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Desenvolvimento sustentável.

A evolução do conceito

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13/11/2008 às 00:00
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4. A Declaração ILA sobre Princípios de Direito Internacional subjacentes ao conceito de Desenvolvimento Sustentável.

Em Abril de 2002 o Comitê Internacional sobre Aspectos Legais do Desenvolvimento Sustentável apresentou à 70ª. Conferência Plenária da ILA seu Relatório Final, que propunha uma Resolução, depois adotada pela Plenária como a Resolução de Nova Delhi.

Em síntese, essa Resolução, depois de notar, enfatizar, observar, lembrar, reconhecer, afirmar, declarar-se consciente de, reconhecer, reafirmar e levar em consideração vários documentos, conceitos e princípios aqui discutidos, e levando em especial conta os documentos resultantes das Conferências das Nações Unidas em 92 (Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio); em 93 (progresso social para o desenvolvimento, Copenhagen e direitos humanos em Viena); em 94 (população e desenvolvimento, Cairo, e pequenos Estados insulares e o desenvolvimento sustentável, Barbados), em 95 (mulheres e desenvolvimento, Pequim) em 2001 (países de menor desenvolvimento relativo, Bruxelas) e 2002 (financiamento para o desenvolvimento, Monterrey), considera que seria instrumental, na busca eficiente do objetivo do desenvolvimento sustentável, que todos os atores envolvidos no processo aplicassem e, quando relevante, consolidassem ou melhor desenvolvessem, os seguintes princípios de direito internacional:

-o dever dos Estados de assegurar o uso sustentável dos recursos naturais (vai nesse sentido, no Brasil, o estabelecimento de Comitês de Gestão de Bacias Hidrográficas e a decisão de cobrar pelo uso da água, que vêm sendo amplamente noticiados pela mídia);

-o princípio da equidade e da erradicação da pobreza;

-o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas (que estabelece, entre outras coisas, que quem polui mais deve contribuir mais e também reduzir atividades. Nesse sentido o compromisso, por poucos observado, assumido pelos países desenvolvidos de destinar 0,7% de seu PNB à cooperação para o desenvolvimento sustentável, ou o Mecanismo de Ar Limpo do Protocolo de Kioto) ;

-o princípio da precaução (com relação a saúde humana, recursos naturais e ecossistemas);

-o princípio da participação popular e acesso a informação e justiça (vão nesse sentido as iniciativas de governo eletrônico, por ex., ou a transmissão das atividades do legislativo e judiciário pelos meios de comunicação, que já acontecem em nosso país);

- o princípio da Governança;

- o princípio da integração e inter-relação, em particular no que tange aos direitos humanos e os objetivos ambientais, econômicos e sociais [38].

A ILA tem status de observadora permanente junto à ONU; essa Declaração foi

não só encaminhada à Organização, como distribuída às diferentes Delegações Nacionais à Conferência de Joanesburgo que, em 2002, discutiu Desenvolvimento Sustentável. Mais que isso – por iniciativa dos governos dos Países Baixos e de Bangladesh, foi apresentada a, e adotada pela, Assembléia Geral, sendo hoje um documento da ONU. Como se sabe, o que resultou da Conferência de Joanesburgo foi um Plano de Implementação – uma vez que o objetivo daquela Conferência fora, não criar novos instrumentos jurídicos, mas discutir e propor mecanismos e parcerias para assegurar que objetivos, compromissos e programas já existentes fossem efetivamente implementados.


Considerações Finais

A Cúpula de Joanesburgo, também conhecida como Rio+10, aconteceu no clima de pessimismo do contexto pós-11 de Setembro de 2001, que alterara prioridades e princípios das relações internacionais. A preocupação com a segurança se sobrepunha àquela com a cooperação para o desenvolvimento sustentável que norteara a Eco 92.

Os países desenvolvidos, ao se proporem a discutir apenas a questão da pobreza, distanciavam-se de compromissos assumidos; temia-se o esquecimento do princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas. O Brasil lutou para evitar um retrocesso, liderando a Iniciativa Latino Americana, apresentando a proposta brasileira sobre energia, apresentando projetos de cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável aqui bem sucedidos como o PP-G7 [39], organizando sua própria Rio+10, da qual saiu um compromisso dos Presidentes do Brasil e da África do Sul, e do Primeiro Ministro sueco e do Vice-Primeiro Ministro inglês, de em Joanesburgo lutarem conjuntamente para defender o que fora duramente conquistado em 92.

O Secretário da Cúpula de Joanesburgo, Nitin Desai, lembrou que o clima que antecedera a Cúpula de 92 não fora tão diferente; que se chegou a Joanesburgo com 70% das propostas já previamente acordadas, o que estaria até acima do padrão das conferências da ONU. Algumas coisas foram, todavia, diferentes – a participação das ONGs e de outros movimentos da sociedade civil, e a extensão da cobertura da imprensa internacional, por exemplo. Mas Joanesburgo não foi um fracasso.

Um ponto que não parece suficientemente lembrado, em trabalhos acadêmicos, é a importância da conversão do setor empresarial à causa do desenvolvimento sustentável. Isso começou na preparação da Rio 92, culminou na criação do Conselho Empresarial Mundial de Desenvolvimento Sustentável, e, no Brasil, teve e mantém grande impulso com o Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável – CEBDS – e o livro de Fernando Almeida, " O Bom Negócio da Sustentabilidade" [40].

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Contamos hoje com mecanismos para financiamento e avaliação de empresas "verdes" – e aí foram pioneiros bancos como o Real/ABN, cujo Portal de Sustentabilidade traz até um glossário [41], o trabalho interdisciplinar e aberto de Universidades, a exemplo do Centro de Estudos em Sustentabilidade da EAESP da FGV/SP [42], e o o Indice de Sustentabilidade BOVESPA, um trabalho conjunto da Bolsa de Valores de São Paulo/Centro de Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas [43].

Duas frases ouvidas em meus estudos de Direito tornaram-se meu norte (e procuro passar isso a meus alunos): de Ortega Y Gasset, "Eu sou eu e minhas circunstâncias"; e de Bobbio, "a política cria, o direito consolida". A discussão sobre Desenvolvimento Sustentável, fundamental em uma Sociedade que, cada vez mais internacionalizada, deve buscar seu Bem Comum, prova, uma vez mais, isso.

Pensar globalmente, agir localmente...


