Recentemente, três leis alteraram profundamente o Código de Processo Penal, sendo imprescindível ao estudioso do direito detida análise de cada um dos institutos e sua repercussão nos procedimentos do processo penal.
O presente estudo tem por objetivo fazer um estudo comparativo entre a regulamentação anterior e o sistema que entrará em vigor, pontuando as principais alterações. Para um estudo mais produtivo, sugerimos que o presente artigo seja lido com consulta à legislação em sua redação antiga e às Leis n. 11.689 e 11.690, de 09.06.2008 e Lei n. 11.719, de 20.06.2008, que entrarão em vigor em agosto de 2008.
Princípio da identidade física do juiz
Iniciamos o estudo pelos princípios informadores do direito processual penal. Antes da Lei n.11.719/2008, não havia previsão legal do princípio da identidade física do juiz, sendo este um diferencial do processo penal em relação ao processo civil. A nova redação do §2° do art. 399 estabelece que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença, claramente adotando o princípio em comento. Tal inovação é extremamente bem-vinda e promoverá maior celeridade processual e segurança jurídica, pois o juiz ao decidir a causa já terá tido prévio e direto contato com as provas.
Citação
A citação também foi alterada. Vale lembrar que o instituto já havia sofrido grande e importante modificação em seu art. 366, ao estabelecer que o processo do réu citado por edital ficará suspenso caso não compareça em juízo nem constitua advogado. Agora, quando o oficial de justiça constatar que o réu oculta-se para não ser citado será admitida a citação por hora certa, conforme já ocorria no processo civil.
Tal previsão está no art. 362 do CPP, que remete a regulamentação da citação por hora certa para o Código de Processo Civil. Registre-se que a adoção deste tipo de citação não aboliu a citação por edital, contudo esta ficou limitada às situações em que efetivamente o réu não é encontrado (art. 363 §1°).
Tal inovação também é benéfica e facilitará a citação do réu que age de má-fé. Ademais, é instituto por demais aplicado no processo civil e não dependerá de grandes adaptações por parte dos serventuários da justiça.
Prova Criminal
As principais inovações em matéria de prova criminal referem-se à inquirição direta pelas partes, admissibilidade de assistente técnico de perito e às provas ilícitas. As demais modificações formalizam expressamente situações que na prática já eram observadas, como a separação do ofendido das demais testemunhas, atribuições do juiz na fase pré-processual e valor probatório do inquérito policial (arts. 155 e 156).
Algumas alterações serão de difícil implementação e cumprimento, como por exemplo a inquirição por videoconferência (art.217), que demanda grande investimento em equipamento adequado, e o segredo de justiça quanto às informações do ofendido que constam dos autos (art.201 §6°), haja vista a flagrante incapacidade da Administração Pública em resguardar dados do conhecimento público, como a freqüente divulgação pelos meios de comunicação das investigações constantes de inquéritos policiais, que por natureza têm caráter sigiloso.
O novo art. 157 reitera a garantia constitucional de que são inadmissíveis as provas ilícitas, conceituando-as como as obtidas em violação à norma constitucional ou legal. O referido dispositivo aplica-se apenas às provas ilícitas, pois estas podem violar tanto preceito constitucional quanto norma de direito material, como as que tipificam condutas criminosas por exemplo.
A regulamentação da prova ilegítima sempre existiu posto que, por se tratar de prova obtida ou introduzida no processo com violação de norma processual, está sujeita a decretação de nulidade nos termos do art. 563 e seguintes.
Em relação às provas derivadas das ilícitas, serão admitidas as provas em que o nexo de causalidade entre a ilícita e a derivada não é evidente ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras, ou seja, a prova derivada inevitavelmente seria obtida através dos procedimentos e trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal.
Esta previsão legal espelha o entendimento jurisprudencial dominante acerca do assunto. Por outro lado, a alteração legislativa poderia ter abrangido outras questões importantes em relação à prova ilícita como sua admissibilidade pro reo.
O destino da prova ilícita é o desentranhamento e posterior inutilização.
O art. 159 foi alterado e estabelece que "o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial". A redação anterior exigia dois peritos oficiais existindo, inclusive, a súmula 361 do STF no sentido de ser nula a perícia de apenas um perito, havendo controvérsia quanto à nulidade ser absoluta e relativa, bem como se o perito que efetua a diligência poderia também assinar o laudo. Com a nova redação, tal exigência e as controvérsias relacionadas estão superadas.
