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O(s) novo(s) crime(s) de estupro.

Apontamentos sobre as modificações implementadas pela Lei nº 12.015/2009

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11/08/2009 às 00:00
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Dentre as recentes mudanças, chama atenção a remodelação do crime de estupro (art. 213), que teve o rol de vítimas ampliado e passou a conter novas hipóteses de incidência.

Sumário: INTRODUÇÃO; 1. COMENTÁRIOS AO (NOVO) ARTIGO 213 DO CÓDIGO PENAL; 2. COMENTÁRIOS AO ARTIGO 217-A DO CÓDIGO PENAL E À EXTINÇÃO DA PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA; 3. MUDANÇAS RELATIVAS À AÇÃO PENAL; 4. O ESTUPRO E A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO.

O Poder Legislativo, muitas vezes obstruído de exercer tempestivamente sua atividade legiferante, demora (consideravelmente) para dar cabo à importante tarefa de sanear textos legais ultrapassados. Isso gera, não raro, a inconveniência de se conviver com dispositivos anacrônicos, que não fazem mais sentido nos dias de hoje, mas que, pelo fato de remanescerem incorporados textualmente na legislação, ainda ensejam aplicação.

Exemplo disso ocorria, até pouco tempo, com algumas condutas incriminadas no Título IV, do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei n. 2.848 de 07 de setembro de 1940). Referida parte do estatuto penal, como se sabe, sofreu relevantes modificações com a entrada em vigor da Lei 11.106 de 28 de março de 2005, a qual procedeu a reformulações e supressões textuais [01]. Inobstante o mérito de atualizar diversas condutas, não efetuou uma reforma completa, pois não ousou reestruturar alguns tipos penais tradicionais. De qualquer forma, a alteração representou um importante progresso para a época.

Passados mais de quatro anos, dessa vez foi editada a Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009 (proveniente do substitutivo da Câmara a projeto de lei do Senado, PLS 253/04), a qual introduziu, agora sim, uma profunda mudança em diversos dispositivos que tratam dos crimes sexuais, inclusive naqueles intocados pela reforma anterior.

Dentre as recentes mudanças, chama atenção a remodelação do crime de estupro (art. 213), que teve o rol de vítimas ampliado e passou a conter novas hipóteses de incidência. Tendo em conta especificamente essa infração penal, serão abordados, no presente texto, os pontos mais destacados de sua nova feição, buscando-se ainda explicitar as consequências práticas das alterações.


1. COMENTÁRIOS AO (NOVO) ARTIGO 213 DO CÓDIGO PENAL.

Na redação original do Código Penal, no Título VI, então nominado "dos crimes contra os costumes" (doravante chamado "dos crimes contra a dignidade sexual"), no Capítulo I, sob a rubrica: "dos crimes contra a liberdade sexual", o crime de estupro se encontrava definido no artigo 213 como o fato de "Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça", punido com pena de reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Agora, o novo texto do caput passou a ser o seguinte: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos" [02]. Como se pode perceber através de uma simples leitura, não foram poucas as alterações na estrutura típica do delito.

Note-se, de início, que o bem jurídico (ou objeto jurídico) tutelado pelo artigo 213 continua a ser, por excelência, a liberdade sexual. Antes, protegia-se exclusivamente a liberdade sexual da mulher; com a mudança, de agora em diante também está resguardada a do homem.

Por efeito da inscrição da elementar "alguém", o polo passivo passou a abarcar também o varão como vítima, o qual, na configuração anterior do delito não podia ser "estuprado". A doutrina ensinava que o homem, na hipótese de ser obrigado por uma mulher a ter com ela conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça, seria, no máximo, vítima de constrangimento ilegal (art. 146 do CPB), crime de menor potencial ofensivo, haja vista o teto da pena cominada de um ano. A abrangência de ambos os sexos no polo passivo pode ser considerada a mudança mais significativa no texto do artigo, corrigindo, com isso, distorções como a mencionada.

O executor material do crime, pelo que se depreendia dos termos da norma derrogada, somente podia ser o homem (crime de mão própria), pois apenas ele pode manter conjunção carnal com a mulher. Assim, o sujeito ativo, via de regra, era do sexo masculino, só se admitindo a autoria feminina nas hipóteses de coautoria (ex: quando uma mulher segura outra para que homem a viole) e de autoria mediata (ex: quando uma mulher convence um homem, enfermo mental, a manter o coito, mediante violência, com mulher). Já a participação (art. 29 do CPB) da mulher estava configurada quando, v.g., instigasse um homem a estuprar a vítima (in NUCCI, 2005, p. 783).

Agora não há dúvida, tanto o homem quanto a mulher podem ser vítimas e autores de estupro. Ambos compõem, portanto, o objeto material do crime (antes era apenas a mulher).

A eleição da mulher para figurar como vítima exclusiva em alguns delitos sexuais, se deu no passado porque, na época em que foi elaborado o Código Penal, acreditava-se que o sexo feminino, mesmo em crimes praticados sem violência, merecia receber tratamento especial, à parte do conferido aos homens, face a uma suposta "condição biossociológica" da mulher [03]. Procurou o legislador justificar uma proteção maior para a mesma "a partir da noção de diferenciação dos sexos, que impõe a tutela penal para aquela, que seria mais fragilizada e desprovida que o homem" (cf. SILVA, 2006, p. 98). Esse foi o raciocínio utilizado para a incriminação original do estupro, da sedução, da posse mediante fraude, do atentado ao pudor mediante fraude, dentre outros.

Essa vetusta visão afronta, gravemente, diversos preceitos constitucionais [04] e não faz mais sentido nos dias de hoje, uma vez que o arquétipo da figura da mulher frágil e passiva está, há muito, superado. O moderno processo de incriminação de condutas, conduzido pelo legislador ordinário, deve pautar-se por novas diretrizes, com fundamento nos princípios e valores constitucionais, que também servirão como limites da atividade legislativa (cf. BIANCHINI, 2007-b). As molduras penais devem contemplar, dessa forma, ambos os sexos, evitando, com isso, a produção de normas com caráter manifestamente discriminatório.

Seguindo com os comentários, destaque-se, igualmente, a absorção, pelo artigo 213, do crime de atentado violento ao pudor, constante no, agora revogado, artigo 214. Nele punia-se a prática, sob violência ou grave ameaça, de atos libidinosos diversos da conjunção carnal contra homem ou mulher. Agora, essa conduta é chamada "estupro". Como se vê, incluíram-se no tipo as elementares "ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". Assim sendo, a velha distinção doutrinária e jurisprudencial entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor não mais persiste. Também encerram os debates sobre a incidência de concurso material (posição consolidada no STF) ou de crime continuado entre as condutas.

É importante frisar que não houve abolitio criminis da conduta prevista no artigo 214, a ensejar a aplicação dos efeitos benéficos e retroativos constantes no artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal. Ela apenas foi incorporada ao artigo precedente (213), ou seja, "mudou de endereço". Nas palavras de Luiz Flávio Gomes: "A isso se dá o nome de continuidade normativo-típica. O que era proibido antes continua proibido na nova lei" (in GOMES, 2007, p. 9).

Nesse passo, para a consumação do crime de estupro é necessário que o(a) agente tenha com a vítima conjunção carnal (exige a introdução completa ou incompleta do pênis na vagina) ou a pratique ou permita que com ela se pratique outro ato libidinoso (ato lascivo cuja finalidade é a satisfação do prazer sexual do autor) [05]. A tentativa permanece admissível, pois a fase executória, em todos os casos, pode ser fracionada.

Por fim, as modalidades qualificadas foram deslocadas, com algumas alterações, do artigo 223 (revogado expressamente) para o art. 213, a fim de compor, juntamente com o caput, o crime de estupro.

A primeira consta no § 1º, a saber: "Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos". Com relação ao resultado lesão corporal de natureza grave (preterdoloso) e à pena estabelecida, nada mudou. A novidade está na inclusão da circunstância de ser menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos a vítima (podendo a ação contra ela ser preterdolosa ou não). Se for menor de 14 (catorze) anos, a conduta será a do caput do recém criado art. 217-A, que será analisado em seus pormenores no próximo tópico. Não se deve confundir a qualificadora sob análise com a nova conduta ilícita de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, descrita no §2º, inciso I, do art. 218-B, que faz incidir as mesmas penas do caput a quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos, prostituído ou de outra forma explorado sexualmente. Esta última, dentre outras diferenças, trata de delito com tutela jurídica específica (liberdade e dignidade sexual de vulnerável), não exige o uso de violência ou grave ameaça, bem como tem um sujeito passivo inserido em contexto de exploração sexual [06].

Já a segunda qualificadora, do § 2º, é a mesma de antes: "Se da conduta resulta morte" (também de natureza preterdolosa), porém sua pena máxima foi aumentada, de 25 para 30 anos [07]. É o mesmo teto penal de crimes graves como os de homicídio qualificado (art. 121, § 2º), latrocínio (art. 157, § 3º, segunda parte) e extorsão mediante sequestro qualificada (art. 159, § 3º).


2. COMENTÁRIOS AO ARTIGO 217-A DO CÓDIGO PENAL E À EXTINÇÃO DA PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA.

A Lei 12.015/2009 não se restringiu à reforma de crimes antigos, também criou novos tipos penais, como se pode perceber pela inclusão do artigo 217-A (constante no renomeado capítulo II, "dos crimes sexuais contra vulnerável", anteriormente chamado "da sedução e da corrupção de menores"). Instituiu-se, então, o crime de "estupro de vulnerável".

A redação do art. 217-A é a seguinte: "Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput (caput) com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência". Pela inclusão do § 2º pretendia-se introduzir causa de aumento de pena, mas tal dispositivo foi vetado por ocasião da sanção da lei [08]. Por último traz, nos parágrafos 3º e 4º, modalidades qualificadas maior apenadas que as do artigo 213: "se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos".

Ao que parece, trata-se de fórmula que visa compensar a revogação expressa do artigo 224 do Código penal, que previa as hipóteses de violência ficta ou presumida através do enunciado: "Presume-se a violência se a vítima:. ..". Muito criticada pela doutrina, a violência presumida passou, com o tempo, a ser relativizada pela jurisprudência, a fim de afastar a responsabilidade penal objetiva propugnada pela corrente da presunção absoluta ou Juris et de jure - não condizente com o Estado (Constitucional) e Democrático de Direito brasileiro - sendo paradigmática, nesse sentido, a decisão prolatada no julgamento do HC n. 73.662-MG, no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Luiz Flávio Gomes, em obra específica, refutando as duas correntes anteriores, defendia que a presunção era inconstitucional, por afrontar os seguintes princípios da Carta Magna: a) do fato, b) do nullum crimen sine iniuria, c) da culpabilidade e d) da presunção da inocência (in GOMES, 2001).

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O novo artigo, melhor elaborado, veio à tona com missão similar a de seu antecessor, qual seja, punir toda relação sexual, de qualquer natureza, com menores de 14 anos e outras pessoas em circunstâncias especiais. Para infringir a lei, basta a simples prática de conjunção carnal ou de outro ato libidinoso com as vítimas descritas nas hipóteses do caput e § 1º. Por isso, classifica-se como crime de forma livre, podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo autor. Nessa ordem de idéias, a relação sexual pode ser obtida, por exemplo, com violência (real) ou grave ameaça, com consentimento, com fraude, etc. O que importa, para a caracterização do tipo, é a verificação da ocorrência do ato sexual. Assim é porque as vítimas em questão são objeto de cuidados redobrados pelo Direito Penal, merecendo, neste particular, repressão a conduta cometida ou não à força.

Tem-se em conta a vulnerabilidade aos abusos sexuais a que estão suscetíveis, diferentemente do que ocorre com o estupro comum (art. 213), cujos sujeitos passivos estão mais preparados para o trato das coisas da vida, podendo cuidar melhor de si mesmos. Por essa razão, no art. 217-A não se considera a existência de consensualidade, típica das relações sexuais comuns, pois para o legislador as vítimas não podem - nem devem - praticar sexo, a não ser que superadas as circunstâncias especiais descritas no tipo penal. Essa disposição contraria a posição de respeitados doutrinadores, para os quais a liberdade sexual só seria gravemente ofendida nos casos de violência ou grave ameaça. Nesse sentido, Alberto Silva Franco: "toda lesão à liberdade sexual encontra seu núcleo na falta de consensualidade. Fora daí não há conduta sexual que deva ser objeto de consideração na área penal" (in Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, v. II. Parte Especial, apud SILVA, 2006, p. 73).

O entendimento aqui esposado é o de que a consideração da circunstância da idade mínima da vítima atende a demanda constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente, estando justificado o maior desvalor da conduta. O mesmo se diga em relação às demais hipóteses do §1º, pois a prática de relação sexual com as pessoas descritas nele seria, no mínimo, repudiável.

A supressão da hipótese do art. 224 e a introdução de uma nova estrutura típica podem gerar discussões a cerca da ocorrência de abolitio criminis da conduta anterior, com seus já conhecidos efeitos, sobretudo em relação aos fatos passados ocorridos com o consentimento da vítima. Diferentemente do atentado violento ao pudor que, ao ser extinto, teve seus termos mantidos na nova redação do art. 213, no crime de estupro de vulnerável não consta parte do conteúdo de seu precedente, favorecendo, assim, a exegese acima mencionada. Por outro lado, observe-se, como já dito, que na nova infração penal não se exige, necessariamente, a ocorrência fática de violência, bastando a prática da relação sexual, o que permitiria a ilação de ter incidido, de certa forma, o fenômeno da continuidade normativo-típica. De qualquer modo, a definição da tese prevalente ficará a cargo dos tribunais.

De mais a mais, as observações feitas por ocasião da análise do crime de estupro comum são aplicáveis ao presente.


3. MUDANÇAS RELATIVAS À AÇÃO PENAL.

Tradicionalmente a ação penal para processar o crime de estupro (assim como outros crimes sexuais) sempre foi privada, exceto quando ocorridas as situações dos §§ 1º e 2º do art. 225 e as qualificadoras do art. 223. A previsão legal tinha como princípio basilar a preservação da intimidade da vítima, que, por motivos de foro íntimo ou de preservação familiar, poderia não querer levar, mediante queixa-crime, a agressão sofrida à apreciação do judiciário, possuindo, assim, a domínio sobre o destino da questão.

Todavia a prática policial e forense demonstrava que tal norma deixava muitas vítimas desprotegidas, haja vista as possibilidades (mal usadas) de renúncia e de perdão do ofendido ou ainda de quem tem qualidade para representá-lo. Por isso, o legislador entendeu, dando nova redação ao art. 225, que seria melhor tornar a regra o uso da ação penal pública condicionada à representação em qualquer das hipóteses dos Capítulos I e II do Título VI. A exceção está consignada no parágrafo único, segundo o qual: "Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável". O argumento para justificar a alteração do artigo foi o de tornar eficaz a proteção da liberdade sexual da pessoa, em especial, a proteção ao desenvolvimento da sexualidade da criança e do adolescente. Os interesses em jogo, na visão do feitor da lei, não envolvem mais questões de interesse estritamente privado, mas sim de interesse público.

Cabe, por oportuno, um registro em relação à aplicabilidade da súmula 608 do STF (No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação é pública incondicionada), diante da atual configuração do artigo 225. Na época em que a súmula foi editada, o STF, atento ao prejuízo gerado pela disponibilidade inerente às ações penais privadas nos crimes sexuais, consignou, por medida de política criminal, o entendimento de que a ação pública incondicionada protegeria melhor a vítima, quando do estupro resultassem lesões corporais, aplicando, nessa linha, o art. 101 do CPB (que trata genericamente da ação penal nos crimes complexos) em detrimento da norma específica do art. 225. Ante a introdução, pela Lei 12.015/2009, da ação pública condicionada como regra, não se justifica mais a subsistência da súmula ora comentada, pois não ocorrerá o receado desamparo das vítimas, vez que o Ministério Público não poderá dispor da ação penal, exercendo renúncia ou retratação. Ademais, existe ainda a previsão da ação incondicionada para proteção dos menores de 18 (dezoito) anos e vulneráveis, vítimas carecedoras de cuidado especial.

Concluindo o presente tópico, observa-se, a teor do novel art. 234-B, que os processos em que se apuram crimes definidos no Título IV, dentre eles os de estupro, correrão em segredo de justiça. Intenta a norma evitar o streptus fori ou sptreptus judici, isto é, o escândalo do processo. Nada mais pertinente, uma vez que o processamento do crime sob análise muitas vezes expõe a vítima ao constrangimento na sociedade, sobretudo nas pequenas cidades do interior.


