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A responsabilidade civil no transporte aéreo de bagagens

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Sumário: I. Introdução. II. O contrato de transporte. III. O contrato de transporte aéreo de bagagens. III.1. Definição e características dessa modalidade de contrato. III.2. Regime jurídico. III.3. Críticas ao patamar-limite indenizável previsto na legislação internacional. Prevalência das normas protetivas do Sistema do Consumidor. III.4. A responsabilidade civil pelo transporte aéreo de bagagens na jurisprudência brasileira. IV. Conclusão. V. Referências bibliográficas


I – INTRODUÇÃO

Com o incremento das atividades comerciais e do turismo, o contrato de transporte aéreo de bagagens tomou indiscutível importância no mundo atual, constituindo o principal foco de conflitos entre as companhias de transporte aéreo e seus usuários.

No presente trabalho, analisar-se-á o contrato de transporte aéreo de bagagens de forma sintética, porém abrangente, traçando as principais características desta modalidade de contrato.

O artigo inicia tratando da regulamentação do contrato de transporte em geral, envolvendo coisas e pessoas, para, depois, traçar os pontos que tornam o contrato de transporte aéreo de bagagens uma modalidade especial de contrato, amplamente regulamentada na legislação internacional que rege o transporte aéreo.

O ponto nodal do trabalho cinge-se à discussão dos limites de responsabilidade civil impostos por essa legislação estrangeira, em parte referendados pela legislação brasileira (Código Brasileiro da Aeronáutica).

Na conclusão, após detida análise jurisprudencial da matéria, serão tecidas considerações sobre a evidente antinomia entre essas normas (inclusive internacionais) que limitam a reparação civil – nas hipóteses de perda, extravio e destruição de bagagens –, e o sistema de defesa do consumidor vigente no país, que prevê a indenização integral das perdas suportadas pelos passageiros, e que, em conflito com aquelas normas limitadoras da responsabilidade, deve prevalecer.


CAPÍTULO II

O contrato de transporte é aquele pelo qual alguém se obriga a transportar pessoa ou coisa de um local para outro, mediante remuneração.

No ordenamento jurídico pátrio, o contrato de transporte não se encontra regulado especificamente nem no Código Comercial nem no Código Civil, existindo farta legislação especial sobre a matéria, de que são exemplos a Lei n.º 2.661/12, o Dec.-Lei n.º 32/66, o Dec.-Lei n.º 116/67 e a Lei n.º 6.453/77, que dispõem regras sobre o transporte marítimo, por ferrovia e pelo ar.

No Código de Comércio encontram-se referências aos condutores de gêneros e comissários de transportes, nos arts. 99 a 118, e disposições sobre o transporte marítimo nos arts. 457 a 796.

O Código Civil de 2002, na esteira da diretriz unificadora das obrigações civis e comerciais, disciplina expressamente o contrato de transporte, distribuindo a matéria em "disposições gerais" (arts. 730 a 733), "do transporte de pessoas" (arts. 734 a 742), e "do transporte de coisas" (arts. 743 a 756).

Cumpre mencionar, ademais, que o novo diploma civil, em seu art. 732, determina que "aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais".

O contrato de transporte é um contrato bilateral, comutativo, oneroso e consensual, podendo, no entanto, ser documentado pela emissão de títulos de crédito (conhecimento de transporte e bilhete de passagem, no transporte de carga e de pessoas, respectivamente).

Envolve o contrato obrigação de transportar, sendo partes da relação jurídica negocial, no transporte de coisas, o remetente da mercadoria ou expedidor, a transportadora ou condutora, e o destinatário, ou titular do bem, normalmente adquirido ou negociado com o primeiro. No transporte de pessoas, são partes da relação contratual a transportadora e a pessoa que deseja ser transportada de um local para outro, eventualmente junto com seus pertences (bagagens).

Quando celebrado por escrito, deve o contrato contemplar a obrigação básica, a saber: a de transportar a pessoa, ou a mercadoria, em conformidade com o roteiro, ou o itinerário previsto, e com o zelo e diligência necessários. Compreende as obrigações de recepcionar, acomodar e entregar a pessoa, ou a coisa, ao seu destino, observadas sempre as normas de segurança e de operacionalização compatíveis ao meio de transporte visado. São comumente inseridas, também, cláusulas referentes ao estado e à conservação da pessoa ou da coisa.

O contrato de transporte traduz obrigação de resultado, cumprindo, assim, à empresa transportadora, entregar a pessoa ou a coisa, em perfeito estado, no local designado, sob pena de arcar com os ônus correspondentes a danos experimentados no curso da atividade. O contrato contempla prestação de serviços e depósito de bens, mas de sua conjugação e da especificidade de suas obrigações básicas resulta a sua autonomia conceitual como tipo contratual [01].

Resumidamente, pode-se apontar as obrigações do remetente ou expedidor, incumbindo-lhe, assim: a) entregar a mercadoria para ser transportada; b) acondicioná-la devidamente; c) declarar a natureza e o valor das mercadorias acondicionadas em invólucros fechados; e d) pagar o frete. Por sua vez, as obrigações da transportadora são as seguintes: a) receber as mercadorias; b) transportá-las ao lugar de destino, entregando-as segundo o convencionado; c) não alterar o itinerário fixado para o transporte; d) expedir o conhecimento de frete; e e) aceitar a variação da consignação.

No transporte de coisas, a responsabilidade do condutor ou transportador começa a correr desde o momento em que recebe os bens e só expira depois de efetuada a entrega (art. 101 do Código Comercial e 750 do Código Civil), sendo que durante o transporte, corre por conta do dono os riscos que as fazendas sofrerem, proveniente de vício próprio, força maior ou caso fortuito, incumbindo a prova ao condutor. Já os danos ocorridos, não provenientes das causas referidas, ficam a cargo do condutor ou transportador. Entretanto, não se livra o transportador se a perda ou avaria decorrerem de negligência de sua parte, ainda que decorrentes de caso fortuito ou da própria natureza da coisa carregada.

Nesta modalidade de transporte, a relação jurídica dá-se por encerrada com a entrega das coisas ao destinatário, ou a quem detenha legitimamente o conhecimento de transporte. Havendo dúvidas quanto a quem seja o destinatário dos bens, a transportadora poderá depositá-los em juízo, caso não possa obter instruções do remetente.

No transporte de pessoas, a responsabilidade é do transportador quanto a danos em pessoas e em coisas, salvo força maior.

A relação contratual termina com o desembarque do passageiro e a entrega da bagagem, no local de destino.


CAPÍTULO III

O contrato de transporte aéreo de bagagens é um contrato de transporte especial e de importância crescente no mundo todo, vez que, diante da massificação da operação de transporte aéreo, a perda e extravio de bagagens constituem a maior fonte de conflito de interesses em face do transportador aéreo.

Cuida-se daquele contrato em virtude do qual uma das partes se obriga a transportar do ponto de partida ao de destino, conjuntamente com o passageiro, seus pertences pessoais, adequados para sua comodidade e uso durante a viagem.

Trata-se de contrato consensual, bilateral, formal, porém sem caráter solene.

Referida caracterização evidencia que, embora se trate de transporte de coisa, vige caráter acessório em relação ao contrato de transporte de passageiros.

Assim, malgrado a doutrina proceda ao tratamento autônomo de suas características, verdade é que seu enquadramento jurídico submete-se ao contrato de transporte aéreo de passageiros.

O fato é que não há bagagem (despachada ou de mão) sem que exista um titular beneficiário do transporte aéreo, o que evidencia o caráter acessório do referido contrato em relação ao contrato de transporte aéreo de passageiros.

Desse modo, a existência do contrato de transporte de bagagem encontra-se atrelada ao contrato de transporte de passageiros, o qual, aliás, uma vez extinto, produzirá os mesmos efeitos em relação à obrigação de transporte de bagagem, ainda que esta tenha sido objeto de prévia entrega ao transportador.

O contrato de transporte de bagagens distingue-se do contrato de transporte de cargas, uma vez que o primeiro é dependente e acessório do contrato de transporte de passageiros, enquanto que o contrato de transporte de cargas é um contrato autônomo que independe do transporte simultâneo de passageiros.

III.2. Regime jurídico

O contrato de transporte aéreo de bagagens encontra-se disciplinado no Sistema de Varsóvia, na Convenção de Montreal e nas Condições Gerais IATA (Intercarrier Agreement on Passanger Liability).

O art. 18 da Convenção de Varsóvia regulamenta a responsabilidade do transportador aéreo por destruição, perda ou avaria de bagagens despachadas, sendo o transportador responsável pela custódia desde a entrega até a devolução no lugar de destino.

A Convenção de Montreal corrobora essa responsabilidade (art. 17, alínea 2), limitando, contudo, o patamar-limite indenizável, calculado em Direitos Especiais de Saque (DES).

