Artigo Destaque dos editores

Suspensão condicional do processo: direito subjetivo do acusado?

Exibindo página 8 de 8
23/12/1998 às 00:00
Leia nesta página:

21. SUGESTÕES PARA O PORVIR

Como sugestão do direito por legislar, pode-se estabelecer, em parágrafo do art. 89 da LJE, que a negativa de transação penal ou de suspensão condicional do processo, pelo membro do Parquet, seja submetida, tal como o arquivamento do inquérito civil ou a homologação do termo cível de ajustamento de conduta, ao controle hierárquico do órgão colegiado superior da instituição: o Conselho Superior do Ministério Público.

Com a medida, seria transformada em lei a orientação do Supremo Tribunal Federal, aperfeiçoando-a, uma vez que seriam eliminadas as desvantagens de uma decisão monocrática a cargo do Procurador-Geral de Justiça ou do Procurador-Geral da República, decisão esta que também poderia estar sujeita a vícios de subjetivismo.

Esse sistema de reexame não é novo e foi introduzido na ordem jurídica brasileira pela Lei Federal n. 7347/85, sendo reproduzido em várias leis orgânicas estaduais do Ministério Público, como na Lei Complementar Estadual n. 11, de 18 de janeiro de 1996, do Estado da Bahia.

FÁBIO MEDINA OSÓRIO é favorável a essa forma de controle hierárquico pelo órgão colegiado superior do Parquet (in O consensus na transação pena e suspensão condicional do processo penal: observações sobre a lei n. 9099, de 26-09-95), mas não deixa de sugerir a possibilidade de impetração de habeas corpus contra resolução arbitrária do Conselho ou ato ilegal do Procurador-Geral, no caso de se inviabilizar injustificadamente o acordo.

É também o promotor gaúcho quem anota parte do voto do Juiz de Alçada TUPINAMBÁ PINTO DE AZEVEDO (na correição parcial n. 296003734, da 2ª Câmara Criminal do TA-RS) a respeito da transação penal sem participação do Ministério Público:

"Em hipótese alguma o juiz transaciona, já que é da essência da transação a renúncia a algum direito ou bem. Quem pode transacionar é parte: de um lado, desiste o Ministério Público de buscar a condenação tout court, que importaria em pressuposto da reincidência, maus antecedentes, responsabilidade civil, etc; de outro, renuncia o réu à possibilidade de absolvição (...) Agindo o magistrado de ofício a que renuncia? De que direitos abre mão?".

No mesmo processo legislativo de alteração da Lei n. 9099/95, poderia ser prevista inclusive a possibilidade de recurso administrativo da vítima ou seu representante legal ou de qualquer interessado, independentemente do encaminhamento judicial dos autos ao Procurador-Geral, com faculdade de apresentação de documentos, para que se assegure ao ofendido um espaço próprio no novo modelo de justiça consensual.

A decisão do STF é merecedora de aplausos, por fixar caminho seguro a seguir, mas não inova. Doutrinadores de escol já defendiam a aplicação analógica do art. 28 do CPP à hipótese em relevo.

Outros, como JÚLIO FABBRINI MIRABETE, apresentaram argumentos indispensáveis à supremacia da tese da legitimidade exclusiva do Ministério Público para a proposta:

"Ao contrário do que já se tem afirmado, entendemos não ser a transação prevista no art. 76 um direito público subjetivo do autor do fato, de modo a possibilitar que seja apresentada contra a vontade do Ministério Público, quer por iniciativa do juiz, quer por requerimento do interessado. Trata-se, aqui, do eventual exercício da pretensão punitiva, cabendo exclusivamente ao Promotor de Justiça a titularidade do jus persequendi in judicio, nos expressos termos do art. 129, I, da Constituição Federal" (in Juizados especiais criminais, São Paulo: Atlas, 1997, p. 82).

