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Sonegação fiscal como crime antecedente de lavagem de dinheiro

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03/09/2009 às 00:00
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2 Lavagem de Dinheiro: objeto material e crime antecedente

Determinados crimes, como o tráfico ilícito de entorpecentes, proporcionam, para o criminoso, resultados de expressivo valor econômico. Para desfrutar do produto oriundo de atos delituosos, o agente deve ocultar a sua origem criminosa e transformá-lo em ativo de aparência lícita. Esse processo denomina-se lavagem de dinheiro porque se apresenta como conjunto de atos tendentes a tornar "limpo" o dinheiro "sujo", proveniente de atividade ilícita.

Damásio de Jesus (2002) afirma que a lavagem de capitais surgiu da necessidade e da dificuldade de se ocultar o produto do crime. A propósito, cita interessante trecho do texto O irmão de Ali-Babá, de Carlos Heitor Cony, transcrito a seguir:

Todo mundo conhece a história de Ali-Babá. Numa deformação bem própria de nossa cultura, nós o associamos aos 40 ladrões como se ele fosse um deles. Na realidade ele roubou mesmo, só que roubou de ladrões e mereceu os cem anos de perdão de praxe. Mas todos nos esquecemos do irmão dele, que era rico, enquanto Ali-Babá era pobre. Chamava-se Cassim, Casimiro ou nome equivalente a isso, não importa. Esse irmão começou a invejar a fortuna que Ali-Babá trazia para casa. Acompanhou-o até a caverna dos ladrões, aprendeu a senha famosa (‘abre-te, sésamo!’), mas, lá dentro, depois de encher sacos e sacos com ouro e jóias, esqueceu-se da senha para fechá-la. Dizia: ‘Fecha-te, sesgo (sic); fecha-te isso e aquilo’ – e nada acontecia. Os ladrões voltaram, viram o estrago, mataram e esquartejaram o irmão de Ali-Babá. Desde criança tenho pena do irmão dele. Costumo esquecer senhas, caminhos, nomes de pessoas e, sobretudo, números de telefone. Compreendo o drama que o tal Cassim ou Casimiro viveu. Outro dia, deu um troço no meu computador, queria fechá-lo, no desespero, a solução final foi desligá-lo da tomada e chamar um técnico. Recursos que o irmão de Ali-Babá não teve. A moral da história é óbvia: roubar é coisa fácil. E cada vez mais fácil. O difícil, às vezes, é esconder o roubo. Mas nem sempre. Os casos mais notórios da nossa vida pública repetem monotonamente a aflição de Cassim ou Casimiro tentando fechar a caverna do tesouro, mas se esquecendo da senha mágica. Mas nem todos são distraídos como eu e como o irmão de Ali-Babá. Num caderninho ou na agenda eletrônica, levam o nome salvador. Muitos conseguem entrar e sair. Ganham nas instâncias finais. Depois de saquearem a maravilhosa caverna do erário, alegam que enriqueceram na iniciativa privada.

Antônio Pitombo (2003, p. 38, grifo do autor) entende que a lavagem de dinheiro "consiste em ocultar ou dissimular a procedência criminosa de bens e integrá-los à economia, com aparência de terem origem lícita". Baltazar Junior (2008, p. 495) conceitua lavagem de dinheiro como "atividade que consiste na desvinculação ou afastamento do dinheiro da sua origem ilícita para que possa ser aproveitado". Para Silva (2001, p. 33), a expressão "lavagem de dinheiro" é "utilizada para designar o dinheiro ilícito com aparência de lícito, ou seja, o ‘dinheiro sujo’ transformado em ‘dinheiro limpo’, ou, ainda, o ‘dinheiro frio’ convertido em ‘dinheiro quente’, com a ocultação de sua verdadeira origem".

2.1.1 Etapas da lavagem de dinheiro

O processo de lavagem de dinheiro ocorre em três etapas: colocação, dissimulação e integração (BALTAZAR JUNIOR, 2008).

A colocação (placement) é a fase em que há a ocultação ou conversão do produto do crime. Este é separado fisicamente do autor do delito, como no depósito em instituição financeira, na troca por moeda estrangeira, na transferência eletrônica para paraísos fiscais etc.