O Código Brasileiro da Aeronáutica limitou, em seu art. 260, a responsabilidade do transportador nacional por perda, destruição ou avaria da bagagem a 150 OTN por passageiro [02].

Contudo, conforme se verá no item seguinte, a limitação da responsabilidade do transportador aéreo viola a integral reparação dos prejuízos prevista no sistema consumerista brasileiro, especialmente prevista nas normas dos arts. 6º, VI, 7º e 22, parágrafo único, da Lei nº 8.078/90 (CDC).

III.3. Críticas ao patamar-limite indenizável previsto na legislação internacional. Prevalência das normas protetivas do Sistema do Consumidor

Cumpre ressaltar que, inicialmente, adotou-se o Sistema de Varsóvia para fins de liquidação de eventual dano baseado na destruição, perda ou avaria da bagagem.

O patamar de indenização por destruição, perda ou avaria da bagagem despachada, previsto naquele diploma, está limitado a 250 francos-Poincaré por quilograma, que representam 17 Direitos Especiais de Saque (DES).

No que toca à bagagem de mão, a Convenção de Varsóvia limitou a indenização a 5.000 francos-Poincaré, conforme art. 22, alínea 3, daquele diploma.

Conforme ressaltado, na seara do transporte aéreo doméstico, fixou-se a responsabilidade do transportador por perda, destruição ou avaria de bagagem, ressalvada a prova de culpa grave ou dolo do transportador ou de seus prepostos.

O art. 260 do Código Brasileiro da Aeronáutica limitou a indenização a 150 OTN por passageiro.

Ressalta-se que, mesmo na hipótese de atraso na entrega de bagagem, também se fixou patamar-limite de 150 OTN, conforme preceitua o art. 257, 2ª parte, do referido diploma legal.

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O art. 264 do Código Brasileiro da Aeronáutica fixou rol taxativo das excludentes do dever de indenizar por parte do transportador aéreo nacional, eximindo a responsabilidade deste transportador nas hipóteses de natureza ou vício próprio da mercadoria, embalagem defeituosa não efetuada pelo transportador, ato de guerra ou conflito armado e ato de autoridade pública referente à carga.

No que concerne ao atraso, o mesmo dispositivo legal alude à denominada força maior extrínseca, bem como à determinação expressa da autoridade de vôo.

Considera-se força maior extrínseca aquela que está alheia ao controle do transportador aéreo, como, por exemplo, os eventos da natureza imprevisíveis.

A greve dos funcionários da companhia aérea não é excludente da ilicitude no caso, pois é ínsita à atividade empresarial do transportador, sendo, portanto, um exemplo de força maior intrínseca.

O fato é que os valores fixados nas searas do transporte aéreo nacional e internacional são, muitas das vezes, indiscutivelmente insuficientes, vez que os montantes previstos como patamar-limite indenizável, não raramente, equivalerão ao valor de aquisição da mala.

Tentando corrigir essa distorção, a Convenção de Montreal dispôs que a responsabilidade do transportador pela bagagem despachada não mais estaria relacionada com o peso daquela, fixando-a em 1.000 Direitos Especiais de Saque (DES) por passageiro, o que equivale a aproximadamente US$ 1.200,00 (mil e duzentos dólares norte-americanos).

O referido diploma excepcionou o limite-indenizável nas hipóteses de declaração especial de valor e de dolo ou culpa grave do transportador e seus prepostos.

Fixou-se, ademais, o prazo de 21 dias como lapso de tempo a partir do qual a bagagem poderá ser declarada como perdida.

Contudo, em que pese o mérito da iniciativa da Convenção de Montreal, o patamar-limite indenizável mostra-se, ainda, muitas vezes insuficiente.

Nossa posição é a de que a indenização dos prejuízos do passageiro com a perda, extravio, destruição ou avaria de bagagem, deve ser integral com fundamento no arts. 6º, VI, 7º e 22, parágrafo único da Lei nº 8.078/90.

Embora vigente a Convenção de Montreal no ordenamento jurídico brasileiro, a limitação da indenização nela prevista colide com o microssistema de defesa do consumidor, que deve prevalecer no caso pelo critério da especialidade, considerando-se, sobretudo, a interface permitida pelo art. 7º do CDC.

Os direitos do consumidor encontram-se agrupados pela função, proporcionando segmentação horizontal e ensejando, destarte, no âmbito das relações de consumo, preponderância de seus ditames, quando incompatíveis com outros diplomas legais, justamente com fulcro no critério da especialidade.

