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As liminares suspensivas das decisões com base no art. 41-A da Lei Eleitoral e o instituto da reclamação constitucional para o STF

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28/08/2008 às 00:00
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5. Os efeitos da declaração de constitucionalidade em controle concentrado pelo STF e a transcendência dos motivos determinantes

Longe de querer aqui traçar um esboço completo sobre o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, deve-se pontuar que o controle concentrado neste país é exercido exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, sendo esta corte o intérprete derradeiro da Constituição Federal e, por conseguinte, é a última palavra em constitucionalidade das normas legais.

Com efeito, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) ou Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), cujas previsões se encontram na Constituição e seus trâmites encontram-se na Lei Federal n.° 9.868/99, o STF tem o poder de expungir do ordenamento a norma questionada ou, então, de consagrar-lhe a validade e a eficácia.

Como se sabe a Emenda Constitucional n.° 03/93 criou o caráter vinculante das decisões do STF em sede de ADC, aspecto que a própria jurisprudência da excelsa corte tratou de emprestar também às decisões em sede de ADIn, tendo a Lei n.° 9.868/99 previsto expressamente o caráter obrigatório destas decisões [08].

Assim sendo, não somente todos os órgãos do Poder Judiciário, mais de igual modo a administração pública direta ou indireta no âmbito federal, estadual ou municipal, deverão pautar suas interpretações de acordo com o que decido pelo STF em sede controle concentrado de constitucionalidade, já que tais decisões possuem eficácia contra todos e efeito vinculante.

Em verdade, quando se trata de decisão do Supremo Tribunal em sede de controle concentrado, não apenas a parte dispositiva do acórdão, mas os próprios os motivos determinantes da decisão possuem efeitos vinculantes, consoante reconhece a doutrina de Alexandre de Moraes, segundo a qual: "os efeitos vinculantes se referem, inclusive, à ratio decidendi, para evitar qualquer tentativa de desrespeito da decisão em sede de jurisdição constitucional [09]".

Para esse grande constitucionalista, seja nos casos de procedência da ação, improcedência da ação, interpretação conforme a constituição, a vinculação obrigatória decorre da própria racionalidade do sistema concentrado de constitucionalidade, onde compete ao Supremo Tribunal Federal, a guarda da Constituição Federal [10].

É dizer, quando o STF decide sobre a constitucionalidade de qualquer lei ou ato normativo, em sede de controle concentrado, as razões de decidir empregadas para a solução do problema também transitam em julgado, com efeitos vinculantes e eficácia contra todos, de modo que há uma verdadeira transcendência dos motivos determinantes da decisão do pretório excelso.

Essa transcendência dos motivos determinantes tem sido reconhecida pela jurisprudência, através do uso do instituto processual da Reclamação (Rcl), veículo processual constitucional que tem se prestado a preservar a autoridade das decisões do STF adotadas no âmbito do controle concentrado.

Um exemplo desse fenômeno se deu, verbi gratia, no acolhimento da Rcl n.° 2.986/SE, movida pelo Estado de Sergipe, onde se cassou decisão do Juízo da 5ª Vara do Trabalho de Aracaju/SE (Processo nº 01.05-1212/00) que, contrariando a inteligência de decisão anterior do STF adotada na ADIn n.° 2.868/PI, não reconheceu a possibilidade de valor referencial inferior ao art. 87 do ADCT [11], com a redação dada pela Emenda Constitucional n.° 37/02.

Isto é, anteriormente ao caso concreto que deu azo à Rcl n.° 2.986/SE, havia o STF julgado a constitucionalidade de lei piauiense que havia estabelecido valores referenciais para as obrigações de pequeno valor – os chamados RPV – abaixo do disposto no art. 87 do ADCT, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.° 37/02, na forma da ementa da ADIn n.° 2.868/PI:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.250/2002 DO ESTADO DO PIAUÍ. PRECATÓRIOS. OBRIGAÇÕES DE PEQUENO VALOR. CF, ART. 100, § 3º, ADCT, ART. 87.

Possibilidade de fixação, pelos estados-membros, de valor referencial inferior ao do art. 87 do ADCT, com a redação dada pela Emenda Constitucional 37/2002.

Ação direta julgada improcedente.

(ADIn 2.868/PI, Rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa)

Ignorando as razões de decidir adotadas pelo STF acima mencionada, o Juízo Trabalhista de Sergipe não reconheceu a possibilidade de a lei sergipana estabelecer marco legal para os requisitórios de pequenos valores (RPV’s) inferior ao estabelecido no art. 87 do ADCT, fato que motivou a proposição da Reclamação Constitucional n.° 2.986 em que o Estado de Sergipe obteve o reconhecimento da transcendência da ratio decidendi da ADIn n.° 2.868/PI.

No acórdão da Rcl n.° 2.986/SE, adotada pelo STF, que reconheceu a transcendência dos motivos determinantes de suas decisões, colhe-se a imprescindível lição do Min. Celso de Mello, adiante transcrita:

"O litígio jurídico-constitucional suscitado em sede de controle abstrato (ADI 2.868/PI), examinado na perspectiva do pleito ora formulado pelo Estado de Sergipe, parece introduzir a possibilidade de discussão, no âmbito deste processo reclamatório, do denominado efeito transcendente dos motivos determinantes da decisão declaratória de constitucionalidade proferida no julgamento plenário da já referida ADI 2.868/PI, Rel. p/ o acórdão Min. JOAQUIM BARBOSA.

Cabe registrar, neste ponto, por relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no exame final da Rcl 1.987/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORREA, expressamente admitiu a possibilidade de reconhecer-se, em nosso sistema jurídico, a existência do fenômeno da "transcendência dos motivos que embasaram a decisão" proferida por esta Corte, em processo de fiscalização normativa abstrata, em ordem a proclamar que o efeito vinculante refere-se, também, à própria "ratio decidendi", projetando-se, em conseqüência, para além da parte dispositiva do julgamento, "in abstracto", de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade.

Essa visão do fenômeno da transcendência parece refletir a preocupação que a doutrina vem externando a propósito dessa específica questão, consistente no reconhecimento de que a eficácia vinculante não só concerne à parte dispositiva, mas refere-se, também, aos próprios fundamentos determinantes do julgado que o Supremo Tribunal Federal venha a proferir em sede de controle abstrato, especialmente quando consubstanciar declaração de inconstitucionalidade, como resulta claro do magistério de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS/GILMAR FERREIRA MENDES ("O Controle Concentrado de Constitucionalidade", p. 338/345, itens ns. 7.3.6.1 a 7.3.6.3, 2001, Saraiva) e de ALEXANDRE DE MORAES ("Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional", p. 2.405/2.406, item n. 27.5, 2ª ed., 2003, Atlas).

Na realidade, essa preocupação, realçada pelo magistério doutrinário, tem em perspectiva um dado de insuperável relevo político-jurídico, consistente na necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a força normativa da Constituição, que resulta da indiscutível supremacia, formal e material, de que se revestem as normas constitucionais, cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizadas, em face de sua precedência, autoridade e grau hierárquico, como enfatiza o magistério doutrinário (....).

Cabe destacar, neste ponto, tendo presente o contexto em questão, que assume papel de fundamental importância a interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função institucional, de "guarda da Constituição" (CF, art. 102, "caput"), confere-lhe o monopólio da última palavra em tema de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental, como tem sido assinalado, com particular ênfase, pela jurisprudência desta Corte Suprema:

"(...) A interpretação do texto constitucional pelo STF deve ser acompanhada pelos demais Tribunais. (...) A não-observância da decisão desta Corte debilita a força normativa da Constituição. (...)."

(RE 203.498-AgR/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)"

Outro caso de reconhecimento da transcendência dos motivos determinantes das decisões do STF adotada em sede controle concentrado de constitucionalidade encontra-se no Rcl n.° 2.363/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES, quando sua excelência fez consignar, em expressiva passagem do seu douto voto, o que se segue:

"(...) Assinale-se que a aplicação dos fundamentos determinantes de um ‘leading case’ em hipóteses semelhantes tem-se verificado, entre nós, até mesmo no controle de constitucionalidade das leis municipais.

Em um levantamento precário, pude constatar que muitos juízes desta Corte têm, constantemente, aplicado em caso de declaração de inconstitucionalidade o precedente fixado a situações idênticas reproduzidas em leis de outros municípios.

Tendo em vista o disposto no ‘caput’ e § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil, que reza sobre a possibilidade de o relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, os membros desta Corte vêm aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei, em sede de controle difuso, emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame.

.......................................................

Não há razão, pois, para deixar de reconhecer o efeito vinculante da decisão proferida na ADIn.

Nesses termos, meu voto é no sentido da procedência da presente reclamação."

Assim sendo, o Supremo Tribunal Federal tem enfatizado que a reclamação reveste-se de idoneidade jurídico-processual, se utilizada com o objetivo de fazer prevalecer a autoridade decisória dos julgamentos emanados daquela corte, notadamente quando impregnados de eficácia vinculante, o que também deve ocorrer em relação à ADIn n.° 3.592/DF, na qual o STF fixou o entendimento de que a decisão condenatória adotada com base no art. 41-A da Lei das Eleições tem eficácia imediata.

Ou seja, qualquer decisão da Justiça Eleitoral – inclusive do TSE – que suspender a eficácia da decisão, de qualquer grau, que cassa o registro ou diploma do candidato, nos termos do dispositivo anticorrupção eleitoral, desafia a autoridade da decisão adotada pelo STF, na ADIn n.° 3.592/DF, sendo, portanto, passível de reprimenda pela excelsa corte, através do instituto da Reclamação Constitucional.


6. Aspectos do instituto da Reclamação Constitucional fundada no julgamento da ADIn n.° 3.592/DF e a decisão que condena com base no art. 41-A da Lei Eleitoral

A criação do instituto da Reclamação remonta à doutrina dos poderes implícitos (implied powers) consagrada pela suprema corte americana, adotada historicamente pelo STF, segundo a qual não faz sentido estabelecer uma corte constitucional e não dotá-la de poderes para tornar eficazes suas decisões, de modo que, mesmo antes de qualquer previsão legal, dela já se valiam alguns. Na verdade esse instituto foi expressamente previsto no regimento interno da corte excelsa em 1957. A partir da Carta de 1967, foi criada lei a prevendo; para somente, com o advento da Carta Política de 1988, ser positivada em nosso texto constitucional (art. 102, I, l).

A princípio, somente quando intentada por quem foi parte na respectiva ação direta de inconstitucionalidade, e em ação que tivesse o mesmo objeto, é que o STF a admitia, de modo que terceiro pretensamente interessado não era considerado legitimado processualmente, como acontece atualmente. Porém, com a edição da Lei n.° 9.868/99 o quadro começou a mudar, tendo a Suprema Corte firmado o entendimento de que: "todos os que forem atingidos por decisões contrárias ao entendimento firmado pelo STF no julgamento de mérito proferido em ação direta de inconstitucionalidade sejam considerados parte legitima para a propositura de reclamação [12]".

Portanto, "assiste plena legitimidade ativa, em sede de reclamação, àquele – particular ou não – que venha a ser afetado, em sua esfera jurídica, por decisões de outros magistrados ou Tribunais que se revelem contrárias ao entendimento fixado, em caráter vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos processos objetivos de controle normativo abstrato instaurados mediante ajuizamento, quer de ação direta de inconstitucionalidade, quer de ação declaratória de constitucionalidade [13]".

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Ou seja, qualquer legitimado eleitor na circunscrição, partido político, coligação, candidato, ministério público poderá, no caso de suspensão da sentença ou acórdão que subtrair o registro ou diploma do corruptor eleitoral, pugnar ao STF pela cassação da suspensão, a fim de dar eficácia imediata à decisão judicial eleitoral baseada no art. 41-A da Lei das Eleições.

Quanto ao sujeito passivo da Reclamação Constitucional, este é a autoridade judiciária ou administrativa que afronta a decisão do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ou de sua súmula vinculante [14]. Logo, no caso de tribunal ou juízo eleitoral que desconsidere a eficácia imediata da decisão que condena o corruptor eleitoral à perda do registro ou do diploma, ou mesmo do Presidente do Poder Legislativo que se recuse a reconhecer a eficácia imediata da decisão judicial condenatória, com base no art. 41-A da Lei Eleitoral, pode ser figurar como reclamado.

Todavia, é patente que não caberá Reclamação fundada no julgamento da ADIn n.° 3.592/DF como sucedâneo de ação rescisória eleitoral, uma vez que o cabimento desta, no processo eleitoral, é restrito às hipóteses dadas pelo art. 22, I, alínea j [15] do Código Eleitoral; tampouco se poderá manejá-la contra decisões anteriores à publicação do mencionado acórdão do STF, pois o efeito vinculante não é do disposto no art. 41-A, mas da decisão que apreciou a ADIn n.° 3.592/DF.

Quanto ao procedimento de tal Reclamação, devem-se observar os arts. 13, parágrafo único, e 14, I e II, da Lei n.° 8.036/90, bem como os arts. 156 a 162 do Regimento Interno do STF, de modo que seu processamento assemelha-se ao do Mandado de Segurança [16]. Nela a prova é documental, totalmente pré-constituída e deve demonstrar a suspensão da decisão que condena com base no art. 41-A. Essa documentação deve ser juntada à petição endereçada ao Presidente do STF.

Após ser distribuída a Reclamação ao relator, este requisitará informações da autoridade reclamada, estabelecendo-se o prazo de 10 dias para resposta; ordenará a suspensão liminar [17] do ato (art. 14 da Lei n.° 8.036/90), pois a manutenção de condenado por corrupção eleitoral em cargo eletivo gera dano irreparável à sociedade [18]. Após, encaminha-se à Procuradoria-Geral da República para parecer. Empós, seguir-se-á para julgamento definitivo pelo pleno do STF.

Os recursos a serem interpostos são os embargos de declaração, quando se tratar de decisão do pleno, e agravo regimental, contra decisão monocrática do ministro relator. Não cabem embargos divergentes em sede de Reclamação (Súmula 368).

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Sobre o autor
Edmilson Barbosa

Advogado. Mestre em Direito Constitucional pela UFC. Professor de Direito Eleitoral pela UFC(2004-2006). Professor Convidado da Pós-Graduação em Processo Civil do Curso Juspodivm de Salvador-BA e da Pós-Graduação em Direito Eleitoral do TRE-AL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Edmilson. As liminares suspensivas das decisões com base no art. 41-A da Lei Eleitoral e o instituto da reclamação constitucional para o STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1884, 28 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11650. Acesso em: 2 mai. 2024.

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