiça, que procura explorar suas deficiências bastante conhecidas, destacando-se, dentre elas, a sua percepção negativa que é revelada (pela população) em todas as pesquisas.
Quando a pressão não é direta, é indireta. Da sociedade disciplinar, dócil e útil (tal como foi desenhada por Foucault), passamos para uma sociedade de controle, que se caracteriza pelo uso (e abuso) da pena intimidativa (prevenção geral negativa) e neutralizante (prevenção especial negativa), ou seja, por meio dela procura-se não só intimidar os potenciais delinqüentes (na fase da elaboração da lei), senão também segregar os que são selecionados pelo sistema penal (fase de execução). A sociedade de controle, de outro lado, não objetiva eliminar a criminalidade, sim, só controlar os grupos sociais de risco (os inimigos de cada momento).
Enquanto na Europa os inimigos atuais são os imigrantes, no Brasil e na América Latina são os excluídos, os marginalizados (os "sujeitos monetários sem dinheiro"). Já não se faz o controle dessas pessoas dentro dos presídios, detrás dos muros. O controle agora tem projeção espacial alargada. Essa é a forma de se dar uma resposta à crescente sensação de insegurança que hoje tomou conta de toda população.
O sistema penal, nesse contexto, não está cumprindo seu papel primordial de proteção de bens jurídicos, de forma fragmentária e subsidiária, mas sim, transformou-se em instrumento de "gestão" da exclusão social. Com o abandono da idéia do Estado Social, parte-se agora da premissa de que a exclusão social é inevitável e incorrigível. Já que ela existirá necessariamente, deve ser administrada.
No lugar do sonho do sistema social de apoio e inclusão dos marginalizados, entra a realidade do sistema penal, ou seja: do controle penal. Quem não tem capacidade de consumo ("sujeito monetário sem dinheiro") deve ser controlado. Com isso o que se pretende (o que as autoridades pretendem) é dar demonstração de certa eficiência para reduzir a sensação de insegurança.
E o que a mídia tem a ver com tudo isso? A mídia não só retrata, ela também constrói a realidade social. Produz (ou reproduz, muitas vezes sem retoques) imagens de insegurança.
O discurso midiático é atemorizador, porque ele não só apresenta como espetaculariza e dramatiza a violência. Não existe imagem neutra. Tudo que ela apresenta tem que chocar, tem que gerar impacto, vibração, emoção. Toda informação tem seu aspecto emocional: nisso é que reside a dramatização da violência. Não se trata de uma mera narração, isenta.
A realidade é apresentada ou forjada de forma maniqueísta. Considerando-se que a mídia parte da perspectiva da vítima, claro que sua preocupação primeira é com o endurecimento do sistema penal. Considerando-se, de outro lado, que ela é seletiva (tanto quanto o sistema penal), é evidente que a criminalidade é apresentada por meio de estereótipos bem conhecidos.
Diz a mídia, constantemente, que o sistema penal é muito benigno e que os juízes são muito permissivos. Com isso ela não só gera uma demanda de mais endurecimento, como efetivamente alcança esse objetivo (na medida em que os legisladores e muitos juízes sucumbem diante da pressão midiática).
A mídia retrata a violência, mas de forma dramatizada. Em algumas vezes cria "ondas artificiais" de violência. O resultado de tudo isso é o incremento do medo, do alarme social, a ponto de desfazer os limites existentes entre o distante e o local (mesmo em cidades pequenas, onde a criminalidade é muito baixa, a sensação de insegurança passa a ser muito grande).
Mas o mais nefasto efeito da midiatização da violência, sem sombra de dúvida, é o que a alta comissária da ONU (Organização das Nações Unidas) para os Direitos Humanos (Louise Arbour, O Estado de S. Paulo de 06/12/07, p. C8) sublinhou:
"As discussões sobre segurança e violência estão sendo distorcidas porque a opinião pública, assustada com altos índices de criminalidade, está legitimando ações violentas e fora da lei do Estado, sobretudo por meio de operações militares (...). Nada justifica a escalada da violência, que ocorre quando o Estado responde às ações criminosas com mais violência".