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Lei 9868/99:

processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal

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01/05/2000 às 00:00
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[N.R.: O presente artigo trata do Projeto de Lei n° 2.960, de 1997, que se converteu posteriormente na Lei 9868, de 10 de novembro de 1999.]

          O Projeto de Lei n° 2.960, de 1997, trata, em capítulo destacado, da admissibilidade e do procedimento da ação direta de inconstitucionalidade (Capítulo II) e da admissibilidade e do procedimento da ação declaratória de constitucionalidade, instituída pela Emenda Constitucional no 3, de 1993 (Capítulo III). Tendo em vista o caráter "dúplice" ou "ambivalente" das referidas ações, as regras de admissibilidade e de procedimento aplicáveis à ação direta são, na sua essência, extensíveis à ação declaratória.

          Atenta à necessidade de conferir certa celeridade aos processos da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, houve por bem a Comissão recomendar que se defira ao relator a possibilidade de indeferir liminarmente as petições ineptas, as não fundamentadas e aquelas manifestamente improcedentes (arts. 4o e 15).

          O anteprojeto preserva a orientação contida no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que veda a intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade e, agora, também na ação declaratória de constitucionalidade (arts. 7o e 18).

          Constitui, todavia, inovação significativa a autorização para que outros titulares do direito de propositura da ação direta possam manifestar-se, por escrito, sobre o objeto da ação, pedir a juntada de documentos úteis para o exame da matéria no prazo das informações, bem como apresentar memoriais (arts. 7o, § 1o, e 18, § 1o)

          Trata-se de providência que confere um caráter pluralista ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade, permitindo que o Tribunal decida com pleno conhecimento dos diversos aspectos envolvidos na questão.

          Da mesma forma, afigura-se digna de realce a proposta formulada com o sentido de permitir que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, admita a manifestação de outros órgãos ou entidades (arts. 7o, § 2o, e 18, § 2o). Positiva-se, assim, a figura do "amicus curiae" no processo de controle de constitucionalidade, ensejando a possibilidade de o Tribunal decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas implicações ou repercussões.

          Outra inovação consta dos arts. 9o, § 1o, e 20, § 1o, do anteprojeto, que autorizam o relator, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, a requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data, para, em audiência pública, ouvir depoimentos e pessoas com experiência e autoridade na matéria.

          Nos Estados Unidos, o chamado "Brandeis-Brief" – memorial utilizado pelo advogado Louis D. Brandeis, no case Müller versus Oregon (1908), contendo duas páginas dedicadas às questões jurídicas e outras 110 voltadas para os efeitos da longa duração do trabalho sobre a situação da mulher – permitiu que se desmistificasse a concepção dominante, segundo a qual a questão constitucional configurava simples "questão jurídica" de aferição de legitimidade da lei em face da Constituição.

          Hoje, não há como negar a "comunicação entre norma e fato" (Kommunikation zwischen Norm und Sachverhalt), que constitui condição da própria interpretação constitucional. É que o processo de conhecimento aqui envolve a investigação integrada de elementos fáticos e jurídicos.

          Tem-se, assim, a proposta de um novo instituto que, se adotado, servirá para modernizar o processo constitucional brasileiro.

          Igualmente relevante afigura-se a proposta formulada pela Comissão com o objetivo de permitir que o relator solicite informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição (arts. 9o, § 2o, e 18, § 2o). Trata-se de providência que, além de aperfeiçoar os mecanismos de informação do Tribunal, permite uma maior integração entre a Corte Suprema e as demais Cortes federais e estaduais.

          No que se refere ao pedido de cautelar na ação direta de inconstitucionalidade, optou a Comissão por estabelecer que, salvo em caso de excepcional urgência, o Tribunal somente concederá a liminar, por decisão da maioria absoluta de seus membros, após a audiência, dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado (art. 10). O anteprojeto explicita, ainda, que a decisão concessiva de cautelar terá eficácia erga omnes, devendo a sua parte dispositiva ser publicada em seção especial do Diário Oficial no prazo de dez dias a contar do julgamento.

          O art. 11 do anteprojeto dispõe, em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a cautelar será concedida, regularmente, com eficácia ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa. Da mesma forma, prevê-se que a liminar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário (art. 11, parágrafo único).

          Ainda no que se refere às medidas cautelares, deve-se observar que o presente anteprojeto contém disposição (art. 12) que autoriza o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias.

          Essa providência, além de permitir uma decisão definitiva da controvérsia constitucional em curto espaço de tempo, permite que o Tribunal delibere, de forma igualmente definitiva, sobre a legitimidade de medidas provisórias, antes mesmo que se convertam em lei.

          Outra inovação do presente anteprojeto refere-se à admissão de cautelar, em ação declaratória de constitucionalidade, que há de consistir na determinação de que os juízes e tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até o seu julgamento definitivo, que, de qualquer sorte, há de se verificar no prazo de 180 dias.

          No que se refere à decisão na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade, tratada em um único capítulo (Capítulo IV), preservou-se a orientação, constante de norma regimental do Supremo Tribunal Federal, que estabelece que o julgamento dessas ações somente será efetuado se presentes na sessão pelo menos oito ministros, devendo-se proclamar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo questionado se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis (arts. 22 e 23).

          O art. 24 acentua o caráter "dúplice" ou "ambivalente" da ação direta de inconstitucionalidade ou da ação declaratória de constitucionalidade, estabelecendo que, proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória.

          O anteprojeto assume posição clara em relação à irrecorribilidade e à não-rescindibilidade da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade ou na ação declaratória de constitucionalidade. Além de ser plenamente condizente com a atuação da jurisdição constitucional, tal providência rende homenagem à segurança jurídica e à economia processual, permitindo o imediato encerramento do processo e evitando a interposição de recursos de caráter notadamente protelatório.

          O anteprojeto contém disposição que autoriza o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, a restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de estabelecer que ela tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, desde que tal deliberação seja tomada pela maioria de dois terços de seus membros.

          No momento atual, a falta de um instituto que permita estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade acaba por obrigar os Tribunais, muitas vezes, a se absterem de emitir um juízo de censura, declarando a constitucionalidade de leis manifestamente inconstitucionais.

          Por isso, assevera Garcia de Enterría, forte na doutrina americana, que "la alternativa a la prospectividad de las Sentencia no es, pues, la retroactividad de las mismas, sino la abstención en el descubrimiento de nuevos criterios de efectividad de la Constitución, el estancamiento en su interpretación, la renuncia, pues, a que los Tribunales Constitucionales cumplan una de sus funciones capitales, la de hacer una living Constitution, la de adaptar paulatinamente esta a las nuevas condiciones sociales".

          É interessante notar que, nos próprios Estados Unidos da América, onde a doutrina acentuara tão enfaticamente a idéia de que a expressão "lei inconstitucional" configurava uma contradictio in terminis, uma vez que "the inconstitutional statute is not law at all" , passou-se a admitir, após a Grande Depressão, a necessidade de se estabelecerem limites à declaração de inconstitucionalidade.

          A Suprema Corte americana vem considerando o problema proposto pela eficácia retroativa de juízos de inconstitucionalidade a propósito de decisões em processos criminais. Se as leis ou atos inconstitucionais nunca existiram enquanto tais, eventuais condenações nelas baseadas quedam ilegítimas e, portanto, o juízo de inconstitucionalidade implicaria a possibilidade de impugnação imediata de todas as condenações efetuadas sob a vigência da norma inconstitucional. Por outro lado, se a declaração de inconstitucionalidade afeta tão-somente a demanda em que foi levada a efeito, não há que se cogitar de alteração de julgados anteriores.

          Sobre o tema, afirma Tribe:

          "No caso Linkletter v. Walker, a Corte rejeitou ambos os extremos: ´a Constituição nem proíbe nem exige efeito retroativo.´ Parafraseando o Justice Cardozo pela assertiva de que ´a constituição federal nada diz sobre o assunto´, a Corte de Linkletter tratou da questão da retroatividade como um assunto puramente de política (política judiciária), a ser decidido novamente em cada caso. A Suprema Corte codificou a abordagem de Linkletter no caso Stovall v. Denno: "Os critérios condutores da solução da questão implicam (a) o uso a ser servido pelos novos padrões, (b) a extensão da dependência das autoridades responsáveis pelo cumprimento da lei com relação aos antigos padrões, e (c) o efeito sobre a administração da justiça de uma aplicação retroativa dos novos padrões."

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          Também a Corte Constitucional alemã passou a adotar, já no início de sua judicatura, em 1954, a chamada decisão de apelo (Appellentscheidung), que lhe outorgava a possibilidade de afirmar que a lei se encontrava em processo de inconstitucionalização, recomendando ao legislador, por isso, que procedesse de imediato às correções reclamadas. Segundo a fórmula adotada pelo Tribunal, a lei questionada seria, ainda, constitucional (es ist noch verfassungsgemäss), o que impediria a declaração imediata de sua inconstitucionalidade. O legislador deveria atuar, porém, para evitar a conversão desse estado imperfeito ou de uma situação ainda constitucional em um estado de inconstitucionalidade.

          Ao lado da declaração de nulidade, prevista no § 78 da Lei do Bundesverfassungsgericht, e do apelo ao legislador, desenvolveu o Tribunal outra variante de decisão, a declaração de incompatibilidade ou declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade. Desde 1970, prevê o § 31, (2), 2o e 3o períodos, da Lei do Bundesverfassungsgericht, que o Tribunal poderá declarar a constitucionalidade, a nulidade ou a inconstitucionalidade (sem a pronúncia da nulidade) de uma lei.

          No modelo tedesco, as conseqüências da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade não podem ser inferidas diretamente da Lei do Bundesverfassungsgericht.

          Pode-se depreender das primeiras decisões que o Tribunal considerava admissível a aplicação provisória da lei que teve a sua inconstitucionalidade declarada. Uma posição definitiva sobre a questão somente foi tomada na decisão relativa à nacionalidade dos filhos provenientes dos chamados "casamentos mistos", na qual o Bundesverfassungsgericht houve por bem equiparar, no que concerne à aplicação subseqüente da lei inconstitucional, a declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade (BVerfGE 37, 217 (262) à declaração de nulidade. Segundo o entendimento firmado nessa decisão, a lei simplesmente inconstitucional (unvereinbar), mas que não teve a sua nulidade pronunciada, não mais pode ser aplicada. Uma exceção a esse princípio somente seria admissível se da não-aplicação pudesse resultar vácuo jurídico intolerável para a ordem constitucional.

          A Constituição portuguesa, na versão da Lei Constitucional de 1982, consagrou fórmula segundo a qual, quando a segurança jurídica, razões de eqüidade ou interesse público de excepcional relevo o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto em geral (art. 282o (4).

          Vale registrar, a propósito, a opinião abalizada de Jorge Miranda:

          "A fixação dos efeitos da inconstitucionalidade destina-se a adequá-los às situações da vida, a ponderar o seu alcance e a mitigar uma excessiva rigidez que pudesse comportar; destina-se a evitar que, para fugir a conseqüências demasiado gravosas da declaração, o Tribunal Constitucional viesse a não decidir pela ocorrência de inconstitucionalidade; é uma válvula de segurança da própria finalidade e da efetividade do sistema de fiscalização.

Uma norma como a do art. 282, no 4, aparece, portanto, em diversos países, senão nos textos, pelo menos na jurisprudência.

Como escreve Bachof, os tribunais constitucionais consideram-se não só autorizados mas inclusivamente obrigados a ponderar as suas decisões, a tomar em consideração as possíveis conseqüências destas. É assim que eles verificam se um possível resultado da decisão não seria manifestamente injusto, ou não acarretaria um dano para o bem público, ou não iria lesar interesses dignos de proteção de cidadãos singulares. Não pode entender-se isto, naturalmente, como se os tribunais tomassem como ponto de partida o presumível resultado da sua decisão e passassem por cima da Constituição e da lei em atenção a um resultado desejado. Mas a verdade é que um resultado injusto, ou por qualquer outra razão duvidoso, é também em regra – embora não sempre – um resultado juridicamente errado.

A primeira vista, oposto à fixação dos efeitos é o judicial self-restraint, que consiste (como o nome indica) numa autolimitação dos tribunais ou do tribunal de constitucionalidade, não ajuizando aí onde considere que as opções políticas do legislador devem prevalecer ou ser insindicáveis. Mas talvez se trate apenas de uma aparente restrição, porquanto não interferir, não fiscalizar, não julgar pode inculcar, já por si, uma aceitação dos juízos do legislador e das suas estatuições e, portanto, também uma definição (embora negativa) da inconstitucionalidade e dos seus eventuais efeitos."

          Embora a Constituição espanhola não tenha adotado instituto semelhante, a Corte Constitucional, marcadamente influenciada pela experiência constitucional alemã, passou a adotar, desde 1989, a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, como reportado por Garcia de Enterría:

          "La reciente publicación en el Boletín Oficial del Estado de 2 de marzo último de la ya famosa Sentencia 45/1989, de 20 de febrero, sobre inconstitucionalidad del sistema de liquidación conjunta del Impuesto sobre la Renta de la "unidad familiar" matrimonial, permite a los juristas una reflexión pausada sobre esta importante decisión del Tribunal Constitucional, objeto ya de multitud de Comentários periodísticos.

La decisión es importante, en efecto, por su fondo, la inconstitucionalidad que declara, tema en el cual no parece haberse producido hasta ahora, discrepancia alguna. Pero me parece bastante mas importante aún por la innovación que ha supuesto en la determinación de los efectos de esa inconstitucionalidad, que el fallo remite a lo "que se indica en el Fundamento undécimo" y éste explica como una eficácia pro futuro, que no permite reabrir las liquidaciones administrativas o de los propios contribuyentes (autoliquidaciones) anteriores."

          O próprio Supremo Tribunal Federal tem apontado as insuficiências existentes no âmbito das técnicas de decisão no processo de controle de constitucionalidade.

          Os casos de omissão parcial mostram-se extremamente difíceis de serem superados no âmbito do controle de normas em razão da insuficiência das técnicas de controle disponíveis.

          Essa peculiaridade restou evidenciada na ADIn 526, oferecida contra a Medida Provisória no 296, de 1991, que concedia aumento de remuneração a segmento expressivo do funcionalismo público, em alegado desrespeito ao disposto no art. 37, X, da constituição. Convém se registre passagem do voto proferido pelo eminente Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do pedido de concessão de medida cautelar:

          "Põe-se aqui, entretanto, um problema sério e ainda não deslindado pela Corte, que é um dos tormentos do controle da constitucionalidade da lei pelo estalão do princípio da isonomia e suas derivações constitucionais.

Se a ofensa à isonomia consiste, no texto da norma questionada, na imposição de restrição a alguém, que não se estenda aos que se encontram em posição idêntica, a situação de desigualdade se resolve sem perplexidade pela declaração da invalidez da constrição discriminatória.

A consagração positiva da teoria da inconstitucionalidade por omissão criou, no entanto, dilema cruciante, quando se trate, ao contrário, de ofensa à isonomia pela outorga por lei de vantagem a um ou mais grupos com exclusão de outro ou outros que, sob o ângulo considerado, deveriam incluir entre os beneficiários.

É a hipótese, no quadro constitucional brasileiro, de lei que, à vista da erosão inflacionária do poder de compra da moeda, não dê alcance universal à revisão de vencimentos, contrariando o art. 37, X, ou que, para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas, fixe vencimentos díspares, negando observância à imposição de tratamento igualitário do art. 39, § 1o, da Constituição.

A alternativa que aí se põe ao órgão de controle é afirmar a inconstitucionalidade positiva de norma concessiva do benefício ou, sob outro prisma, a da omissão parcial consistente em não ter estendido o benefício a quantos satisfizessem os mesmos pressupostos de fato subjacentes à outorga (Canotilho, "Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador", l992, 333 ss.; 339; "Direito Constitucional", 1986, pág. 831; Gilmar F. Mendes, "Controle de Constitucionalidade", 1990, págs. 60 ss.; Regina Ferrari, "Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade", 1990, págs. 156 ss.; Carmem Lúcia Rocha, "O Princípio Constitucional da Igualdade", 1990, pág. 42): "a censurabilidade do comportamento do legislador" – mostra Canotilho ("Constituição Dirigente", cit., pág 334), a partir da caracterização material da omissão legislativa – "tanto pode residir no acto positivo – exclusão arbitrária de certos grupos das vantagens legais – como no procedimento omissivo – emanação de uma lei que contempla positivamente um grupo de cidadão, esquecendo outros".

          Se se adota a primeira solução – a declaração de inconstitucionalidade da lei por "não favorecimento arbitrário" ou "exclusão inconstitucional de vantagem" – que é a da nossa tradição (v. g. RE 102.553, 21-8-86, RTJ 120/725) – a decisão tem eficácia fulminante, mas conduz a iniqüidades contra os beneficiados, quando a vantagem não traduz privilégio, mas imperativo de circunstâncias concretas, não obstante a exclusão indevida de outros, que ao gozo dela se apresentariam com os mesmos títulos.

          É o que ocorreria, no caso, com a suspensão cautelar da eficácia da medida provisória, postulada na ADIn 525: estaria prejudicado o aumento de vencimentos da parcela mais numerosa do funcionalismo civil e militar, sem que daí resultasse benefício algum para os excluídos do seu alcance.

          A solução oposta – a da omissão parcial –, seria satisfatória, se resultasse na extensão do aumento – alegadamente, simples reajuste monetário –, a todos quantos sofrem com a mesma intensidade a depreciação inflacionária dos vencimentos.

          A essa extensão da lei, contudo, faltam poderes ao Tribunal, que, à luz do art. 103, § 2o, CF, declarando a inconstitucionalidade por omissão da lei – seja ela absoluta ou relativa, há de cingir-se a comunicá-la ao órgão legislativo competente, para que a supra.

          De resto, como assinalam estudiosos de inegável autoridade (v.g. Gilmar Mendes, cit. pág. 70), o alvitre da inconstitucionalidade por omissão parcial ofensiva da isonomia – se pôde ser construída, a partir da Alemanha, nos regimes do monopólio do controle de normas pela Corte Constitucional –, suscita problemas relevantes de possível rejeição sistemática, se se cogita de transplantá-la para a delicada simbiose institucional que se traduz na conveniência, no direito brasileiro, entre o método de controle direto e concentrado no Supremo Tribunal e o sistema difuso.

          Ponderações que não seria oportuno expender aqui fazem, porém, com que não descarte de plano a aplicabilidade, no Brasil, da tese da inconstitucionalidade por omissão parcial. Ela, entretanto, não admite antecipação cautelar, sequer, limitados efeitos de sua declaração no julgamento definitivo; muito menos para a extensão do benefício aos excluídos, que nem na decisão final se poderia obter."

          Evidente, pois, que a declaração de nulidade não configura técnica adequada para a eliminação da situação inconstitucional nesses casos de omissão legislativa. Uma cassação aprofundaria o estado de inconstitucionalidade, tal como já admitido pela Corte Constitucional alemã em algumas decisões.

          Essa deficiência se mostrou igualmente notória, na decisão de 23.3.94, na qual o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de ampliar a já complexa tessitura das técnicas de decisão no controle de constitucionalidade, admitindo que lei que concedia prazo em dobro para a defensoria pública era de ser considerada constitucional enquanto esses órgãos não estivessem devidamente habilitados ou estruturados.

          Ressalvou-se, portanto, de forma expressa, a possibilidade de que o Tribunal viesse a declarar a inconstitucionalidade da disposição em apreço, uma vez que, como ressaltado no voto do Ministro Moreira Alves, a afirmação sobre a legitimidade da norma assentava-se em uma circunstância de fato que se modifica no tempo.

          Tais decisões demonstram que a criação de nova técnica de decisão decorre do próprio sistema constitucional, especialmente do complexo processo de controle de constitucionalidade das leis adotado entre nós.

          Coerente com evolução constatada no Direito Constitucional comparado, a presente proposta permite que o próprio Supremo Tribunal Federal, por uma maioria diferenciada, decida sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, fazendo um juízo rigoroso de ponderação entre o princípio da nulidade da lei inconstitucional, de um lado, e os postulados da segurança jurídica e do interesse social, de outro (art. 27). Assim, o princípio da nulidade somente será afastado "in concreto" se, a juízo do próprio Tribunal, se puder afirmar que a declaração de nulidade acabaria por distanciar-se ainda mais da vontade constitucional.

          Entendeu, portanto, a Comissão que, ao lado da ortodoxa declaração de nulidade, há de se reconhecer a possibilidade de o Supremo Tribunal, em casos excepcionais, mediante decisão da maioria qualificada (dois terços dos votos), estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, proferindo a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc ou pro futuro, especialmente naqueles casos em que a declaração de nulidade se mostre inadequada (v.g.: lesão positiva ao princípio da isonomia) ou nas hipóteses em que a lacuna resultante da declaração de nulidade possa dar ensejo ao surgimento de uma situação ainda mais afastada da vontade constitucional.

          O anteprojeto estabelece, ainda, que, dentro de dez dias após o trânsito em julgado, o Supremo Tribunal Federal fará publicar a parte dispositiva do acórdão proferido em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça (art. 28).

          Consagra-se, no parágrafo único do art. 28, que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme à Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. Como se sabe, a Emenda Constitucional no 3, de 1993, ao criar a ação declaratória de constitucionalidade de lei federal, estabeleceu que a decisão definitiva de mérito nela proferida – incluída aqui, pois, aquela que, julgando improcedente a ação, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada (...produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo..."). Por essa razão, eminentes membros do Supremo Tribunal Federal, como o Ministro Sepúlveda Pertence, têm sustentado que, "quando cabível em tese a ação declaratória de constitucionalidade, a mesma força vinculante haverá de ser atribuída à decisão definitiva da ação direta de inconstitucionalidade. "

          Nas disposições gerais e finais, propõe-se a alteração do art. 482 do Código de Processo Civil para assegurar às pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato normativo e aos titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da Constituição o direito de manifestação no incidente de inconstitucionalidade, reconhecendo-se-lhes a faculdade de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos.

          Finalmente, o anteprojeto propõe que se altere a Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal para admitir, expressamente, o controle abstrato de normas e o controle abstrato da omissão no âmbito do Distrito Federal. Trata-se de providência que vem colmatar significativa lacuna no sistema de controle de normas, uma vez que o texto constitucional não cuidou diretamente do tema. A solução proposta parece inteiramente compatível com o ordenamento constitucional brasileiro, que não só reconhece o controle abstrato de normas como instrumento regular de controle de constitucionalidade, no âmbito federal e estadual, como também atribui à União a competência para legislar sobre a organização judiciária do Distrito Federal.

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Sobre o autor
Gilmar Mendes

Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Professor adjunto da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Direito pela Universidade de Münster (Alemanha).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Gilmar. Lei 9868/99:: processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/130. Acesso em: 18 nov. 2024.

Mais informações

Texto originalmente publicado na Revista Jurídica Virtual do Palácio do Planalto, edição de novembro de 1999

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