Já a dissimulação realiza-se através de uma série de transações financeiras com o fim de encobrir a trilha do dinheiro (paper trail). Por exemplo, o agente efetua várias transferências de valores, inclusive "via cabo" (wire transfer) [11], utilizando-se, na maioria das vezes, de contas de empresas "fantasmas" ou de pessoas físicas "laranjas", para dissimular a origem ilícita do capital.

Por fim, a integração (integration ou recycling) corresponde à etapa em que os bens, já com aparência de legítimos, são usados para investimentos em negócios lícitos ou na aquisição de bens. O mercado financeiro, o ramo imobiliário e o comércio de artes e de antiguidades são os principais alvos dos lavadores (PITOMBO, A., 2003).

Tal classificação é meramente didática, visto que, no caso concreto, as etapas, por vezes, apresentam-se tão interligadas que não se consegue distingui-las. Ademais, para a consumação do crime de lavagem de dinheiro não é necessária a ocorrência cumulativa das três etapas.

2.1.2 Legislação

O Brasil somente editou lei criminalizando a lavagem de dinheiro em 1998. A Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, dispõe sobre o crime de lavagem de dinheiro, a prevenção da utilização do sistema financeiro para a perpetração de tal delito e cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, entre outras providências.

Foi criada com base nos preceitos da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, também chamada de Convenção de Viena, adotada em 1988 e considerada um marco importante no combate à lavagem de dinheiro. A partir daí, muitos países passaram a tipificar a lavagem de capitais, enquanto outros alteraram sua legislação para adequarem-se aos ditames da convenção.

2.1.3 Expressão "lavagem de dinheiro"

Em alguns países, a denominação do delito em estudo dá-se em função do resultado da ação, como blanchiment d’argent (França e Bélgica), blanqueo de dinero (Espanha), branqueamento de dinheiro (Portugal). "Caracterizando-se a conduta pela transformação do dinheiro sujo em dinheiro limpo, pareceu-lhes adequado o uso de vocábulo que denotasse limpeza" (item 10 da Exposição de Motivos nº 692 / MJ).

Em outros, quanto à natureza da ação perpetrada, a exemplo de money laundering (países de língua inglesa), lavado de dinero (Argentina), blanchissage d’argent (Suíça) e riciclaggio (Itália) (SILVA, 2001). Nos Estados Unidos da América, o termo laudering (lavagem) originou-se na década de 20, quando a Máfia abria lavanderias para dar aparência lícita a dinheiro arrecadado por meio de negócios escusos (NUCCI, 2006), e atualmente ainda é usado [12].

No Brasil, a expressão lavagem de dinheiro foi escolhida por dois motivos. Primeiramente, já estava consagrada pela mídia. Em segundo lugar, a denominação "branqueamento", usada em Portugal, teria uma conotação racista, conforme aduziu Jobim (2000, p. 13): "havia também o problema típico de uma sociedade multirracial, como a nossa, isto é, entendíamos que nominando esse ilícito de ‘branqueamento’, teríamos problemas com a raça negra no Brasil, pois importaria dizer que negro é sujo".

2.1.4 Bem jurídico

Com relação ao bem jurídico, a doutrina diverge. Três são as correntes principais: superproteção ao bem jurídico do crime antecedente, administração da justiça e ordem econômica.

Parte da doutrina defende que o delito lavagem de dinheiro visa tutelar o mesmo bem jurídico protegido pelo crime antecedente, de tal sorte que seria apenas uma maneira de coibir a prática dos delitos antecedentes. Antônio Pitombo (2003, p. 74) critica tal posicionamento ao afirmar que os bens jurídicos não são os mesmos porque "o agente, na lavagem de dinheiro, não contribui com a manutenção do ataque ao bem jurídico já lesionado ou posto em perigo pelo autor do crime antecedente".

