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Razoável duração do processo.

A celeridade como fator de qualidade na prestação da tutela jurisdicional

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18/03/2009 às 00:00

Resumo:


  • Celeridade e qualidade na prestação da tutela jurisdicional são virtudes desejadas, apesar de aparentemente contrastantes.

  • Celeridade é a rapidez na prolação de decisões, enquanto qualidade é a eficiência na prestação de serviços que atendam às necessidades dos jurisdicionados.

  • A harmonização entre celeridade e qualidade é essencial, buscando um equilíbrio entre a rapidez na resolução dos conflitos e a eficácia na aplicação do direito.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O objetivo deste estudo é demonstrar que a celeridade é um dos fatores da qualidade na prestação da tutela jurisdicional, embora ambas virtudes analisadas (celeridade e qualidade) aparentemente encontrem-se em relativo contraste.

1. Introdução

O objetivo deste estudo é demonstrar que a celeridade é um dos fatores da qualidade na prestação da tutela jurisdicional, embora ambas virtudes analisadas (celeridade e qualidade) aparentemente encontrem-se em relativo contraste.

A primeira parte da análise discorre sobre o acordo semântico quanto aos conceitos de celeridade e de qualidade a serem adotados.

Na segunda parcela do estudo, aborda-se a harmonização das duas virtudes em contexto (celeridade e qualidade), de modo a demonstrar que não existe necessariamente uma relação de conflito entre ambas, bem como expõe-se um conceito de razoável duração do processo. Tal parte do estudo representa a idéia central da análise.

E, no terceiro e derradeiro bloco de apreciação, expõe-se algumas considerações sobre os mecanismos implementados ou a serem adotados para acelerar a prestação da tutela jurisdicional.


2. Conceitos de celeridade e de qualidade

Para aprofundar o tema em análise, importa formar um acordo semântico quanto aos conceitos de celeridade e de qualidade.

Como celeridade entende-se a rapidez na prolação de decisão que efetivamente solucione o conflito submetido à apreciação judicial. Outrossim, trata-se de um conceito eminentemente temporal, embora ainda intimamente relacionado com as idéias de quantidade e de produtividade, na medida em que representa a escala numérica de decisões proferidas dentro de certo espaço de tempo. Poderão ser empregados os termos velocidade, ligeireza e rapidez como sinônimos de celeridade.

A qualidade, por sua vez, consiste em eficiência na consecução de tarefas destinadas ao fornecimento de bens e serviços que atendam eficazmente à necessidades, interesses e anseios (desejos) dos seus destinatários finais (jurisdicionados), observados parâmetros de custo e benefício, sem descuidar de critérios éticos e da função social. Assim, a qualidade, para fins de prestação de tutela jurisdicional, compreende tanto a eficiência na realização dos atos processuais como também a eficácia na aplicação do direito ao final (efetivo equacionamento da controvérsia). Trata-se de um conceito intrinsecamente ligado com o conteúdo da deliberação judicial (fundamentos ou balizas de sustentação da determinação jurisdicional), embora ainda relacionado com a idéia de capacitação profissional.


3. Harmonização entre qualidade e celeridade

A abordagem tradicional na interpretação da produção jurisdicional parte da premissa de que a celeridade e a qualidade são virtudes desejadas, porém antagônicas, na medida em que a rapidez na elaboração de decisões judiciais implica necessariamente inferioridade de conteúdo. Esta afirmação não está calcada em uma premissa cientificamente comprovada, mas sim no senso comum arraigado no âmbito dos operadores jurídicos, razão pela qual justamente se propõe este estudo para procurar demonstrar a inverdade de tal entendimento.

Segundo tal prisma de análise, a maior quantidade de decisões prolatadas tem como aspecto negativo a insuficiência ou a deficiência do conteúdo do serviço prestado.

Desse modo, a celeridade implica maior quantidade e conteúdo deficiente. E a qualidade, por sua vez, depende de maior tempo para prolação de decisões e permite uma deliberação mais adequadamente balizada para solução do caso concreto, porém emperra o fenômeno produtivo.

Todavia, é possível demonstrar, por meios de raciocínio lógico e de exemplos práticos, a estrita correlação entre ambos aspectos da atividade judicial, na medida em que a rapidez na decisão das questões submetidas ao juiz enseja, por via de regra, uma adequação maior do serviço judiciário aos interesses dos seus usuários.

Nesta outra ótica de análise, divergente da tradicional, nem sempre a celeridade enseja conteúdo decisório inadequado, pois a abordagem tradicional acima descrita descuida de um aspecto crucial do fenômeno judiciário, consistente no fato de que a demora para prolação da decisão acarreta indesejável perpetuação do conflito no tempo e, em certas hipóteses, inclusive lesão ou perda de direito, em detrimento dos interesses das partes.

Isso porque, na perspectiva de satisfação dos interesses dos jurisdicionais, a mais rápida resolução do conflito é mais desejável do que a morosidade na pacificação social.

Assevera-se ainda que a morosidade judiciária não diz respeito apenas ao tempo de espera para o oferecimento de uma resposta estatal, pois também consubstancia um custo financeiro para as partes, cujas implicações, em face da multiplicações de conflitos submetidos à jurisdição (massificação), refletem ainda elevação de despesas no panorama macroeconômico.

Tanto é assim que a Emenda Constitucional n 45, de 30 de dezembro de 2004, inseriu o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), de modo a proclamar o direito fundamental à celeridade na concessão da resposta judicial, ao mencionar que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Sobre o tema, Álvaro Couri Antunes Sousa, diz que "importa aos processualistas a questão da efetividade do processo como meio adequado e útil de tutela dos direitos violados, pois, consoante Vicenzo Vigoriti ´o binômio custo-duração representa o mal contemporâneo do processo. Daí a imperiosa urgência de se obter uma prestação jurisdicional em tempo razoável, através de um processo sem dilações, o que tem conduzido os estudiosos a uma observação fundamental, qual seja, a de que o processo não pode ser tido como um fim em si mesmo, mas deve constituir-se sim em instrumento eficaz de realização do direito material’" (in Juizados Especiais Federais Cíveis: aspectos relevantes e o sistema recursal da lei n. 10.259/01. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 109/110).

Ainda sobre a efetividade do processo, o Desembargador Nelson Juliano Schaefer Martins ressalta que "em decorrência do princípio da efetividade da jurisdição, o juiz deve velar pela rápida solução do litígio. [...] O Estado deve assegurar aos litigantes em particular e à sociedade em geral meios ‘expeditos’ e ‘eficazes’ de exame da demanda. Eficazes porque esses meios devem ter a aptidão necessária à propiciar e garantir ao vitorioso a utilidade da sentença e a concretização prática e fática da tutela" (in Poderes do Juiz no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 2004. p. 91/93).

Não se desconhece ou desconsidera que existem hipóteses cuja espera pela resolução possa ser considerada adequada, exatamente para permitir que o transcurso do tempo permita a dissipação de aspectos emocionais envolvidos no conflito social, conforme certas situações aferíveis mediante a experiência prática, principalmente nos processos envolvendo direitos de família. Porém, com relação à maioria das lides, não existem argumentos racionais que indiquem seja mais razoável a maior espera ao invés da agilidade na prestação da tutela jurisdicional.

Sob este enfoque, a celeridade na prestação da tutela jurisdicional apresenta-se como uma virtude no âmbito do serviço judiciário, na mesma medida em que a maior rapidez no equacionamento do conflito é, por via de regra, preferível à submissão das partes a um processo de espera que desmotiva os litigantes. E, em certos casos cuja lesão ou perda de direitos é iminente, a urgência na prolação da decisão é imprescindível para evitar a superveniente falta de interesse no serviço judiciário, porquanto a demora pode derruir a possibilidade de concessão da tutela postulada.

Portanto, é possível considerar a agilidade como um fator inerente à qualidade na prestação da tutela jurisdicional, bem como orientar uma harmonização entre tais virtudes, buscando-se um equilíbrio ponderado entre a qualidade (conteúdo) e a celeridade (quantidade).


4. A Razoável Duração do Processo

Para adequada imposição de celeridade aos trâmites processuais, cabe indagar qual o significado da expressão "razoável duração do processo", inserida no art. 5º, LXXVIII, da CRFB pela Emenda Constitucional 45.

Inicialmente, cabe asseverar que se trata de conceito indeterminado integrante de norma principiológica, razão pela qual depende de densificação em cada caso concreto. Exatamente por este motivo é que não se concorda com a identificação de "prazo razoável" com um parâmetro fixo de tempo para solução definitiva do processo, a exemplo da proposta de Belmiro Jorge Patto, que sugere o lapso adequado como sendo o dobro daquele previsto na legislação para o procedimento específico (cf. Aspectos da Dimensão Temporal do Processo Civil nas Alterações Advindas da EC nº 45, de 8 de dezembro de 2004. In Reforma do Judiciário. São Paulo: RT, 2005).

Com efeito, cada processo, além do procedimento legal respectivo, envolve diversas peculiaridades e características, de modo a inviabilizar a adoção de um critério geral para cada tipo de ação, como aquele estipulado na legislação pátria. Como situações que alteram a duração do processo, cabe citar o número de partes, eventuais dificuldades de citação, greves dos serviços judiciários ou correios, férias do juiz titular com cumulação de unidades jurisdicionais pelo respectivo substituto, necessidade de produção de provas, dificuldade para convocação da testemunha, ausência de perito especialista na área necessária, intempéries que impeça eventual inspeção judicial, alteração brusca no número de entradas de processos decorrentes de ondas esporádicas de litigiosidade (casos em que há aumento da demanda em razão do surgimento de nova tese jurídica), controvérsia quanto à eventual decisão judicial a ser resolvida após contraditório entre as partes, apresentação extemporânea de documentos relevantes, diligências posteriores, recursos de interlocutórias, alternância dos juízes e servidores encarregados de dar andamento aos feitos, eventual falecimento das partes, suspensão dos prazos a pedido das partes ou no aguardo de definição quanto à constitucionalidade de preceito prejudicial, inexistência de precedentes jurisprudenciais para orientar os postulantes e o magistrado, dentre muitas outras circunstâncias imprevisíveis.

Outrossim, não há como superar, no atual estágio evolutivo do sistema jurisdicional, a indefinição semântica do conceito de "razoável duração do processo", haja vista que a interpretação de tal expressão só pode alcançar ares de objetividade em cada caso concreto, exatamente por consubstanciar preceito de baixa densidade (princípio constitucional). Ou seja, caberá analisar cada caso para verificar se ocorreu atraso injustificado no andamento processual, com relação a um ou mais atos do procedimento. E, acaso constatado o atraso, aferir se ocorreu algum prejuízo relevante para as partes em razão de tal morosidade.

Incorporando tal entendimento, é possível conceituar a razoável duração do processo como o lapso temporal suficiente para adequada resolução da controvérsia, sem prejuízo do próprio direito objeto do litígio e evitando a perda superveniente da utilidade do provimento final para os envolvidos, observados os trâmites inerentes ao devido processo legal (due process of law) e considerando as peculiaridades específicas de cada relação jurídico-processual.

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5. Mecanismos para impor celeridade

Na seqüência, serão abordados alguns mecanismos já implementados e outros existentes em outros países que possam ensejar maior celeridade na prestação da tutela jurisdicional e, dessa forma, ampliar a qualidade dos serviços judiciários.

Importa assinalar que "pensar em Reforma do Judiciário é pensar em celeridade, soluções para uma cada vez maior demanda de processos e em uma Justiça que atenda, de maneira eficiente, aos anseios dos cidadãos que dela dependem. E pensar uma reforma que atinja todos esses pontos sem pensar numa reforma administrativa é tratar o assunto sem a profundidade necessária. Mais do que uma reforma no papel é preciso que se sintam os efeitos dessa reforma" (Leonardo Peter da Silva. Princípios Fundamentais da Administração Judiciária. Jus Navigandi. www.jus.com.br. Acesso em 15.05.2008).