Quanto às perícias, a grande novidade é a previsão legal de que o Ministério Público, o assistente de acusação, o ofendido, o querelante e o acusado poderão indicar assistente técnico.
A admissão de assistente técnico particular, que terá acesso à prova e poderá elaborar suas próprias conclusões, propiciará maior discussão da prova técnica. Contudo, em que pese ser uma alteração muito importante e oportuna, dificilmente sanará os inúmeros questionamentos e dúvidas, lançados principalmente pelos defensores, quanto às perícias realizadas pelos órgãos oficiais. Acredito que novas críticas surgirão, seja quanto à conservação da prova, seja quanto aos métodos e equipamentos utilizados.
O assistente atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais. Ele não contribuíra com a elaboração da perícia oficial. Somente após a conclusão desta, terá acesso e examinará o material probatório no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial. E da mesma forma que os peritos, o assistente poderá apresentar pareceres ou ser inquirido em audiência.
Por fim, o novo art. 212 implementa a inquirição direta das testemunhas, sendo resguardado ao juiz não admitir as perguntas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Desse modo, caberá ao zeloso juiz acompanhar as perguntas das partes e diligentemente indeferir as perguntas ofensivas, indignas ou dúbias.
Registre-se que não há previsão legal da inquirição direta do ofendido, posto que pela sistemática do CPP, a vítima não é classificada como testemunha. Contudo, tal omissão pode ser contornada pela invocação do art.3º do CPP, que permite a interpretação extensiva.
Emendatio e Mutatio Libelli
Os dispositivos da emendatio libelli e mutatio libelli sofreram modificação.
A redação do art. 383 do CPP, que regulamenta a emendatio libelli, ficou mais clara não alterando o instituto em si, ou seja, desde que não modifique a descrição do fato contida na inicial, poderá o juiz atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que tenha de aplicar pena mais grave.
Dois parágrafos foram acrescentados apenas para esclarecer que após a nova definição jurídica, o juiz poderá aplicar a suspensão condicional do processo e deve encaminhar os autos ao juiz competente se for o caso.
O art. 384 foi substancialmente alterado. Quando for cabível a mutatio libelli, ou seja, for cabível nova definição jurídica do fato que não está contida na acusação, obrigatoriamente deverá o MP aditar a denúncia ou queixa no prazo de 5 dias.
Tal modificação é fruto de inúmeras críticas que o instituto sempre sofreu em face da redação anterior, que apenas previa o aditamento na hipótese de aplicação de pena mais grave. Com a nova lei, independente da pena a ser aplicada - igual, mais branda ou mais grave -, como o elemento ou circunstância da infração penal não está expressamente contido na inicial acusatória, obrigatoriamente deverá ser feito o aditamento, para que o contraditório e a ampla defesa possam ser exercidos em sua plenitude, a partir da ciência exata de qual é o teor da acusação.
Sentença
Também no título que trata da sentença criminal, os arts. 386 e 387 foram alterados pelas Leis n. 11.690/08 e 11.719/08.
No art. 386 não houve alteração substancial, a nova redação apenas explicitou todas as possibilidades de absolvição do réu.
A inovação do art. 387 relaciona-se à obrigatoriedade do juiz, ao proferir sentença condenatória, fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Esta previsão legal tem escopo na necessidade de agilizar a indenização da vítima de um ilícito penal.
No âmbito do juizado especial criminal, a composição civil já ocorre e é apontada por muitos como exemplo de celeridade na prestação jurisdicional, pois tanto a questão civil quanto a penal pode ser resolvida em uma mesma oportunidade.
Registre-se que esta previsão legal não impede que a vítima mova ação civil indenizatória, nos termos do art.64 do CPP. A inovação decorre do fato da sentença penal condenatória, que já era um título executivo judicial após o trânsito em julgado, também fixar o valor mínimo indenizatório o que facilitará sua execução, pois não será necessário liquidar a sentença.
Caso uma das partes não fique satisfeita com o quantum fixado, poderá recorrer ou, no caso do ofendido, promover a liquidação no cível.
Procedimentos
Passamos a analisar as alterações que ocorreram nos procedimentos ordinário, sumário e do tribunal do júri.
A nova redação do art. 394 estabelece que o procedimento será comum ou especial. O procedimento comum subdivide-se em ordinário, sumário ou sumaríssimo, sendo que o critério utilizado para definir a aplicação de cada um é a pena.
