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Dinâmica social das tecnologias da informação:

processos de fragmentação e reaglutinação das identidades culturais

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13/10/2009 às 00:00
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6. Uma cultura pós-massiva?

Alguns autores, em face das peculiaridades das relações sociais nas redes telemáticas, sustentam que a cibercultura contrapõe-se à cultura de massas que caracterizou a modernidade. A massificação cultural que marcou a modernidade, sobretudo pela difusão dos meios tradicionais de comunicação social (como o rádio, a televisão e a mídia impressa), era caracterizada pela padronização de comportamentos e estilo de vidas semelhantes. A noção de massa, para efeitos de estudos sociológicos, remonta ao pensamento de Augusto Comte, do século 19, e "traz à tona a perda de um senso do indivíduo para a coletividade, algo como um conjunto de pessoas indissociáveis, indiferenciáveis, que passam a adotar padrões de comportamento e estilos de vida semelhantes, mesmo vivendo em contextos culturais distintos" [45]. A padronização comportamental ou cultura de massas pôde ser vivenciada a partir da revolução industrial e da urbanização. Os meios de comunicação sociais da primeira revolução tecnológica, como a televisão e o cinema, somaram-se à mídia impressa e ao rádio, favorecendo a massificação cultural, pois permitiram a disseminação da informação de forma simultânea para grandes camadas da população, tornando-se conhecidos como "meios de comunicação de massa". Hodiernamente (na pós-modernidade), com grande parte da interação social acontecendo por meio da formação de comunidades no ciberespaço, estaria havendo a superação do coletivismo, tal como a cultura de massas o representava [46]. O produto cultural agora é personalizável. As pessoas consumem o que querem, conforme suas vocações identitárias, filiando-se a determinados nichos de fluxos informacionais (comunidades virtuais) existentes no ciberespaço. Experiências comunicacionais na Internet através de blogs, sites, chats e outros nichos ou ciberlocais representariam a perda do sentido coletivo, já que levam a particularismos de identificações culturais.

Preferimos, no entanto, seguir com a visão dos que enxergam, na Internet, possibilidades de compartilhamento de experiências de comunicação, sem uma compartimentação entre meio de comunicação massivo ou não massivo. Existem diversas ferramentas de comunicação, que nem sempre são experimentadas apenas por alguém que está segregado em subespaços da rede, e que promovem efetivamente uma disseminação da informação de forma massificada, atingindo um imenso número de pessoas, que podem ser influenciadas em termos de aculturação. Veja-se, por exemplo, o caso do Youtube, plataforma de edição instantânea de vídeos onde são colocados produtos audiovisuais consumidos ao mesmo tempo por milhões de pessoas. Essa ferramenta permite entrever, como lembra Thiago Soares [47], que a Internet não eliminou as instituições da indústria cultural de massa. Os meios de comunicação, hoje, são complemento um do outro [48]. A Internet não acaba como os jornais e periódicos mantidos por empresas jornalísticas (típicos meios de comunicação de massa), que inclusive migram para os ambientes da rede, em versões eletrônicas.

A cibersociabilidade alimentada pelas tecnologias da informação é uma nova e complexa realidade, multifacetária, que promove difusão da comunicação e relações de sociabilidade virtual em diversos cenários. Esse processo disforme favorece muito mais a "hibridização" do que a "massificação" ou o "particularismo" cultural. Como previra Stuart Haal, parece improvável que a pós-modernidade vá simplesmente destruir as identidades ou formas de interação tradicionais. "É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas identificações "globais" e novas identificações "locais". Uma coisa é certa: o ciberespaço nunca será um ambiente controlado por poucas pessoas ou um poder político único, que imponha o que devemos ler, o que devemos consumir, o nosso modo de pensar ou de agir. A Internet é um corpo descentralizado, desprovido de organização, que abre contínuas brechas para a interação social, sem obedecer a um controle de poucos homens. Na verdade, trata-se da mais fantástica ferramenta de comunicação interpessoal já vivenciada, com uma força libertadora muito superior à qualquer outra invenção humana.


7. Conclusões:

1ª. A possibilidade de o usuário interagir com a informação e o aumento da velocidade que as transmissões em rede vêm adquirindo a cada dia, encurtando as distâncias geográficas a ponto de torná-las insignificantes, estão nos levando a um novo e abrangente processo de "desterritorialização". Em meio ao processo mais amplo de "desterritorialização", podem ser visualizados fenômenos de "territorialização" no ciberespaço, que nasce como espaço aberto, mas vai sendo, pouco a pouco, reterritorializado pelo surgimento de comunidades virtuais.

2ª. O desenvolvimento de comunidades virtuais facilita a pluralização identitária do cidadão do ciberespaço (internauta), já que, podendo relacionar-se com outras pessoas situadas a uma grande distância, ele é confrontado com uma diferente gama de culturas e termina escolhendo mais de uma com as quais compartilhe interesses e sentimentos comuns.

3ª. A cibersociabilidade é uma nova e complexa realidade, multifacetária, que promove difusão da comunicação e relações de trocas interpessoais em diversos cenários. Esse processo disforme favorece a "hibridização" cultural.


Referências bibliográficas

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Notas

  1. GIDDENS. Anthony. As Conseqüências da Modernidade. Editora UNESP. p. 16.
  2. A globalização é um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural e política, que teria sido impulsionado pelo barateamento dos meios de transporte e comunicação dos países no final do século XX e início do século XXI. Representa uma fase da expansão capitalista, pela necessidade dos países centrais (democracias ocidentais) expandirem seus mercados, em razão da saturação dos mercados internos. Com a facilitação e desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação, é possível realizar transações financeiras e expandir negócios para mercados distantes e emergentes, sem elevados custos. A comunicação no mundo globalizados permite tal expansão, porém traz como consequência o aumento da concorrência (conceito retirado da Wikipedia).
  3. Diz ele, defendendo apenas a existência de uma fase social de transição: "Devo analisar a pós-modernidade como uma série de transições imanentes afastadas – ou "além" – dos diversos feixes institucionais da modernidade que serão distinguidos ulteriormente. Não vivemos ainda num universo social pós-moderno, mas podemos ver mais do que uns poucos relances da emergência dos modos de vida e formas de organização social que divergem daquelas criadas pelas instituições modernas" (ob. cit., p. 58).
  4. CASTELLS. Manuel. O Poder da Identidade. Volume II, 6ª. edição. Editora Paz e Terra, p. 17.
  5. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura, vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
  6. Giddens, ob. cit., p. 13. Ele explica que "a história não pode ser vista como uma unidade, ou como refletindo certos princípios unificadores de organização e transformação", mas que isso "não implica que tudo seja caos" ou resultado de "histórias" desconexas (p. 15).
  7. Ob. cit., p. 27.
  8. "O dinamismo da modernidade deriva da separação do tempo e do espaço e de sua recombinação em formas que permitem o "zoneamento" tempo-espacial preciso da vida social; do desencaixe dos sistemas sociais (um fenômeno intimamente vinculado aos fatores envolvidos na separação tempo-espaço);" (ob. cit., p. 25).
  9. Ob. cit., p. 32.
  10. REINALDO FILHO, Demócrito. As comunidades virtuais: o desaparecimento dos limites geográficos na organização político-social e os riscos de surgimento de novas formas de dominação. Artigo publicado no site Infojus, em 2001. Disponível:< http:www.infojus.com.br/area/democritofilho6.html>
  11. DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol.1. Rio de Janeiro: Ed. 34. 1995.
  12. LÉVY, Pierre (1996). O Que é Virtual?. Rio: Editora 34.
  13. Deleuze e Guattari explicam que a humanidade vivencia historicamente processos de desterritorialização, seguidos por territorializações. São processos indissociáveis. Se há um movimento de desterritorialização, teremos também uma iniciativa de reterritorialização. A desterritorialização "é a operação da linha de fuga", o movimento pelo qual se abandona o território original, e a reterritorialização é o movimento de construção ou criação do território; no primeiro movimento, os agenciamentos se desterritorializam e no segundo eles se reterritorializam como novos agenciamentos (ob. cit., p. 224).
  14. LEMOS, André. Ciberespaço e Tecnologias Móveis. Processos de Territorialização e Desterritorialização na Cibercultura. Artigo integrante da pesquisa do Grupo de Pesquisa em Cibercidades (GPC/CNPq), do Centro Internacional de Estudos e Pesquisa em Cibercultura (Ciberpequisa), da Facom/UFBA.
  15. Ob. cit.
  16. RAFFESTIN, C., Repères pour une théorie de la territorialité humaine. In, Dupuy, G (dir.)., Réseaux Territoriaux, Caen, Paradigme, 1988. Apud André Lemos, ob. cit.
  17. O sentimento de pertencimento ou "pertença" seria a noção de que o indivíduo é parte de um todo e coopera para uma finalidade comum com os demais membros.
  18. RHEINGOLD. Howard. La Communidad Virtual: Una Sociedad sin Fronteras. Gedisa Editorial. Colección Limites da Ciência. Barcelona.
  19. JONES, Quentim. Virtual-Communities, Virtual Settlements & Cyber-Archeology – A Theoretical Outline. In Journal of Computer Mediated Communication, vol. 3 issue 3. December, 1997. Apud Raquel da Cunha Recuero.
  20. RECUERO, Raquel da Cunha. Comunidades Virtuais – Uma abordagem teórica. Trabalho apresentado no V Seminário Internacional de Comunicação, no GT de Comunicação e Tecnologias das Mídias, promovido pela PUC/RS.
  21. JUCÁ, Diego. Virtual x Real: o ciberespaço e as transformações da vida cotidiana. Artigo publicado no site UOL.
  22. BAUDRILLARD, Jean. Televisão/revolução: O caso Romênia. In: PARENTE, A (org.). Imagem máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
  23. SFEZ, Lucien. Crítica da Comunicação. Editora Instituto Piaget, Portugal. 1994.
  24. REINALDO FILHO, Demócrito. Tecnologias da Informação: novas linguagens do conhecimento. Artigo publicado no site Infojus, em 26.10.99.
  25. Ob. cit.
  26. Também para Diego Jucá não se deve ver nos agenciamentos virtuais uma eliminação das relações interpessoais travadas nos ambientes físicos. Diz ele sobre os novos ambientes virtuais: "É nesse contexto que surgem as ciber-cidades. Estas não devem ser pensadas como fatos isolados e substitutivos das cidades. São uma extensão, um complemento da vida urbana, instrumento do fluxo de informações e da interação entre pessoas. Diminuem as distâncias físicas, promovem o encontro de culturas diferentes e ainda criam uma nova cultura, baseada em toda essa mistura, velocidade e perda dos contatos físicos. Essa dissociação entre relações físicas e virtuais não pode ser interpretada, no entanto, como provocadora de um esvaziamento das cidades. Na verdade, as relações do ciberespaço permitem às pessoas uma maior liberdade de movimentação, já que não têm mais de ficar presas em escritórios ou bancos, por exemplo" (ob. cit.).
  27. Demócrito Reinaldo Filho. Ob. cit.
  28. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 118.
  29. A cibercultura é a cultura contemporânea fortermente marcada pelas tecnologias digitais, mas é também um termo utilizado na definição dos agenciamentos sociais das comunidades no espaço eletrônico.
  30. CORRÊA, Cynthia Harumy Watanabe. Comunidades Virtuais gerando identidades na sociedade em rede. Artigo publicado na Revista eletrônica Ciberlegenda, Número 13, 2004, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Disponível em: < http://www.uff.br/mestcii/cyntia1.htm>
  31. Ob. cit., p. 15.
  32. BAUMAN, Zygmunt. A Sociedade Individualizada. Vidas contadas e histórias vividas. Editora Zahar. Rio de Janeiro. p. 193.
  33. Identidade cultural pode ser definida como o aspecto de nossa identidade que surge de nossa ligação ("pertencimento") a culturas étnicas, raciais, liguísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais.
  34. O Poder da Identidade, p. 84 e 85.
  35. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 11ª. edição. DP & A editora. 2006.
  36. Ob. cit., p. 51.
  37. Ob. cit., p. 74.
  38. Aqui ele invoca argumento de Kevin Robin. Ob. cit., p. 77.
  39. As economias ocidentais mais fortes, como EUA, Japão, Alemanha, Inglaterra etc.
  40. Ob. cit., p. 87.
  41. Ob. cit., p. 88.
  42. PALACIOS, Marcos. Cotidiano e Sociabilidade no Cyberespaço: Apontamentos para uma Discussão. 1998. Apud Raquel da Cunha Recuero, ob. cit.
  43. Ob. cit.
  44. Cynthia Watanabe Corrêa, ob. cit.
  45. SOARES, Thiago. E quem diria, nós ainda somos a massa. Artigo publicado no Pernambuco, suplemento cultural do Diário Oficial do Estado de PE, n. 43, setembro de 2009, editado pela CEPE – Companhia Editora de PE.
  46. A cultura de massas também é vista sob um aspecto negativo, por representar o fim da cultura "legítima", além dos efeitos ideologizantes das mídias de massas.
  47. Ob. cit.
  48. Alguns programas de televisão no formato talkshow, nos EUA, elaboram sua pauta de entrevistas com pessoas que ficaram mais em evidência nos vídeos divulgados no Youtube na semana anterior.
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Sobre o autor
Demócrito Reinaldo Filho

Juiz de Direito. Doutor em Direito. Ex-Presidente do IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINALDO FILHO, Demócrito. Dinâmica social das tecnologias da informação:: processos de fragmentação e reaglutinação das identidades culturais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2295, 13 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13674. Acesso em: 17 mai. 2024.

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