Sumário: 1. Aspectos Introdutórios; 2. A Inter-relação das Ordens Jurídicas Interna e Internacional; 3. Contornos Essenciais da Soberania Estatal; 4. Projeção Externa da Soberania; 5. Influência do Direito Internacional na Proteção Interna dos Direitos Humanos: Conceitos Qualitativo e Quantitativo de Soberania; 6. A Universalidade dos Direitos Humanos como Fator de Redimensionamento da Soberania Estatal; Epílogo.
1. Aspectos Introdutórios
O evolver da humanidade, necessariamente circundado por avanços e retrocessos, tem contribuído para sedimentar a concepção de que as estruturas estatais de poder não podem e não devem ser vistas como partículas isoladas, indiferentes ao seu entorno. Posturas de isolamento ou de inter-relação meramente consentida, predominantes até meados do Século XIX, já não se compatibilizam com os novos rumos das relações internacionais.
A indiscutível evolução experimentada pelo direito internacional nas últimas décadas do Século XX, processo evolutivo que costuma ser igualmente englobado sob a epígrafe da globalização, longe de apaziguar as divergências, só fez estimular as reflexões em torno de princípios até então enraizados e respeitados como dogmas absolutos e intangíveis. A circulação de idéias e de riquezas, ao que se soma o grande potencial lesivo de inúmeras realizações humanas, que podem chegar ao extremo de inviabilizar a própria subsistência de qualquer forma de vida no planeta, foram decisivos para que questões afetas à autodeterminação externa ou de cunho aparentemente interno assumissem uma característica transcendente, de indiscutível importância para os demais Estados.
Tais reflexões trouxeram à tona a existência de tensões dialéticas entre princípios clássicos, como o da soberania estatal, e princípios mais recentes, do que são exemplos a proscrição da guerra de conquista e a proteção internacional dos direitos humanos. O aparecimento de novos atores no cenário internacional, como é o caso das organizações internacionais, também tem atuado como inevitável complicador, pois sua atuação pode igualmente influenciar a maior ou a menor concretização desses princípios.
Essa tendência foi especialmente sentida com a abolição do jus belli, legitimado pelo direito internacional clássico e que constantemente integrava a pauta das relações externas dos Estados mais fortes. A concepção de que o direito à guerra refletia mera projeção da soberania estatal, integrando-se às competências discricionárias do Estado, que poderia fazer uso das armas sem qualquer preocupação em justificá-lo, mostrou-se especialmente preocupante com o aumento da força lesiva dos artefatos de guerra. [02] Daí as construções voltadas à distinção entre guerras justas e injustas, ofensivas e defensivas. Após a Primeira Guerra Mundial, prevaleceu a concepção de que o uso da força deveria ser precedido de uma causa de justificação (v.g.: a legítima defesa), [03] bem como que uma organização internacional, a Sociedade das Nações, sucedida pela Organização das Nações Unidas, desempenharia um papel primordial na resolução dos conflitos. Não bastasse isto, mesmo quando legítimo o conflito, as necessidades militares deveriam harmonizar-se com exigências básicas de humanidade. [04]
Esse processo de realinhamento principiológico, em passado mais recente, terminou por se estender à temática dos direitos humanos. Reconheceu-se, em especial após o Segundo Conflito Mundial, onde a barbárie nazista fora legitimada pelo próprio direito positivo alemão, que a senhoria normativa do Estado, outrora absoluta, deveria observar balizamentos mínimos, ainda que o seu poder de império fosse direcionado aos seus cidadãos e em seu território. Trata-se do reconhecimento de que acima da nacionalidade, vínculo que une o indivíduo ao Estado, [05] tem-se a imperativa garantia de sua humanidade, consectário de sua própria inclusão na espécie humana. Não bastasse isto, tornou-se cada vez mais freqüente a reunião de Estados em busca da consecução de objetivos comuns, resultando na proliferação de organizações internacionais, cujas deliberações, não raro, tornam-se vinculantes mesmo para os Estados que se viram vencidos na votação.
