A defesa dos direitos de qualquer cliente por seu advogado constitui tarefa séria, árdua e relevante, tendo a Constituição Federal previsto, expressamente, a indispensabilidade daquele profissional à administração da Justiça.
Quando a defesa do seu cliente implica também a defesa do interesse público, como ocorre no dia-a-dia dos Advogados da União, a importância de tal ato agiganta-se.
O exercício da advocacia contenciosa em geral implica o contato direto e freqüente com o cliente, seja pessoal, seja por telefone, seja pelos mais diversos meios de comunicação existentes hoje, com vistas à obtenção da narração dos fatos, de documentos e dados importantes a serem utilizados na preparação da defesa de seus direitos.
A Lei nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia, estabelece que a comunicação com os clientes, inclusive os presos, é um dos direitos do advogado.
No âmbito privado, o interesse do cliente na preparação da sua defesa da melhor maneira possível implica, quase sempre, o pronto fornecimento dos dados e documentos necessários para tanto.
Na seara da Advocacia Pública, a relação dos advogados com seus "clientes" é distinta e tem uma série de nuances que a tornam mais difícil e intrincada.
A defesa judicial da União, especificamente, pressupõe contatos com os mais de vinte e cinco Ministérios, os Tribunais Superiores, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o Tribunal de Contas da União, a Secretaria de Patrimônio da União, o Hospital das Forças Armadas, o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Distrito Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar, a Imprensa Nacional, a Secretaria de Patrimônio da União, o Banco Central do Brasil, a Caixa Econômica Federal, dentre vários outros órgãos e instituições, sem contar as diversas empresas públicas, autarquias e fundações que são extintas e cujos patrimônios lhe são tranferidos.
A preparação das manifestações judiciais pelos Advogados da União depende visceralmente do fornecimento, em cada caso concreto, dos subsídios fáticos acompanhados da documentação correlata do que se passou no interior de cada edifícios da Esplanada e dentro de cada órgão da estrutura dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo.
Os Advogados da União precisam saber por que e como foram praticados os diversos atos dos agentes estatais cuja legalidade é diuturnamente questionada.
Dependem aqueles profissionais, ainda, do fornecimento de documentos relativos a licitações, contratos, procedimentos administrativos das mais diversas naturezas, a fim de que examinada a eventual responsabilidade do Estado invocada pelas partes contrárias como sustentáculo de suas pretensões indenizatórias.
Para tanto, são expedidas, mensalmente, centenas de ofícios pelas Procuradorias com vistas à obtenção das referidas informações fáticas, sem que se conte com a certeza de que seus destinatários tenham consciência da importância do pronto e eficaz fornecimento das mesmas, sob pena de prejuízo na elaboração da defesa dos interesses da União e aos cofres públicos.
Há que se entender que as referidas solicitações formuladas pelos Advogados da União não encerram pedidos de favores, nem revelam exageros ou preciosismos, nem tampouco têm viés meramente burocrático.
Por meio delas, estão os Advogados da União simplesmente instando a que os agentes públicos cumpram obrigações legais.
A Lei nº 8.112/90, por exemplo, estabelece em seu artigo 116 que o servidor tem como deveres, dentre outros, o exercício com zelo e dedicação das atribuições do cargo, mas também o atendimento com presteza às requisições da Fazenda Pública.
O Código de Processo Civil, em seu artigo 14, elenca como sendo deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, a exposição dos fatos em juízo conforme a verdade e o cumprimento exato dos provimentos judiciais.
O Código Civil, no capítulo dedicado à responsabilidade civil, estatui que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, ato este que deve reparar.
O Código Penal tem capítulos integralmente dedicados à descrição dos crimes praticados contra a Administração Pública e contra a Administração da Justiça.
Dentre as vedações impostas ao servidor descritas no artigo 117 do mesmo diploma legal, encontram-se a de opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço e a de agir de maneira desidiosa.
A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, estipula que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens da União.
O não-fornecimento das informações solicitadas pelo Advogado da União ou seu encaminhamento tardio ou incompleto pode, portanto, implicar responsabilização civil, penal e administrativa do agente público incumbido de tal tarefa, com possibilidade e imposição de sanções de advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada, nos termos do artigo 127 da referida Lei nº 8.112/90.
Importante destacar que aos Advogados da União compete a preparação da resposta processual do ponto de vista técnico, nos termos da Lei Complementar nº73/93, sendo certo que o material fático requerido aos mais diversos órgãos da estrutura estatal é indispensável para a realização de seu trabalho.
Ao elaborarem a contestação, especificamente, cabe aos mesmos a exposição de toda a matéria de defesa, deduzindo-se as razões de fato e de direito de impugnação do pedido do autor, não estando a União incluída no rol do parágrafo único do artigo 302 do Código de Processo Civil que elenca as pessoas e instituições autorizadas a produzir defesa por negativa geral.
Em razão de tais peculiariedades, da estrutura altamente capilarizada da Administração Pública e das dimensões continentais do Estado brasileiro, é que merecem permanecer no ordenamento jurídico pátrio as prerrogativas processuais conferidas à Fazenda Pública, especialmente a constante do artigo 188 do Código de Processo Civil.
A previsão de contagem em quádruplo dos prazos para contestação e em dobro para interposição de recursos está calcada no célebre princípio aristotélico segundo o qual merecem tratamento igual os iguais e desigual, os desiguais.
A desigualdade entre os advogados particulares e os públicos, no que tange à relação com seus clientes, é patente, conforme demonstrado alhures e não pode ser negligenciada.
Demais disso, há que se ter em conta que a prerrogativa constante do referido dispositivo legal, ao contrário do que possa parecer, tem âmbito restrito, pois diz respeito tão-somente aos prazos legais e, dentre eles, aos prazos para resposta e para interposição de recursos.
Com relação aos demais prazos, que são muitos e constituem a maioria durante a tramitação do feito, a Fazenda Pública está sujeita aos mesmos lapsos temporais concedidos aos particulares, razão pela qual não se pode imputar à previsão dos prazos diferenciados a "culpa" pela demora na entrega da prestação jurisdicional.
Há que se ter em conta também que nem sempre os prazos diferenciados serão utilizados em sua integralidade, constituindo idéia equivocada e preconceituosa a de que os Advogados Públicos são interessados na eternização das relações processuais.
Em suma, pode-se concluir que;
a) a relação dos Advogados da União com sua "cliente" é flagrantemente diferente da estabelecida entre os causídicos particulares e seus clientes;
b) a falta de fornecimento das informações solicitadas pelo Advogado da União aos mais diversos órgãos e instituições públicas ou seu encaminhamento tardio ou incompleto pode implicar responsabilização civil, penal e administrativa do agente público incumbido de tal tarefa;
c) a previsão de contagem em quádruplo dos prazos para contestação e em dobro para interposição de recursos pela União constante do artigo 188 do CPC não constitui privilégio, mas, sim, prerrogativa compatível com a estrutura altamente capilarizada da Administração Pública; e
d) a prerrogativa de contagem diferenciada dos prazos concedida à União diz respeito tão-somente aos prazos legais e, dentre eles, aos prazos para resposta e para interposição de recursos.