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O papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade.

Tentativa viável de aplicação do fenômeno da mutação constitucional. Reclamação Constitucional nº 4335

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12/11/2009 às 00:00
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5. A Constituição Brasileira e a interpretação constitucional feita pelo STF a respeito do papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade – proposta de mutação constitucional – análise da Reclamação Constitucional nº 4335

A Reclamação Constitucional nº 4335 [49] foi proposta:

"contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos." O voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, relator do processo, apontou no sentido de julgar procedente a reclamação, com vistas a "cassar as decisões impugnadas, assentando que caberá ao juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atendem ou não os requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico." [50]

O conteúdo do voto do Ministro Gilmar Mendes – atual Presidente do Supremo – foi no sentido de considerar que os efeitos de uma decisão proferida em sede de controle difuso – que, a rigor, atingiriam somente as partes envolvidas no processo – poderiam ser tais e quais os reconhecidos a uma decisão proferida em controle concentrado, independentemente de o Senado Federal atuar na forma da competência que lhe outorgou a Constituição Federal no art. 52, X, isto é, editando uma resolução para determinar a suspensão da eficácia da norma declarada incompatível com a Constituição.

As razões de sustentação do voto do relator, no que concerne ao papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade efetuado na forma difusa, foram, em suma, as seguintes:

a)A doutrina tradicional considera que "a suspensão da execução pelo Senado do ato declarado inconstitucional pelo STF seria ato político que empresta eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade proferidas em caso concreto.";

b)"...a amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de se suspender, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, no contexto da CF/88, concorreram para infirmar a crença na própria justificativa do instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado, inspirado numa concepção de separação de poderes que hoje estaria ultrapassada.";

c)a partir da decisão do legislador constituinte em alargar o rol de entes e órgãos legitimados a provocar o STF, no processo de controle abstrato de normas, houve uma restrição do campo de atuação do controle difuso de constitucionalidade;

d)"... em razão disso, bem como da multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/99, alterou-se de forma radical a concepção que dominava sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a EC 16/65 e a CF 67/69;

e)"Salientou serem inevitáveis, portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal.;

f)"Reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso;

g)"Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP."

Após a leitura do voto, a sessão de julgamento foi suspensa em virtude de pedido de vista, apresentado pelo Ministro Eros Grau. Na retomada do julgamento, este votou com o Relator, aduzindo "no sentido de que, pelo art. 52, X, da CF, ao Senado Federal, no quadro de uma verdadeira mutação constitucional, está atribuída competência apenas para dar publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, haja vista que essa decisão contém força normativa bastante para suspender a execução da lei."

O Ministro Sepúlveda Pertence, por seu turno, apesar de reconhecer que o papel do Senado no controle difuso de constitucionalidade encontra-se obsoleto, entendeu que a questão não precisaria ser resolvida pelo que nominou de "projeto de decreto de mutação constitucional", bastando, para tanto, que seja editada uma súmula vinculante.

Já o Ministro Joaquim Barbosa, julgou a reclamação da seguinte forma:

"Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle da Constitucionalidade - 7

Por sua vez, o Min. Joaquim Barbosa não conheceu da reclamação, mas conheceu do pedido como habeas corpus e também o concedeu de ofício. Considerou que, apesar das razões expostas pelo relator, a suspensão da execução da lei pelo Senado não representaria obstáculo à ampla efetividade das decisões do Supremo, mas complemento. Aduziu, de início, que as próprias circunstâncias do caso seriam esclarecedoras, pois o que suscitaria o interesse da reclamante não seria a omissão do Senado em dar ampla eficácia à decisão do STF, mas a insistência de um juiz em divergir da orientação da Corte enquanto não suspenso o ato pelo Senado. Em razão disso, afirmou que resolveria a questão o habeas corpus concedido liminarmente pelo relator. Afirmou, também, na linha do que exposto pelo Min. Sepúlveda Pertence, a possibilidade de edição de súmula vinculante. Dessa forma, haveria de ser mantida a leitura tradicional do art. 52, X, da CF, que trata de uma autorização ao Senado de determinar a suspensão de execução do dispositivo tido por inconstitucional e não de uma faculdade de cercear a autoridade do STF. Afastou, ainda, a ocorrência da alegada mutação constitucional. Asseverou que, com a proposta do relator, ocorreria, pela via interpretativa, tão-somente a mudança no sentido da norma constitucional em questão, e, que, ainda que se aceitasse a tese da mutação, seriam necessários dois fatores adicionais não presentes: o decurso de um espaço de tempo maior para verificação da mutação e o conseqüente e definitivo desuso do dispositivo. Por fim, enfatizou que essa proposta, além de estar impedida pela literalidade do art. 52, X, da CF, iria na contramão das conhecidas regras de auto-restrição. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski." [51]

