Como sugestão do direito por legislar, pode-se estabelecer, em parágrafo do art. 89 da LJE, que a negativa de transação penal ou de suspensão condicional do processo, pelo membro do Parquet, seja submetida, tal como o arquivamento do inquérito civil ou a homologação do termo cível de ajustamento de conduta, ao controle hierárquico do órgão colegiado superior da instituição: o Conselho Superior do Ministério Público.
Com a medida, seria transformada em lei a orientação do Supremo Tribunal Federal, aperfeiçoando-a, uma vez que seriam eliminadas as desvantagens de uma decisão monocrática a cargo do Procurador-Geral de Justiça ou do Procurador-Geral da República, decisão esta que também poderia estar sujeita a vícios de subjetivismo.
Esse sistema de reexame não é novo e foi introduzido na ordem jurídica brasileira pela Lei Federal n. 7347/85, sendo reproduzido em várias leis orgânicas estaduais do Ministério Público, como na Lei Complementar Estadual n. 11, de 18 de janeiro de 1996, do Estado da Bahia.
FÁBIO MEDINA OSÓRIO é favorável a essa forma de controle hierárquico pelo órgão colegiado superior do Parquet (in O consensus na transação pena e suspensão condicional do processo penal: observações sobre a lei n. 9099, de 26-09-95), mas não deixa de sugerir a possibilidade de impetração de habeas corpus contra resolução arbitrária do Conselho ou ato ilegal do Procurador-Geral, no caso de se inviabilizar injustificadamente o acordo.
É também o promotor gaúcho quem anota parte do voto do Juiz de Alçada TUPINAMBÁ PINTO DE AZEVEDO (na correição parcial n. 296003734, da 2ª Câmara Criminal do TA-RS) a respeito da transação penal sem participação do Ministério Público:
"Em hipótese alguma o juiz transaciona, já que é da essência da transação a renúncia a algum direito ou bem. Quem pode transacionar é parte: de um lado, desiste o Ministério Público de buscar a condenação tout court, que importaria em pressuposto da reincidência, maus antecedentes, responsabilidade civil, etc; de outro, renuncia o réu à possibilidade de absolvição (...) Agindo o magistrado de ofício a que renuncia? De que direitos abre mão?".
No mesmo processo legislativo de alteração da Lei n. 9099/95, poderia ser prevista inclusive a possibilidade de recurso administrativo da vítima ou seu representante legal ou de qualquer interessado, independentemente do encaminhamento judicial dos autos ao Procurador-Geral, com faculdade de apresentação de documentos, para que se assegure ao ofendido um espaço próprio no novo modelo de justiça consensual.
A decisão do STF é merecedora de aplausos, por fixar caminho seguro a seguir, mas não inova. Doutrinadores de escol já defendiam a aplicação analógica do art. 28 do CPP à hipótese em relevo.
Outros, como JÚLIO FABBRINI MIRABETE, apresentaram argumentos indispensáveis à supremacia da tese da legitimidade exclusiva do Ministério Público para a proposta:
"Ao contrário do que já se tem afirmado, entendemos não ser a transação prevista no art. 76 um direito público subjetivo do autor do fato, de modo a possibilitar que seja apresentada contra a vontade do Ministério Público, quer por iniciativa do juiz, quer por requerimento do interessado. Trata-se, aqui, do eventual exercício da pretensão punitiva, cabendo exclusivamente ao Promotor de Justiça a titularidade do jus persequendi in judicio, nos expressos termos do art. 129, I, da Constituição Federal" (in Juizados especiais criminais, São Paulo: Atlas, 1997, p. 82).
O renomado processualista assinalava ainda que o Ministério Público "é o titular, privativo, da ação penal pública, afastada a possibilidade de iniciativa e, portanto, de disponibilidade por parte do juiz (art. 129, I, da Constituição Federal). Não pode, portanto, a lei, e muito menos uma interpretação extensiva dela, retirar-lhe o direito de pedir a prestação jurisdicional quando entende que deva exercê-la. Consagrado pela Constituição Federal o sistema acusatório, onde existe a separação orgânica entre o órgão acusador e o órgão julgador, não pode um usurpar a atribuição e competência do outro. Por conseqüência, ao titular do jus persequendi pertence com exclusividade também a disponibilidade da ação penal quando a lei mitiga o princípio da obrigatoriedade".
E arremata que "A concessão do benefício sem a concordância do Ministério Público desnatura a relação própria dessa espécie de transação admitida pela Constituição Federal. Consenso é ato bilateral, acordo, livre adesão de vontades e, onde há obrigatoriedade ou imposição a uma das partes, não se pode falar em transação ou consenso" (op. cit., p. 153).
Por essa natureza bilateral, admite-se, na suspensão condicional do processo, a existência de contraproposta por parte do acusado, restando apenas, como verdadeiro direito subjetivo, o de obter do Ministério Público, como ente da Administração, uma prestação, entendida esta como manifestação positiva ou negativa e fundamentada, acerca da transação ou da suspensão, quer acordando, quer não. Resta também ao acusado o direito de, consensualmente implementada a suspensão, alcançar os resultados que dela decorrem, desde que cumpridas as condições avençadas.
A título de conclusão, podemos delinear os seguintes tópicos, já respondendo à pergunta-título:
1. A suspensão condicional do processo e a transação não constituem direitos subjetivos do acusado, mas sim faculdades postas à disposição do Ministério Público para fins de política criminal, no exercício da ação penal, agora informada pelo princípio da oportunidade.
2. O acusado somente tem direito subjetivo à manifestação, negativa ou positiva, do Estado-Administração quanto aos institutos dos arts. 76 e 89 da Lei n. 9099/95. A suspensão e a transação, que devem resultar do acordo de vontades das partes e da conformidade, constituem meras expectativas de direitos.
3. Ante a recusa do Ministério Público em oferecer proposta transacional lato sensu, o juiz não pode agir ex officio, cabendo-lhe remeter os autos ao Procurador-Geral, mediante aplicação analógica do art. 28 do CPP. O Parquet é ente do Estado-Administração e decide e opta conforme a legalidade e o mérito administrativo, cuja apreciação, dentro do âmbito de discricionariedade, é vedada ao Judiciário.
4. A Lei n. 9099/95 tem como fundamento o consenso, prevendo um processo de partes, não se permitindo a violação da autonomia da vontade de qualquer delas. Nesse sentido, em atenção à isonomia e à bilateralidade, não pode o magistrado conceder a suspensão ou a transação, atendendo requerimento do acusado, sem a concordância do Parquet.
5. No sistema processual penal brasileiro, vige o princípio acusatório (art. 129, I, CF), com rígida separação das funções do órgão acusador e do órgão julgador. Este está vinculado ao princípio da inércia da jurisdição de forma a garantir sua imparcialidade. Aquele é o titular privativo da ação penal, exercendo-a em um processo contraditório.
6. De lege ferenda, sugere-se o aperfeiçoamento do reexame hierárquico da negativa ministerial à transação lato sensu, de modo a permitir o controle por órgão colegiado da Administração Superior do Ministério Público.
7. Propõe-se também, no direito do porvir, seja admitida, em caso de inércia absoluta do Ministério Público, que a vítima, seu representante legal, ou qualquer interessado (nos crimes vagos), ofereça proposta subsidiária de suspensão condicional, nos moldes da ação penal privada substitutiva da pública (art. 5º, inciso LIX, da CF).