As novas tendências, à evidência, não podem ser explicadas à luz da noção clássica de soberania, prosélita de um poder que, na atualidade, o Estado não mais possui. O objetivo dessas breves linhas é tecer algumas considerações em torno do alcance dessas restrições e do seu efeito na proteção dos direitos humanos. É importante lembrar que o influxo de novas idéias e o indeclinável prestígio de valores essenciais à sociedade internacional não importam no correlato desprestígio das normas internas, em especial do texto constitucional, ou mesmo no desvanecimento da soberania estatal. Interpretar o novo com os olhos voltados ao velho ou tentar compreender a parte dissociada do todo é vício que maltrata princípios básicos de hermenêutica e compromete o evolver dos povos na direção de uma harmônica convivência, merecendo profundas e urgentes reflexões por parte dos operadores do direito. [06]
2. A Inter-relação das Ordens Jurídicas Interna e Internacional
A questão da influência da ordem internacional sobre a ordem interna traz, de imediato, a lembrança sobre o ferrenho debate entre a teoria dualista - que prestigia a soberania estatal e preconiza a coexistência entre as duas ordens, sem a supremacia de nenhuma delas e com a necessidade de autorização do Estado para que a norma internacional possa viger na ordem interna - e a teoria monista - que defende a existência de uma única ordem, para alguns com a superioridade do direito interno, o que importa na própria negação do direito internacional, para outros com o primado desse último. [07]
O debate chega a assumir proporções, no mínimo, curiosas, pois, enquanto os defensores do dualismo afirmam a ampla e irrestrita predominância dessa teoria na atualidade, [08] os seguidores do monismo fazem justamente o mesmo em relação à teoria por eles prestigiada. [09]
Uma ampla análise dessas teorias, embora sempre seja útil, terminaria por afastar-nos do objetivo principal, o que não parece ser conveniente. De qualquer modo, é necessário estabelecer o paradigma que seguiremos, facilitando o desenvolvimento do estudo e a compreensão das conclusões que serão declinadas. De forma breve, podemos dizer que a teoria monista, observados certos temperamentos, é a que melhor se afeiçoa ao atual estágio de evolução do direito internacional. [10]
Admitindo-se a unidade da ordem jurídica interna e da ordem jurídica internacional, põe-se o problema, de todo relevante sob o aspecto da soberania dos Estados, da identificação de uma possível hierarquia entre elas. Em um primeiro plano, cumpre dizer que seria inconcebível a existência de uma ordem internacional, ainda que essencialmente fragmentária, caso fosse reconhecido aos Estados a possibilidade de dispor livremente sobre os contornos da ordem interna.
Apesar de as violações ao direito internacional serem constantes, a própria coexistência entre os Estados exige, se não uma relação de absoluta conformidade, ao menos uma relação de compatibilidade entre os atos internos e determinados padrões existentes na ordem internacional. Nesse sentido, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, adotada em 23 de maio de 1969, dispõe, em seu art. 26, que, salvo a existência de vícios em relação à competência dos órgãos internos para a conclusão dos tratados, os Estados não podem deixar de executá-los invocando disposições do seu direito interno.
Não obstante o reconhecimento do primado do direito internacional, um possível conflito entre as ordens interna e internacional não será resolvido com a utilização de mecanismos idênticos àqueles empregados nos conflitos entre normas internas. Nesse último caso, o conflito pode ser resolvido em termos de validade, enquanto que no direito internacional, salvo exceções, [11] dá-se a resolução em termos de responsabilidade do Estado, mantendo-se, por via reflexa, a validade da norma interna. [12] O alcance dessa responsabilidade, no entanto, em especial nas hipóteses em que o Estado não tenha a ela voluntariamente anuído e os atos intitulados de ilícitos tenham sido praticados no seu território e contra os seus cidadãos, [13] ainda é objeto de discussão.
A adstrição do direito internacional às relações entre Estados, [14] concepção que implicitamente prestigiava os distintos aspectos derivantes da soberania, era constantemente invocada para afastar a possibilidade desse ramo do direito ser utilizado como parâmetro de proteção dos direitos humanos. [15] Tanto a dimensão material, como a processual desses direitos deveriam ser desenvolvidas no âmbito intra-estatal, sendo inconcebível a sua transposição para o plano do direito internacional. [16]
Esse quadro de preeminência da soberania estatal, praticamente intangível até o início do Século XX, passou a sofrer profundas modificações com o paulatino reconhecimento dos direitos humanos, o que, como dissemos, se acentuou a partir do segundo pós-guerra, com o aparecimento de inúmeros atos internacionais que exortavam a sua observância. A sedimentação desse quadro evolutivo permitiu que a proteção dos direitos humanos ultrapassasse uma dimensão de superposição aos contornos da soberania, domínio reservado à jurisdição interna, e se integrasse ao direito internacional, possibilitando a responsabilização dos Estados pelos ilícitos praticados.
Evolução à parte, deve-se reconhecer que a disseminação dos diplomas internacionais protetores dos direitos humanos, alçando-os a uma posição supranacional, não tem encontrado ressonância em uma correlata ampliação dos instrumentos de controle disponibilizados aos indivíduos no plano internacional, o que em muito reduz a sua perspectiva de efetividade no âmbito dos Estados. Em sua maior parte, os instrumentos existentes estão assentados em premissas voluntaristas, apresentando-se em reduzido número os que podem ser utilizados pelos cidadãos de um Estado, contra os abusos por ele perpetrados, sem que haja a sua prévia anuência nesse sentido. [17]
Com o aparecimento e a posterior proliferação das organizações internacionais, restou ultrapassada a vetusta concepção de que somente os Estados soberanos, na condição de criadores e destinatários das normas jurídicas internacionais, eram sujeitos de direito internacional. Do mesmo modo, também o estabelecimento de relações jurídicas, outrora restrito aos Estados, passou a alcançar as organizações internacionais, que assumiram a condição de elementos polarizadores dos interesses comuns presentes na sociedade internacional.
Essas mutações, se não chegaram a conferir um aspecto de unidade ao direito internacional, ao menos contribuíram para a redução de seu caráter fragmentário, já que inúmeros comandos emitidos por essas organizações, de caráter normativo ou não, permitiram a sedimentação de ideais comuns aos seus membros. E ainda, na medida em que sua estrutura e seus objetivos se agigantavam, dando mostras de uma nítida propensão à universalidade, referidos ideais passaram a ser vistos como comuns a toda a humanidade.
Na linha evolutiva das organizações internacionais, é possível verificar um paulatino afastamento da regra da unanimidade em suas deliberações. Essa regra, como se sabe, longe de refletir um mero critério de disciplina orgânica, era associada ao voluntarismo que regia a assunção de obrigações no plano internacional e à necessária preservação da igualdade entre os Estados. [18]
Atualmente, em especial nas organizações de cunho universal, a maior parte das deliberações, não obstante as múltiplas variações que podem apresentar, têm seguido a regra majoritária. [19] Se essa peculiaridade, por si só, é insuficiente para demonstrar o declínio do voluntarismo nas relações internacionais, pois certamente se objetará que os Estados teriam previamente anuído às regras da organização, é indiscutível a sua relevância como elemento indicador de uma nova fase no direito internacional, em que a soberania deixa de ser o epicentro de análise, passando a coexistir com outros princípios igualmente relevantes. De forma inversamente proporcional ao enfraquecimento dos dogmas da soberania estatal, tem-se a paulatina sedimentação dos direitos humanos e da atividade das organizações internacionais, que assumiram uma posição de relevância ímpar na coexistência entre os povos.
3. Contornos Essenciais da Soberania Estatal
A linha evolutiva da noção de soberania está intimamente articulada com a progressão histórica do Estado de Direito, concebido como estrutura orgânico-jurídica dotada de poder normativo e força coerciva exclusiva sobre determinada comunidade. Essa exclusividade, em si, está associada à sua posição de instância suprema e dela deriva a homogeneidade da ordem normativa, afastando o risco de contradições e garantindo a preeminência da segurança jurídica. [20] Coexistissem diversas instâncias de regulação concorrentes, de mesmo alcance e nível hierárquico, em uma única instância jurídica, não haveria que se falar em homogeneidade e na correlata segurança nas relações sociais. [21] Como derivação lógica e indissociável do poder de disciplinar a vida em comunidade, descumprido o padrão normativo emanado dos órgãos estatais competentes, tal ensejará a utilização dos meios de coerção disponíveis com o fim de recompor a ordem jurídica lesada. [22]
Essa "força de dominação originária" [23] informa o poder do Estado, assenta a idéia de supremacia e indica as linhas estruturais da soberania estatal.
Não obstante arraigadas no constitucionalismo contemporâneo, as noções de poder do Estado e soberania estatal nem sempre receberam o mesmo colorido. Principiando pela Idade Média, em que, sob os influxos do regime feudal, era possível divisar uma partilha de poderes entre nobreza, clero, cavalheiros e cidades, foi lento o evolver até que o Estado alcançasse a emancipação externa, afastando a tutela papal, e obtivesse a consolidação interna de poderes na nobreza, eliminando as poliarquias que legitimavam a existência de múltiplas estruturas independentes de poder, cada qual como uma organização funcional própria. [24]
Existindo um único poder supremo, as demais estruturas de poder tornaram-se dele derivadas e nele consolidadas, [25] fenômeno que veio a ser identificado por Jean Bodin [26] com a cunhagem do conceito de soberania. Esse modo de ser próprio do poder estatal, como adiantamos, assume relevo em uma dupla direção: externa, na medida em que o Estado é independente perante outros ordenamentos externos ao seu território e, interna, em razão da posição de supremacia frente aos indivíduos e a toda comunidade existente no interior do seu território. [27]
Em razão dos atributos da soberania, caberia ao poder do Estado decidir sobre a extensão de suas próprias competências, daí se falar em "soberania de competência" ou "competência das competências". [28] Afastar-se-ia, assim, a influência de fatores exógenos e de limites internos na produção normativa, no reconhecimento de direitos e na imposição de deveres ao Estado.
Embora a consolidação do poder tenha ensejado o surgimento de uma única "força de dominação originária", o seu exercício ilimitado terminou por sedimentar o absolutismo monárquico, o que deflagrou o processo construtivo das doutrinas liberais. Nesse particular, merece realce a obra de John Locke, [29] que, apesar de elaborada a posteriori, pode ser considerada o alicerce teórico justificador da Glorious Revolution de 1688. Segundo Locke, [30] o poder do monarca encontra o seu fundamento num contrato social, que limita o alcance do poder aos direitos que lhe foram transferidos pelos súditos. No estado de natureza (stare of nature), o indivíduo possui determinados direitos considerados naturais (property), cujos elementos integrativos, por serem originários e inalienáveis, não poderiam ser transferidos ao soberano, o que acarretava a impossibilidade de serem subtraídos ao indivíduo. Em verdade, o indivíduo transferiria alguns direitos com o fim de melhor preservar os demais. Transgredidos os "termos" do contrato social, seria reconhecido o direito de resistência, pois ilegítimo o exercício do poder transferido ao soberano.
A doutrina de Locke, conquanto fundada em premissas jusnaturalistas, [31] já demonstrava a necessidade de serem reconhecidos determinados direitos fundamentais do homem e de serem impostos limites ao poder do Estado. A observância desses limites, inerentes à própria estruturação do Estado, já havia sido reconhecida, inclusive, por Bodin [32] e em nada se confundiria com a existência de uma instância superior de controle.
Essa manifestação de poder, estando sujeita a limites impostos pela ordem jurídica, não seria propriamente uma manifestação da soberania, por essência ilimitada. Daí a necessária distinção, desenvolvida por Sieyès, entre poderes constituídos e poder constituinte, este sim ilimitado e legitimamente atribuído ao povo. [33] Essa construção em muito contribuiu para sacramentar a tese de que a soberania deveria ser transferida do monarca para o povo. [34] Com isto, a soberania do Estado encontraria ressonância no exercício do poder constituinte, que delimitaria o exercício do poder e somente deveria adequar-se às circunstâncias fáticas e políticas contemporâneas ao seu exercício. [35]
4. Projeção Externa da Soberania
O poder do Estado, além de ostentar a supremacia interna, tem uma indiscutível vocação relacional, pois coexiste com outros poderes de natureza similar. Correlata a essa coexistência encontra-se a submissão direta e imediata do Estado ao direito internacional, sendo este "imediatismo normativo" um elemento indissociável da noção de soberania, constatação que não é comprometida mesmo nos casos em que os Estados, livremente, decidam exercer determinadas atribuições em conjunto ou utilizando-se de uma organização internacional. [36]
Inicialmente, a concepção da existência de um direito absoluto de autodeterminação no âmbito interno projetou-se no plano das relações internacionais, sendo reconhecido ao Estado soberano - e somente a ele, consoante antiga doutrina internacionalista - a condição de sujeito de direito internacional em potencial. [37] Não divisada a soberania, não haveria que se falar em autodeterminação ou na possibilidade de gozar de direitos e de assumir deveres na órbita internacional.
Essa doutrina, que maximiza a importância da soberania, transpondo aspectos de ordem interna para o âmbito do direito internacional, mostrou-se incompatível com o paulatino reconhecimento da condição de sujeitos de direito internacional a entes outros que não os Estados soberanos, como é o caso da Santa Sé e das organizações internacionais. Apenas os Estados podem ter soberania, mas não são os únicos entes com personalidade internacional. [38]
Além disso, profundas foram as modificações introduzidas no conceito desde a sua cunhagem por Bodin. [39] A começar pelas teorias voluntaristas, estritamente relacionadas à noção de soberania e que procuravam justificar a existência e a obrigatoriedade do direito internacional na aquiescência de um Estado singular ou na "vontade comum" dos Estados, muito se evoluiu até alcançar o reconhecimento da existência de regras que transcendem a vontade do Estado, tornando imperativa a sua observância. [40]
Para tanto, tem contribuído o papel desempenhado pela Organização das Nações Unidas, cujas deliberações, legitimadas pelo fato de congregar a quase totalidade dos Estados existentes, [41] ensejam a paulatina penetração do direito internacional no âmbito interno, abrindo caminho para que sejam definitivamente ultrapassados os resquícios de dualismo entre a ordem jurídica interna e a ordem internacional.
Vale mencionar, do mesmo modo, que a adoção da teoria monista nas relações entre a ordem interna e a ordem internacional tem influência direta no redimensionamento da noção de soberania. Como dissemos no limiar desse estudo, em regra, a colidência entre essas ordens não importará na invalidade da norma interna, mas tão-somente na responsabilidade internacional do Estado ou mesmo do indivíduo. Isto, no entanto, não tem o condão de afastar a inegável influência do direito internacional em seara outrora coberta pelo impenetrável manto da soberania.
O estreitamento das relações internacionais e o reconhecimento da necessidade de proteção dos direitos humanos são responsáveis pelo desaparecimento da plenitude do poder estatal e pelo esvaziamento de alguns limites impostos pela soberania. [42] Nesse sentido, devem ser mencionadas as normas internacionais relativas aos crimes internacionais (genocídio, tráfico de escravos etc.), que não admitem como causa de justificação a obediência à norma interna, bem como os princípios gerais de direito e o costume internacional sobre os direitos do homem, cuja observância é igualmente imperativa. [43] Como se vê, são normas que terão vigência no direito interno, a ele se sobrepondo, ainda que ausente a aquiescência do Estado.
Não obstante o evolver do direito internacional, alguns aspectos específicos da soberania continuam a gozar de elevado prestígio e reconhecimento. Merecem menção a igualdade, a plena capacidade jurídica e a independência dos Estados entre si e perante os demais sujeitos de direito internacional. [44]
A igualdade soberana entre os Estados, [45] como deflui de sua própria literalidade, indica que, ao menos sob o prisma jurídico ou idealístico-formal, todos possuem os mesmos direitos e deveres perante a ordem jurídica internacional. Além da igualdade, a soberania exige a possibilidade e a liberdade de agir, sem "qualquer subordinação orgânica" a outros sujeitos de direito internacional. [46]
São verdadeiros axiomas que se encontram interligados ao princípio da não-intervenção ou não-ingerência nos assuntos de ordem interna. Esse último princípio, que se opõe às intervenções não-consensuais (rectius: sem o consentimento do Estado afetado), tem igualmente passado por uma reengenharia, não mais ostentando um valor absoluto e intangível.
O processo evolutivo, no entanto, longe de estar finalizado, tem sofrido profundas mutações após o segundo pós-guerra.