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Algumas relações triangulares de trabalho e delimitação de sua responsabilidade

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A TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA

Ao analisarmos o papel do Tribunal Superior do Trabalho frente aos desafios sofridos pelo Direito do Trabalho, vemos que a jurisprudência trabalhista já vinha se firmando no sentido de repudiar os contratos atípicos nascidos da terceirização, em defesa dos princípios elencados da integração do trabalhador à empresa e à continuidade da relação de emprego. [50]

As transformações na realidade organizacional das empresas, determinadas pela maior amplitude da concorrência internacional, criou casos concretos inteiramente novos e que obrigaram a jurisprudência trabalhista a buscar um posicionamento claro sobre a questão da responsabilidade do empregador pelos créditos do obreiro.

Segundo Maurício Godinho Delgado [51]:

O caminho percorrido pela jurisprudência nesse processo de adequação jurídica da terceirização ao Direito do Trabalho tem combinado duas trilhas principais: a trilha da isonomia remuneratória entre os trabalhadores terceirizados e os empregados originais da empresa tomador de serviços e a trilha da responsabilização do tomador de serviços pelos valores trabalhistas oriundos da prática terceirizante.

O Tribunal Superior do Trabalho editou diversos verbetes jurisprudenciais sobre a terceirização do trabalho, onde se pode notar que o enfoque dado a este assunto evoluiu no campo da sua interpretação judicial.

O primeiro enunciado jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho a cuidar da matéria relativa à terceirização da mão-de-obra e responsabilização pelos créditos do obreiro foi o de número 239, que visava impedir que os trabalhadores de empresas de processamento de dados, que prestavam serviços a instituições bancárias, fossem excluídos da gama de direitos conquistados pela categoria dos bancários, especialmente a jornada de trabalho de seis horas.

Nesta hipótese, a prestadora de serviços destinava a atividade de seus contratados ao banco integrante do mesmo grupo econômico, subordinando, entretanto, seus empregados a um regime de trabalho diferente dos empregados em instituições bancárias, muito embora a natureza dos serviços que prestavam os enquadrasse com perfeição a esta categoria. Em razão disso, assim se manifestava o texto da jurisprudência sumulada aprovado: "É bancário o empregado da empresa de processamento de dados que presta serviço à banco integrante do mesmo grupo econômico". [52]

Tratava-se de evitar assim, que, no aparente exercício de uma atividade, a instituição bancária praticasse ato de mera emulação, destinado a causar prejuízos aos direitos conquistados pela categoria dos bancários e, por corolário, auferindo vantagem indevida às custas do trabalho terceirizado prestado pelos processadores de dados. Portanto, coibia-se a criação fraudulenta de pessoa jurídica pelo próprio empregador com a manifesta intenção de sonegar aos seus empregados vantagens asseguradas à categoria originária por lei ou norma coletiva. [53]

Advertia José Maria de Souza Andrade, em arguta análise, que a situação abraçada pelo Enunciado 239 supracitado referia-se a um caso específico, de uma mesma instituição bancária, não tratando de outras situações análogas, como, por exemplo, grupo econômico não-bancário ou grupo econômico bancário constituir empresa prestadora de serviços que não sejam de digitação, de modo que sua aplicação genérica afigurava-se impossível. Assim, o verbete não refletia a jurisprudência dominante no TST, retratando apenas seu posicionamento diante de um caso concreto, ocorrido no âmbito de uma empresa determinada. [54]

Também tem o inconveniente de não fazer distinção entre a contração por interposta pessoa e a prestação efetiva de serviços pela empresa fornecedora.

O segundo momento em que a mais alta corte trabalhista pátria tratou do tema, em forma de jurisprudência posta, foi com a edição do Enunciado 256:

Salvo nos casos de trabalho temporário e de serviços de vigilância, previstos nas Leis ns. 6.019 de 03/07/74 e 7.102, de 20/06/83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.

Como é fácil notar, o TST tentava então, vedar as formas de subcontratação não previstas expressamente em lei. Havia um certo temor de que a terceirização do trabalho representasse uma apologia ao marchandage, ou seja, à exploração do homem pelo homem. Assim se manifestava Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, Ministro Relator do incidente de uniformização de jurisprudência, para quem as empresas de prestação de serviços dedicavam-se a arregimentar pessoas, mediante contrato de trabalho, com a finalidade de prestar serviços a uma outra empresa cliente, por força de um contrato civil intencionalmente firmado, pelo qual a prestadora de serviços apenas se beneficia ou se apropria da força de trabalho alheia, não possuindo outro fim específico que o lucro sobre o esforço do trabalhador. [55]

A repercussão do texto do Enunciado 256 foi bastante grande, o que propiciou uma intensa discussão doutrinária.

Octávio Bueno Magano criticou fortemente a orientação adotada pelo TST, afirmando que estava ela divorciada da realidade socioeconômica vigente, na qual a cooperação entre as empresas era um fenômeno de destaque e que decorria da necessidade de criar novos meios para enfrentar a concorrência. Resumia sua indignação ao lecionar:

A parte mais chocante do enunciado em análise é aquela que nega o princípio da ilicitude do não-proibido e faz a apologia do seu contrário, ou seja, da regra de que só é lícito o expressamente previsto em lei. Assim procedeu, com efeito, o Tribunal Superior do Trabalho, proclamando a ilicitude da prestação de serviços a terceiros, com a ressalva exclusiva dos casos previstos nas Leis nos 6.019/74 (temporários) e 7.102/83 (vigilante). [56]

Arion Sayão Romita assim se manifestou:

Ora, esta orientação jurisprudencial contraria a tendência a terceirização do trabalho e à flexibilização. È certo que os abusos devem ser reprimidos e as fraudes não podem merecer o aplauso dos tribunais. [57]

Afirmaram também Délio Maranhão e Arnaldo Süssekind que o TST, ao intentar conter o avanço do marchandage, conseguiu apenas confundi-lo com a prestação de serviços entre as empresas diversas, golpeando o avanço econômico. [58]

Pondera Sérgio Pinto Martins, ao esclarecer que a orientação contida na Súmula 256 deve ser entendida no sentido de impedir a fraude à lei e não a prestação lícita de serviços a terceiros, de modo que cada caso concreto é que irá determinar a existência ou não de burla à norma legal. [59]

Arion Sayão Romita igualmente observa, novamente, que se justificavam as pesadas críticas doutrinárias ao Enunciado 256, pois sua aplicação foi ampliada para proclamar a existência de vínculo de emprego mesmo quando o trabalho executado pela empresa prestadora de serviços não estivesse abrangido na atividade-fim da empresa principal. Acredita o autor que a orientação jurisprudencial, aparentemente e em princípio, aplicava-se tão somente à interposição de empresas de contratação de pessoal, não se referindo aos contratos de prestação de serviços por empresa. [60]

Enio Rodrigues de Lima declara entender que não existe norma vedando a contratação de serviços, muito menos que o empregado da prestadora deva ser vinculado à tomadora. [61]

Vidal Neto acrescenta que o art. 170 da Constituição da República dispõe que a ordem econômica funda-se na livre iniciativa e autoriza a todos o livre exercício de qualquer atividade, desde que lícita. Assim, mostra-se a atividade de prestação de serviços ou fornecimento de bens como uma atividade econômica normal que pode ser desenvolvida livremente. [62]

A terceira manifestação da jurisprudência sobre a terceirização da mão-de-obra veio à tona com o Enunciado 257 do Tribunal Superior do Trabalho, que afirmava não serem bancários os vigilantes contratados diretamente pelos bancos ou por meio de agências especializadas.

Ao considerar que vigilante não pode ser considerado bancário, mesmo quando contratado por bancos, segundo Maurício Godinho Delgado [63]:

É verdade que a Lei n. 7.102, de 1983 veio prever a sistemática de terceirização permanente. Entretanto, seus efeitos também quedaram-se algo restritos, por instituir a lei mecanismo de contratação terceirizada abrangente apenas de específica categoria profissional, os vigilantes.

Como é fácil notar, esta orientação jurisprudencial calcou-se nas disposições da Lei n° 7.102/83, reafirmando a ausência de identidade de atividades bancárias e de vigilância. Portanto, sob este prisma, representou apenas uma redundante manifestação da jurisprudência sobre o direito aplicável.

Seu grande mérito, porém, foi o de reconhecer a possibilidade da prestação de serviços especializados, qual seja: serviço de vigilância para instituições financeiras.

Ainda sob a vigência do Enunciado 256 do C. TST escrevia Amauri Mascaro Nascimento que havia estudos doutrinários desenvolvidos na área do Direito do Trabalho voltados par a diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim para efeito de rejeitar a terceirização desta e admitir, com algumas reservas, a daquela. Para este autor, atividades-meio são aquelas que não coincidem com os fins da empresa contratante, enquanto atividades-fim são aquelas que com eles coincidem. E exemplifica: se uma instituição bancária contrata empresa de segurança e vigilância, trata-se de terceirização de atividade-meio, mas se contrata, por empresa interposta, funcionários para o cargo de caixas, trata-se de terceirização de atividade-fim. [64]

Advertia o citado autor que tal critério não estava suficientemente aprimorado, de modo que não conseguia resolver casos em que a especificidade e o grau de autonomia de uma atividade-fim justificavam a contratação de terceiros.

Na Argentina, critério semelhante foi adotado pela lei, distinguindo-se entre atividade normal ou específica da tomadora e atividade acessória. Relatam os juristas argentinos que a doutrina e a jurisprudência ainda permanecem oscilantes no que respeita à definição destes conceitos, sendo possível verificar uma oposição constante entre interpretações ampliativas e restritivas de ambos. [65]

Ainda assim, o C. TST revisou o Enunciado 256 para adotar, no Enunciado 331, os conceitos doutrinários de atividade-fim e atividade-meio como critério distintivo entre terceirização lícita e ilícita, abaixo transcrito:

Enunciado 331

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo nos casos de trabalho temporário. (Lei n. 6.019, de 03.01.74).

II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.06.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.

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No caso de terceirização de serviços essenciais, ou seja, de terceirização de atividades-fim, haveria ilicitude e, conseqüentemente, o vínculo formar-se-ia com o tomador de serviços. No caso de terceirização de atividades-meio, somente estaria configurada ilicitude quando presente a subordinação direta na prestação dos serviços.

Todavia, a tendência que se verificou, segundo Sérgio Pinto Martins, dissertando sobre o referido Enunciado:

Da forma como o En. 331 do TST está redigido, só se admite a terceirização da atividade-meio e não da atividade-fim. Entretanto, é possível a terceirização da atividade-fim da empresa, como ocorre na indústria automobilística, desde que não exista fraude. [66]

Escreveu também Vantuil Abdala, reconhecendo que não há parâmetros bem definidos do que sejam atividade-fim e atividade-meio, de sorte, por vezes, estar-se-á frente a uma zona de penumbra em que os dois conceitos muito se aproximam, tornando-se difícil sua exata distinção. Assim, este autor remete ao prudente arbítrio do Juiz a tarefa de defini-la nestes casos. [67]

Entendemos que a aplicação do critério distintivo entre terceirização lícita e ilícita, fundamentado na verificação da prestação de atividade-meio e atividade-fim ainda é o mais correto. Todavia, o que se verifica na atualidade é a franca inaplicabilidade deste critério, encontrando fortes opositores no cenário jurídico nacional.

Mas há que se relembrar que tal critério já vinha sendo tratado pela jurisprudência durante os anos 80 e 90, conforme Maurício Godinho Delgado [68] assevera:

A dualidade atividades-meio versus atividade-fim já vinha sendo elaborada pela jurisprudência ao longo das décadas de 1980 e 90, por influência dos dois diplomas legais dirigidos à Administração Pública e como parte do esforço para melhor compreender a dinâmica jurídica da terceirização por além dos estritos limites colocados pelo antigo Enunciado 256 do TST. O Enunciado 331 claramente assimilou os resultados desse esforço hermenêutico.

Segundo alguns autores, a especialização da empresa prestadora de serviços comporta menos incerteza que a apuração do que representa atividade essencial ou não da empresa, baseado no alto grau de subjetivismo que não permite a consagração destes conceitos para separar as circunstâncias em que a terceirização seria lícita ou não.

Jorge Luiz Souto Maior comunga deste entendimento [69]:

Destaque-se, ainda, que é essencial para a validade da terceirização, do ponto de vista do direito do trabalho, a especialização da empresa prestadora de serviço. Uma empresa que se constitua com o objetivo único de colocar mão-de-obra a serviço de outra não possui atividade empresarial alguma e, por isso mesmo, não pode ser considerada empregadora, formando-se, obrigatoriamente, o vínculo com a tomadora dos serviços.

Como se vê, a jurisprudência brasileira acerca da terceirização da mão-de-obra evoluiu através dos conceitos doutrinários de separação entre atividade-fim e atividade-meio. A tendência assim foi emprestar o caráter legal à terceirização de atividade-meio ou de apoio, enquanto se dava a pecha de ilegal à terceirização de atividades centrais ou essenciais das empresas (atividade-fim).

Esse é o entendimento de Maurício Godinho Delgado [70]:

No corpo dessas alterações uma das mais significativas foi a referência à distinção entre atividade-meio e atividade-fim do tomador de serviços (referência que, de certo modo, podia ser capturada no texto dos dois diplomas sobre reforma administrativa na década de 1960: art. 10, caput, Decreto-lei 200/67 e Lei n. 5.645/70). Essa distinão marcava um dos critérios de aferição da licitude (ou não) da terceirização perpetrada.

Por fim, necessário transcrever:

Como se sabe que o Direito é essencialmente finalístico, incorporando valores e metas considerados socialmente relevantes em certa época histórica, essa absorção jurídica da terceirização teria, evidentemente, de se fazer na direção da harmonização possível da fórmula terceirizante aos fins e valores essenciais do Direito do Trabalho. [71] (grifos nossos)

2- Trabalho temporário e o critério distintivo atividade-meio e atividade-fim

Nos casos em que há intermedição de mão-de-obra através de contratos de trabalho temporário, a contratação pode ser típica, enquadrando-se entre os tipos subsidiários ou precários. Ou seja, quando estão presentes à pessoalidade, a onerosidade e subordinação, aliadas à justificação clara da necessidade da prestação de serviços temporários e respeitado o prazo máximo de contratação dado pela Lei n° 6.019/74.

Segundo Robortella, quando uma empresa de prestação de serviços contrata alguém para a prestação de serviços como temporário, embora estejam presentes alguns dos elementos da relação de trabalho temporário, isto é, de um dos tipos precários de contratação trabalhista, esta relação pode ser considerada ilícita se não estiver presente à justificação da transitoriedade da prestação dos serviços como exige a lei vigente ou se extrapolar o período máximo permitido. Portanto, a relação não obedece a todos os requisitos legais para o enquadramento como trabalho temporário, nos exatos moldes, tornando-se atípica: a relação deixa de estar coberta por uma regulamentação legal específica. Conseqüentemente, por aplicação do princípio da tipicidade, esta relação não poderá contar com o apoio da lei especial, tornando-se reconhecidamente ilícita perante esta. Como, via de regra, na contratação temporária a subordinação do empregado é transferida para a empresa tomadora de serviços, esta redução da relação ao tipo principal remeterá a ela a responsabilidade como real empregadora. [72]

Entende assim, o citado autor, que a subordinação serve como determinante do verdadeiro empregador, dentre aqueles elementos que compõem o tipo principal ou consistente.

A origem do vocábulo subordinação vem do latim sub ordinare, que significa estar às ordens de alguém. Afigura-se assim, segundo considerações de Amauri Mascaro Nascimento, que :

Empregado é um trabalhador cuja atividade é exercida sob dependência de outrem para quem ela é dirigida (...). Empregado é um trabalhador subordinado. Se o trabalhador não é subordinado, será considerado trabalhador autônomo, não é empregado. As leis trabalhistas são voltadas apara a proteção do trabalhador subordinado e não para o trabalhador autônomo.

[73]

Ainda segundo Amauri Mascaro Nascimento, subordinação seria:

...uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará. [74]

Destarte, não comungamos do entendimento de que a subordinação direta constitui uma das melhores formas para avaliar a licitude ou ilicitude de uma contratação terceirizada. Afinal, nem sempre é ela que determina o real empregador, dando plena vigência ao princípio da primazia da realidade no campo do Direito do Trabalho.

O caminho correto, segundo alguns autores, seria a especialização de serviços para se determinar a responsabilização da empresa tomadora de serviços. Ou seja, se os serviços prestados não são especializados, não acrescentam qualquer transformação do trabalho, por algum tipo de especialização profissional, haverá formação de vínculo com a empresa tomadora.

Nesta ótica, que também não entendemos aplicável, ao se perguntar se o empregado da empresa prestadora de serviços pode postular validamente o reconhecimento de vinculo empregatício perante a empresa tomadora, a resposta será positiva se for simples intermediação de mão de obra, quando o intermediário se coloca apenas entre o trabalhador e o tomador sem acrescentar nesta relação qualquer transformação do trabalho, por algum tipo de especialização profissional ou técnica. Será negativa se for autêntica prestação de serviços em que a prestador desenvolve atividade econômica própria, voltada à execução de atividades especializadas, não essenciais ou traduzidas como permanentes aos fins econômicos desejados pela tomadora.

Percebe-se, porém, que o critério de separação entre atividade-fim e atividade-meio, utilizado pelo Enunciado 331 do C. TST afigura-se dissociado da realidade concreta. Mas não pela circunstância de que o veloz avanço das tecnologias, hodiernamente, não mais permite que se considerem fixos e perenes os modelos produtivos, como alguns fazem crer, mas pela simples circunstância de que o legislador pátrio não cuidou de normatizar tal fenômeno aliado ao fato de que os nossos Tribunais têm admitido aleatoriamente a terceirização de atividades-fim, sem atentar para os efeitos maléficos e solapantes trazidos ao trabalhador. É preciso tentar encontrar meios eficazes de proteção ao trabalhador, tais como a isonomia remuneratória e responsabilização do tomador de serviços pelos débitos trabalhistas pela prática terceirizante.

Maurício Godinho Delgado [75], com extremada percuciência, sintetiza muito bem:

Uma singularidade desse desafio crescente reside no fato de que o fenômeno terceirizante tem se desenvolvido e alargado sem merecer, ao longo dos anos, cuidados esforços de normatização pelo legislador pátrio. Isso significa que o fenômeno tem evoluído, em boa medida, à margem da normatividade heterônoma estatal, como um processo algo informal, situado fora dos traços gerais fixados pelo Direito do Trabalho. Trata-se de exemplo marcante de divórcio da ordem jurídica perante os novos fatos sociais, sem que se assista a esforço legiferante consistente para se sanar tal defasagem jurídica.

O critério consistente em distinguir entre atividade-fim e atividade-meio atende plenamente a exigência da proteção do empregado. Respeita a idéia segundo a qual o trabalhador merece proteção especial, porque vende sua força de trabalho a fim de não ficar sujeito aos altos e baixos da atividade econômica.

Contudo, em linha contrária, ressalta Nelson Mannrich que a avaliação do ponto de onde emana a direção dos serviços é um dos elementos que permite identificar, com precisão, quem é realmente o empregador nos casos de subcontratação. Afinal, a direção pessoal dos serviços resulta do poder diretivo, consistente na faculdade de o empregador, nos termos do contrato de trabalho, dar as ordens necessárias para o desenvolvimento das tarefas e das atividades comuns do seu empreendimento, tendo em vista que, via de regra, as obrigações do empregado são contraídas de forma genérica. Ademais, o poder diretivo é intransferível, salvo nos casos de prestação de trabalho temporário, na forma prevista pela Lei n.° 6.019/74. [76]

Todavia, entendemos mais acertada a adoção da verificação do tipo de atividade terceirizada: se tratar-se de atividade essencial ao núcleo da empresa, portanto considerada como atividade-fim, diante estamos de uma terceirização ilícita, fraudulenta, como mera técnica de redução dos custos do trabalhdo, com evidente prejuízo para os empregados. Do contrário, se tratar-se de atividade não essencial, considerada periférica, estariamos diante de terceirização lícita, plenamente válida, que se justifica como forma de maximização da produção.

3- A subordinação direita como elemento diferencial

Subordinação e poder de direção são verso e reverso da mesma medalha. A subordinação é a situação em que fica o empregado. O poder de direção é a faculdade mantida pelo empregador. Ambas se completam. O empregado é um subordinado porque ao se colocar nessa condição consentiu por contrato que seu trabalho seja dirigido por outrem, o empregador. Este pode dar ordens de serviço. [77]

Contudo, a proposta de enfoque único da terceirização, sob o prisma da subordinação direta com observância ao princípio da tipicidade, somada à responsabilidade subsidiária da empresa tomadora, não procura compatibilizar as novas necessidades econômicas das empresas com a permanência das garantias sociais historicamente conquistadas pela classe trabalhadora. Não se propõe uma convivência harmônica da evolução tecnológica e econômica com os princípios fundantes do Direito do Trabalho, no tocante à terceirização da mão-de-obra.

O critério da avaliação da subordinação direta não tem melhor adequação com a principiologia do Direito do Trabalho, pois não responde à lógica da proteção ao trabalhador na medida em que sua implantação pode resultar na impossibilidade de os trabalhadores receberem os direitos pelos serviços prestados e ofertando campo fecundo para a fraude ou a desproteção do trabalhador.

Nota-se assim que, utilizando-se o critério proposto (atividade-meio e atividade-fim), seria ilícita a contratação terceirizada de atividades que supostamente constituiriam um fim para a empresa principal. Ademais, obedece-se assim à lógica do princípio protetor de evitar que o trabalho humano seja tratado como simples mercadoria, respeitando-se a dignidade do trabalhador e impedindo a ação dos mercadores de mão-de-obra.

Todavia, a lição de Amauri Mascaro Nascimento, ainda sob a vigência do enunciado 256 do C. TST aponta para a subordinação direta do pessoal da empresa terceirizada à contratante, que se torna mais clara quando aquela não tem estabelecimento próprio, utilizando-se das instalações e da hierarquia de chefia da contratante, caracteriza vínculo de emprego direto com a contratante. [78]

Os ensinamentos de Luiz Carlos Amorim Robortella também sinalizavam no mesmo sentido. Assim, após advertir que a mais autorizada doutrina vinha aceitando a contratação de serviços ou o fornecimento de produtos entre empresas, que passavam a formar uma cadeia produtiva, através das sucessivas contratações, ressaltava este autor que a subcontratação tinha plena compatibilidade com os princípios do Direito do Trabalho, uma vez que a empresa contratada, ou subcontratada, responsabilizava-se pelos seus próprios trabalhadores, os quais continuavam a deter um posto de trabalho permanente, ainda que prestando serviços para diferentes tomadores por períodos mais ou menos determinados. Os pressupostos básicos para que estas relações fossem separadas daquelas tendentes à fraude seriam assim a direção da atividade pelo prestador e sua idoneidade econômica. Presentes estas características, pouco importaria que a terceirização atingisse uma atividade-fim ou uma atividade-meio da empresa tomadora de serviços. [79]

José Janguiê Bezerra Diniz também acompanha esta linha de pensamento, discordando da orientação adotada pelo Enunciado 331 do C. TST e aduzindo que as características básicas da subcontratação são: a especialização da produção, a direção dos serviços pelo fornecedor, sua idoneidade econômica e inexistência de intenção fraudatória. Assim, presentes estes elementos, a terceirização revelar-se-ia lícita mesmo quando atingisse atividade essencial da empresa. [80]

Para Eduardo de Azevedo Silva, embora a distinção entre atividade-meio e atividade-fim venha sendo utilizada fracamente pela jurisprudência e pela doutrina minoritária como elemento decisivo para a determinação da licitude da terceirização, essa orientação não é merecedora de aplausos, pois, em determinados segmentos da Economia, a complexidade do processo produtivo chega a tal ponto que muitas vezes não é nada fácil identificar ou distinguir as atividades acessórias das principais. E acrescenta que a especialização é a base fundamental para a identificação do autêntico contrato de prestação de serviços, ao lado da qual figura a direção da prestação pessoal dos serviços pelo fornecedor, junto à qual, em sua visão, pode concorrer à direção do tomador. Ou seja, presente à subordinação direta à empresa prestadora, pode estar presente uma subordinação indireta à empresa tomadora. Portanto, esvazia-se de sentido o critério calcado na distinção entre atividade-fim e atividade-meio. [81]

Em estudo sobre a edição do Enunciado 331, Euclides Alcides Rocha atesta sua antipatia pela orientação contida no seu inciso III, dizendo que este poderia muito bem ter sido omitido, porque, em verdade, apenas repetiu a orientação contida no inciso I com a pretensão de deixar evidenciado que também não forma vínculo com o tomador à terceirização de serviços de limpeza e conservação e outros ligados a atividade-meio do tomador, desde que ausentes à pessoalidade e a subordinação direta. Assim sendo, considera que a regra não consegue desvencilhar-se do círculo vicioso em que se desdobra, sendo despicienda e inócua, no mínimo, pois em qualquer típica locação de serviços, das relacionadas no verbete ou não, destinadas a atividade-meio ou à atividade-fim do tomador, se inexistentes a pessoalidade e a subordinação, não se pode cogitar de formação de vínculo empregatício. [82]

Em artigo de opinião, Adilson Sanchez considera a subordinação como fator primordial para concluir se há ou não relação de emprego em casos determinados. [83]

A presente análise, demonstra, contudo, sem deixar de render homenagens aos grandes doutrinadores pátrios que prelecionam em sentido contrário, que basta a verificação da tipicidade da atividade terceirizada para a apuração da licitude ou não, a fim de determinar o real empregador e de suas responsabilidades. O ordenamento jurídico não pode dar uma resposta às novas exigências do mercado produtivo e simplesmente aniquilar os direitos trabalhistas.

Entendemos, salvo melhor juízo, balizados pelos entendimentos acima esposados, ser suficiente o caminho trilhado por parte da doutrina seguido também pelo TST no seu Enunciado 331.

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Sobre a autora
Isabel Cristina Raposo e Silva

advogada, defensora pública, professora universitária, mestre em Direito do Trabalho pela PUC Minas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Isabel Cristina Raposo. Algumas relações triangulares de trabalho e delimitação de sua responsabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2223, 2 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13264. Acesso em: 28 abr. 2024.

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