Alguns autores afirmam que a lavagem de dinheiro atenta contra a administração da justiça, vez que, ao ocultar ou dissimular o produto do crime antecedente, dificulta a sua persecução penal e a recuperação do produto. Entretanto, muitos criticam essa corrente, como Faria Costa (1999, p. 313 apud PITOMBO, A., 2003, p. 77), nos seguintes termos:

"Defendemos que a incriminação das condutas penalmente relevantes se fundamenta em uma ordem de razões que se não deve confundir com as razões ‘fracas’ que eventualmente advenham de motivos laterais de mera eficácia do sistema. Criar-se um tipo legal para, desse jeito, melhor ou mais facilmente desenvolver, legalmente, uma qualquer actividade persecutória é atitude político-legislativa pouco clara que, para além disso, pode ter efeitos perversos".

A posição doutrinária mais aceita e que parece ser a mais coerente é a que considera a ordem econômica como bem jurídico tutelado pelo crime em questão. Antônio Pitombo (2003), um dos defensores dessa idéia, afirma que o crime organizado, mediante a prática de diversos crimes, obtém elevadas somas de dinheiro e, após "lavar" esse capital, integra-o no mercado legítimo, utiliza-o para corromper o Estado e prejudica o sistema econômico-financeiro, o que, para alguns países latino-americanos, representa um obstáculo à capitação de investimento estrangeiro lícito.

Silva (2001) afirma que, de acordo com estudos da Organização das Nações Unidas, o tráfico de drogas movimenta, no mundo, cerca de US$ 400 bilhões anuais, cuja metade é lavada por organizações criminosas. Porém, as estatísticas sobre o volume de dinheiro lavado em escala global não são confiáveis, são apenas meras expectativas, visto que os agentes primam pelo elevado grau de sigilo de suas atividades, cuja necessidade decorre da própria natureza do delito. Demais, os esquemas de lavagem de dinheiro costumam abranger vários países, o que dificulta a apuração do real montante lavado. Apesar dos obstáculos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou que a soma dos recursos lavados a nível mundial corresponderia a um valor entre 2 e 5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial (SCHOTT, 2006).

Baltazar Junior (2008), em consonância com o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, considera o crime como pluriofensivo.

2.2 Tipo objetivo

Com base na teoria finalista da ação, pode-se afirmar que o tipo penal compõe-se de elementos objetivos e subjetivos (GRECO, 2006) ou que se divide em tipo subjetivo e tipo objetivo (PITOMBO, A., 2003). Na lição de Zaffaroni (1996, p. 395, apud GRECO, 2006, p. 179):

Conforme o conceito complexo [...], o tipo doloso ativo possui dois aspectos: um objetivo e outro subjetivo; quer dizer que a lei, mediante o tipo, individualiza condutas atendendo a circunstâncias que se dão no mundo exterior e a circunstâncias que estão localizadas na parte interna, no psiquismo do autor.

Pertencem ao tipo objetivo o sujeito ativo, a ação típica, o resultado (se for o caso), o objeto material, bem como qualquer outro elemento relacionado com a concretização da conduta criminosa no mundo exterior. (PITOMBO, A., 2003).

Os elementos objetivos podem ser descritivos ou normativos. Enquanto os primeiros correspondem àqueles que pode ser diretamente apreendidos pelo intérprete, os últimos são os que, para serem compreendidos, dependem de um juízo de valor por parte do intérprete, como os termos dignidade e decoro presentes no art. 140 do Código Penal (GRECO, 2006).

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Dos elementos que compõem o tipo objetivo do delito de lavagem de dinheiro, serão analisados, pela sua importância para este estudo, o objeto material e o crime antecedente.

2.2.1 Objeto material

Objeto material é a pessoa ou a coisa sobre a qual recai o ato delituoso do agente, por exemplo, a coisa alheia móvel subtraída no crime de furto. Em alguns casos, pode confundir-se com o sujeito passivo, como na hipótese de homicídio (GRECO, 2006). Não é o mesmo que instrumento do delito, que é a coisa usada para a prática da ação (NORONHA, 2004). Objeto material é o alvo da conduta criminosa. Também não se confunde com o objeto, ou bem, jurídico, uma vez que este representa um valor penalmente relevante.