Notas

  1. Publicado em 1987 sob a forma do livro Our Common Future, traduzido e publicado em português com o título Nosso Futuro Comum.
  2. WEISS, E., et al, International Environmental Law and Policy, N.Y., Aspen Law & Business, 1998.
  3. Mais antiga Associação do gênero, fundada em Conferência Internacional em Bruxelas, em 1873, com sede em Londres, que reúne estudiosos dos vários ramos do Direito Internacional ou interessados no papel do Direito nas relações internacionais e funciona como uma Federação de Ramos Nacionais que nomeiam membros para os diferentes Comitês especializados.
  4. Os trabalhos apresentados nessa conferência foram publicados no South African Yearbook of International Law no. 32-2007. O paper do Prof. Tladi está nas páginas 392-405.
  5. Publicado em 1974 com este mesmo título. O Clube de Roma reúne intelectuais, políticos e empresários dos diversos setores, com forte poder de influência na formulação de estratégias e políticas globais.
  6. M.PRIEUR, Droit de l’Environnement, 2ª. ed., Paris, Precis Dalloz, 1991, pg 25. Tradução da Autora.
  7. Idem, pg. 26.
  8. Vide Carta da ONU, Preâmbulo, Art, 1.3, e Capítulo IX..
  9. Vide a respeito o livro The Right to Development in International Law,, org. por S. R. CHOWDHURY et al, Dordrecht, Kluwver, 1992. Vide também The Rights of Peoples, Oxford: Clarendon Press, 1988, org. por James CRAWFORD.
  10. Vide a respeito, não só os Relatórios do Comitê Internacional da ILA Legal Aspects of a New International Economic Order, mas também o livro publicado pela Comissão do Sul, Desafio para el Sur, Comision del Sur ( Mexico: Fondo de Cultura Economica, 1992, especialmente o prefácio do Presidente Nyerere.
  11. Vide Documento A/39/504/ADD.1,Relatório do Secretário Geral da ONU à 39ª. Sessão da AGNU em 1984.
  12. .Para uma discussão aprofundada do tema, ver Nico Schrijver, Sovereignty Over Natural Resources, Cambrige, Cambrige University Press, 1997.
  13. N. Robinson, Agenda 21:Earth’s Action Plan,, N.Y., Oceania, 1993.
  14. Esse Comitê produziu a Declaração de Seul sobre o Direito ao Desenvolvimento.
  15. Informações podem ser obtidas no site www.ila-hq.org, que traz os Relatórios bianuais de todos os Comitês. Além disso, os Comitês publicaram vários livros, entre os quais The Right to Development in International Law; Sustainable Development and Good Governance; International Economic Law with a Human Face; e Globalisation and Sustainable Development.
  16. World Charter for Nature, Resolução A/RES/37/7 de 29/10/82.
  17. Sigla da World Wide Fund for Nature, outra ONG sediada na Suiça, que freqüentemente trabalha em conjunto com a IUCN (International Union for the Conservation of Nature), também lá sediada.
  18. Respectivamente Organização das Nações Unias para a Alimentação e Agricultura e Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura.
  19. "Development is defined here as: the modification of the biosphere and the application of human, financial, living and non living resources to satisfy human needs and improve the quality of human life. For development to be sustainable it must take account of social and ecological factors, as well as economic ones; of the living and non living resource base; and of the long term as well as the short term advantages and disadvantages of alternative actions(...). In "Our Common Future", pg. 43.
  20. "Conservation is defined here as: the management of the human use of the biosphere so that it may yield the greatest sustainable benefit to present generations while maintaining its potential to meet the needs and aspirations of future generations. Thus conservation is positive, embracing preservation, maintenance, sustainable utilization, restoration and enhancement of the natural environment (...). Idem.
  21. Da qual participou o Professor Paulo Nogueira Neto, da Universidade de São Paulo, e que à época era titular da SEMA – Secretaria de Meio Ambiente, ligada diretamente à Presidência da República. Cf. Relatório da Delegação Brasileira à CNUCED 92, op. cit., pg. 13.
  22. Res. AGNU 42/187 e 42/186, ambas de 1987.
  23. Res. AGNU 44/228, adotada por consenso em 22 de dezembro de 1989.
  24. Lei 6.938, publicada no Diário Oficial em 2 de setembro do mesmo ano..
  25. Leis 7.804/89 e 8.028/90.
  26. Com fundamento nos incisos VI e VII do art. 23 e no art. 235 da CF, "estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, constitui o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA e institui o Cadastro de Defesa Ambiental".
  27. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Relatório da Delegação Brasileira, 1992, IPRI, Brasília, pp. 13-14.
  28. Já Phillip SANDS destaca também a importância da participação de "várias dúzias de organizações inter-governamentais e vários milhares de organizações não governamentais.
  29. Que realmente foi assinada em 1994 e da qual o Brasil é parte.
  30. Então Ministro das Relações Exteriores – vide "Apresentação" do Relatório da Delegação Brasileira, op. cit., pp. 7-8.
  31. "Um valor não subsiste se não puder ser convertido em realidade social e normativa; por outro lado, nenhuma de suas realizações históricas é capaz de esgotá-lo. Assim, é sempre possível e sobretudo desejável, incorporar à ação diplomática uma visão do futuro, buscando aproximar a realidade dos ideais que nos inspiram". Celso LAFER, idem.
  32. Emb. Marcos Castrioto AZAMBUJA (então Secretário Geral de Política Exterior do Brasil), in Política Externa, vol. I nº 2, set/out/nov 1992, pg. 45.
  33. Agenda 21, §§ 38.11 a 38.14 e 38.18.
  34. Prevista, na Convenção do Clima, no Art. VII, e na da Biodiversidade no Art. XXIII.
  35. Cf. Agenda 21, 33.14 (a) (iii).
  36. Site da Corte Internacional de Justiça: www.icj-cij.org , ou via www.un.org.
  37. Vide a respeito, além dos Relatórios do Comitê Legal Aspects of Sustainable Development já mencionados, United Nations. Multilateral Treaty Framework; an Invitation to Universal Participation. Focus 2002: Sustainable development. N.Y., United Nations, 2002.l
  38. O texto completo da Declaração pode ser encontrado no website da ILA – www.ila-hq.org.
  39. Programa Piloto para a Proteção da Floresta Tropical Brasileira – vide a respeito Susana Camargo Vieira, "Cooperação Internacional para o Desenvolvimento da Amazônia Brasileira – o papel do direito" , tese de doutorado defendida em 2000 na Faculdade de Direito da USP, sob orientação do Professor Celso Lafer. Vide também os sites do Ministério do Meio Ambiente – www.mma.gov.br/ppg7 -; do Ministério de Ciência e Tecnologia – www.mct.gov.br; e do Banco Mundial – www.worldbank.org .
  40. Vide o site www.cebds.org.br, que apresenta links para vários outros sites, bem como documentos, igualmente interessantes.
  41. Para maiores informações, ver www.bancoreal.com.br/sustentabilidade .
  42. Que edita também a ótima revista Página 22 – vide www.pagina22.com.br.
  43. Vide www.bovespa.com.br e www.ces.fgvsp.br .
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Sobre a autora
Susana Camargo Vieira

Professora dos Cursos de Graduação e Mestrado em Direito da Universidade de Itaúna

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Susana Camargo. Desenvolvimento sustentável.: A evolução do conceito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1961, 13 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11961. Acesso em: 24 abr. 2024.

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