O renomado processualista assinalava ainda que o Ministério Público "é o titular, privativo, da ação penal pública, afastada a possibilidade de iniciativa e, portanto, de disponibilidade por parte do juiz (art. 129, I, da Constituição Federal). Não pode, portanto, a lei, e muito menos uma interpretação extensiva dela, retirar-lhe o direito de pedir a prestação jurisdicional quando entende que deva exercê-la. Consagrado pela Constituição Federal o sistema acusatório, onde existe a separação orgânica entre o órgão acusador e o órgão julgador, não pode um usurpar a atribuição e competência do outro. Por conseqüência, ao titular do jus persequendi pertence com exclusividade também a disponibilidade da ação penal quando a lei mitiga o princípio da obrigatoriedade".

E arremata que "A concessão do benefício sem a concordância do Ministério Público desnatura a relação própria dessa espécie de transação admitida pela Constituição Federal. Consenso é ato bilateral, acordo, livre adesão de vontades e, onde há obrigatoriedade ou imposição a uma das partes, não se pode falar em transação ou consenso" (op. cit., p. 153).

Por essa natureza bilateral, admite-se, na suspensão condicional do processo, a existência de contraproposta por parte do acusado, restando apenas, como verdadeiro direito subjetivo, o de obter do Ministério Público, como ente da Administração, uma prestação, entendida esta como manifestação positiva ou negativa e fundamentada, acerca da transação ou da suspensão, quer acordando, quer não. Resta também ao acusado o direito de, consensualmente implementada a suspensão, alcançar os resultados que dela decorrem, desde que cumpridas as condições avençadas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos


22. CONCLUSÃO

A título de conclusão, podemos delinear os seguintes tópicos, já respondendo à pergunta-título:

1. A suspensão condicional do processo e a transação não constituem direitos subjetivos do acusado, mas sim faculdades postas à disposição do Ministério Público para fins de política criminal, no exercício da ação penal, agora informada pelo princípio da oportunidade.

2. O acusado somente tem direito subjetivo à manifestação, negativa ou positiva, do Estado-Administração quanto aos institutos dos arts. 76 e 89 da Lei n. 9099/95. A suspensão e a transação, que devem resultar do acordo de vontades das partes e da conformidade, constituem meras expectativas de direitos.

3. Ante a recusa do Ministério Público em oferecer proposta transacional lato sensu, o juiz não pode agir ex officio, cabendo-lhe remeter os autos ao Procurador-Geral, mediante aplicação analógica do art. 28 do CPP. O Parquet é ente do Estado-Administração e decide e opta conforme a legalidade e o mérito administrativo, cuja apreciação, dentro do âmbito de discricionariedade, é vedada ao Judiciário.

4. A Lei n. 9099/95 tem como fundamento o consenso, prevendo um processo de partes, não se permitindo a violação da autonomia da vontade de qualquer delas. Nesse sentido, em atenção à isonomia e à bilateralidade, não pode o magistrado conceder a suspensão ou a transação, atendendo requerimento do acusado, sem a concordância do Parquet.

5. No sistema processual penal brasileiro, vige o princípio acusatório (art. 129, I, CF), com rígida separação das funções do órgão acusador e do órgão julgador. Este está vinculado ao princípio da inércia da jurisdição de forma a garantir sua imparcialidade. Aquele é o titular privativo da ação penal, exercendo-a em um processo contraditório.

6. De lege ferenda, sugere-se o aperfeiçoamento do reexame hierárquico da negativa ministerial à transação lato sensu, de modo a permitir o controle por órgão colegiado da Administração Superior do Ministério Público.

7. Propõe-se também, no direito do porvir, seja admitida, em caso de inércia absoluta do Ministério Público, que a vítima, seu representante legal, ou qualquer interessado (nos crimes vagos), ofereça proposta subsidiária de suspensão condicional, nos moldes da ação penal privada substitutiva da pública (art. 5º, inciso LIX, da CF).

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vladimir Aras

Professor Assistente de Processo Penal da UFBA. Mestre em Direito Público (UFPE). Professor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Procurador da República na Bahia (MPF). Membro Fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAS, Vladimir. Suspensão condicional do processo: direito subjetivo do acusado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1083. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos