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A flexibilização das normas trabalhistas frente à globalização

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01/09/2000 às 00:00
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VI- O contrato de trabalho por tempo determinado

44. É sabido que o contrato de trabalho, como ato jurídico criador da relação de emprego, é sempre consensual, sinalagmático e, de regra, sucessivo (serviço permanente) e contínuo (por prazo indeterminado). Há, contudo, em caráter excepcional, a figura jurídica do contrato de trabalho por tempo determinado, outrora disciplinado pelos arts. 443, 445, 451, 479 e 480 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e atualmente regido pela Lei nº. 9.601 - publicada no D.O.U em 22.01.98 -, que lhe dá nova disciplina jurídica, com o fito de procurar encontrar soluções jurídicas para o crônico problema do desemprego. Constitui nítido exemplo de flexibilização.

45. Convém ressaltar, desde logo, que, obviamente, cuida-se de modalidade contratual diversa daquela que estipula o contrato por prazo indeterminado. Além disso, o contrato de trabalho por prazo determinado não se confunde com o de trabalho temporário, regido pela Lei 6.019/74.

46. Alguns juristas questionam a constitucionalidade da redução de direito trabalhista em função do caráter temporário do contrato de trabalho, consoante reza o art. 2, II da Lei 9.601 (redução para 2% da alíquota da contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS). Se, por um lado, a redução da alíquota (de 8% para o contratado de acordo com o art. 443 da CLT para 2% para o contratado de acordo com a Lei 9.601) pode ser justificável se se entende que tenciona facilitar novas contratações, por outro, nem a Constituição nem a Lei 8.306/90 (que disciplina o FGTS) possibilitam expressamente a redução em razão da forma contratual.

47. Ademais, a Lei 9.601 determina que não sejam aplicados os seguintes artigos da CLT : art. 443, parágrafo 2º - para aumentar a abrangência do contrato de trabalho por prazo determinado, transformando a relação contratual de restrita (às hipóteses estabelecidas pela CLT) para genérica, para permitir a contratação de novos trabalhadores; art. 451- para não caracterizá-lo como indeterminado quando prorrogado pela segunda vez; e arts. 479 e 480 - para determinar que, com a nova Lei, caberá aos trabalhadores e empregadores estabelecer, na convenção ou acordo coletivo, a indenização para as hipóteses de rescisão antecipada. Aqui, a Lei 9.601 confere força legiferante às convenções ou acordos coletivos, o que tem sido questionado por eminentes juristas.

48. Discute-se se aquela Lei feriria o princípio da isonomia - basilar no Direito do Trabalho, sob o argumento de que não pode haver distinção entre trabalhadores em razão do prazo do contrato de trabalho. Aponta-se, em princípio, contrariedade ao disposto no art. 5º da CF ("Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza..."). Sucede, contudo, que não se fere tal princípio, eis que não foi instituído regime de trabalho diverso para trabalhadores que desempenham funções idênticas. Não se prevê a substituição. Prevê-se, tão-somente, a possibilidade de contratação por prazo determinado de trabalhadores desvinculados a uma empresa. Se essa situação contraria o art. 5º, então o art. 40 (que estipula tempos diferenciados de aposentadorias para homens e mulheres ) tampouco com ele se coadunaria - o que, na verdade, não ocorre. Destarte, a Lei 9.601 não fere o princípio da isonomia. É uma espécie contratual distinta. O Direito do Trabalho aqui trata situações diversas de maneiras diferenciadas, eis que tratamento eqüitativo implica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

49. Questão fundamental a ser discutida é se a modalidade de contrato temporário de trabalho criará novos empregos ou não. Muitos acreditam que não será significativo o efeito do novo contrato sobre o incremento do nível de emprego. Alguns lembram que na maioria dos países em que foi adotada essa modalidade de contrato de trabalho, não foi constatada redução do desemprego, mas, tão-somente, rotatividade de mão-de-obra. Eminentes juristas afirmam de maneira peremptória que o trabalho temporário não criará um único emprego(xxiv). Por outro lado, de acordo com o Presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), Stefan Salej, a flexibilização do trabalho, com o contrato temporário, será fundamental para o desenvolvimento do país. Acredita Salej que "a elevação da produção mineira, hoje em 80% da capacidade instalada, pode se traduzir em aumento do número de empregos." (xxv) Além disso, consoante revela estudo da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a reforma das relações trabalhistas, privilegiando a flexibilização, é um dos fatores condicionantes à geração de empregos. (xxvi) A discussão deve se prolongar muito ainda.

50. Há o temor de que ocorra substituição de trabalhador sob contrato de prazo indeterminado por outro, sob contrato de prazo determinado. Na França, o ali chamado "contrat à durée déterminée" (CDD) vem permitindo abusos da parte dos empregadores, quando empregam trabalhadores sob contratos de menos de um mês de duração como forma de diminuir os encargos sociais. O resultado é a mera rotatividade de mão-de-obra(xxvii). Para não ocorrer o mesmo no Brasil, e considerando que a contratação por prazo determinado traz menores custos, torna-se essencial a contínua vigilância dos sindicatos, do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho para evitar a substituição

maciça dos empregos existentes por trabalhos temporários. É aí que se apresenta, nitidamente, a necessidade de proteção sindical e de mecanismos que garantam transparência e confiança nas relações de trabalho.

51. Convém ressaltar que a flexibilização apenas por meio do contrato por tempo determinado pode não ser muito eficaz no combate ao desemprego. Conforme observação do Prof. José Márcio Camargo sobre um cenário de flexibilização fundada unicamente naquele instrumento, quando a economia cresce, o desemprego cai; e quando aparece recessão, a taxa de desemprego sobe(xxviii). Assim, a adoção do novo contrato por tempo determinado, consoante sua avaliação, seria medida meramente paliativa. Daí a importância de se flexibilizarem, por negociação coletiva, todos os direitos trabalhistas. Ele ainda avalia que "se a negociação existe depois que a relação de trabalho foi interrompida, por que não permiti-la enquanto a relação está em andamento?".

51. É claro que o ideal a ser perseguido é o de pleno emprego com a totalidade dos direitos trabalhistas para todos - o que seria excelente do ponto de vista social, embora talvez não seja solução duradoura do ponto de vista estritamente econômico. Não sendo isso possível, em virtude de circunstâncias diversas e adversas, parece ser socialmente preferível a possibilidade de emprego por prazo determinado do que a certeza do desemprego permanente.

52. O novo contrato de trabalho por tempo determinado, regido pela Lei 9.601, não pretende simplesmente reduzir direitos. Cuida-se apenas de uma outra modalidade contratual que torna possível a criação de novos empregos. Deve-se admitir, pois, que referida Lei constitui novo mecanismo que pode servir para minorar o problema de desemprego no país. Ainda que seus resultados venham a ser limitados, a medida é louvável e vem atestar a importância crescente da flexibilização das normas trabalhistas.


VII - Propostas para combater o desemprego

53. O debate acerca do desemprego envolve posições muito divergentes: liberais, social-democratas, revolucionárias etc. Apresentar propostas consensuais para um problema complexo constitui tarefa árdua. Considerações ideológicas à parte, serão listadas a seguir apenas algumas primeiras indicações do que parecem ser pontos de convergência:

a. Revisão da legislação. Facilmente se constata a necessidade de reformulação da CLT, extremamente paternalista, criada em uma época de economia fechada (1943). A CLT se encontra obsoleta em certos tópicos, além de confusa, imprecisa e assistemática. Mais além, conviria ao Poder Legislativo verificar a possibilidade e discutir, com muita cautela, a conveniência de se admitir expressa disposição constitucional que consagre a flexibilização absoluta (de todos os direitos sociais) como mecanismo capaz de modernizar as relações trabalhistas - sempre com o cuidado de se garantir a proteção do trabalhador. Assim, por exemplo, poder-se-ia implementar o horário flexível de trabalho ou a redução da jornada de modo universal e gradual, com redução concomitante de impostos e encargos, mas sem redução de salários, de conformidade com o lema dos sindicatos franceses de "trabalhar menos para que trabalhem todos". Conviria, entretanto, que eventual redução da jornada não viesse acompanhada de previsão de horas-extras, pois poderia, nesse caso, ser ainda mais oneroso para o empregador, podendo promover desemprego. A questão não é simples.

b. Criação de mecanismos para estimular a negociação coletiva. No Brasil, a tutela do trabalhador é fundamentalmente regida pela legislação. Em outros países, como, e.g., os EUA, predomina a vertente negocial, em que a proteção do hipossuficiente é estabelecida por acordos conduzidos pelos sindicatos. No caso brasileiro, poderia ser conveniente ampliar os mecanismos de negociação coletiva, a exemplo do que sucede nos EUA, onde existe um eficiente sistema de queixas e arbitragem dentro da própria empresa, o qual deve ser esgotado antes de se recorrer à Justiça do Trabalho. A propósito, os princípios da flexibilização e da autonomia privada consagrados pela Lei Maior já "conferem aos sindicatos maior liberdade para negociar, valorizando a atuação dos segmentos econômicos e profissionais na elaboração das normas que regerão as respectivas relações..." (xxix). O resultado natural de uma maior liberdade negocial será o fortalecimento dos próprios sindicatos.