Há respeitável doutrina [03] que defende a preponderância das normas do microssistema consumerista também pelo critério hierárquico, uma vez que o microssistema de defesa do consumidor tem status constitucional (art. 5º, XXXII) e prevaleceria, portanto, sobre os tratados internacionais, que ingressam no ordenamento jurídico brasileiro como lei ordinária.

Assim, no nosso entender, há evidente antinomia entre as normas que compõem o sistema de defesa do consumidor (Constituição Federal, CDC e toda legislação esparsa relacionada à defesa do consumidor) e os ditames das normas, nacionais e internacionais, que limitam a reparação civil por perda, destruição e avaria de bagagens no transporte aéreo internacional.

Destarte, as normas protetivas do consumidor, que prevêem a reparação integral dos danos sofridos pelos passageiros, bem a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, devem prevalecer sobre as normas limitadoras de responsabilidade previstas no Sistema de Varsóvia, na Convenção de Montreal e no próprio Código Brasileiro da Aeronáutica (Lei nº 7.565/86).

III.4. A responsabilidade civil pelo transporte aéreo de bagagens na jurisprudência brasileira

A jurisprudência nacional tem-se inclinado no sentido da ampla reparabilidade nas hipóteses de perda, extravio, destruição ou avaria de bagagens.

A respeito do tema, vale notar o entendimento manifestado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

"CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. CARGA. MERCADORIA. EXTRAVIO. TRANSPORTADOR. INDENIZAÇÃO INTEGRAL. CDC. APLICAÇÃO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. AFASTAMENTO. 1 – A jurisprudência pacífica da Segunda Seção é no sentido de que o transportador aéreo, seja em viagem nacional ou internacional, responde (indenização integral) pelo extravio de bagagens e cargas, ainda que ausente acidente aéreo, mediante aplicação do Código de Defesa do Consumidor, desde que o evento tenha ocorrido na sua vigência, conforme sucede na espécie. Fica, portanto, afastada a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de conseqüência, a indenização tarifada. 2 – Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a sentença." (REsp 552553/RJ – relator Ministro Fernando Gonçalves – J. 01.02.2006)

Diante dos dissabores que tais situações invariavelmente representam, são também devidos danos morais ao passageiro, nos termos do art. 5º, V e X, da Constituição Federal.

No nosso entender, os danos morais, nestes casos, são evidentes e independem de prova, pois todos que se utilizam do transporte aéreo sabem do transtorno que tais situações acarretam.

A propósito da possibilidade de indenização dos danos morais nestes casos, vale transcrever a ementa do recente acórdão proferido (em 29 de abril de 2008) nos autos da Apelação nº 7197725-6 pela 18ª Câmara de Direito do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a relatoria do Des. Rubens Cury:

"INDENIZATÓRIA – Transporte internacional – Extravio de bagagens – Aplicabilidade do CDC – Ausência de limitação no quantum indenizatório – Reparação integral – Danos materiais comprovados e danos morais evidentes – Recurso da requerida não provido – Recurso da autora provido para incluir os danos morais na indenização".

A jurisprudência também consolidou o entendimento de que não se pode cogitar da indenização tarifada nas hipóteses de extravio ou destruição de bagagens, com amparo na legislação internacional que regula a matéria, conforme julgado do E. STJ acima transcrito. No mesmo sentido, cumpre transcrever outro precedente daquela Colenda Corte de Justiça:

"Processo civil. Agravo no agravo de instrumento. Reconsideração. Transporte aéreo. Extravio de bagagens. Danos morais. Convenção de Varsóvia. Limites indenizatórios. Inaplicabilidade. Alteração do valor da indenização em sede de recurso especial.

- Reconsideração da decisão agravada, visto que o agravo de instrumento foi devidamente formado.

- A Segunda Seção do STJ fixou o entendimento de que a prestação defeituosa do serviço de transporte aéreo, ocorrida após a vigência do CDC, não se subordina aos limites indenizatórios instituídos pela Convenção de Varsóvia.

- A alteração dos valores arbitrados a título de reparação de danos extrapatrimoniais somente é possível, em sede de recurso especial, nos casos em que o valor fixado destoa daqueles arbitrados em outros julgados recentes desta Corte ou revela-se irrisório ou exagerado.

Agravo de instrumento não provido." (AgRg no Ag 574867/DF – relatora Ministra Nancy Andrighi – D.J. 28.06.2004)

A confirmar o entendimento acima, quanto à integralidade de reparação dos danos (materiais e morais) causados por companhia aérea em razão do extravio de bagagem, vale notar, também, os acórdãos proferidos pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo nas Apelações Cíveis nº 7147647-2, 0900157-2, 1237840-6, 371.988-4/4-00, 1.212.451-3, 7.224.105-3, 7181822-3 e 1.232.941-8.


