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A razoável duração do processo no âmbito judicial e administrativo

01/04/2009 às 00:00
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Indaga-se: na análise do processo é assegurada razoável duração e meios que garantam a celeridade de sua tramitação?

1. Introdução

No processo administrativo, em obediência ao princípio da oficialidade, a própria Administração está obrigada a impulsionar o processo até decisão final, e assim tomar todas as providências necessárias para que o mesmo, uma vez iniciado, chegue ao seu término [01] sem que a outra parte precise se preocupar com o seu andamento. [02]

As reclamações relacionadas à demora na tramitação dos processos, administrativo ou judicial, são muito frequentes. Com isso, por exemplo, no processo administrativo fiscal, após o transcurso de determinado prazo, há quem queira arguir a extinção do processo, e por consequência, do crédito tributário, pela prescrição intercorrente, em analogia ao que dispõe o art. 267, II, do CPC. [03]

O STJ [04] já decidiu, e é pacífica a jurisprudência no sentido de não se acolher a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal, quando há o atraso no andamento do processo, pois "a demora na tramitação do processo-administrativo fiscal não implica a ‘perempção’ do direito de constituir definitivamente o crédito tributário, instituto não previsto no Código Tributário Nacional." E assim, entre a notificação do lançamento tributário e a solução do processo administrativo fiscal, não há qualquer prazo extintivo, nem decadencial nem prescricional. [05]

Desse modo, a infringência ao princípio da oficialidade, deixando-se fluir período superior a cinco anos para a solução do contencioso administrativo fiscal, não é motivo suficiente para a extinção do referido processo e, nem do crédito tributário, a não ser que lei assim o estabeleça. [06]


2. Os prazos para a conclusão dos processos administrativos

A Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXVIII, pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, introduziu, como garantia fundamental, a razoável duração dos processos, tanto na esfera judicial quanto administrativa, ao estabelecer:

"Art. 5º (...)

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação." (Grifos não do original).

É de se notar que praticamente toda legislação que trata de processo vem definindo prazos para a realização dos atos processuais. Nesse sentido, na via administrativa, podemos citar o Decreto nº 70.235, de 1972, [07] que determina, por exemplo, que o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias (art. 4º), e que antes de a Lei nº 9.532, de 1997, dar nova redação ao seu art. 27, o referido decreto estipulava que o "processo será julgado no prazo de trinta dias, a partir de sua entrada no órgão incumbido do julgamento". Com a alteração, ficou estabelecido, nos termos do seu parágrafo único, que a ordem e os prazos serão estabelecidos em ato do Secretário da Receita Federal. [08]

No mesmo sentido, vem disciplinando a Lei nº 9.784, de 1999, [09] ao tratar do dever de decidir:

"Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.

Art. 59. (...) § 1º Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente." (Grifos não do original).

E por fim, foi publicada a Lei nº 11.457, de 2007, [10] que assim estabelece:

"Art. 24. É OBRIGATÓRIO que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte." (Grifos não do original).

Prazos são estipulados e uma de suas funções é facilitar à Administração o controle e organização dos procedimentos administrativos, evitando-se abusos e arbitrariedades por parte de seus agentes contra o administrado, na busca de maior eficiência administrativa (CF/88, art. 37, caput), assim como, a demora em responder aos pleitos do cidadão depõe contra a segurança jurídica e os direitos fundamentais, entre outros.

É cediço ainda que a celeridade na tramitação e solução das demandas administrativas e judiciais é almejada por toda a sociedade, sendo um direito assegurado pela própria Constituição Federal, nos termos do já citado art. 5º, LXXVIII.

Diante do descumprimento de prazos para proferir uma decisão em processo administrativo fiscal, há quem queira alegar: (a) a extinção do processo e por consequência, do crédito tributário; ou ainda, (b) a preclusão temporal, ou seja, a perda da faculdade, para decidir, aceitando então como verdadeiras as alegações recursais do contribuinte, entre outros. [11]

A alegação da ocorrência de extinção do processo pelo não cumprimento de prazo não é aceito por inexistir qualquer previsão legal, e, muito menos do crédito tributário, que tem suas modalidades de extinção taxativamente disciplinadas no art. 156 do CTN.

No que se refere à preclusão temporal para decidir, o que impediria a autoridade administrativa de apreciar o requerimento ou recurso interposto, considerando os resultados favoráveis ao contribuinte, inicialmente há se registrar que havia previsão nesse sentido no § 2º do art. 24 da Lei 11.457, de 2007, e que foi vetado. Disciplinava o referido parágrafo que se não fossem realizadas as diligências administrativas, no prazo máximo de 120 dias, os seus resultados seriam favoráveis ao contribuinte.

Nas razões de veto, justifica-se o porquê de ter sido vetado, ao afirmar que se não fossem realizadas as diligências no prazo determinado, o órgão julgador poderia deixar de deferir ou até de solicitar diligência e o prejudicado poderia ser o próprio contribuinte, pois além de o julgamento ser efetuado sem a adequada apreciação da matéria, poderia ser induzido a favor da Administração.


3. A responsabilidade pela omissão

Embora haja a infringência a princípios como o da legalidade, da eficiência, do devido processo legal e da oficialidade, entre outros, o descumprimento aos prazos processuais somente poderá resultar em alguma penalidade, tanto para o Poder Público quanto para o cidadão, se houver expressa disposição legal nesse sentido.

Em análise às normas legais que tratam de prazos processuais para a Administração cumprir, observa-se que, em nenhuma das normas transcritas há qualquer referência a penalidades para a hipótese de o prazo legal prescrito não ser cumprido pelo Poder Público. Pode-se afirmar então ser mais uma das tantas leis denominadas "letra morta", ou um dispositivo legal inócuo, sem qualquer objetivo ou consequência para a Administração Pública?

Hely Lopes Meirelles [12] doutrina que "se a Administração o retarda, ou dele se desinteressa, infringe o princípio da oficialidade, e seus agentes podem ser responsabilizados pela omissão." (Grifos não do original). Assim, além da possibilidade de responsabilização objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, com amparo no art. 37, § 6º da CF/88, [13] existe também a responsabilidade disciplinar ao servidor. [14]

Sabe-se que a realidade é perversa, e está a exigir providências mais pontuais e estruturais, como a expressa previsão legal de sanções contra o descumpridor de prazos, ou a suspensão automática dos efeitos do processo, entre outras.

Nota-se assim que para conferir maior eficácia a letra da lei que estipula prazos para a realização dos atos processuais, está-se a exigir uma expressa previsão legal de sanções na hipótese de seu descumprimento.

Em realidade, hoje, a definição legal de prazos para a realização dos atos processuais pelo Poder Público, a exemplo dos obrigatórios 360 dias dispostos na Lei 11.457, de 2007, apenas e tão-somente está a oferecer fundamento jurídico para se buscar e obter a intervenção judicial, na solução concreta de um caso específico, o que, infelizmente, vem a sobrecarregar ainda mais a máquina pública.

Nesse sentido, a jurisprudência de nossos tribunais tem reconhecido o direito subjetivo do administrado, no sentido apenas de estabelecer prazos para que a Administração aprecie e decida os recursos administrativos do contribuinte dentro de um "prazo razoável".

Nessa direção, tem-se a jurisprudência firmada pelo STJ: [15]

"(...) Concedo parcialmente a segurança, para determinar que a autoridade coatora se pronuncie sobre o requerimento formulado pela Impetrante. Para tanto, fica assinado o prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias para a resposta do postulado." (Grifos não do original).


Conclusão

Importante frisar que a demora na tramitação e solução dos atos processuais, administrativos e judiciais, pode implicar transtornos a todas as partes envolvidas, trazendo insegurança, insatisfação e desgastes de toda ordem. Naturalmente que a gradação dos prejuízos vai depender de cada caso, em concreto. Se for um processo envolvendo, por exemplo, a concessão de um benefício fiscal, a delonga na análise é mais prejudicial à parte interessada. Porém, em um processo de autuação fiscal, o próprio contribuinte poderá ter suas razões em não ter interesse na celeridade de seu andamento.

Cabe ao cidadão, assim, quando se sentir lesado, desafiar ação contra o Estado, ao verificar que houve negligência ou desídia do servidor público no andamento do processo.


Referências bibliográficas

CABRAL, Antônio da Silva. Processo administrativo fiscal. São Paulo: Saraiva, 1993.

HABLE, José. A extinção do crédito tributário por decurso de prazo. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. Atualizada. São Paulo: Malheiros, 1994.


Notas

(1) CABRAL, A. S. Obra citada. p. 70.

(2) BRASIL. CPC. "Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial." Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 15 mar. 2009.

(3) BRASIL. CPC. "Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005) (...) II - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;". Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 15 mar. 2009.

(4) BRASIL. STJ. REsp nº 53467/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, 2ª T, Data do Julgamento 05.09.1996, DJ 30.09.1996 p. 36613. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 24 mar. 2009.

(5) Nesse sentido, STJ, REsp 822705/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T, Data do Julgamento 20/04/2006, DJ 02.05.2006 p. 297: "(...) Antes de haver ocorrido esse fato, não existe ''dies a quo'' do prazo prescricional, pois, na fase entre a notificação do lançamento e a solução do processo administrativo, não ocorrem nem a prescrição nem a decadência (art. 151, III, do CTN). (...).". Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 23 mar. 2009.

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(6) Ver artigo: HABLE, José. A demora na decisão do contencioso administrativo-fiscal. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1705, 2 mar. 2008. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/11002 Acesso em: 24 mar. 2009. E, ainda, HABLE, J. Obra citada. p. 75-77.

(7) UNIÃO. Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972. Dispõe sobre o processo administrativo fiscal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 20 mar. 2009.

(8) No mesmo caminho, vem dispondo a legislação tributária do Distrito Federal, Lei nº 657, de 1994: "Art. 5º - O servidor do Fisco executará os atos processuais no prazo de 8 (oito) dias, salvo disposição em contrário." e "Art. 24 - Findo o preparo, o processo será encaminhado no prazo de 5 (cinco) dias à autoridade julgadora de primeira instância, que terá 20 (vinte) dias para decidir." Disponível em: http://www.fazenda.df.gov.br. Acesso em: 20 mar. 2009. Tem-se ainda a Lei de São Paulo nº 10.177, de 1998, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, e disciplina: "Artigo 32 - Quando outros não estiverem previstos nesta lei ou em disposições especiais, serão obedecidos os seguintes prazos máximos nos procedimentos administrativos: (...) VII - para decisão final: 20 (vinte) dias;" "Artigo 33 - O prazo máximo para decisão de requerimentos de qualquer espécie apresentados à Administração será de 120 (cento e vinte) dias, se outro não for legalmente estabelecido." Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20i/resplei10177.htm Acesso em: 20 mar. 2009.

(9) UNIÃO. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 20 mar. 2009.

(10) UNIÃO. Lei 11.457, de 16 de março de 2007. Dispõe sobre a Administração Tributária Federal; (...); e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 20 mar. 2009.

(11) A Lei de São Paulo nº 10.177, de 1998, disciplina: "Artigo 33 (...) § 1º - Ultrapassado o prazo sem decisão, o interessado poderá considerar rejeitado o requerimento na esfera administrativa, salvo previsão legal ou regulamentar em contrário." "Artigo 50 - Ultrapassado, sem decisão, o prazo de 120 (cento e vinte) dias contado do protocolo do recurso que tramite sem efeito suspensivo, o recorrente poderá considerá-lo rejeitado na esfera administrativa.". No mesmo sentido, disciplina a Lei nº 657/94, do Distrito Federal: "Art. 24. (...) § 1º - Não sendo proferida decisão de primeira instância no prazo legal, nem convertido o julgamento em diligência, pode o interessado requerer ao Presidente do TARF a avocação do processo."

(12) MEIRELLES, H. L. Obra citada. p. 580.

(13) BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. "Art. 37 (...) § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." (Grifos não do original).

(14) Nesse sentido, podemos citar a Lei 9784/98, "Art. 42. (...) § 1º Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, (...), responsabilizando-se quem der causa ao atraso. § 2º Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, (...), sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento. Ou ainda, na Lei de São Paulo n. 10.177/98: "Art. 90 – O descumprimento injustificado, pela Administração, dos prazos previstos nesta lei gera responsabilidade disciplinar, imputável aos agentes públicos encarregados do assunto, não implicando, necessariamente, em nulidade do procedimento. §1º - Respondem também os superiores hierárquicos que se omitirem na fiscalização dos serviços de seus subordinados, ou que de algum modo concorram para a infração." (Grifamos).

(15) BRASIL. STJ. MS nº 10092-DF, 1ª Seção, Rel. Min. Franciulli Netto, data de julgamento: 22/06/2005. DJ 01/08/2005 p. 301. No mesmo sentido, Resp nº 687947-MS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, data de julgamento: 03/08/2006. DJ 21/08/2006 p. 242, Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 20 mar. 2009, entre outros.

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Sobre o autor
José Hable

Auditor Fiscal da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal. Conselheiro e Presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF). Mestre em Direito Internacional Econômico pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduado em Direito Tributário, com o título de especialista docente em Direito Tributário, pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF e Instituto de Cooperação e Assistência Técnica – ICAT (2000). Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília – CEUB (1999). Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade Católica de Administração e Economia - FAE (1990). Graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná UFPR (1990). Professor de Direito Tributário. Autor de livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HABLE, José. A razoável duração do processo no âmbito judicial e administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2100, 1 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12560. Acesso em: 29 mar. 2024.

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