Pai Nosso nas escolas públicas

08/03/2024 às 14:38
Leia nesta página:

O presente escrito deseja refletir se há risco ou não na conduta de compelir os alunos das escolas públicas a orar coletivamente o Pai Nosso. No Brasil, muitas escolas fazem a mencionada oração; há Municípios que até instituíram normativas internas tornando-a obrigatória, como é o caso de Barra Mansa/RJ, que regulamentou a obrigatoriedade por meio da Ordem de serviço 008/2017 – SME, art. 2º.

Como é do conhecimento de todos, o Brasil adotou o Estado Laico. O artigo 19, inciso I, da Carta Maior é categórico em proibir os Estados, União e Municípios de “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

A mesma Constituição garantiu a todos os cidadãos o direito à “liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (artigo 5º, inciso VI).

O Ministro já aposentado do Supremo, Marco Aurélio, ao apreciar a ADPF n. 54/DF, na condição de Relator, destacou em seu voto que “a garantia do Estado laico obsta que dogmas da fé determinem o conteúdo de atos estatais”, embora na ocasião analisou-se o aborto dos fetos anencéfalos, tal conclusão pode ser aplicáveis aos atos de coordenação, gestão e direção dos estabelecimentos escolares mantidos pelo Estado.

Não se ignora que as crianças estão em fase de formação, justamente por estarem em desenvolvimento não é justo que orações ou gestos religiosos lhes sejam impostos, caso contrário haverá um risco real de afronta à liberdade de escolha de uma religião ou crença, que é um direito assegurado a todos os brasileiros.

Tal liberdade é ratificada no Estatuto das Crianças e Adolescentes – ECA, artigo 16, inciso III, portanto, não há maiores dúvidas quanto ao direito à não imposição de uma religião aos alunos das escolas públicas.

Também não soa prudente separar em filas ou grupos os alunos colocando de um lado aqueles que aceitam rezar o Pai Nosso e deixando de outro os que se recusam, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já disse que tal segregação configura intolerância religiosa, anulando a Ordem de serviço 008/2017 – SME do Município de Barra Mansa/RJ conforme se extraí do acórdão proferido na Apelação Cível n. 0013080-15.2017.8.19.0007, julgada em 25/02/2021.

Outro cuidado que a direção deve ter é com a obrigatoriedade dos funcionários, servidores e professores a orarem o Pai Nosso, visto que há decisões no Poder Judiciário condenado empregadores a indenizar os seus empregados compelidos ao ato de rezar o Pai Nosso, o valor reparatório pode chegar a R$ 10.000,00 (dez mil reais), como noticiado pelo TRT-MG em seu site, mencionado o processo n. 0010821-11.2020.5.03.0016, julgado pelo juízo da 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

Portanto, em que pese o Brasil ter uma parcela considerável da sociedade aderente ao catolicismo, temos que há sim risco na conduta do gestor ou diretor que imponha aos alunos de uma escola pública a oração do Pai Nosso.

Igualmente arriscado é segregar a turma para fins de oração, podendo gerar condenações e anulações dos atos administrativos, como ocorrido com a Ordem de Serviço 008/2017 do Município de Barra Mansa/RJ.

Um outro ponto a ser observado com cautela é eventual obrigatoriedade dos funcionários a orar, porque na Justiça temos condenações de empregadores em danos morais por compelirem os seus colaboradores a rezar o Pai Nosso.

O ideal é evitar imposições, pois ela pode gerar problemas e dor de cabeça, visto que o ato de orar deve ser algo facultativo de cada pessoa e não uma obrigação imposta pela escola de maneira coletiva ou discriminatória.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
João Vitor Rossi

Advogado inscrito na OAB-SP sob o n. 425.279, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de Araraquara, bacharel em Direito pelo Centro Universitário Padre Albino e em Administração pela Universidade de Uberaba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos