Artigo Destaque dos editores

Mitigação da reparação integral nas relações consumeristas

Leia nesta página:

O artigo 945 do CC/20021 estabelece uma forma de mitigação da reparação integral do dano prevista no artigo 944, caput, do mesmo diploma legal2. Trata-se da amenização do arbitramento do "quantum" indenizatório em decorrência da culpa concorrente do lesado.

Segundo GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, na relação em que for apurada a culpa concorrente, o julgador deve "reduzir, equitativamente, a indenização", mas desde que não envolva atividade de consumo: "no campo do Direito do Consumidor, a teoria da concorrência de causas não tem essa mesma amplitude"3, pois somente a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros exclui a responsabilidade do fornecedor4.

Primeiramente, cumpre observar que a assertiva não reflete a melhor utilização do instituto da equidade, tendo em vista que, antes de discutir seu cabimento, deve-se verificar se não há previsão na lei, e, caso não tenha, se não são aplicáveis as fontes mediatas do Direito: doutrina, jurisprudência, analogia, costumes e princípios gerais do direito5. Ademais, da combinação do artigo 127 do CPC com o artigo 945 do CC/2002, a equidade não será aplicada por não haver previsão legal expressa. Por outro lado, é fácil verificar que o artigo 945 sofreu forte influência dos princípios gerais do direito e dos axiomas que os informam, conforme depreende da lição de FARIAS e ROSENVALD6:

"Os princípios gerais de direito, como o próprio nome indica, são os postulados extraídos da cultura jurídica, fundando o próprio sistema da ciência jurídica. São ideais ligados ao senso de justiça. Emanam do Direito Romano, sintetizados em três axiomas: não lesar a ninguém (‘neminem laedere’), dar a cada um o que é seu (‘suum cuique tribuere’) e viver honestamente (‘honeste vivere’)".

Apesar do dispositivo não encontrar similar no CC/1916, a jurisprudência, já nas relações havidas sob sua égide, considerava a concorrência de culpas para atenuar a responsabilidade do ofensor e influir diretamente no arbitramento da reparação de danos morais ou materiais, inclusive em situações que envolvessem a responsabilidade objetiva7. À luz do CC/2002, os tribunais mantiveram o entendimento sobre a possibilidade de reduzir o valor arbitrado na indenização quando havida a culpa recíproca8. Em se tratando da reparação de danos materiais, os julgados, inclusive, tratam da redução do pensionamento devido em razão de acidente sofrido pela vítima que contribuiu para a ocorrência do evento.

E vale lembrar que o mesmo raciocínio é utilizado nas relações em que o Estado é parte. Destarte, não há sequer que ser suscitada a impossibilidade de discutir a culpa em situações que envolvam a responsabilidade objetiva.

Já com relação à alegação de que a culpa concorrente não exime a responsabilidade do fornecedor, cabendo-lhe indenizar integralmente o consumidor a quem causar danos, cumpre inicialmente asseverar que o artigo 945 do CC/2002, em razão do diálogo entre o CDC e o CC/2002, é aplicável às relações de consumo porque se trata de regra mais nova no ordenamento jurídico. Isso não evita, todavia, que seja utilizado como contra-argumento o fato de que o CDC foi concebido para proteger o consumidor e não o fornecedor. Nestes termos, numa análise perfunctória do tema, seria inaplicável o diálogo das fontes9, já que, ao mitigar a indenização integral, a nova regra estaria em desarmonia com a lei especial em razão da atmosfera de vulnerabilidade que envolve o consumidor, sendo vedada a utilização de instituto que ameniza a proteção a direitos e a garantias constitucionais.

Ocorre que os operadores do direito costumam desconsiderar que os fornecedores também gozam de proteção na CRFB/1988. Servem de exemplos a garantia da livre iniciativa e o livre exercício de qualquer atividade econômica lícita, previstos no artigo 170 "caput" e parágrafo único. Inclusive, há que se lembrar a importância da iniciativa privada para o nosso sistema econômico pelo pagamento de tributos, pela geração de empregos e de divisas etc.

O próprio artigo 4º, inciso III, do CDC, ao tratar da Política Nacional de Relações de Consumo, determina que seus objetivos serão informados pelos seguintes princípios: i) harmonização dos interesses das partes; ii) compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico para promoção dos princípios informadores da ordem econômica; e iii) boa-fé e equilíbrio.

Como se vê, prega-se a boa-fé, o equilíbrio e a compatibilização entre a proteção do consumidor e o desenvolvimento econômico, e não são desconsiderados direitos e garantias constitucionais dos fornecedores nas relações de consumo, pois a defesa desmesurada do consumidor evidencia ofensas à saúde desse setor10. Logo, é necessário que se recorra à ponderação dos princípios, das regras, das garantias e dos direitos envolvidos, já que a norma infraconstitucional, ao reconhecer direitos de minorias, não pode afiançar que se cometam irregularidades contra os demais atores da sociedade.

Nesse sentido, malgrado a autonomia privada conceda ao indivíduo o direito de exercer suas prerrogativas, essa liberdade11 é limitada em decorrência do pacto social12. Além disso, a boa-fé objetiva, que deriva da dignidade da pessoa humana, passou a nortear as relações havidas entre os indivíduos e também entre o indivíduo e o Estado, não permitindo que a vontade individual se sobrepusesse aos interesses da coletividade13.

Esse comportamento, vale dizer, tem fundamento na solidariedade, princípio que possui "status" de objetivo fundamental (artigo 3º, inciso I, da CRFB/1988) e que, ao mesmo tempo em que protege todos os membros da coletividade, reconhece uma obrigação moral no sentido de atribuir ao indivíduo o dever de primar pelo bem-estar da coletividade em geral e também de cada pessoa individualmente, não podendo agir em relação ao próximo de forma que não gostaria que agissem contra si. Tudo isso em prol do bem comum.

O ordenamento jurídico vem caminhando no sentido de não permitir que os direitos das parcelas da coletividade, ditas minorias, sejam violados, mormente aqueles ligados à dignidade humana14. Há que se ter em conta, porém, que essa proteção não pode servir de anteparo para a promoção de verdadeiro desrespeito aos direitos e às garantias dos demais membros da sociedade. Não fosse assim, estaria autorizado o abuso do direito15, instituto de cunho constitucional limitado pelos direitos fundamentais de terceiros, que inibe o exercício de direitos subjetivos quando, mesmo aparentemente acobertado pela boa-fé16, o indivíduo causar prejuízos de forma desarrazoada às pessoas individualmente ou à coletividade. Isso porque aquele que age de forma ilícita não pode auferir favores da lei.

Nesse diapasão, o consumidor que utiliza subterfúgios para obter vantagem (indevida) do seu parceiro contratual, deve também sentir o caráter pedagógico que norteia a ideia da reparação de danos, e sua culpa concorrente deve servir de fundamento para o arbitramento de valores mais baixos. É o caso do consumidor que "abandona" o eletrodoméstico na porta da loja sem procurar a assistência técnica, e depois requer reparação material e moral; ou do correntista que utiliza dinheiro equivocadamente depositado em sua conta-corrente e após deixá-la a "descoberto", ultrapassando o limite do cheque especial, requer a isenção dos juros cobrados e ainda a reparação dos supostos danos morais sofridos17. No primeiro caso, se a ação do consumidor causar danos ao bem, a indenização do dano material será reduzida.

Uma situação real foi julgada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e confirmada em decisão monocrática no Eg. Superior Tribunal de Justiça18: o consumidor adquiriu bem financiado por instituição financeira parceira do estabelecimento comercial onde foi feita a compra e pagou as mensalidades de forma avulsa naquele local, porque as parcelas venceram antes de receber o carnê de cobrança. Como o estabelecimento não repassou os valores das prestações à financeira, essa, por sua vez, negativou o nome do consumidor.

Houve, no caso, uma sequência de erros: i) o consumidor pagou as parcelas mediante outra empresa, que não a que lhe financiou o bem; ii) o estabelecimento comercial recebeu em seu guichê parcelas devidas à financeira, fazendo crer ao consumidor que integrava o negócio jurídico do financiamento e assumindo o compromisso de repassar os valores ao seu parceiro comercial; e iii) a instituição financeira, que não enviou o boleto a tempo, firmou o contrato nas dependências do estabelecimento comercial, dando a entender que ali também receberia as mensalidades, e negativou o nome do consumidor sem antes verificar se as prestações haviam sido pagas.

Finalmente, para espancar qualquer dúvida porventura existente, o Eg. Superior Tribunal de Justiça, responsável pela uniformização da jurisprudência infraconstitucional, considerou que a culpa recíproca é fator que permite a redução, sem traumas, da condenação a que estaria submetido o fornecedor de mercadorias19. No voto condutor, o Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, após apontar a grande controvérsia da doutrina no que tange à possibilidade de se considerar ou não a culpa concorrente para arbitrar valor reduzido na reparação do dano nas relações de consumo, afirmou que:

"proibir a ponderação da culpa concorrente é orientação que leva necessariamente a uma perda de justiça, tanto maior quanto maior a culpa da vítima. Por isso, concluo que se pode ponderar, no âmbito do sistema de responsabilidade instituído pelo CDC, a culpa concorrente da vítima".

Conforme restou demonstrado, se o lesado contribuiu juntamente com o ofensor para a ocorrência do prejuizo, aplica-se o artigo 945 do CC/2002, dispositivo fortemente influenciado pelos princípios gerais do direito. Assim, cabe ao julgador, após ponderar sobre a culpa de ambos (ofensor e ofendido) e distribuir de forma proporcional o grau de responsabilidade de cada um para deflagração do evento, fixar o valor da reparação.

Nesse sentido, a responsabilidade subjetiva, a objetiva, e especialmente as relações de consumo serão abarcadas por essa técnica de arbitramento, pois o ordenamento jurídico se volta para a impossibilidade de lesão ao próximo, ainda que em detrimento dos que gozam de tratamento privilegiado concedido pela CRFB/1988. Isso porque a solidariedade e a boa-fé objetiva também possuem escopo constitucional, e na ponderação de qual direito ou garantia incidirá no caso concreto, deve prevalecer a impossibilidade de auferir vantagens de forma desmesurada sobre o outro, por qualquer das partes, inclusive a vítima que porventura tenha contribuído para o evento.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Por fim, vale dizer, a boa-fé está umbilicalmente ligada ao axioma "viver honestamente"; a solidariedade ao "não lesar a ninguém"; e a possibilidade de reduzir o valor da indenização na eventualidade de ocorrer culpa recíproca ao "dar a cada um o que é seu".


notas

1 Artigo 945 do CC/2002: "Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano";

2 Artigo 944 do CC/2002: "A indenização mede-se pela extensão do dano";

3 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol. III. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 368 e 95;

4 Dispõem o artigo 12, § 3º, inciso III, e o artigo 14, § 3º, inciso II, ambos do CDC que nas relações consumeristas o fornecedor de mercadorias e o prestador de serviços só estão isentos da responsabilidade nos casos de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro;

5 "Em caso de lacuna, o juiz deverá constatar, na própria legislação, se há semelhança entre fatos diferentes, fazendo juízo de valor de que esta semelhança se sobrepõe às diferenças. E se não encontrar casos análogos, deve recorrer ao costume e ao princípio geral de direito; não podendo contar com essas alternativas, é-lhe permitido, ainda, socorrer-se da eqüidade". DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 131;

6 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 51;

7"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EMPRESA FERROVIÁRIA. DEVER DE MANUTENÇÃO, CONSERVAÇÃO E SEGURANÇA DE LINHA FÉRREA. INTEGRIDADE FÍSICA DOS TRANSEUNTES. VÍTIMA FATAL. PASSAGEM INADEQUADA. CUIDADOS NECESSÁRIOS. CULPA CONCORRENTE. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL. DANO MATERIAL. PENSIONAMENTO DEVIDO. A empresa ferroviária deve zelar pela manutenção, conservação e segurança da linha férrea, construindo cercas, muros ou outras barreiras para proporcionar segurança à circulação dos trens e impedir o tráfego de pedestres em local manifestamente propício à ocorrência de acidentes, preservando a integridade física e a vida dos transeuntes. Concorre com culpa vítima que, imprudentemente, pretende atravessar pontilhão de bicicleta, desprezando os cuidados necessários para sua própria segurança, já que, por certo, tal local não é adequado para o fim desejado. Verificada a concorrência da culpa da vítima com a do agente causador do dano, a responsabilidade deste é mitigada, devendo a indenização ser fixada tendo-se em conta a gravidade da culpa da vítima em confronto com a do autor do dano. É inegável a dor íntima sofrida pelos pais em razão de morte brusca e violenta sofrida pelo seu filho, sendo patente, portanto, o dano moral. Tratando-se de família simples o entendimento atual é pacífico com relação ao direito dos pais no recebimento de indenização por dano material em decorrência da morte de filho menor, sob forma de pensão, independentemente do exercício de trabalho remunerado pela vítima". TJMG; Ap. Cível 1.0687.01.001287-4/001(1); Rel. IRMAR FERREIRA CAMPOS; Julg. 13/09/2007; Publicação 02/10/2007. No mesmo sentido: STJ; REsp 402.443/MG; Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO; Rel. p/ Acórdão Min. CASTRO FILHO; Org. Julg. 3ª Turma; por maioria; Julg. 02/10/2003; DJ de 01/03/2004 p. 179, RT vol. 827 p. 200 (o voto condutor conheceu e deu parcial provimento ao recurso, apenas para limitar o pensionamento em favor do filho menor ao limite de 25 anos de idade); TJMG; Ap. Cível 2.0000.00.318724-6/000(1); Rel. JUREMA MIRANDA; Julg. 22/11/2000; Publicação 02/12/2000; TJMG; Ap. Cível 1.0024.97.124652-5/001(1); Rel. PEDRO BERNARDES; Julg. 04/11/2008; Publicação 01/12/2008. Disponíveis nos sites: <www.tjmg.jus.br> e <www.stj.jus.br>. Acesso em 13.fev.2009;

8"1. A culpa exclusiva da vítima, nos termos do art. 945, do Código Civil, sob o ângulo de sua prova, revela-se indispensável a reapreciação do conjunto probatório existente no processo, o que é vedado em sede de recurso especial em virtude do preceituado na Súmula n.º 07, desta Corte: ‘A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial.’ (Precedentes: REsp 653.074/RJ; Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 17.12.2004; AgRg no AG 385.693/RS; Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 26.05.2003). 2. O acórdão recorrido, in casu, concluiu que restou comprovado nos autos a ocorrência de culpa concorrente e não exclusiva da vítima para fins de exclusão da responsabilidade civil do Estado. (...) 6. In casu, o Tribunal a quo considerando a responsabilidade objetiva do Estado, tendo em vista o fato da vítima ter caído dentro de um bueiro que estava aberto, próximo a uma rodovia, bem como a existência de culpa concorrente da vítima, uma vez que encontrava-se embriagada no momento do acidente, frisando que tal fato não impedia o reconhecimento da responsabilidade do DNER, manteve valor fixado em sentença, a título de danos morais em R$ 70.000,00 (setenta mil reais) e no que concerne aos danos materiais, no valor equivalente a 0,64 salário mínimo mensal, a ser rateada entre os autores, devida desde o óbito até o implemento dos 21 anos de idade, prorrogável até aos 24 anos, na hipótese de ingresso em curso superior". STJ; AgRg no REsp 901.897/RN; Rel. Min. LUIZ FUX; Órg. Julg. 1ª Turma; por unanimidade; Julg. 25/11/2008; DJe de 17/12/2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 13.fev.2009;

9 Se a lei especial não evoluiu no mesmo passo que a sociedade e acabou defasada, mas houver uma lei geral que preveja essas inovações, cabe ao intérprete aplicá-la para aprimorar a que se encontra em descompasso com o ordenamento jurídico. Com isso, desconsidera-se a regra clássica de resolução da antinomia ("lex specialis derogat lex generali") para manter a coerência do sistema jurídico e evitar decisões que deflagrem um retrocesso. É claro que essas leis (fontes) devem ser movidas por um mesmo princípio, uma mesma lógica, a fim de que, interagindo, suas regras sejam harmonizadas, e é essa identidade principiológica que permite a interpretação sistemática dos normativos envolvidos, criando, por vezes, uma teoria geral comum às normas envolvidas;

10 O artigo 52 do CC/2002 dispõe que "Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade", e segundo TEPEDINO, o dispositivo "não assegura às pessoas jurídicas os direitos subjetivos da personalidade", mas apenas permite à técnica dos direitos da personalidade protegê-la. TEPEDINO, Gustavo. Introdução. In: TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do novo código civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. XXIX;

11 Os limites impostos ao campo de atuação do indivíduo pela esfera jurídica do outro, vedando o cometimento de excessos, advém do Princípio da Liberdade estabelecido na CRFB/1988;

12 O pacto social representa a concessão, pelo homem, de parte de sua liberdade para poder viver em sociedade, pois, segundo ARISTÓTELES, todo homem é um ser político que necessita visceralmente conviver em coletividade;