O procedimento ordinário aplica-se aos crimes cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de pena privativa de liberdade.
O procedimento sumário aplica-se aos crimes cuja sanção máxima cominada for inferior a quatro anos de pena privativa de liberdade, bem como aos casos encaminhados pelo juizado especial criminal (art.538).
Por fim, o procedimento sumaríssimo aplica-se às infrações de menor potencial ofensivo e está previsto na Lei n. 9.099/95.
O critério anterior definia que o procedimento ordinário era aplicável aos crimes apenados com reclusão e o sumário, aos apenados com detenção cuja pena máxima fosse superior a dois anos. Aos crimes apenados com detenção máxima igual ou inferior a dois anos já se considerava de menor potencial ofensivo e o procedimento seguido era o sumaríssimo sem prejuízo dos benefícios legais.
Ordinário
O art. 395 estabelece as hipóteses em que a inicial será rejeitada. O dispositivo amplia as possibilidades que antes eram previstas no art. 43, indicando expressamente que a rejeição ocorrerá se a denúncia ou queixa for manifestamente inepta; faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou faltar justa causa para o exercício da ação penal.
A inépcia da petição inicial ocorrerá por inobservância de um dos requisitos previstos no art. 41 do CPP.
A falta de pressuposto processual ou condição da ação, engloba as três condições da ação, quais sejam: possibilidade jurídica do pedido: a conduta descrita na acusação é tipificada como infração penal em nosso ordenamento jurídico; interesse de agir: não ocorreu a extinção da punibilidade; e legitimidade para agir: a ofendido ou Ministério Público é parte legítima para mover determinado tipo de ação penal; bem como as condições de procedibilidade, como a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça.
Por fim, a falta de justa causa refere-se aos indícios de autoria e comprovação da materialidade, que invariavelmente devem estar presentes para que se autorize a ação penal contra determinado cidadão.
O art. 395 não traz nenhuma inovação em si, apenas aponta mais detalhadamente as hipóteses de rejeição. Contudo, a nova topografia do instituto é digna de nota, pois agora praticamente encabeça o título que trata dos procedimentos, indicando a importância dada pelo legislador ao tema e demonstrando o cuidado que o julgador deve ter ao receber uma acusação.
O art. 396 dispõe que oferecida a denúncia ou queixa, caso o juiz não a rejeite liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do réu para apresentar defesa por escrito no prazo de 10 dias.
Tal dispositivo institui a defesa preliminar obrigatória, a ser apresentada por escrito no prazo de 10 dias após a citação do réu. É uma espécie de defesa prévia e nos termos do art. 396-A, poderão ser argüidas preliminares, teses defensivas, oferecer documentos e arrolar até oito testemunhas.
Frise-se que não existe mais a defesa prévia após o interrogatório judicial, até mesmo porque este ocorrerá depois da oitiva das testemunhas.
Apresentada a defesa, o juiz poderá absolver sumariamente o réu (art.397), nos casos de manifesta e inquestionável excludente de ilicitude, culpabilidade (exceto inimputabilidade), atipicidade ou extinção da punibilidade. Note-se que o termo absolvição sumária deixou de ser exclusivo do procedimento do tribunal do júri.
As alterações acima referidas, aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não previstos no CPP, como por exemplo ao procedimento previsto na lei de drogas (art.394, §4º).
O art. 399 estabelece que "recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente."
Percebe-se que novamente o legislador refere-se ao recebimento da denúncia, dando a entender que esta será recebida em duas oportunidades: em um primeiro momento, ao verificar que não é caso de rejeição e, posteriormente, após análise da defesa preliminar, ao decidir que não é caso de absolvição sumária.
Aparentemente, houve impropriedade por parte do legislador, ao utilizar a expressão recebê-la no art.399, vez que deveria ter utilizado outra expressão, como "dando seguimento a ação penal" ou "confirmando a presença dos pressupostos processuais". Isto porque se tem a impressão de que o efetivo recebimento da inicial somente ocorre na fase do art.399, ao argumento de que a defesa escrita foi antecipada, para que a parte acusada possa ter a oportunidade de esclarecer algum equívoco e eventualmente antecipar o fim da ação penal quando for manifestamente improcedente.
Desse modo, poder-se-ia entender que o termo "receber" utilizado no art. 396 foi utilizado na acepção comum da palavra, no sentido de admitir a inicial e não teria a conotação jurídica e formal de recebimento da denúncia, ato processual formal que interrompe o prazo prescricional e, para muitos, efetivamente dá início à ação penal.
Em que pese as considerações acima, entendemos que a interrupção da prescrição ocorrerá na fase do art.396, ou seja, no momento em que o juiz toma ciência da acusação e faz um prévio juízo de admissibilidade. Tal posicionamento decorre da tradição processual; do fato do juiz determinar em seguida a citação do réu, o que pressupõe uma ação penal já iniciada; e por fim, do fato do procedimento específico do Tribunal do Júri estabelecer um único recebimento da denúncia, justamente o primeiro, em que se verificam as condições da ação.
Tal ponderação é fundamental pela relevância deste momento processual em face de uma eventual e futura punição do réu, já que se o recebimento da acusação ocorre no primeiro momento, é nesta oportunidade em que a prescrição se interrompe. Por outro lado, não há como admitir que o legislador tenha estabelecido dois recebimentos formais da petição inicial, primeiro por ser completamente desnecessário; segundo porque a prescrição se interromperia duas vezes, em pequeno lapso temporal, o que seria totalmente sem sentido.
Assim, entendemos que o ato formal de recebimento da denúncia ou queixa e que interrompe a prescrição, ocorre após o oferecimento da inicial e verificação do art. 395. Após a apresentação e análise da defesa, caso o juiz não absolva sumariamente o acusado, haverá uma confirmação do recebimento e a ação penal terá seguimento.
Assim, confirmado o recebimento da denúncia, é designada audiência de instrução e julgamento. Esta audiência, que deverá ser una, será iniciada com a tomada de declarações do ofendido, inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e depois pela defesa, caso necessário: esclarecimento dos peritos, acareações, reconhecimento de pessoas e coisas, e em seguida interrogatório do réu.
O acusado será interrogado após a produção de todas as provas em juízo, propiciando o melhor exercício de sua defesa, pois tendo ciência das provas que existem contra si terá melhores condições de avaliar qual tese defensiva deve adotar.
No procedimento anterior, o interrogatório ocorria logo no primeiro momento, antes da oitiva das testemunhas e do reconhecimento, muitas vezes prejudicando a defesa que não sabia que orientação dar ao cliente pois não tinha ciência de quais provas surgiriam durante a instrução criminal.
O novo sistema efetivamente assegura o direito ao silêncio e a garantia contra a auto-incriminação, pois sabendo que foi reconhecido, o réu pode conscientemente optar pela confissão. Por outro lado, quando constatar que não há provas contra ele, pode tranqüilamente exercer seu direito ao silêncio.
Conforme já analisado, as partes poderão fazer perguntas diretamente às testemunhas.
Após a produção de provas em audiência, as partes poderão requerer diligências em face do que foi apurado. Por exemplo, caso o réu alegue que na data dos fatos estava preso e isso não foi verificado por ocasião da defesa preliminar, o estabelecimento prisional poderá ser oficiado.
Não havendo diligências a requerer, serão oferecidas alegações finais orais pela acusação e pela defesa por vinte minutos, prorrogáveis por mais dez minutos.
Portanto, as alegações finais escritas foram substituídas pelos debates orais e não existe mais a fase do art. 499 do CPP.
Apenas nos casos de complexidade da causa, grande número de acusados ou diligências deferidas é que existe previsão de que o juiz poderá conceder prazo de cinco dias para apresentação de memoriais.
A implementação dos debates orais como regra do procedimento ordinário é uma franca tentativa de agilizar o trâmite processual. Contudo, ocorre que alguns procedimentos já prevêem alegações orais e tal disposição legal não resultou em celeridade processual. Isto porque normalmente as partes preferem os memoriais, ou porque terão mais tempo para elaborá-los ou por não tem capacidade técnica ou segurança suficiente para fazer uma sustentação oral. Assim, apesar da regra legal ser o debate, na prática forense institui-se a apresentação de memoriais, resultando na morosidade habitual.
Agora, com a previsão de debates para todos os procedimentos, há expectativa de que a regra seja amplamente cumprida na prática forense.
No caso dos debates orais, a sentença deverá ser proferida em audiência. Apresentados os memoriais, o juiz decidirá em dez dias (art.403).
Excetuando-se pela apresentação da defesa preliminar e a mudança quanto ao momento do interrogatório, o novo procedimento ordinário assemelha-se ao antigo procedimento sumário.