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A guarda compartilhada e a Lei nº 11.698/08

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2. A GUARDA COMPARTILHADA E O MELHOR INTERESSE DO MENOR

O instituto da guarda compartilhada, até bem pouco tempo, não era previsto expressamente no ordenamento jurídico nacional, o que não impossibilitava a sua aplicação na prática, a uma com base nas experiências do Direito Comparado (principalmente na França – Código Civil francês, art. 373-2, Espanha – Código Civil espanhol, arts. 156, 159 e 160, em Portugal – Código Civil português, art. 1905º, Cuba – Código de Família de Cuba, arts. 57 e 58 e Uruguai – Código Civil uruguaio, arts. 252 e 257) e, a duas, com fulcro em dispositivos já existentes no ordenamento jurídico, especialmente o art. 229 da Constituição Federal ("Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores [...]") e os artigos 1.579 ("O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos"), 1.632 ("A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos") e 1.690, parágrafo único ("Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária") do Código Civil brasileiro.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 1967, já teve a oportunidade de se pronunciar, em termos genéricos, sobre a importância da guarda compartilhada, ex vi do seguinte julgado:

O juiz, ao dirimir divergência entre pai e mãe, não se deve restringir a regular visitas, estabelecendo limitados horários em dia determinado da semana, o que representa medida mínima. Preocupação do juiz, nesta ordenação, será propiciar a manutenção das relações dos pais com os filhos. É preciso fixar regras que não permitam que se desfaça a relação afetiva entre pais e filho, entre mãe e filho. Em relação à guarda dos filhos, em qualquer momento, o juiz pode ser chamado a revisar a decisão, atento ao sistema legal. O que prepondera é o interesse dos filhos, e não a pretensão do pai ou da mãe. (RE 60.265-RJ).

Mais recentemente, em 2006, o enunciado nº 335 da IV Jornada de Direito Civil veio a estatuir: "A guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação da equipe multidisciplinar".

Apesar disso, não há que se olvidar que a recente Lei nº 11.698/08 é muito bem-vinda, pois colocou por terra qualquer discussão sobre a possibilidade de aplicação da guarda compartilhada ao inserir expressamente tal instituto no ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual será apreciada com vagar em tópico próprio (capítulo 4).

A guarda compartilhada implica em exercício conjunto, simultâneo e pleno do poder familiar, afastando-se, portanto, a dicotomia entre guarda exclusiva, de um lado, e direito de visita, do outro. A partir dessa medida, fixa-se o domicílio do menor na residência preferencial de um dos genitores, mas ao outro é atribuído o dever de continuar cumprindo intensamente o poder familiar, através da participação cotidiana nas questões fundamentais da vida do seu filho, tais como estudo, saúde, esporte e lazer, o que vem a descaracterizar a figura do "pai/mãe de fim-de-semana".

É certo que a guarda compartilhada não elimina, por exemplo, a clássica obrigação de pagamento de pensão alimentícia a ser assumida por um dos genitores. Não obstante, ela visa essencialmente ampliar os horizontes da responsabilidade dos pais, fomentando, em verdade, uma co-responsabilidade, uma pluralidade de responsabilidades na educação do filho, enfim, uma colaboração igualitária na condução dos destinos do menor.

Analisando com precisão cirúrgica esse fenômeno, a Professora Maria Berenice Dias leciona:

Guarda conjunta ou compartilhada significa mais prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização de responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos. A proposta é manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação sempre acarreta nos filhos e conferindo aos pais o exercício da função parental de forma igualitária. A finalidade é consagrar o direito da criança e de seus dois genitores, colocando um freio na irresponsabilidade provocada pela guarda individual [...]. (DIAS, 2006, p. 361-362).