c. Qualificação da mão-de-obra. A educação profissional se tornou prioridade absoluta diante da crescente competitividade, donde a

necessidade de aumento de recursos para reciclagem de mão-de-obra, para tornar o trabalhador capaz de lidar com novas tecnologias. Não parece caber ao Estado a função de agenciador de empregos. Cabe, isso sim, criar mecanismos, por meio de políticas públicas , para permitir um melhor aproveitamento da mão-de-obra desqualificada e/ou ociosa.

d. Revisão dos programas governamentais existentes. Não parece conveniente a criação pura e simples de outros programas – o que implicaria maiores gastos do governo federal. Conviria apenas reavaliar os já existentes: o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER), de eficácia limitada; o Programa Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR); o Programa de Expansão do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador (PROEMPREGO); além do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).

          e. Criação de empregos no setor de serviços. Pode-se entender, em grau otimista, que , no Brasil, ainda há muitos setores que necessitam de mão-de-obra, notadamente o setor de serviços (turismo, e.g., é uma área muito citada pelos analistas econômicos como a que mais deve crescer nos próximos anos). Assim, a médio prazo, novas oportunidades de trabalho podem ser criadas em outros setores, que não no industrial. Lembre-se que o setor industrial já não é mais o grande criador de empregos.

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f. Redefinição da parceria entre Estado e indústria. Consoante reza o art. 174 da Constituição Federal de 88, "agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado". Assim, a princípio, caberia ao Poder público reger a economia nacional. Como observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "ao contrário da Constituição anterior, cuja inspiração era neoliberal, embora na prática não o tenha sido, a Constituição vigente é nitidamente estatista no plano econômico". (xxx) De qualquer sorte, sabe-se que é antigo o debate entre defensores do liberalismo econômico e do intervencionismo estatal. A interferência mínima do Estado na economia pode garantir maior prosperidade econômica, mas não se deve esquecer que, historicamente, a intervenção estatal - sob a forma de regras protecionistas – pôde estimular o desenvolvimento do mercado interno. Além disso, se o livre mercado pode melhorar a produção, por meio da livre concorrência, apenas a presença do Estado pode assegurar uma melhor distribuição de renda. Assim, não parece ser impertinente afirmar que a conveniência ou não da intervenção do Estado na economia depende das conjunturas do país e do mundo. A parceria entre o Estado e a indústria no Brasil foi efetivada nos anos 50, começou a se desfazer nos anos 70 - com o esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações - , aumentou na década de 80 e foi praticamente desfeita na de 90.

Precisaria ela ser reconstruída com a participação conjunta e equilibrada dos trabalhadores, partidos políticos, Governo federal e empresários do setor.

g. Crescimento econômico. A principal razão do desemprego, no âmbito nacional, está na desaceleração do nível de atividade da economia, provocada pela desestabilização das contas externas, que, por sua vez, é resultado das altas taxas de juros. Considerando que se trata de fenômeno de caráter nitidamente estrutural, parece claro que respostas eficientes e definitivas ao problema do desemprego pressupõem, de início, estabilidade da economia nacional, controle do déficit público, reforma tributária, aumento da produtividade interna e da competitividade. Na verdade, só o crescimento econômico – decorrente de investimentos - gera empregos. Recorde-se que durante o período de 1968-72 ("milagre econômico"), quando a taxa de crescimento econômico chegou a 10% a.a., a taxa de investimentos era de 25% do PIB; hoje, está em cerca de 17% do PIB. Daí a necessidade de bem engendradas políticas para aumentar a taxa de investimentos, culminando no desenvolvimento econômico. A solução, pois, não será encontrada a curto prazo. O assunto precisa ser debatido em profundidade e não pode ser encarado, no caso do Brasil, como mera oportunidade pré-eleitoral.

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Sobre o autor
Ancelmo César Lins de Góis

diplomata de carreira em Brasília (DF), bacharel em Direito e em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), professor de Ciência Política na Faculdade de Direito do UniCEUB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓIS, Ancelmo César Lins. A flexibilização das normas trabalhistas frente à globalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1145. Acesso em: 19 abr. 2024.

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As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a posição oficial do Ministério das Relações Exteriores

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