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Responsabilidade subsidiária trabalhista.

Impossibilidade de exigir do tomador de serviços o pagamento da contribuição previdenciária patronal devida pelo empregador

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07/03/2008 às 00:00
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5. Impossibilidade de exigir do tomador de serviços o pagamento da contribuição previdenciária patronal devida pelo empregador quando declarada responsabilidade subsidiária trabalhista

Qualquer discussão em matéria de encargos tributários tem como ponto de partida a perspectiva imposta pela idéia de legalidade estrita, que marca esse ramo do Direito. A propósito, confira-se a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO:

"Sabemos da existência genérica do princípio da legalidade, acolhido no mandamento do art. 5º, II, da Constituição. Para o direito tributário, contudo, aquele imperativo ganha feição de maior severidade, como se nota da redação do art. 150, I (...).

Em outras palavras, qualquer das pessoas políticas de direito constitucional interno somente poderá instituir tributos, isto é, descrever a regra-matriz de incidência,ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota, mediante a expedição de lei.

O veículo introdutor da regra tributária no ordenamento há de ser sempre a lei (sentido lato), porém o princípio da estrita legalidade diz mais do que isso, estabelecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional. Esse plus caracteriza a tipicidade tributária, que alguns autores tomam como outro postulado imprescindível ao subsistema de que nos ocupamos, mas que pode, perfeitamente, ser tido como uma decorrência imediata do princípio da estrita legalidade." [19]

Ao contrário do que se dá na área trabalhista, em que o instituto da responsabilidade subsidiária tem reconhecida sua legitimidade independentemente de previsão legal, para que se atribua a terceiro o encargo de promover o recolhimento de tributo devido por outrem, inclusive na condição de responsável tributário, é imprescindível estrita previsão legal, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária insculpido no art. 150, I da Constituição.

Conforme já salientado, por força da modificação da redação do art. 31 da Lei 8212/91 pela Lei 9711/98, o que se constata é que a possibilidade de se exigir do tomador de serviços o pagamento da contribuição previdenciária patronal devida pela empresa prestadora, inclusive nos casos em que declarada a responsabilidade subsidiária trabalhista, foi suprimida, já que não mais existente previsão de responsabilidade solidária e sim um mecanismo de retenção pela fonte pagadora.

O dever imposto ao tomador de serviços, portanto, não guarda mais qualquer relação com o efetivo e posterior recolhimento da contribuição previdenciária por parte da empresa prestadora de serviços. Com efeito, a obrigação decorrente da atual redação do art. 31 da Lei 8212/91 esgota-se com a retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços.

O que se constata, portanto, é que atribuindo à retenção prevista no art. 31 da Lei 8212/91, com a redação da Lei 9711/98, natureza de mero dever administrativo, tal encargo não tem qualquer relação com o adimplemento de pagamento dos haveres trabalhistas devidos ao empregado.

A obrigação imposta ao tomador dos serviços é deflagrada e tem origem estritamente no pagamento do valor consignado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, ocasião em que se deverá proceder à retenção de 11% e depois ao recolhimento em favor do órgão arrecadador, em nome da empresa prestadora de serviços.

Considerando que em uma reclamação trabalhista, por natureza, não se coloca em questão o cumprimento do dever de retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, a declaração de responsabilidade subsidiária trabalhista não poderá importar em determinação de proceder ao pagamento da contribuição previdenciária patronal, por absoluta inexistência de previsão legal. Nesse caso, não poderá o tomador dos serviços ser reputado sujeito passivo, não se enquadrando na previsão do parágrafo único do art. 121 do CTN.

A rigor, somente o próprio órgão incumbido da arrecadação da contribuição previdenciária patronal poderá exigir do tomador dos serviços, em ação específica, não o seu pagamento propriamente dito, mas pagamento correspondente a 11% do valor da nota fiscal ou de prestação de serviços. Ou seja, o tomador de serviços somente poderá ser compelido a recolher algum valor ao órgão incumbido da arrecadação da contribuição previdenciária devida pela empresa prestadora de serviços se, e somente se, deixar de efetuar a retenção e assim deixar de proceder ao respectivo recolhimento em nome da empresa prestadora de serviços.

Por outro lado, ainda que a retenção prevista na atual redação do art. 31 da Lei 8212/91 revista-se da natureza de hipótese de responsabilidade tributária, ela é bastante diferente da modalidade de responsabilidade solidária prevista na redação original do dispositivo legal em comento.

Com efeito, na redação originária do art. 31 da Lei 8212/91 era expressa a previsão de responsabilidade solidária pelos recolhimentos das próprias contribuições previdenciárias. Ou seja, não havia qualquer limitação, bastava a constatação de inadimplemento do recolhimento das contribuições previdenciárias para deflagrar a responsabilidade atribuída ao tomador dos serviços. Na redação da Lei 9711/98 se de responsabilidade tributária se trata, ela é limitada, sendo naturalmente afastada pela retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços. Perceba-se a diferença: num primeiro momento, o tomador de serviços só se via livre da possibilidade de ser compelido a efetuar qualquer pagamento ao órgão arrecadador se tivesse ocorrido o oportuno recolhimento de todo o montante devido a título de contribuições previdenciárias pelo empregador ou empresa prestadora de serviços, ao passo que agora essa possibilidade se afasta pela simples comprovação de que se procedeu à retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, seguindo-se o recolhimento em nome da empresa prestadora de serviços.

De qualquer sorte, certo é que, independentemente da natureza da retenção prevista no art. 31 da Lei 8212/91, comprovado nos autos de reclamação trabalhista em que declarada responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços a oportuna retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços emitida pela empresa prestadora de serviços, não poderá o tomador de serviços ser compelido ao pagamento, na condição de responsável subsidiário pelo adimplemento dos créditos trabalhistas, a efetuar o pagamento da contribuição previdenciária patronal. Entendimento em sentido contrário viola o princípio de estrita legalidade insculpido no art. 150, I da CF, que norteia o Direito Tributário. E caso se entenda estar defronte a hipótese de responsabilidade tributária, tal exigência implicará em violação do comando do art. 128 do CTN.

Quanto à contribuição previdenciária devida pelo próprio empregado, não se perca de vista que ela é descontada do valor pago ao mesmo, quando vier a receber parcelas que integrem o conceito de salário de contribuição previsto no art. 28 da Lei 8212/91.


6. A responsabilidade da Administração Pública nos casos de contratação de empresas prestadoras de serviços

Uma leitura desavisada do disposto no parágrafo segundo do art. 71 da Lei 8666/93 poderia levar à conclusão de que a limitação de responsabilização do tomador dos serviços, quanto ao recolhimento da contribuição previdenciária patronal, não se aplicaria à Administração Pública, quando declarada sua responsabilidade subsidiária.

Art. 71. O contratante é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

(...)

§ 2º. A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei 8212 de 24 de julho de 1991.

O parágrafo segundo do art. 71 foi introduzido na Lei 8666/93 pela Lei 9032/95. Tal lei também promoveu alterações no art. 31 da Lei 8212/91, introduzindo um parágrafo terceiro, que fixava possibilidade de ser elidida a responsabilidade solidária prevista em sua redação originária; confira-se:

§ 3º A responsabilidade solidária de que trata este artigo somente será elidida se for comprovado pelo executor o recolhimento prévio das contribuições incidentes sobre a remuneração dos segurados incluída em nota fiscal ou fatura correspondente aos serviços executados, quando da quitação da referida nota fiscal ou fatura.

Ou seja, a interpretação sistemática do direito positivo conduz à conclusão de que a regra prevista no parágrafo segundo do art. 71 da Lei 8666/93 estava estritamente vinculada ao regime de responsabilidade delineado na redação originária do art. 31 da Lei 8212/91, tanto que lhe fez expressa remissão.

Nesse sentido, suprimida no art. 31 da Lei 8212/91 a possibilidade de responsabilização solidária do tomador de serviços pela redação que lhe deu a Lei 9711/98, deve-se considerar tacitamente revogado o parágrafo segundo do art. 71 da Lei 8666/93 com a redação que lhe deu a Lei 9032/95. Se no art. 31 da Lei 8212/91 não consta mais a previsão de responsabilidade solidária, não se pode pretender sua subsistência quanto à Administração Pública, até mesmo por força da expressa remissão que lhe faz o parágrafo segundo do art. 71 da Lei 8666/93. Entendimento em sentido contrário implica admitir parcial subsistência da redação anterior do art. 31 da Lei 8212/91, apesar de sua modificação pela Lei 9711/98.

Enfim, comprovando a Administração Pública a oportuna retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura, seguida do recolhimento em nome da empresa prestadora de serviços, tal como o particular, não poderá ser compelida ao pagamento da contribuição previdenciária patronal em reclamação trabalhista na qual seja declarada sua responsabilidade subsidiária pelos haveres devidos ao empregado.


7. A subsistência da responsabilidade nos casos de empreitada e trabalho temporário

A tese defendida precedentemente não se aplica nos casos em que for reconhecida responsabilidade subsidiária do dono da obra ou do tomador de serviços nos casos de empreitada e trabalho temporário, respectivamente. Isto porque, nesses casos, ainda se mantém expressa a previsão de responsabilidade quanto aos valores devidos a título de contribuição previdenciária.

Quanto ao dono da obra, verifique-se o teor do inciso VI do art. 30 da Lei 8212/91, com a redação que lhe deu a Lei 9528/97:

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

(...)

VI - o proprietário, o incorporador definido na Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, o dono da obra ou condômino da unidade imobiliária, qualquer que seja a forma de contratação da construção, reforma ou acréscimo, são solidários com o construtor, e estes com a subempreiteira, pelo cumprimento das obrigações para com a Seguridade Social, ressalvado o seu direito regressivo contra o executor ou contratante da obra e admitida a retenção de importância a este devida para garantia do cumprimento dessas obrigações, não se aplicando, em qualquer hipótese, o benefício de ordem;

Em que pese o que preconiza a Orientação Jurisprudencial 191 da SDI-1 do TST [20], vale consignar que, pelo menos no âmbito do TRT da 17ª Região a declaração de responsabilidade subsidiária trabalhista do dono da obra se processa de modo reiterado.

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Por outro lado, no caso de trabalho temporário, o art. 16 da Lei 6019/74 preconiza:

Art. 16. No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta lei.


Conclusão

Diante de todo o exposto, as conclusões deste trabalho podem ser assim compendiadas:

-O instituto da responsabilidade subsidiária trabalhista, fruto de eminente atividade pretoriana, carece de previsão legal estrita, exceto nas hipóteses de subempreitada e trabalho temporário.

-A competência da Justiça do Trabalho para executar de ofício as contribuições previdenciárias somente pode ser exercida perante os respectivos sujeitos passivos, nos moldes preconizados pela legislação tributária.

-O regime de responsabilidade solidária do tomador de serviços pelo adimplemento das contribuições previdenciárias, previsto na redação originária do art. 31 da Lei 8212/91, foi substituído pelo mecanismo de retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, ao teor da redação conferida ao referido dispositivo legal pela Lei 9711/98, resultado de conversão da Medida Provisória 1663-15 de 22/10/1998.

-Independentemente da natureza jurídica da retenção prevista no art. 31 da Lei 8212/91, com a redação da Lei 9711/98, dela não se pode extrair o dever do tomador de serviços de proceder ao pagamento de contribuição previdenciária patronal devida pela empresa prestadora de serviços, quando declarada responsabilidade subsidiária trabalhista.

-Atribuindo-se à retenção prevista no art. 31 da Lei 8212/91, com a redação da Lei 9711/98, natureza de mero dever administrativo, não haverá margem para compelir o tomador de serviços a efetuar o recolhimento de contribuição previdenciária patronal quando declarada responsabilidade subsidiária trabalhista, na medida em que não se coloca em discussão, em sede de reclamação trabalhista, o descumprimento do referido dever administrativo. Nesse caso, somente o órgão incumbido da arrecadação da contribuição previdenciária poderá, em ação específica, exigir do tomador dos serviços não propriamente o pagamento da contribuição previdenciária patronal, mas na verdade, valor equivalente a 11% da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços.

-Ainda que à retenção prevista no art. 31 da Lei 8212/91, com a redação da Lei 9711/98, se atribua natureza de hipótese de responsabilidade tributária, ela é naturalmente limitada a valor correspondente a 11% do valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços.

-Sempre que comprovada a efetiva retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, seguida do recolhimento ao órgão arrecadador, será inviável exigir do tomador de serviços o pagamento da contribuição previdenciária patronal quando declarada responsabilidade subsidiária trabalhista, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária insculpido no art. 150, I da CF. Especificamente no caso de atribuição à retenção de natureza de hipótese de responsabilidade tributária, também restará violado o art. 128 do CTN.

-Nenhuma ressalva pode ser oposta à Administração Pública quando tomadora de serviços tiver declarada responsabilidade subsidiária trabalhista, já que deve ser reputado tacitamente revogado o parágrafo segundo do art. 71 da Lei 8666/93.

-Nos casos de empreitada e trabalho temporário, mantém-se a previsão de responsabilidade solidária do tomador dos serviços, nos termos do inciso VI do art. 30 da Lei 8212/91 e art. 16 da Lei 6019/74, respectivamente.

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Sobre o autor
Gustavo de Resende Raposo

Procurador da Fazenda Nacional ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAPOSO, Gustavo Resende. Responsabilidade subsidiária trabalhista.: Impossibilidade de exigir do tomador de serviços o pagamento da contribuição previdenciária patronal devida pelo empregador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1710, 7 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11027. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Título original: "Impossibilidade de exigir do tomador de serviços o pagamento da contribuição previdenciária patronal devida pelo empregador quando declarada responsabilidade subsidiária trabalhista". Originalmente publicado na Revista da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo. Vitória, v. 6, n. 6, 1º/2º sem. 2007, ISSN 1808-897X.

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