4. O ESTUPRO E A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS.

Com o intuito de harmonizar as mudanças do texto codificado com a legislação extravagante penal, primando, assim, pela integração sistemática de normas, a Lei 12.015/2009 também alterou a Lei de Crimes Hediondos (8.072, de 25 de julho de 1990) para adaptar o seu texto, incluindo o estupro simples e o de vulnerável. Os incisos V e VI do art. 1º (que lista as hipóteses de crimes hediondos) ficaram com o seguinte teor: "V - estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º); VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º)".

A especificação, no inciso V, das modalidades "caput e §§ 1º e 2º", põe termo, definitivamente, à celeuma doutrinária sobre ser ou não o estupro simples crime hediondo. Não obstante a corte suprema já ter se pronunciado no sentido afirmativo [09], ainda havia dissenso entre os estudiosos. A alteração, ao que parece, repercute positivamente em segurança jurídica.

Como se pode constatar, o inciso VI, que continha a enunciação do crime de atentado violento ao pudor (art. 214), foi reformulado para excluir a previsão do crime revogado (na verdade incorporado ao estupro comum) e, em seu lugar, contemplar, oportunamente, o novo crime de estupro de vulnerável, em suas modalidades simples (caput e § 1º) e qualificadas (§§ 3º e 4º). Com o veto presidencial ao § 2º (v. nota de rodapé 8), deixa ele de fazer parte da previsão legal.

Por derradeiro, observa-se lapso do legislador ao deixar de remodelar a redação do art. 9º da lei [10] para adaptá-la às mudanças, remanescendo a menção aos artigos 214, 223 e 224, todos revogados pelo art. 4º da Lei 12.015/2009. O deslize pode ensejar o surgimento da tese da não incidência, doravante, da causa de aumento. Tal entendimento, porém, deve ser afastado.

Uma interpretação razoável consistiria na leitura do artigo 9º, substituindo-se os dispositivos revogados pelos novos, ressalvada a inclusão do art. 213, caput e §§ 1º e 2º (em lugar dos artigos 213 e 214, caputs e suas combinações com o art. 223, caput e parágrafo único), porquanto se está a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 217-A, caput e § 1º (substituto do art. 224), o crime não será de estupro comum, mas de vulneráveis. Não haveria, contudo, como incidir a causa de aumento de pena ora comentada diretamente sobre essa nova figura típica, cometida de modo simples (caput) ou qualificado (§§ 3º e 4º), sob pena de ocorrer bis in idem. É que as hipóteses dos incisos a, b e c do art. 224 deixaram de compor norma de extensão e integram agora elementares de delito autônomo, assim, se são levadas em conta para tipificar o crime, não poderiam, mais uma vez, ser consideradas para aumentar a pena. A jurisprudência dominante do STF, baseada na lei pretérita, é no sentido de permitir, nos casos do estupro e do atentado violento ao pudor, a coexistência da norma de referência com a de incremento de pena (v. HC 74.780-RJ, HC 76.004-RJ e HC 78.229-RJ, apud NUCCI, 2005, p. 807). Todavia, diante da nova configuração que se apresenta, a tese precisará ser revista pela Corte Suprema.

Em relação às condutas dos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, não há óbice para a exegese da substituição de artigos, posto que o mecanismo de remissão às vítimas elencadas no extinto art. 224 está preservado com a instituição do art. 217-A. Assim se entendendo, todas as hipóteses permaneceriam intactas, com exceção do crime de estupro que, pelos motivos acima expendidos, saiu do rol. No que se toca à referência aos artigos 213 e 214, portanto, houve novatio legis in mellius, devendo a lei retroagir para beneficiar os réus destes crimes que tiveram suas penas aumentadas em razão do art. 9º da Lei de Crimes Hediondos [11].

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Sobre o autor
Tiago Lustosa Luna de Araújo

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP. Pós-graduado em Ciências Penais pela UNISUL-IPAN-Rede LFG. Delegado da Polícia Civil no Estado de Sergipe.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Tiago Lustosa Luna. O(s) novo(s) crime(s) de estupro.: Apontamentos sobre as modificações implementadas pela Lei nº 12.015/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2232, 11 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13307. Acesso em: 16 nov. 2024.

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