O caput do art. 1º da Lei nº 9.613/98 assim dispõe, verbis: "Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime" (grifo nosso). Observa-se que, apesar do nomen iuris lavagem de dinheiro, não somente dinheiro, como também bens, direitos e valores podem ser objeto material do delito de lavagem de capitais. Manifesta-se corretamente Antônio Pitombo (2003) no sentido de que o legislador laborou com imprecisão, visto que direitos e valores já estariam incluídos no conceito de bem, que é tudo aquilo que apresenta utilidade e suprimento escasso e, por isso, é suscetível de apropriação e contém valor econômico.

O bem objeto da lavagem de dinheiro deve, necessariamente, originar-se, direta ou indiretamente, de um dos crimes previstos nos incisos I a VII do artigo citado, denominados crimes antecedentes (CERVINI SANCHEZ; OLIVEIRA; GOMES, 1998). No caso concreto, é possível a configuração de dois ou mais crimes de lavagem de dinheiro em concurso material mesmo que os bens lavados provenham de apenas um crime antecedente. Nesse sentido, decidiu o Tribunal Regional Federal da 5ª região em ação penal referente ao furto ao Banco Central de Fortaleza-CE [13].

Logo, tendo em vista a expressão provenientes, direta ou indiretamente, de crime, presente no art. 1º, chega-se à conclusão de que se deve considerar como objeto material do crime de lavagem de dinheiro o produto ou o proveito do crime antecedente, assim como qualquer outro bem decorrente direta ou indiretamente do delito antecedente, como o preço do crime (BALTAZAR JUNIOR, 2008; PITOMBO, A., 2003) ou rendimentos financeiros oriundos do proveito do crime antecedente (BALTAZAR JUNIOR, 2008; SILVA, 2001).

2.2.2 Crime antecedente

O crime de lavagem de dinheiro, pela sua própria essência, é um delito acessório, visto que pressupõe a ocorrência de um crime anterior, chamado crime antecedente ou prévio. Entre o crime antecedente e o delito de lavagem de dinheiro existe uma relação de acessoriedade material (PITOMBO, A., 2003), pois o objeto material da lavagem de dinheiro, como dito anteriormente, é o produto, o proveito ou qualquer outro bem oriundo direta ou indiretamente do crime prévio.

Como bem observou Silva (2001, p. 57), "se se tratasse de bens, direitos e valores advindos de atividade lícita, obviamente que o dinheiro seria limpo por sua própria natureza e, por conseguinte, faltaria objeto de sustentação para um novo enfoque do Direito Penal". Considera-se o crime antecedente como conditio sine qua non para a configuração do delito de lavagem de dinheiro. É elemento do tipo objetivo, assim, uma vez ausente o crime antecedente, não há crime de lavagem de dinheiro; a conduta do autor é atípica (SILVA, 2001).

2.2.2.1 Classificação da legislação

Cada país edita sua própria lei sobre lavagem de dinheiro, e, conseqüentemente, determina que crime será considerado delito antecedente. A doutrina classificou, então, a legislação acerca de lavagem de capitais em três gerações (BALTAZAR JUNIOR, 2008; JOBIM, 2000).

Pertencem à primeira geração as leis que apontam unicamente como crime antecedente o tráfico ilícito de entorpecentes. Tais leis foram criadas com base na Convenção de Viena (SILVA, 2001).

As legislações que estabelecem um rol taxativo de crimes antecedentes são as de segunda geração, como a da Grécia e de Portugal (AMBOS, 2007).

São de terceira geração as leis que renunciam a um catálogo estrito de crimes antecedentes. Na Bélgica, a lei determina que qualquer crime, delito ou contravenção pode ser infração prévia de lavagem de dinheiro. Já as leis da França [14], Irlanda, Suécia e Reino Unido fazem referência a qualquer fato punível (crime e delito). A legislação italiana prevê a ocorrência de qualquer crime como pressuposto lógico de lavagem de dinheiro, e a espanhola, a prática de delito grave (AMBOS, 2007). Tais leis vão ao encontro da recomendação nº 1 do Grupo de Ação Financeira (GAFI) [15], organização internacional que tem como objetivo desenvolver e promover políticas a nível nacional e internacional de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo:

1.