5.1. A questão da fundamentação (resolver ao invés de dissertar)

Um argumento dos prosélitos da abordagem tradicional, que entende existir oposição entre qualidade e celeridade (nos termos antes expostos), consiste em considerar que a rapidez na prolação de decisões enseja redução da exposição dos fundamentos da decisão, prejudicando a qualidade do conteúdo.

Tal entendimento é correto apenas em parte, quando afirma que a rapidez na elaboração do texto deliberativo enseja redução do número de palavras utilizadas para fundamentar o despacho, a interlocutória, a sentença ou o acórdão. Entretanto, a idéia tradicional é incorreta no ponto em que defende a menor qualidade do conteúdo decisório ser decorrência da exposição mais resumida dos fundamentos, haja vista que a maior objetividade ou brevidade na motivação não implica desprestígio da fundamentação.

Com efeito, importa que o magistrado indique as razões da decisão, em atenção ao princípio do contraditório e da ampla defesa e para atender ao disposto no art. 93, inciso IX, da CRFB. Porém, é desnecessário que discorra profundamente sobre todos os aspectos da controvérsia, colacionado doutrina nacional e estrangeira e transcrevendo ementas de julgados de diversos tribunais do país ou do exterior.

Isso porque o efetivamente importante é a menção às razões pelas quais a decisão é tomada em determinado sentido (e não em outro), de modo a possibilitar que a parte entenda os motivos da deliberação e, se discordar, possa elaborar o recurso cabível tecendo seus próprios argumentos, no intuito de desconstituir o provimento questionado perante as instâncias superiores.

Não é importante e necessário, inclusive absolutamente dispensável, a indicação de doutrina e de jurisprudência sobre o tema, porque a decisão judicial não consiste em artigo jurídico ou obra científica, mas sim um meio de exteriorização da tutela jurisdicional.

O magistrado que alonga a solução dos litígios para exacerbar o conteúdo da sua decisão está extrapolando o objetivo do processo judicial, que visa oferecer uma resposta àqueles que procuram o Poder Judiciário.

Certamente, a melhor cultura jurídica é expressa através do poder de síntese e da correta avaliação das questões postas, oferecendo resposta ágil e útil, ao invés de transcrever e abordar vários temas correlatos ao assunto em discussão, cujo escopo é apenas demonstração de conhecimento dissociada da perspectiva da missão da instituição (resolver conflitos ao invés de produção de teses).

Acerca desta temática, assevera-se que "um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, injusta, por maior que seja o mérito científico da decisão" (BIELSA, Rafael A. GRAÑA, Eduardo R. El tiempo y el proceso. Revista del Colegio de Abogados de La Olata. La plata, 1994. Apud CRUZ e TUTTI, José Rogério. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 65).

A decisão judicial é o local para resolução de um litígio no caso concreto (resolver), não para exposição de posições científicas sobre diversos temas (dissertar). Diante de uma postulação concreta, o juiz deve resolver ao invés de dissertar ou desenvolver teses.

Também o advogado que apresenta peças sintéticas e objetivas contribui para agilidade na análise do pleito de seu cliente e, por vias oblíquas, para velocidade da Justiça.

Cabe asseverar que a posição ora defendida é voltada para a vasta maioria dos casos submetidos ao crivo da jurisdição, mormente em se tratando das demandas de massa (massificação). Não se descuida de que, em casos específicos e complexos (ou em leading cases de questões recorrentes), o magistrado seja compelido a aprofundar maiores estudos, principalmente quando se tratem de casos inéditos, sobre os quais inexiste posição doutrinária e/ou jurisprudencial a respeito, ou nas hipóteses de alta significação social ou econômica. Nesta seara específica, é salutar que as Cortes teçam uma fundamentação mais aprofundada, a qual será objeto de estudos pelos juristas e servirá de orientação para os demais órgãos do Poder Judiciário.