Idêntico raciocínio possui a destacada Professora Ana Carolina Brochado Teixeira, como se vê do trecho abaixo transcrito:

O que se constata é a presença marcante, no conceito ora esboçado, da possibilidade do exercício conjunto da autoridade parental, como aspecto definidor da guarda compartilhada, pois que possibilita que os genitores compartilhem as decisões mais relevantes da vida dos filhos [...]. A sagrada relação parental é desatrelada da definição dos rumos da conjugalidade dos pais, garantindo aos filhos a vinculação do laço afetivo com ambos os genitores, mesmo após o esfacelamento da vida em comum. Em verdade, o real mérito da guarda compartilhada tem sido popularizar a discussão da co-participação parental na vida dos filhos [...]. (TEIXEIRA, 2005, p. 110).

Como é cediço, inúmeros são os efeitos traumáticos provocados pela dissolução do casamento/união estável no desenvolvimento psíquico dos filhos menores e um deles, notadamente, é a perda de contato freqüente com um dos seus genitores. Nesse sentido, verifica-se que a guarda compartilhada pretende evitar esse indesejado distanciamento, incentivando, ao máximo, a manutenção dos laços afetivos entre os envolvidos acima referidos, afinal de contas pai (gênero) não perde essa condição após o fim do relacionamento amoroso mantido com o outro genitor (gênero) do seu filho, nos termos do art. 1.632 do Código Civil.

Nesse contexto, impende esclarecer que a guarda compartilhada não pode jamais ser confundida com a chamada guarda alternada: esta, não recomendável, eis que tutela apenas os interesses dos pais, implica em exercício unilateral do poder familiar por período determinado, promovendo uma verdadeira divisão do menor, que convive, por exemplo, 15 (quinze) dias unicamente com o pai e outros 15 (quinze) dias unicamente com a mãe; aquela, por sua vez, altamente recomendável, eis que tutela os interesses do menor, consiste no exercício simultâneo do poder familiar, incentivando a manutenção do vínculo afetivo do menor com o genitor com quem ele não reside.

Sobre a minoração dos efeitos da dissolução do casamento/união estável dos pais com a maior participação dos mesmos na vida dos seus filhos através da guarda compartilhada, assevera Paulo Lôbo:

A guarda compartilhada é caracterizada pela manutenção responsável e solidária dos direitos-deveres inerentes ao poder familiar, minimizando-se os efeitos da separação dos pais. Assim, preferencialmente, os pais permanecem com as mesmas divisões de tarefas que mantinham quando conviviam, acompanhando conjuntamente a formação e o desenvolvimento do filho. Nesse sentido, na medida das possibilidades de cada um, devem participar das atividades de estudos, de esporte e de lazer do filho. O ponto mais importante é a convivência compartilhada, pois o filho deve sentir-se ‘em casa’ tanto na residência de um quanto na do outro. Em algumas experiências bem-sucedidas de guarda compartilhada, mantêm-se quartos e objetos pessoais do filho em ambas as residências, ainda quando seus pais tenham constituído novas famílias. (LÔBO, 2008, p. 176).

De outro lado, a guarda compartilhada também possui o importante efeito de impedir a ocorrência do Fenômeno da Alienação Parental e a conseqüente Síndrome da Alienação Parental (capítulo 1), já que, em sendo o poder familiar exercido conjuntamente, não há que se falar em utilização do menor por um dos genitores como instrumento de chantagem e vingança contra o genitor que não convive com o mesmo, situação típica da guarda unilateral ou exclusiva.

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Com efeito, essas são justamente as duas grandes vantagens da guarda compartilhada: o incremento da convivência do menor com ambos os genitores, não obstante o fim do relacionamento amoroso entre aqueles, e a diminuição dos riscos de ocorrência da Alienação Parental. Desse modo, constata-se que, em verdade, a guarda compartilhada tem como objetivo final a concretização do princípio do melhor interesse do menor (princípio garantidor da efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, tratando-se de uma franca materialização da teoria da proteção integral - art. 227 da Constituição Federal e art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente), pois é medida que deve ser aplicada sempre e exclusivamente em benefício do filho menor.

Comentando sobre o princípio do melhor interesse do menor como finalidade precípua da guarda compartilhada, Rodrigo da Cunha Pereira pondera:

É comum vermos os filhos se tornam ‘moeda de troca’ dos pais no processo judicial. A ordem jurídica começou a perceber a necessidade de separar a figura conjugal da figura parental [...]. Muito pertinente, por isso, a discussão acerca do cabimento da guarda compartilhada no ordenamento jurídico pátrio. Este novo arranjo familiar atenderia aos Princípios do Melhor Interesse do Menor? A guarda compartilhada é um modelo novo, cuja proposta é a tomada conjunta de decisões mais importantes em relação à vida do filho, mesmo após o término da sociedade conjugal [...]. O que se garante é a continuidade da convivência familiar, que é um direito fundamental da criança e, por seu turno, um dever fundamental dos pais. A convivência, neste ínterim, não assume apenas a faceta do conviver e da coexistência, mas vai muito mais além, ou seja, participar, interferir, limitar, educar. Estes deveres não se rompem com o fim da conjugalidade, por força do art. 1.632 do Código Civil de 2002, por ser atributo inerente ao poder familiar, que apenas se extingue com a maioridade ou a emancipação do filho. Zelar pelo melhor interesse do menor, portanto, é garantir que ele conviva o máximo possível com ambos os genitores – desde que a convivência entre eles seja saudável, ou seja, que não exista nada que os desabone [...]. (PEREIRA, 2002006, p. 134-135).

Registre-se ainda que a guarda compartilhada, em atendendo ao princípio do melhor interesse do menor, também atenderá a outro princípio deste decorrente, qual seja, o princípio do direito à convivência familiar, insculpido no art. 227 da Carta Magna Federal e nos artigos 4º e 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Acrescente-se que a guarda compartilhada vai também de encontro com outros princípios constitucionais essenciais, a saber, a igualdade entre cônjuges/companheiros (art. 226, § 5º, c/c art. 226, § 3º), a paternidade responsável (art. 226, § 7º) e o planejamento familiar (art. 226, § 7º), este último fruto do princípio da autonomia privada, o qual está consubstanciado no princípio da liberdade (art. 5º, caput).

Como se vê, portanto, pelos benefícios por ela proporcionados e pela realização de princípios constitucionais que ela promove, notadamente o princípio do melhor interesse do menor, a guarda compartilhada deve ser tida como a regra geral na fixação do exercício do poder familiar com a dissolução do casamento/união estável, em prevalência sobre a guarda exclusiva ou unilateral.

Nesse trilhar, é bem verdade que não há sérias dificuldades na aplicação do instituto quando há acordo entre os cônjuges/companheiros a esse respeito, o que é mais comum na dissolução consensual do casamento/união estável. O problema que atormenta parcela da doutrina civilista reside na aplicação da guarda compartilhada quando não há acordo entre os pais sobre ela (fixação judicial, portanto), situação freqüente nas ações litigiosas de dissolução do casamento/união estável, pois, nesse caso, o conflito entre os genitores persistiria após tal ação de dissolução, o que prejudicaria sobremaneira o exercício sadio da responsabilidade conjunta do poder familiar.

A nosso ver, porém, esse problema é apenas aparente, sendo contornável pelo incentivo da prática da mediação familiar, conforme será visto no capítulo seguinte.

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Sobre o autor
Leonardo Barreto Moreira Alves

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Especialista em Direito Civil pela PUC/MG Mestre em Direito Privado pela PUC/MG Professor de Direito Processual Penal de cursos preparatórios Professor de Direito Processual Penal da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais (FESMPMG) Membro do Conselho Editorial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais Membro do Conselho Editorial da Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A guarda compartilhada e a Lei nº 11.698/08. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2106, 7 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12592. Acesso em: 2 mai. 2024.

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