Countries should criminalise money laundering on the basis of the United Nations Convention against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances, 1988 (the Vienna Convention) and the United Nations Convention against Transnational Organized Crime, 2000 (the Palermo Convention). Countries should apply the crime of money laundering to all serious offences, with a view to including the widest range of predicate offences. Predicate offences may be described by reference to all offences, or to a threshold linked either to a category of serious offences or to the penalty of imprisonment applicable to the predicate offence (threshold approach), or to a list of predicate offences, or a combination of these approaches. Where countries apply a threshold approach, predicate offences should at a minimum comprise all offences that fall within the category of serious offences under their national law or should include offences which are punishable by a maximum penalty of more than one year’s imprisonment or for those countries that have a minimum threshold for offences in their legal system, predicate offences should comprise all offences, which are punished by a minimum penalty of more than six months imprisonment. Whichever approach is adopted, each country should at a minimum include a range of offences within each of the designated categories of offences (grifo nosso).

Segundo o que está disposto na Exposição de Motivos nº 692/MJ, a legislação brasileira seria de segunda geração, porque prevê um rol taxativo de crimes antecedentes, a saber: tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; terrorismo e seu financiamento; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; extorsão mediante seqüestro; crimes contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; crimes contra o sistema financeiro nacional; crime praticado por organização criminosa; e crime praticado por particular contra a administração pública estrangeira. Percebe-se, entretanto, que qualquer crime, desde que praticado por organização criminosa, pode ser delito prévio de lavagem de dinheiro. Assim, a legislação brasileira encontra-se em uma posição intermediária entre a segunda e a terceira gerações, ou, como afirma Antônio Pitombo (2003, p. 57), "o projeto adotou posição mista".

Uma crítica que grande parte da doutrina faz ao catálogo de crimes antecedentes do art 1º da Lei nº 9.613/98 é a não inclusão do crime de sonegação fiscal, o que será analisado na seção seguinte.

2.2.2.2 A extinção da punibilidade do crime antecedente

Uma questão cuja abordagem é de considerável importância para o presente trabalho é a da extinção da punibilidade do crime antecedente e sua repercussão na configuração do delito de lavagem de dinheiro.

Consoante o exposto em 1.1.3, a punibilidade não está incluída no conceito de crime e consiste apenas em uma conseqüência jurídica de sua perpetração. Logo, a extinção da punibilidade não afeta o delito em si, atingindo somente o direito de punir do Estado, com exceção da hipótese de abolitio criminis, prevista no inciso III do art. 107 do Código Penal, que efetivamente descriminaliza o fato antes tido como delituoso.

O delito de lavagem de dinheiro, como dito anteriormente, é acessório, pois pressupõe a prática de um crime anterior, denominado crime antecedente ou prévio. Com relação a crimes acessórios e conexos, o art. 108 do Código Penal dispõe que a extinção da punibilidade de um crime que é pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro não se estende a este, e, nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão. A respeito, Noronha (2004, p. 345) assevera que "se estiver, por exemplo, prescrito, por qualquer forma, o direito de punir relativamente ao furto, não ficará, por isso, isento de pena o receptador".

Seguindo essa linha de raciocínio no contexto dos crimes de lavagem de dinheiro, pode-se afirmar que, no caso de extinção da punibilidade do crime antecedente, este continua existindo como infração penal, de maneira que permanecem ilícitos os bens originados de sua prática. Dessa forma, tais bens, mesmo oriundos de crime antecedente cuja punibilidade foi extinta, continuam aptos a serem objeto material do delito de lavagem de dinheiro, pois sua origem não deixou de ser ilícita, com exceção da hipótese de abolitio criminis, conforme dito anteriormente.

Além de não desconfigurar o delito de lavagem de dinheiro, a extinção da punibilidade do crime antecedente também não se estende a ele, segundo a redação do art. 108 do Código Penal e do § 1º do art. 2º da Lei nº 9.613/98, que dispõe o seguinte: A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime (grifo nosso).

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Sobre a autora
Sara Moreira de Souza

Advogada, Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, Pós-graduanda em Direito Público Material pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Sara Moreira. Sonegação fiscal como crime antecedente de lavagem de dinheiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2255, 3 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13441. Acesso em: 4 mai. 2024.

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