Mesmo assim, o princípio constitucional da celeridade deve ser respeitado na vasta maioria dos casos, de modo a justificar a prolação de decisões sintéticas, as quais contribuem para a celeridade na prestação da tutela jurisdicional.

5.2. Informática e padronização (standarts)

Em se tratando de celeridade na prestação da tutela jurisdicional, é inarredável mencionar a informatização e a padronização de procedimentos, as quais têm contribuído sobremaneira para agilização dos serviços judiciários.

O Poder Judiciário de Santa Catarina é pioneiro nesta área, com o desenvolvimento dos vários módulos do Sistema de Automação do Judiciário (SAJ), já implantados em todas as comarcas do Estado e exportados para outros entes da federação, os quais auxiliam na consecução das mais diversas tarefas de gabinete, de cartório e de correição estatística.

Sem dúvida, o largo investimento em equipamentos de informática e em software (cf. Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça) tem contribuído para tornar a Justiça Catarinense uma das mais producentes do país. E tal quantidade de decisões certamente implica maior celeridade na concessão da tutela jurisdicional, o que vem sendo aventado como inegável aspecto da qualidade na prestação do serviço judiciário neste ente federativo.

Um aspecto a ser destacado é o fato da informatização permitir a adoção de modelos (standarts) de decisões a serem aplicados (com ou sem adaptações) aos diversos processos existentes. A adoção destes modelos (de despachos, de interlocutórias e de sentenças) franqueou uma significativa agilidade na resolução de controvérsias, na medida em que o magistrado e seus assessores podem escolher um texto pré concebido para aplicar às diversas situações que se apresentam, sem necessidade de nova redação integral da decisão com consulta à legislação.

A importância dos standarts foi recentemente reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que iniciou um programa de padronização das atividades jurisdicional, inicialmente apresentando uma tabela processual unificada, a qual contém uma ordem uniformizada das categoriais processuais existentes, atualmente disponível na página principal de seu site na Internet.

5.3. Súmula vinculante e Repercussão Geral

Outros dois mecanismos que importam em celeridade na prestação da tutela jurisdicional são a súmula vinculante e a preliminar recursal de repercussão geral, ambos já incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, por força da já mencionada Emenda Constitucional nº 45 de 2004.

A Súmula Vinculante consiste no resumo de um entendimento, expresso em decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal (STF – órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro), sobre matéria constitucional (versando sobre direitos fundamentais ou preceitos estruturais do Estado expressos na CRFB), que é vinculante (de observância obrigatória) para todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública.

Para fins de interpretação, cabe transcrever o texto constitucional, segundo o qual:

O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Embora tais preceitos normativos ensejem uma análise aprofundada em obras jurídicas específicas, em face sua relevância e complexidade, para os fins deste estudo cabe apenas destacar que tal mecanismo visa imprimir velocidade aos julgamentos em todas as instâncias, mediante a imposição de um entendimento jurídico obrigatório para certas causas.

Tal instituto foi motivado pelo fato de que, alguns magistrados, exorbitando na interpretação do princípio da independência, desrespeitavam a orientação pacífica firmada pelas cortes superiores em determinados assuntos, ainda que sem a invocação de novos fundamentos fáticos ou jurídicos ainda não apreciados, em detrimento dos princípios da segurança jurídica e da uniformização.

Com efeito, o princípio da uniformização, implícito na ordem constitucional pela previsão de cortes superiores de superposição para análise das questões jurídicas, indica que as orientações de tais instâncias devem ser respeitadas pelos juízes de grau inferior, sob pena de ineficácia parcial da própria razão existencial de tais tribunais.

Ora, tais cortes foi inseridas na estrutura do Poder Judiciário exatamente para padronizar certos posicionamentos. Assim, a existência das cortes superiores não significa simplesmente a implementação de mais uma instância recursal, mas sim preponderantemente a edificação de um mecanismo para uniformizar as decisões judiciais em âmbito nacional, devendo os magistrados observarem tal instituto sob pena de desrespeito direto à Lei Suprema.

Até a data de elaboração deste estudo, foram editados os seguintes verbetes com efeitos obrigatórios:

1 — Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar 110/01.

2 — É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.

3 — Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

4 — Salvo os casos previstos na Constituição Federal, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.

5 — A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.

6 — Não viola a Constituição da República o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para os praças prestadores de serviço militar inicial.

Logo, a Súmula Vinculante visa forçar (incentivar) a conformação das decisões dos juízes de grau inferior às orientações da Corte Suprema em matérias constitucionais pacificadas, de modo a ensejar maior celeridade na prolação de decisões e evitar a reiteração de recursos meramente protelatórios.

A repercussão geral, de outra banda, objetiva reduzir o número de recursos repetidos (veiculando a mesma matéria com base nos mesmos argumentos) a serem apreciados pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo tal instituto processual, somente serão apreciadas as insurgências quando a parte recorrente, em sede de preliminar recursal nas suas razões, demonstrar a relevância e abrangências dos temas abordados, sob pena de rejeição do reclamo sem análise de seu conteúdo de mérito.

Nos exatos termos do § 3º do art. 102 da CRFB, "no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros".

O emprego de tal filtro recursal permite uma melhor otimização do tempo pelos julgadores integrantes do Pretório Excelso, na medida em que possibilita o deslocamento de sua atenção para os casos ainda não apreciados (inéditos), rejeitando a análise de temas já definidos pela jurisprudência da Corte.

Segundo estimativa da própria administração do Supremo Tribunal Federal, o uso de tal instrumento "fará com que os mais de 100 mil recursos que a Corte julga anualmente caia para cerca de 1 mil casos" (Supremo racionaliza pauta com Repercussão e Súmula. Consultor Jurídico. www.conjur.com.br. Acesso em 15.05.2008).

Portanto, os mecanismos acima apreciados (súmula vinculante e repercussão geral), combinados entre si e com outros existentes e pendentes de criação, viabilizam as cortes superiores como instâncias de uniformização da orientação jurídica em âmbito nacional, não apenas como terceira instância recursal, de modo a agilizar os julgamentos ante tais tribunais e também nas instâncias inferiores.

5.4. Processo de absoluta urgência (França)

O Código de Processo Civil francês estabelece duas modalidades de procedimentos judiciais de urgência, muito mais céleres que os ritos ordinários, quais sejam: a) "citação com prefixação de dia para comparecimento das partes, produção de provas, debates orais e julgamento (artigos 788 e segs. do NCPC). Somente em casos excepcionais de muita urgência o presidente do TGI ou do Tribunal do Comércio autoriza esse procedimento"; e, b) "citação com prefixação de hora (art. 485, al. 2 do NCPC) - obedece à mesma sistemática, apenas que, nesse caso, a audiência pode ser realizada inclusive em dia feriado e até na casa do juiz se assim for mais conveniente, sendo utilizada principalmente em casos de matéria de proteção da vida privada" (Luiz Guilherme Marques. Celeridade no Processo Civil. Jus Navigandi. www.jus.com.br. Acesso em 15.05.2008).

Tais procedimentos visam agilizar a conclusão de processos dependentes da produção de provas orais (oitiva das partes), sem que ocorra a alegação de nulidades procedimentais.

Outra alternativa ainda encontrada no Código Processual Francês é a impossibilidade de interposição de recursos nas causas cuja importância econômica não ultrapassa o montante de 13.000 FF (valor atualmente convertido para Euros). Neste ponto, importa mencionar que o acesso ao duplo grau de jurisdição não é um dogma absoluto e pode ceder perante outros de maior relevância, a exemplo do direito fundamental à celeridade (que visa de forma indireta tutelar outros direitos materiais das partes), exatamente para coibir o maior problema da jurisdição, consistente na morosidade.

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Sobre o autor
Orlando Luiz Zanon Junior

juiz de Direito substituto em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANON JUNIOR, Orlando Luiz. Razoável duração do processo.: A celeridade como fator de qualidade na prestação da tutela jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2086, 18 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12483. Acesso em: 28 dez. 2024.

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