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O princípio do livre convencimento do magistrado e o art. 9º da Lei nº 11.961/2009.

Espaço aberto para arbitrariedades nas decisões do Poder Judiciário. Responsabilidade do Estado-Juiz

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Resumo.

A redação do art. 9º da Lei 11.961/2009 permite ao magistrado ampla discricionariedade quando sejam questionados a "periculosidade" ou "indesejabilidade" de estrangeiro que busque legalizar sua residência provisória no Brasil, uma vez que não expressa em que se coaduna estes dois termos. Contudo, motivar, o julgador, uma decisão com base em conceitos unicamente subjetivos ou que não estejam dispostos em legislação regulamentadora, coaduna-se em ato ilícito, denotando erro judiciário, passível de indenização aos prejudicados. Neste trabalho, buscou-se fazer breve análise, crítico-analítica, do princípio do livre convencimento motivado do magistrado, e de que modo este princípio restou por desvirtuado pelo art.9º da Lei 11.961/09, conferindo poderes, não dispostos na CFB/88, ao julgador; podendo, inclusive, ser causa de prejuízo para o demandante e para o próprio magistrado.

Palavras-chave: Poder Judiciário; livre convencimento; arbitrariedade; art. 9º da Lei 11.961/09.

Abstract.

Jurisdictional Power; free motivated conviction principle; arbitrariness; article 9th of the Law 11.961/2009;

Sumário: 1. Considerações Iniciais; 2. Responsabilização estatal, 2.1. Responsabilidade do Estado-Juiz, A) Análise probatória e o Princípio do livre convencimento motivado, B) Erro judiciário; 3. Interpretação da norma jurídica: (in)definição de "periculosidade" e "indesejabilidade" na Lei 11.961/2009; 4. Considerações Finais; 6. Referências Bibliográficas.


1. Considerações Iniciais.

O tema da responsabilidade civil do Estado vem sofrendo, na produção jurídico-doutrinária, um elastecimento de suas fronteiras, justificado, principalmente, pelo aumento da intervenção estatal na esfera privada dos jurisdicionados. Com a solidificação do denominado "Estado Social" e a crescente busca pelos ideais de justiça social, pela minimização das desigualdades e garantia de acesso à Justiça, o instituto da responsabilidade civil do Estado sofreu uma das mais notáveis evoluções já verificadas na ciência jurídica, de modo a acompanhar a transição do Estado Liberal para o Estado Social, abandonando a noção inicial de completa irresponsabilidade e chegando a admitir-se uma responsabilização apurada segundo critérios objetivos.

A Constituição Federal hodierna adotou a teoria do risco administrativo, fazendo surgir a responsabilidade objetiva do Estado, a partir da qual não importa se o serviço público realizado foi bom ou mal, mas sim, que houve um dano ao particular e que este foi consequência do funcionamento do serviço público, importando a relação de causalidade entre o dano e o agente.

O art. 37, § 6º da CFB/88 regula a matéria, determinando que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos (concessionárias e permissionárias) responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A teoria do risco administrativo, configurando a responsabilidade objetiva do Estado, exige a ocorrência do dano, uma ação ou omissão do ente estatal (por seu representante), o nexo causal entre o dano e a ação ou omissão, e a inexistência de causa excludente da responsabilidade estatal.

2.1. Responsabilidade do Estado-Juiz.

A. Análise probatória e o Princípio do livre convencimento motivado.

O Sistema Legal Brasileiro consagrou os princípios da livre apreciação das provas pelo magistrado, da persuasão racional, ou ainda, do livre convencimento do juiz, os quais, em conjunto, pressupõem a liberdade do magistrado quando da apreciação das provas colacionadas nos autos da ação demandada.

Esta liberdade do juízo abrange a prova tanto na sua produção e avaliação, quanto no que diz respeito ao convencimento do magistrado, bem como suas limitações e motivação no momento da decisão. Tal princípio encontra-se consagrado nos arts. 93, IX, CFB/88, 131 do CPCB e 157 do CPPB.

O livre convencimento não pode ser confundido com permissão para uma valoração subjetiva e isenta de critérios e controles. Trata-se, ao contrário, de princípio de avaliação de provas que não exclui regras de admissibilidade na formação do material probatório, nem a submissão aos postulados da lógica e da experiência na apreciação deste mesmo material.

As regras probatórias constituem, como observou Giovanni Conzo (1970, pp.7-21), normas de garantia que decorrem dos preceitos constitucionais, assegurando o caráter racional e controlável da decisão sobre os fatos; afastam, assim, uma liberdade absoluta do juiz que poderia dar ensejo a julgamentos pessoais, ideológicos ou emotivos.

A liberdade a que se refere o Princípio do livre convencimento do juiz é a de apreciar os dados apresentados pelas partes, ou por eles buscados, acerca dos fatos controvertidos, ou seja, dos elementos de prova, a fim de embasar e formar seu convencimento - repisa-se, na forma da lei. O indispensável respeito à legalidade probatória importa não só a disciplina da admissão e produção do material probatório, mas também parâmetros legais à própria valoração, de forma a evitar julgamentos subjetivos e arbitrários.

O exercício da liberdade de convicção pelo juiz deve vir acompanhado de uma argumentação capaz de reproduzir um raciocínio decisório - não se resumindo em um discurso aberto -, de modo a possibilitar o seu efetivo controle pelas partes, pelos órgãos superiores e pelo público em geral, sob pena de nulidade (art. 93, IX, CFB/88) do ato judicial e de o magistrado ser responsabilizado por erro judiciário, por não fazer a devida subsunção do fato à norma, decidindo arbitrariamente e prejudicando uma ou ambas as partes.

B. Erro judiciário.

A regra do artigo 37,§6º da Carta de 1988 não excetua nenhum dos poderes estatais, podendo perfeitamente ser aplicada aos atos do Poder Judiciário, conforme o princípio constitucional da harmonização dos Poderes do Estado (art. 2º, CFB/88).

Destarte, o art. 5º, LXXV, do mesmo instrumento legal, enuncia: "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença". Separa-se, claramente, a indenização pelo cometimento de erro judiciário e por prisão além do tempo fixado na sentença. Ou seja, ambos ensejam indenização, mas representam aspectos distintos de um mesmo instituto.

Entretanto, a jurisprudência pátria, apesar de consagrar a responsabilidade civil do Estado por atos administrativos, adota a teoria da irresponsabilidade para atos do Judiciário, só passando a ser aplicada a responsabilização estatal por atos jurídicos praticados por magistrados quando do surgimento das hipóteses dos artigos 621 e 630 do CPPB – os quais trazem os casos de revisão dos processos findos e a possibilidade de indenização estatal por erro do magistrado, respectivamente.

O Estado, no desempenho da função jurisdicional, civil ou criminalmente, desenvolve um serviço público. Depreende-se, pois, que o Estado-Juiz, é tão responsável pelos seus atos lesivos, quanto o é, no respeitante aos seus, o Estado-Administração. Neste sentido, posiciona-se Lair da Silva Loureiro Filho,

(...) A interpretação a ser dada ao dispositivo do art.37, §6º, da Constituição, há de ser a mais elástica possível. O dispositivo não dá margem a dúvidas ao incluir o magistrado no rol de agentes causadores de danos. A exegese do dispositivo implica a aceitação da responsabilidade direta e objetiva do Estado, cabendo a análise do comportamento doloso, culposo ou mesmo lícito à sede regressiva (...) (LOUREIRO FILHO, 2006, p.416)

Para o magistrado, a previsão do art. 49 da LOMAN praticamente repete o art. 133 do CPCB, prescrevendo a responsabilidade por perdas e danos quando o juiz agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções e quando recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento das partes.

Nestes casos, o magistrado responde pessoalmente pelos danos que causou quando do exercício jurisdicional.

Destarte, impõe-se ao Estado de Direito o reforço de garantia dos direitos individuais dos cidadãos; devendo ser coibida a prática de qualquer decisão injusta à liberdade individual, que decorra de ato abusivo da autoridade judiciária e se fazendo resultar dela a responsabilidade do Estado pelos danos causados.

O direito à indenização surge quando o magistrado, agindo dolosamente - sabedor de que lhe é proibido decidir com base em critérios unicamente subjetivos, não sustentados pela norma aplicável ao caso concreto -, age além dos limites estabelecidos pelo princípio do livre convencimento motivado.

Nestes termos, a professora Maria Helena Diniz (2009, p.195) afirma que a ciência do direito é um "saber tecnológico", e que seu problema central é a "decidibilidade", já que tem por escopo fundamental demonstrar que determinada decisão pode ser sustentada por uma determinada norma jurídica.

Seguimos, pois, a corrente doutrinária que defende o alargamento do campo da responsabilidade civil do Estado por danos causados por membros do Poder Judiciário em âmbito cível, na mesma medida que ocorre criminalmente. A natureza de suas funções é a mesma e detém os mesmos poderes e responsabilidades.

Posteriormente, pode-se discutir, em ação regressiva, os danos econômicos causados ao ente público prejudicado na ação indenizatória, inicialmente proposta, comprovada a culpa ou dolo do magistrado, segundo regra da Constituição Federal Brasileira de 1988.


3. Interpretação da norma jurídica: (in)definição de "periculosidade" e "indesejabilidade" na Lei 11.961/2009.

Na realidade, como se percebe pelos estudos semióticos, o intérprete, verdadeiramente, constrói o significado. Nesse mister, a atividade hermenêutica não pode ser tão subjetiva a ponto de ser caótica, pois é através do seu uso que se exprime o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o poder e o não poder do Direito.

Neste contexto, nos voltamos à temática por nós proposta. De que modo os magistrados deste país que estiverem de frente com um caso que envolva um pedido de moradia provisória no Brasil por estrangeiro irão "desvendar" o art. 9º da Lei 11.961/2009? Quais serão os significados aplicados aos termos "periculosidade" e "indesejabilidade" contidos no dispositivo mencionado?

No art. 12 da novel Lei, consta que o Poder Executivo a regulamentará. Contudo, não há certeza quanto à regulamentação do art. 9º, o que termina por gerar um caos jurídico, uma vez que "periculosidade" e "indesejabilidade" são termos amplamente genéricos, que podem conter inúmeras interpretações. Conforme a exegese aplicada, o resultado poderá ser extremamente danoso moral e materialmente para aquele que teve seu requerimento de estadia provisória negado.

Tracemos duas situações hipotéticas: A) Alguém que teve seu requerimento negado, porque o magistrado, competente na ação, considerou o requerente perigoso à sociedade por ter histórico criminal. Pergunta-se: Ocorreu o trânsito em julgado em todas as ações? Em todas elas, após o trânsito em julgado, o requerente foi condenado? A que tipo de pena? Tratou-se de crime de menor potencial ofensivo? Mesmo condenado, já não está o requerente cumprindo sua pena? Ou já a cumpriu? Se a cumpriu, não seria puni-lo duas vezes, negando-lhe a estadia provisória no Brasil e expulsando-o, pelo cometimento do mesmo crime?

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Por fim, quais os parâmetros e valores para as modalidades criminosas cometidas? Quais são consideradas mais graves ou menos graves, nestes casos? Haverá uma alteração no Código Penal Brasileiro em decorrência deste dispositivo?

B) Aquele que teve seu requerimento negado, porque o magistrado, competente na ação, considerou o requerente "indesejável" à sociedade brasileira. Pergunta-se: em que se constituirá o conjunto probatório deste caso? Quem poderá atestar a "indesejabilidade" do requerente? E o quão "indesejável" alguém poder ser a ponto de ser "expulso" do território brasileiro? Quem definirá a "indesejabilidade" neste caso?

Em ambas as hipóteses, tem-se a seguinte certeza: negado o pedido de permanência provisória no Brasil pelo magistrado por uma das duas razões acima ilustradas, do modo como a Lei 11.961/09 as aborda atualmente, pode o requerente intentar ação indenizatória por danos morais e/ou materiais contra o Estado, que agiu por meio do juiz que proferiu a decisão.

Trazemos, para melhor ilustração, um caso fático: imagine-se que o requerente seja uma empregada doméstica, a qual já estabeleceu vínculos empregatícios e familiares no Brasil. Ao pleitear sua estadia provisória, porque seu visto de permanência expirou, encontra-se na seguinte situação: um representante do Poder Judiciário afirma considerá-la perigosa à sociedade porque está sendo processada por furto. No processo mencionado, aquela que a denunciou foi sua ex-patroa que, por ciúmes de seu marido, queria "punir" a sua funcionária implantando falsas provas. O processo ainda não transitou em julgado. Com a sentença denegatória de estadia provisória, pelos motivos já expostos, a requerente seria duplamente castigada por um fato que não foi legal e legitimamente analisado pelo Poder Judiciário conforme dita o princípio do devido processo legal.

No caso exposto, pode, antes mesmo do trânsito em julgado do processo criminal, ou de seu requerimento, pleitear indenização, não apenas a sua ex-patroa, como ao magistrado que, sem parâmetros legais e legítimos, aptos a valorar concretamente o caso exposto, decidiu com base em elementos probatórios fracos e sem consistência real.

Ademais, o artigo 9º da Lei 11.961/2009, não faz sequer menção a dispositivos do Código Penal ou do Código Civil Brasileiros, como mecanismos de auxílio à decisão judicial. Encontra-se, pois, em aberto. E não pode o magistrado tomar decisões judiciais incongruentes, com base em dispositivos em aberto.

Na hermenêutica jurídica, o intérprete, além de analisar o sentido normativo, deve ainda fixar o seu alcance, a fim de delimitar as situações e pessoas a que a norma interpretada se aplica, mas, para isso, a norma jurídica a ser aplicada deve apresentar um mínimo de coerência e limites pré-estabelecidos, para que sua aplicação no mundo exterior não se revista de situações caóticas.


4. Considerações Finais.

O Estado só se faz presente através de pessoas físicas que em seu nome manifestam determinada vontade, e é por isso que essa manifestação volitiva acaba por ser imputada ao próprio Estado.

Ao analisar o comando genérico do art. 37, §6º, CFB/88, parece razoável concluir que todo e qualquer ato de agente público lesivo ao particular seja passível de responsabilidade estatal, pois o texto constitucional não excepciona a natureza dos atos ilícitos praticados pelos agentes, v.g. se administrativos ou judiciais.

Quanto ao Poder Judiciário, a garantia de independência dos magistrados no exercício de suas funções jurisdicionais, embora seja de suma importância para a liberdade de sua atuação, não pode ser admitida de maneira absoluta, uma vez que no Estado Democrático de Direito não há Poder sem responsabilidade.

Serviço judiciário é, antes de tudo, um serviço público e, quando danoso, reflete a "imagem" do próprio Estado causador do dano. Outrossim, em sendo danoso o serviço judiciário, seja por dolo ou falha individual do magistrado, culpa anônima do serviço, seja por ato ilícito ou por ato lícito, ou ainda por exsurgir sem culpa, o Estado responderá diretamente pelos prejuízos causados, moral ou materialmente.

No caso concreto por nós escolhido, qual seja, a total abstratividade do art. 9º da Lei 11.961/2009, ao mencionar, como elementos fundamentadores de decisão denegatória de pedido para estadia provisória no Brasil por estrangeiro, a "periculosidade" e a "indesejabilidade" do requerente, encontrou-se que o magistrado que tiver competência para atuar em um caso como o acima ilustrado poderá incorrer em erro judicial e, portanto, submeter-se a ação indenizatória se denegar o pedido utilizando como elementos motivadores apenas os elencados no art. 9º, uma vez que lhes falta concretude e lhes sobra abstratividade.

Por mais que uma das características da norma jurídica seja a abstratividade, esta não pode significar uma norma em aberto, sem espectro determinador do campo de incidência.


5. Referências Bibliográficas.

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. Vol. 1. São Paulo: Malheiros, 2003.


Notas

  1. Ver o art. 2º da Lei 8.429/92.
  2. Ver os arts. 630,§1º,CPP e 133 do CPC.
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Sobre a autora
Paola Frassinetti Alves de Miranda

Pós-graduanda em Direito Público pela Ensine Faculdades. Bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba Articulista e pesquisadora da área de Direitos Humanos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Paola Frassinetti Alves. O princípio do livre convencimento do magistrado e o art. 9º da Lei nº 11.961/2009.: Espaço aberto para arbitrariedades nas decisões do Poder Judiciário. Responsabilidade do Estado-Juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2277, 25 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13571. Acesso em: 18 dez. 2024.

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