IV– CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, cumpre ressaltar que, com o incremento do turismo e das atividades comerciais ao redor do mundo, o contrato de transporte aéreo de bagagens tomou indiscutível importância no mundo, e, conseqüentemente referida modalidade contratual recebeu especial regulamentação na legislação internacional.

O ponto nodal da questão diz respeito à limitação da responsabilidade prevista na legislação que rege a matéria, tanto na seara internacional (Convenção de Varsóvia, Convenção de Montreal e Condições Gerais IATA), quanto na seara nacional (Código Brasileiro da Aeronáutica).

No caso, a indenização dos prejuízos do passageiro deve ser integral, com fundamento no arts. 6º, VI, 7º e 22, parágrafo único da Lei nº 8.078/90.

No nosso entender, a reparação integral abrange tanto os danos materiais suportados pelos passageiros com o extravio ou destruição de suas bagagens, quanto os evidentes danos morais que tais situações representam.

Embora vigente a Convenção de Montreal no ordenamento jurídico brasileiro, a limitação da indenização nela prevista (a maior dentre todas as normais internacionais) colide com o microssistema de defesa do consumidor, que deve prevalecer no caso pelo critério da especialidade, considerando-se, sobretudo, a interface permitida pelo art. 7º do CDC.

Os direitos do consumidor encontram-se agrupados pela função, propiciando segmentação horizontal e ensejando, destarte, no âmbito das relações de consumo, preponderância de seus ditames, quando incompatíveis com outros diplomas legais, justamente com fulcro no critério da especialidade.

Há respeitável e especializada doutrina que defende a preponderância das normas do microssistema consumerista também pelo critério hierárquico, uma vez que o microssistema de defesa do consumidor tem status constitucional (art. 5º, XXXII) e prevaleceria, portanto, sobre os tratados internacionais, que ingressam no ordenamento jurídico brasileiro como lei ordinária.


V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2ª ed. Rio de Janeiro, Aide, 2003.

ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1980.

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BETTI, Emilio. Teoria generale delle obbligazione. Milano: Giuffrè, 1997. v. 4.

COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 7ª ed. Coimbra: Livraria Almedina., 1999.

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

_____________________. Obrigações. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

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MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974.

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Notas

01 Sobre a autonomia do contrato de transporte, como figura contratual distinta do depósito e da locação de serviços, leciona Fran Martins (Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 199): "Apesar dessas opiniões, o contrato de transporte não se confunde com a locação de serviços nem com o depósito. Constitui, na realidade, um contrato autônomo, em que há regras concernentes ao depósito (guarda da coisa para entrega ao destinatário) e à prestação de serviços (transporte da coisa, de um lugar para outro), mas que se caracteriza por assumir o transportador essas obrigações conjuntamente, com peculiaridades que não se enquadram naqueles outros contratos. Assim, enquanto que na locação de serviços, a prestação de ser executada pessoalmente pelo locador, no transporte, a empresa ou pessoa que se incumbe de transportar a coisa ou pessoa pode fazê-lo individualmente ou por intermédio de outrem. Igualmente, se bem que o depositante, como o transportador, receba a coisa e se obrigue a guardá-la convenientemente (Código Civil, art. 1266; Código Comercial, art. 99), o depositante é obrigado a entregar a coisa no lugar que ela foi depositada, enquanto que o transportador deve entregá-la em lugar diverso daquele em que a coisa foi entregue. Só esses dois exemplos servem para mostrar que, embora o transporte tenha pontos comuns com o depósito e com a prestação de serviços, é um contrato autônomo, com características próprias, gerando obrigações específicas para ambas as partes contratantes".

02 PACHECO, José da Silva. Código brasileiro de aeronáutica comentado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 430-434.

03 Esse entendimento é sufragado por Marco Fábio Morsello, autor da consagrada obra "Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo" (São Paulo: Atlas, 2007).

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Sobre o autor
José Alexandre Ferreira Sanches

Advogado em São Paulo (SP). Foi bolsista de graduação junto à FAPESP, tendo desenvolvido pesquisa na área de Direito Privado, com o tema “Contratos Empresariais no Novo Código Civil”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHES, José Alexandre Ferreira. A responsabilidade civil no transporte aéreo de bagagens. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1883, 27 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11648. Acesso em: 28 mar. 2024.

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