13 Ao agir com má-fé, o indivíduo burla o dever de solidariedade insculpido na CRFB/1988, conforme bem destacou CARDOSO: "Também no princípio da dignidade da pessoa humana situa-se a fundamentação constitucional da boa-fé objetiva, de modo a subordinar o direito à autonomia privada ao dever de solidariedade. Dessa forma, a dignidade da pessoa humana aparece como princípio unificante, decorrente da exigência de justiça social, imposta pelo art. 170 da Constituição da República". CARDOSO, Vladimir Mucury. O abuso do direito na perspectiva Civil-Constitucional. In: Moraes, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro, Renovar, 2006, p. 94;

14 Várias medidas foram adotadas, pois o direito contemporâneo, enfatizando os direitos humanos, propicia tratamento privilegiado ao segmento que, em determinadas circunstâncias, se encontra em posição de desvantagem em relação a outro agrupamento da sociedade. Nesse sentido, a proteção aos consumidores, às crianças, aos adolescentes, aos idosos e às mulheres (estas nas relações domésticas). Verifica-se também a adoção de medidas afirmativas, que nada mais são do que políticas públicas e privadas criadas com o objetivo de reduzir as desigualdades através da correção de discrepâncias históricas (em sua essência, são a concretização do princípio constitucional da solidariedade);

15"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes";

16 A boa-fé impregna as relações jurídicas em razão da influência do princípio da solidariedade, que, conjuntamente, gozam de destaque em nosso ordenamento jurídico, conforme se verifica nos artigos 113, 187 e 422 do CC/2002, e nos artigos 4º, inciso III, e 51, inciso IV, do CDC;

17 Só serão realmente causados danos morais se for constatado que se trata de manobra do banco para acobertar correntista sem lastro para justificar aquele valor, pois houve manipulação indevida da conta. Isso será facilmente justificado com os documentos a serem apresentados pela instituição financeira;

18 A decisão, que negou provimento ao agravo de instrumento, trouxe transcrito o acórdão recorrido, que assim restou ementado: "Negativação Indevida - Falta de Repasse das Parcelas a Instituição Financeira - Dano Moral. 1 - Autor que celebra com o Réu contrato de compra e venda de bem móvel, ajustando o pagamento parcelado do preço através de financiamento feito por instituição financeira. 2 - Estabelecimento que recebe em seu guichê todas as parcelas do aludido financiamento, mas não as repassa para a instituição financeira, gerando a negativação do nome do consumidor. 3 – Autor que concorre para eclosão do evento danoso, porque ao invés de efetuar o pagamento perante a instituição financeira opta por fazê-lo diretamente ao Réu. 4 - Culpa concorrente reconhecida e que inspira a fixação moderada de indenização por danos morais. 5 - Provimento parcial do recurso". Ag. Inst. 827.211/RJ; Rel. Min. HÉLIO QUÁGLIA BARBOSA; julg. 21/09/2007; decisão monocrática. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 13.fev.2009;

19 "CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Responsabilidade do fornecedor. Culpa concorrente da vítima. Hotel. Piscina. Agência de viagens. - Responsabilidade do hotel, que não sinaliza convenientemente a profundidade da piscina, de acesso livre aos hóspedes. Art. 14 do CDC. - A culpa concorrente da vítima permite a redução da condenação imposta ao fornecedor. Art. 12, § 2º, III, do CDC. - A agência de viagens responde pelo dano pessoal que decorreu do mau serviço do hotel contratado por ela para a hospedagem durante o pacote de turismo". RESP 287.849/SP; Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR; Órg. Julg. 4ª Turma; DJ de 13/08/2001, p. 165, RDR vol. 21 p. 392, RSTJ vol. 154 p. 463, RT vol. 797 p. 226. No mesmo sentido: "(...) Laudo pericial acostado aos autos demonstrou que o dano existiu e que decorreu de falha na prestação do serviço; A concorrência de culpa do consumidor não afasta a responsabilidade do fornecedor, embora a atenue (...)". TJRJ; Ap. Cível 2006.001.64622; Rel. Des. ROBERTO FELINTO; 8ª Câm. Cível; julg. 12/06/2007. Disponíveis em: <www.stj.jus.br> e <www.tj.rj.gov.br>. Acesso em 13.fev.2009.


referências

CARDOSO, Vladimir Mucury. O abuso do direito na perspectiva Civil-Constitucional. In: Moraes, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro, Renovar, 2006;

DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2001;

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008;

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol. III. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2006;

TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do novo código civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003;

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Fernando César Borges Peixoto

Advogado, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória-ES; e em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha-ES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXOTO, Fernando César Borges. Mitigação da reparação integral nas relações consumeristas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2188, 28 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12995. Acesso em: 22 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos