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Neoliberalismo e globalização: reflexos no direito do trabalho

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10/08/2009 às 00:00
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4.O princípio da proteção ao trabalho

As normas de proteção ao trabalho, em face da exigência de maior produtividade e de melhor qualidade de produtos aliados à redução de custos, são vistas como desestímulo a investimentos e aumento dos custos de produção. Defende-se o abandono do direito do trabalho tradicional, como única fórmula capaz para resolver a questão do desemprego e do subemprego. A atualização da legislação vem acompanhada da necessidade de supressão ou atenuação da legislação imperativa estatal.

Para a doutrina neoliberal, as relações trabalhistas deveriam ser reguladas pelo direito civil, a despeito da assimetria existente entre as partes. Advoga-se a tese de que o trabalhador deve ser tratado como adulto, emancipando-se da proteção estatal.

Dallegrave rechaça esse argumento:

Em tempos de globalização econômica e desemprego estrutural, a subordinação jurídica adquire eficácia ainda maior, em face do temor do empregado em relação à possibilidade de perda do emprego, sobretudo num modelo como o nosso em que inexiste vedação à dispensa arbitrária, existindo alta rotatividade de mão-de-obra. Registre-se, no entanto, o atual e paradoxal fenômeno dialético: enquanto o direito civil avança e se posiciona de acordo com os valores sociais e solidários da Constituição Federal, ao ponto de hoje ser alcunhado de direito civil-constitucional, o direito do trabalho vem em sentido inverso, tendendo a uma hermenêutica restritiva em relação às normas tutelares, inclusive aquelas de cunho fundamental e constitucional. Conclui que a proposta neoliberal de flexibilizar as condições de trabalho, em vista de uma maior lucratividade da empresa e precariedade do trabalho, encontra-se na contramão do direito privado em atual tendência social, constitucional e solidária [19].

Diante do elevado desemprego que assola o país, a desproteção ao trabalho faria com que os empregadores, segundo a lei de oferta e procura, precarizassem ainda mais o trabalho.

Nesse contexto, propõe-se uma rediscussão dos princípios justrabalhistas. O princípio da proteção, que é a própria razão de ser e o fundamento para a autonomia do direito do trabalho, é posto em xeque, em prol da flexibilização das condições de trabalho. Questiona-se a sua permanência em pleno século XXI.

O princípio da proteção, voltado para a tutela do mais fraco, assenta-se na premissa de que há desigualdade fática substancial entre as partes no pacto empregatício, devendo ser assegurados mecanismos jurídicos de compensação, visando promover o equilíbrio entre a relação capital-trabalho, em consonância com o princípio da igualdade material. Ressalte-se que a inferioridade do trabalhador não é do indivíduo em si, e sim relacional, decorrendo da própria relação jurídica.

Tal princípio encontra previsão constitucional no art. 7º, caput, combinado com o art. 5º, §2º da Lei Maior. Tem como sub-princípios: in dubio pro operário (em caso de dúvida, prevalece a interpretação da norma trabalhista mais benéfica ao empregado), da condição mais benéfica (as vantagens advindas do contrato incorporam-se ao patrimônio jurídico do trabalhador) e da norma mais favorável.

O sub-princípio da norma mais favorável estabelece que, em havendo dúvidas acerca da norma a ser aplicada a um caso concreto, há de ser adotada aquela que seja mais favorável ao trabalhador, independentemente de ser uma norma constitucional ou um regulamento empresarial. A hierarquia entre as normas trabalhistas é dinâmica e variável, pois visa garantir um patamar mínimo civilizatório ao empregado [20].

Alguns doutrinadores defendem a revisão do conceito de subordinação, como forma de ampliar o conteúdo e limites do direito do trabalho. Para essa corrente, a subordinação deve ser objetiva, sendo constatada pela inserção do trabalhador no contexto empresarial. Essa crise conceitual pode promover a reafirmação do direito do trabalho, em sentido oposto à sua extinção, alargando o círculo de influência a todos os trabalhadores hipossuficientes economicamente, pois é imperiosa a existência de um núcleo mínimo de tutela aos demais trabalhadores.


5.O direito ao trabalho e o direito do trabalho em condições dignas

Em tempos de desemprego estrutural, a preocupação deixa de centrar-se no direito do trabalho em condições dignas para tutelar o emprego. Segundo essa corrente, o direito do trabalho é o causador do desemprego, devendo sofrer uma reavaliação. Para ela, não interessa a qualidade do emprego, desde que ele seja acessível, independentemente das condições em que se realize.

A Declaração Universal de Direitos Humanos consagra o direito ao trabalho ao lado da tutela da qualidade do emprego, que deve ser realizado em condições justas e favoráveis. Assim dispõe o art. 23 desse diploma:

Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.

Os direitos humanos, de acordo com a noção contemporânea, caracterizam-se pela universalidade, interdependência e indivisibilidade. Como ressalta Flávia Piovesan, "todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e são interdependentes entre si" [21].

Consagram o ser humano como titular de direitos e deveres no âmbito internacional. A proteção é dirigida ao indivíduo, independentemente de raça, sexo, crença, nacionalidade e/ou idade. As liberdades negativas somente são plenamente realizadas quando também são efetivados os direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. A tutela deve ser considerada como um todo, alcançando, também, os interesses de terceira dimensão, pois todos eles encontram fundamento na dignidade da pessoa humana.

O art. 7º do Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais dispõe que os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:

a) Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores: i) um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles, por trabalho igual; ii) uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto; b) Condições de trabalho seguras e higiênicas; A igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo, de trabalho e de capacidade; d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feriados.

A Declaração de Filadélfia de 1944, que trata dos objetivos e fins da Organização Internacional do Trabalho – OIT, proclama, ao reconhecer o valor social do trabalho e da dignidade do ser humano, que o trabalho não é uma mercadoria.

A Constituição Federal confere vasta proteção ao trabalho humano, impondo limites à iniciativa desregulamentadora e flexibilizatória. O art. 1º, incisos III e IV estabelece a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho como fundamentos da República Federativa do Brasil.

Nos termos do art. 4º, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...) III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Estabelece ainda que o Brasil, em suas relações internacionais, deve reger-se pela prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II).

O art. 170 dispõe que a ordem econômica encontra fundamento na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) III - função social da propriedade; (...) VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego. A ordem social tem como base o primado do trabalho e, como objetivo, o bem-estar e a justiça sociais, nos termos do art. 193. O art. 6º tutela o trabalho como direito social.

O art. 7º proclama diversos direitos aos trabalhadores urbanos e rurais, sem prejuízos de outros que visem à melhoria de sua condição social. Esse dispositivo veda a edição de leis que depreciem a tutela assegurada pela Lei Maior. Prevê uma abertura constitucional, no art. 5º, § 2º, ao proclamar: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Portanto, não há dicotomia entre o direito ao trabalho e o trabalho em condições dignas. Ambos têm igual hierarquia e são interdependentes.


6.Flexibilização negociada. Limites

Para a doutrina neoliberal, o Estado deve abster-se da tutela ao hipossuficiente. As normas estatais de proteção ao trabalho são óbices ao desenvolvimento da economia. A criação de direitos trabalhistas deve ocorrer mediante negociação coletiva e com mecanismos que permitam a contratação de trabalhadores descartáveis, ocasionando a queda de qualidade dos empregos mantidos e a migração de trabalhadores para o setor informal.

Como ressalta Sílvio Beltramelli Neto, considerando que a flexibilização do direito do trabalho implica em torná-lo menos rígido ou até em desregulamentá-lo, a discussão de seus limites, necessariamente, deve analisar também a abordagem temática do "mínimo existencial", representante da idéia de direitos e prestações mínimas a que todo o ser humano deve ter acesso de modo a garantir-lhe uma vida digna, respeitando o duplo aspecto: "1) negativo, contra a supressão dos direitos e prestações; e 2) positivo, pela entrega estatal das prestações materiais" [22].

Nesse contexto, a função dos direitos fundamentais cresce de importância, como leciona Arion Sayão Romita. "O núcleo duro representado pela gama de direitos denominados fundamentais resiste ao embate dos novos acontecimentos de ordem econômica para reafirmar o império da necessidade de respeito à dignidade da pessoa humana" [23].

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A Constituição Federal de 1988 prevê, como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, princípio nuclear dos direitos humanos e valor fundante do sistema constitucional moderno, irradiando valores, em diferentes nuances, para quase todos os direitos fundamentais inscritos na Carta Magna.

A dignidade é "uma qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado" [24]. Possui caráter universal, pois se trata de atributo inerente ao indivíduo. O direito não confere a dignidade ao homem, tampouco pode suprimi-la. No entanto, cabe a ele reconhecê-la e protegê-la.

Conforme observa Flavia Piovesan, o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional [25].

A Carta Magna de 1988 estabelece, no seu art. 1º, que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito. Este pressupõe a realização simultânea dos valores de liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana.

Os direitos fundamentais possuem uma perfeita interação com esse regime de governo. A proteção dos direitos fundamentais constitui um dos seus princípios basilares e sua justificativa maior de existência. Por sua vez, a efetivação desses direitos pressupõe a democracia.

Os contratos coletivos lato sensu não podem fixar normas menos benéficas que a Constituição Federal. Sua atuação deve ser in mellius, pois impera o princípio da proteção ao trabalhador. Havendo conflito entre normas, deve ser resolvido pelo princípio da norma mais favorável e da vedação ao retrocesso.

O princípio da norma mais favorável ao trabalhador constitui o alicerce fundamental no direito internacional público. A Constituição da Organização Internacional do Trabalho o consagra, no art. 19, VIII, ao proclamar:

Em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou recomendação, ou a ratificação, por um Estado-Membro, de uma convenção, deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as previstas pela convenção ou recomendação.

Observe-se que os Tratados e Convenções de direitos humanos atuam de forma complementar, de modo que havendo conflito entre eles e as normas de direito interno, a solução é dada pelo princípio da norma mais favorável.

Vigora, no ordenamento pátrio, o princípio da vedação do retrocesso, que prega a invalidade da revogação de normas infraconstitucionais que regulem princípios ou bens jurídicos constitucionalmente protegidos, sem que seja acompanhada de uma política substitutiva ou compensatória, deixando um vazio no seu lugar. Tal princípio impõe a progressiva ampliação dos direitos sociais. É limitada a atuação pelo núcleo essencial já concretizado, impedindo recuos na efetivação dos direitos fundamentais sociais. Possui vícios de inconstitucionalidade a lei que vise eliminar ou reduzir o núcleo essencial dos direitos sociais trabalhistas já assegurados aos trabalhadores.

As convenções e acordos coletivos de trabalho, pautados no princípio da autonomia da vontade, devem respeito aos preceitos da Lei Maior, pois é nela que encontram fundamento. Não podem afrontar a estrutura do sistema constitucional, pautada na dignidade da pessoa humana e no valor social do trabalho. Eles possuem limites, devendo harmonizar-se com o sistema jurídico em que se inserem. São limitados por normas constitucionais, por Tratados e Convenções Internacionais de que o Brasil seja parte, por normas de ordem pública.

Nesse sentido, a OJ nº. 342 da SDI-1 do TST estabelece ser inválida cláusula de acordo coletivo ou convenção coletiva que reduza ou suprima intervalo intra-jornada, para repouso e alimentação, pois pode comprometer a saúde, segurança e higiene do trabalhador. Tal intervalo constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.

Os direitos e garantias individuais que decorrem do trabalho, constantes do Título II da Constituição Federal, são claúsulas pétreas, nos termos do art. 60, §4º, insuscetíveis de revogação sequer por emendas constitucionais [26].

Para Arion Sayão Romita [27], o direito do trabalho fundado em verdades absolutas e princípios eternamente válidos, onde todas as suas normas são cogentes, imperativas, advém de concepção ultrapassada, devendo ser afastada a noção de irrenunciabilidade dos direitos outorgados por lei ordinária ao trabalhador. Para tal concepção, a invalidade da renúncia alcança todas as fases contratuais, com exceção dos direitos patrimoniais já incorporados ao patrimônio do trabalhador.

Para Romita, a questão da inderrogabilidade dos direitos do trabalhador, perpassa pelas seguintes análises: "1ª - a distinção entre o momento genético do direito e o direito já adquirido; 2ª - a distinção entre indisponibilidade absoluta e indisponibilidade relativa; 3ª - indisponibilidade no plano individual e no plano coletivo" [28].

Há indisponibilidade dos atos coevos à constituição da relação, como renúncia ao adicional de horas extras ou às férias. Essa teoria é equivocada, pois, mesmo após o pacto, surge um estado de necessidade econômica que invalidaria a renúncia.

Para o autor, as normas previstas na Constituição Federal, Tratados e Convenções Internacionais ratificados que versem sobre direitos humanos são de indisponibilidade absoluta. A indisponibilidade é apenas relativa se o direito é patrimonial previsto em lei ordinária.

Não se admite a renúncia de direitos. No caso de transação, deve também ser analisado se ocorre no plano individual ou coletivo. Naquele, há uma proteção maior, em face do flagrante desequilíbrio entre as partes. Já no plano coletivo, há equivalência entre os atores sociais.

Na lição de Maurício Godinho Delgado, o processo negocial coletivo é regido pelo princípio da adequação setorial negociada, que traça os limites jurídicos da negociação coletiva. Tal princípio estabelece que as normas autônomas juscoletivas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista, desde que observados certos critérios objetivamente fixados:

a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta) [29].

O primeiro critério não suscita discussões, pois a norma autônoma assegura a melhoria da condição social do trabalhador, mediante a instituição de direitos superiores aos positivados na legislação estatal, vindo ao encontro do princípio de proteção do trabalhador que informa o Direito do Trabalho.

Já o segundo critério estabelece como condição de validade das normas autônomas coletivas a configuração de transação acerca de direitos trabalhistas de indisponibilidade relativa, pois falecem poderes de renúncia sobre direitos de terceiros.

Salienta Godinho que não prevalece o princípio se os direitos são revestidos de indisponibilidade absoluta, em face de constituírem um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontar a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1º, III e IV e 170, caput, CF/88). E conclui o jurista:

No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado, essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7o, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5o, §2o, CF/88); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, etc.) [30].

Para Alice Monteiro de Barros, a flexibilização traduz uma forma de adaptação das normas trabalhistas às grandes modificações verificadas no mercado de trabalho. Salienta a jurista que mesmo nessa hipótese de flexibilização, "os limites mínimos previstos nos diplomas constitucionais e internacionais devem ser respeitados, mesmo porque os direitos trabalhistas integram o rol dos direitos fundamentais na Constituição de 1988" [31].

A livre iniciativa e o direito de propriedade encontram limites na sua função social e no respeito à sua dignidade da pessoa humana, impondo-se uma adequação daqueles aos valores sociais fundamentais inscritos na Carta Magna. O cerne do direito trabalhista é a tutela dos direitos fundamentais dos trabalhadores, para proteção da sua dignidade. Como ressalta Arion Sayão Romita, os direitos fundamentais exercem dupla função: limitam o exercício do poder do empregador no curso da relação de emprego e representam barreira oposta à flexibilização das condições de trabalho mediante negociação coletiva. Acrescenta o autor:

Os direitos fundamentais dos trabalhadores (portanto, direitos indisponíveis em caráter absoluto, insuscetíveis de renúncia, mesmo em sede coletiva), são os seguintes: direitos da personalidade, liberdade ideológica, liberdade de expressão e de informação, igualdade de oportunidades e de tratamento, não discriminação, idade mínima de admissão no emprego, salário mínimo, saúde e segurança do trabalho, proteção contra a despedida injustificada, direito ao repouso (intervalos, limitação da jornada, repouso semanal remunerado e férias), direito de sindicalização, direito de representação dos trabalhadores e sindical na empresa, direito à negociação coletiva, direito à greve, direito ao ambiente de trabalho saudável [32].

Como aponta Dallegrave, a discussão antes travada no Congresso Nacional com o Projeto de Lei nº. 5.483/01 [33]:

Não tem o condão de alterar a ordem jurídica positiva, até porque não é possível que a simples modificação de um artigo infraconstitucional possa subverter a ordem axiológica constitucional, mormente a proteção do trabalho e ao trabalhador (art. 7º, 170 e 193 da CF); as diretrizes do caput do art. 7º; e sua adequada e necessária exegese sistemática [34].

Otávio Brito Lopes elenca também diversos limites que decorrem da existência de garantias, direitos e princípios constitucionais inderrogáveis:

A autonomia privada coletiva não possui densidade suficiente, por exemplo, para legitimar a discriminação de uma parcela de trabalhadores (art. 5º, "caput" e inciso I e art. 7º, incisos XXX, XXXI, XXXII e XXXIV, da CF); para permitir a contratação de trabalhadores menores de 16 anos como empregados (art. 7º, inciso XXXIII); para impor obrigações pecuniárias aos trabalhadores não associados da entidade sindical, como forma de interferir na liberdade de sindicalização (art. 8º, inciso V); para impor obrigações a terceiros alheios aos limites da negociação e à representação das entidades convenentes; para abolir as garantias de emprego da gestante e membros da CIPA (art. 10, II, "a" e "b" do ADCT); para limitar o acesso de trabalhadores e empregadores ao judiciário (art. 5º, inciso XXXV); para atingir o piso constitucional dos direitos sociais, salvo na hipótese de flexibilização (art. 7º, "caput" e inciso VI); para restringir o direito à vida, à saúde, à liberdade, inclusive a sindical, à segurança, ao exercício profissional e a outras garantias e direitos fundamentais. Estão nesta mesma situação as normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador (meio ambiente do trabalho), pois tutelam em última análise a vida e a saúde do cidadão-trabalhador, logo, são inalienáveis e não podem ser objeto de flexibilização [35].

A Carta Magna, quando desejou flexibilizar as condições de trabalho, fê-lo de forma expressa nos incisos VI (redução de salário), XIII (compensação de jornada) e XIV (turno ininterrupto de revezamento) do art. 7º, elencando taxativamente as hipóteses de negociação in pejus, não respaldando a ampliação dessas hipóteses. A Constituição deve ser interpretada como um conjunto de direitos mínimos, permitindo a ampliação de direitos por normas autônomas ou heterônomas infraconstitucionais.

Observe-se que a teleologia da flexibilização constitucional consiste na tutela do emprego, e não para a redução de custos do empregador ou suprimir o piso de direitos previstos na Constituição.

Tais incisos previstos no art. 7º da CF devem ser analisados conjuntamente com o seu caput, que prega a melhoria da condição social do trabalhador, não podendo abranger outras situações que não as citadas.

Há quem defenda uma interpretação extensiva desses incisos, aliada à previsão do inciso XXVI da Lei Maior, que reconhece a normaticidade das convenções e acordos coletivos de trabalho. Defende-se que, se a Carta Magna admite a redução do salário e da jornada, todos aqueles que deles decorrem podem ser objeto de flexibilização, invocando a máxima "quem pode o mais pode o menos".

Como salienta José Affonso Dallegrave Neto, são normas estranhas ao sistema, que devem ser interpretadas restritivamente. Não podem ser alargadas em face de seu caráter excepcional. Desse modo, somente é acatada pela Constituição a redução do salário stricto sensu, e não de adicionais de salário [36]. Em qualquer caso, está limitada ao valor do salário mínimo (art. 7º, IV da CF) ou ao piso salarial regional (LC 103, de 14/07/2000).

Como leciona Alice Monteiro de Barros, o persistente vigor dos direitos fundamentais dos trabalhadores nas empresas poderá traduzir, segundo a doutrina espanhola, "um antídoto para emancipar o contrato de trabalho de sua excessiva subordinação à economia, permitindo que essa disciplina recupere o seu papel de assegurar a auto-realização, autodeterminação do empregado como cidadão" [37].

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Sobre o autor
Marcius Cruz da Ponte Souza

Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil. Pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Christus.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Marcius Cruz Ponte. Neoliberalismo e globalização: reflexos no direito do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2231, 10 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13300. Acesso em: 23 nov. 2024.

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