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A constitucionalidade da Lei nº 8.393/91 e do Decreto nº 420/92.

A validade jurídica da alíquota de 18% do IPI incidente sobre o açúcar

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V. A PRETENSÃO DAS CONTRIBUINTES

12.Em 27.04.1995, as contribuintes impetraram mandado de segurança, e obtiveram a concessão de medida liminar. Na sentença, como referido, houve a denegação da segurança requestada.

13.Nada obstante, convém recordar a argumentação deduzida na pretensão das contribuintes.

14.Com efeito, postulam as contribuintes a decretação da inconstitucionalidade dos referidos dispositivos legais (art. 2º, parágrafo único, Lei 8.393/91, e Decreto 420/92) por violação dos princípios constitucionais da seletividade do IPI, da uniformidade tributária, da isonomia tributária, da capacidade contributiva, da legalidade tributária e por desvio de finalidade.

15.Eis os dispositivos constitucionais supostamente desrespeitados:

Art. 153, IV:

Compete à União instituir imposto sobre: produtos industrializados;

Art. 153, § 3º, I: O imposto previsto no previsto no inciso IV será seletivo, em função da essencialidade do produto.

Art. 145, § 1º: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Art. 153, § 1º: É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

Art. 151, I: É vedado à União instituir tributo que não seja uniforme em todo território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;

Art. 43: Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.

Art. 150, II: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Arts. 5º, I: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Arts. 149: Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo;

16.A 1ª tese sustentada pelas contribuintes é o desvio de finalidade. Alegam que o imposto (IPI) estava sendo utilizado para regular uma diversidade interna do setor o que não é compatível com a figura dos impostos, por ser típico de uma contribuição de intervenção no domínio econômico, configurando-se um caso clássico de desvio de finalidade, porquanto o imposto utilizado com a finalidade própria de outra figura constitucional que tem natureza e fundamentos diversos.

17.A 2ª tese é a seletividade em função da essencialidade do produto (o açúcar). Isso significa que a imposição de alíquotas mais gravosas só pode existir em relação a produtos que, em cotejo com os demais produtos, não sejam essenciais ao consumo humano. Recordam que o açúcar é produto de natureza alimentar que integra a denominada "cesta básica" em razão do seu alto grau de essencialidade.

18.A 3ª tese é a quebra da regionalidade. Nessa perspectiva, não vinga a justificativa de que houve discriminação "regional", visto que dentro da mesma "Região" há três regimes tributários distintos (São Paulo com 18%; Rio de Janeiro com 9%; parte de Minas Gerais com 18% e parte de Minas com isenção de IPI – área da SUDENE). Segundo as Contribuintes, o termo "regional" corresponde às cinco Regiões brasileiras: Norte, Sul, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste.

19.A 4ª tese é a temporalidade da diferenciação de alíquota de 18% do IPI. Ou seja, a ausência de uniformidade de preços do açúcar não autorizava alíquotas distintas, visto que nos termos do art. 2º da Lei 8.393/91, a mencionada diferenciação de alíquota seria enquanto persistisse a política de preços uniformes. Com a edição da Portaria n. 4, de 14.01.1992, do Ministério da Economia, segundo as Contribuintes, desapareceu a uniformidade de preços.

20.A 5ª tese é a inconstitucionalidade da exigência do IPI em relação a produto essencial como o açúcar. Nessa linha, a incidência do IPI sobre o açúcar viola o art. 153, § 3º, I, CF, visto que se trata de produto essencial ao consumo humano e que, por conseqüência, não deveria sofrer tributação alguma.

21.A 6ª tese é a violação do princípio da isonomia. Isso significa que a diferenciação de alíquota entre Estados da mesma Região (São Paulo e parte de Minas Gerais 18%; Rio de Janeiro e Espírito Santo 9%; e parte de Minas com isenção), com tratamento discriminatório dentro da mesma Região viola os arts. 5º, I; 150, II; e 151, I, CF.

22.A 7ª - e última – tese é a ausência de motivação do ato que alterou a alíquota do IPI, de 0 até 18%. Segundo as Contribuintes inexistem justificativas explícitas contidas no Decreto 420/92 que revelassem as razões, de modo válido, da mencionada majoração de alíquota procedida pelo aludido Decreto presidencial.


VI. A VALIDADE DA LEI 8.393/91 E DO DECRETO 420/92

23.A Lei 8.393/91 e o Decreto 420/92 não violaram nenhum dos dispositivos constitucionais apontados, de sorte que são equivocadas, venia permissa, as mencionadas teses levantadas pelas contribuintes.

24.Com efeito, a primeira tese é frágil. A alegação de que o IPI estava sendo usado para regular uma diversidade interna do setor sucro-alcooleiro o que era incompatível com a natureza do tributo, por ser imposto, em vez de uma contribuição de intervenção econômica, não resiste a um breve olhar sobre o texto constitucional.

25.É fora de toda dúvida que o figurino constitucional delineado para o IPI permite vislumbrar em relação a esse imposto características que ultrapassam a "mera" função arrecadatória ínsita a todos os tributos e, em particular, aos impostos.

26.Essa perspectiva "além ou extra" fiscal pode ser enxergada no art. 153, § 1º, CF, (é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas do IPI), bem como a sua seletividade em função da essencialidade do produto.

27.Assim, não há que se falar em desvio de finalidade ou que em vez de imposto (IPI) a União Federal deveria lançar mão de "contribuição de intervenção econômica", haja vista a finalidade extrafiscal da combatida tributação diferenciada.

28.A segunda tese não merece a guarida judicial. A alíquota de 18% do IPI incidente sobre o açúcar que fabricam não maltrata a seletividade em função da essencialidade do bem produzido. A eventual essencialidade do produto, assim com a sua tributação seletiva, é matéria da alçada da política fiscal, dentro do campo da liberdade de conformação constitucional do legislador.

29.Algemada com a referida segunda tese, encontra-se a quinta tese das contribuintes. Entendem que em face da essencialidade do açúcar, este produto não poderia sequer sofrer tributação alguma, estando, nessa perspectiva, imune à incidência do IPI.

30.Com as vênias de estilo, o fato de o açúcar compor a "cesta básica" não é bastante nem suficiente para torná-lo um produto imune ao IPI ou que não possa sofrer uma tributação diferenciada, seja em relação a outros produtos, seja em relação a outras regiões.

31.Nesse particular, calha o certeiro entendimento do Juiz VILSON DARÓS, relator do acórdão objurgado pelas contribuintes:

"De qualquer forma, torna-se evidente que o princípio da seletividade em função da essencialidade não restou violado, uma vez que, abrangendo o IPI alíquotas que variam de 0 (zero) a 365,63%, é razoável a tributação do açúcar na alíquota de 18%, o que reflete uma dosagem eqüitativa da carga tributária, compatível com a qualificação de produto componente da cesta básica".

32.É de ver, portanto, a insuficiência dessa tese para infirmar a questionada exação fiscal.

33.A terceira tese é a quebra da regionalidade. Há um flagrante equívoco nessa mencionada tese, visto que o termo "regional" contido na Constituição não tem o restrito significado de "Região" geográfica, especificamente das cinco "Regiões" brasileiras: Norte, Sul, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste.

34.O termo constitucional "Região - ou regional" – significa além do "local" ou que apanhe mais de um Município, de sorte que dentro do mesmo Estado há várias "regiões".

35.A distinção entre Estados dentro da mesma Região ou dentre áreas (regiões) dentro do mesmo Estado não pode ser vista como desrespeito ao princípio da regionalidade ou como desrespeito aos art. 43 e 151, I, CF. Muito ao contrário. O texto constitucional autoriza políticas fiscais diferenciadas em face de situações sócio-econômicas distintas, em favor da promoção de um desenvolvimento equilibrado de todo o País.

36.Nessa perspectiva, a sexta tese (violação do princípio da isonomia) também restou superada, visto que a maior violência ao magno fundamento da igualdade encontra-se justamente no tratamento sem qualquer distinção em face de situações diferenciadas. Assim, em vez de menoscabar os arts. 5º, I; e 150, II, CF, a combatida discriminação fiscal deu concretização ao mandamento da isonomia.

37.Melhor sorte não assiste à quarta tese das contribuintes. De efeito, a suposta temporalidade da diferenciação de alíquota de 18% do IPI instituída pela Lei 8.393/91 não poderia ser obstruída pela edição da Portaria n. 4, de 14.01.1992, do, à época, Ministério da Economia, como pretendem as contribuintes. Uma Portaria ministerial não tem força para revogar uma Lei nacional.

38.Tampouco ocorreu o fenômeno da repristinação legal, com o retorno da vigência do art. 10 da Lei 7.798, de 10.07.1989, no sentido da aplicação da alíquota zero, visto que a repristinação é situação jurídica excepcional e somente ocorre expressamente. Assim, mesmo que se entenda carente de pressuposto fático (a política de preço unifica de açúcar de cana), não há que se concluir pelo retorno da vigência da alíquota zero instituída pelo mencionado art. 10 da Lei 7.798/89.

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39.Nessa mesma toada a certeira jurisprudência do STJ contida no REsp 222.047, Relator Ministro GARCIA VIEIRA, DJ. 03.04.2000:

"Estabelece a Lei nº 8.383/91, em seu artigo 2º, alíquota máxima do IPI de 18%, enquanto persistir a política de preço nacional unificado de açúcar de cana, assegurada a isenção na área da SUDENE e da SUDAM.

Quando a política de preço nacional unificado deixou de existir, não voltou a vigorar a Lei nº 7.798/89, que estabelecia a alíquota zero, e sim a alíquota que melhor atendesse ao interesse nacional."

40.A cavalheiro recorde-se o bem lançado parecer da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, confeccionado pelo Procurador FRANCISCO DE ASSIS VIEIRA SANSEVERINO:

"Em que pese as decisões divergentes sobre a matéria, inexiste direito líquido e certo para manutenção da alíquota zero do IPI para o açúcar.

Preliminarmente, cabe mencionar que a alteração da alíquota do IPI de 0 para 18% teve respaldo legal, quer através do art. 2º da Lei n. 8.393/91, que estipulou uma alíquota máxima de 18% do IPI incidente sobre a saída do açúcar, quer pelo Decreto n. 420, de 13.01.92, que fixou a exação em 18%, conforme possibilita o §1º do art. 153 da CF.

(...)

No que pertine ao argumento da insubsistência do pressuposto legal para a exigência da alíquota de 18% também não assiste direito às apelantes. Para o deslinde da questão cabe citar o art. 4º do Decreto-Lei n. 1.199, de 27.12.1971:

‘Art. 4º O Poder Executivo, em relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados, quando se torne necessário atingir os objetivos da política econômica governamental, mantida a seletividade em função da essencialidade do produto, ou, ainda, para corrigir distorções, fica autorizado:

I – a reduzir alíquotas até 0 (zero);

II – a majorar alíquotas, acrescentando até 30 (trinta) unidades ao percentual de incidência fixado na lei;

(....)’

A possibilidade do Executivo majorar a alíquota do IPI, atendidos os limites legais, foi, como já mencionado, prevista na atual Constituição Federal. Sendo assim, não há que se falar em ilegalidade do Decreto n. 420/92 que elevou para 18% a alíquota do IPI incidente sobre o açúcar".

41.Vê-se, nessa linha, que o suposto fim da política de preço nacional unificado do açúcar não teria o condão de retomar a alíquota zero, como defendem as contribuintes.

42.Por fim, a sétima tese das contribuintes não tem cabida. Alegam que o Decreto 420/92 que aumentou a alíquota de zero para 18% é viciado porquanto desmotivado. A justificativa da edição do combatido Ato regulamentar pode ser facilmente extraída da própria Lei 8.393/91 e do DL 1.199/71.

43.As razões da edição do atacado Decreto 420/92 estão estabelecidas tanto na legislação de regência quanto nos artigos constitucionais pertinentes ao IPI e à necessidade de tratamento tributário diferenciado em face de situações sócio-econômicas distintas, sendo, por conseqüência, dispensável a existência de "consideranda" ou de "exposição de motivos" para alcançar-se o objetivo do questionado Decreto 420/92.

44.Com efeito, o Decreto 420/92 não se tratava de um ucasse desprovido de sentido, mas de um ato administrativo regulamentar plenamente válido.

45.Ao nosso entender, as teses das contribuintes foram repelidas adequadamente. Nada obstante, convém socorrer-se da jurisprudência da Corte Suprema sobre o tema.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. A constitucionalidade da Lei nº 8.393/91 e do Decreto nº 420/92.: A validade jurídica da alíquota de 18% do IPI incidente sobre o açúcar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1796, 2 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11331. Acesso em: 17 mai. 2024.

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