Diante das informações atinentes aos votos até agora proferidos no julgamento da Reclamação Constitucional nº 4335, verifica-se que a contraposição de entendimentos centra-se nos seguintes aspectos: 1) a possibilidade e a necessidade de se efetivar uma mutação constitucional pela via interpretativa quanto ao papel do Senado no controle difuso de constitucionalidade; 2) a preservação da norma prevista no art. 52, X, da CF/88 como forma de respeito ao princípio da separação de poderes com a resolução do caso a partir da edição de uma súmula vinculante sobre o assunto em debate.

Analisemos, então, cada um deles, ainda que brevemente.

Pois bem. No que concerne à possibilidade de efetivação de uma mutação constitucional, vimos acima que tal procedimento é aceitável na realidade constitucional brasileira, na medida em que a atual Constituição - como norma fundante e suprema do ordenamento jurídico, gozando, atualmente do reconhecimento de sua força normativa – apesar de assumir caráter rígido, sofre, necessariamente, influxos da realidade, a qual lhe impõe modificações de seu conteúdo a serem realizadas de modo formal ou informal.

Em relação à necessidade de implementação de uma mutação constitucional quanto ao papel que o legislador constituinte firmou para o Senado Federal, pois, é que a análise deve ser cindida a fim de que sejam analisadas algumas das premissas apontadas por aqueles que defendem essa ocorrência, assim como pelos que não a consideram pertinente, quer em vista de impedimentos constitucionais mesmo, quer em vista de outras soluções possíveis para a solução do caso, como seria o caso de adoção de súmulas vinculantes.

Começaremos pelos que a consideram desnecessária e, para tanto, compete-nos avaliar historicamente a instituição da participação senatorial no controle de constitucionalidade realizado de forma difusa.

Apesar de o texto constitucional de 1988 ainda trazer norma expressa no sentido de que o Senado atue no controle repressivo de inconstitucionalidade quando esta tiver sido reconhecida de forma difusa, como o órgão legislativo legitimado a suspender a eficácia da norma incompatível com a Constituição, essa participação é, já há algum tempo e muito mais nos dias atuais, obsoleta.

Essa observação tem sustentação, primeiramente, no aspecto histórico. Sob este prisma, o que se constata é que a participação do Senado Federal no controle difuso remonta à Constituição Federal de 1934.

Naquela altura o panorama constitucional afigurava-se de maneira bem diversa da que existe hoje.

Com efeito, o primeiro ponto a se destacar diz respeito à circunstância de que, como bem evidencia Luiz Alberto Rocha, o Senado, na Constituição de 1934, foi concebido para exercer o papel "de um coordenador da harmonia entre os três poderes. A idéia era colocá-lo acima dos três poderes como órgão independente, um verdadeiro Conselho Federal que mantivesse cada qual segundo suas atribuições originais." [52]

Já no ambiente da Constituição Federal de 1988, o Senado, ao lado de representar os Estados da Federação, é Casa Legislativa típica, como a Câmara, exercendo funções próprias do Poder Legislativo que integra [53]. Não tem mais, o Senado, o papel de controlar o Judiciário.

De outro lado, na Constituição de 1934 havia necessidade de se criar um mecanismo que desse, às decisões do Supremo Tribunal Federal, em ações declaratórias de inconstitucionalidade, efeitos mais amplos dos que àquela altura eram concebidos, tendo em vista o fato de que prevalecia, àquela altura, no Brasil, tão-somente o modelo de controle difuso inspirado na experiência Norte-Americana. [54]

Considerando que apesar de ter sido implementado aqui, primeiramente, o controle pela via difusa, o sistema pátrio não reconhecia a vinculação das decisões assim proferidas, conhecidas, na origem, como stare decisis. Logo, ainda em 1934, faltava um mecanismo que possibilitasse a irradiação de efeitos mais amplos à decisão sobre a inconstitucionalidade de uma norma que houvesse sido proferida na análise de um caso concreto, tarefa passível de ser cumprida, pois, com a participação do Senado na forma do art. 91, inciso IV, daquela Carta.

Desde a EC nº 16/65, contudo, quando implantado aqui no Brasil o controle pela via concentrada, deixou de existir a necessidade que justificou, originariamente, na Constituição de 1934, a fixação de competência do Senado para suspender a eficácia de uma norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. [55]

Walber de Moura Agra [56], a respeito do assunto assim explica:

A atuação de Senado no controle difuso de constitucionalidade começou com a Constituição de 1934, com a finalidade de propiciar a esse controle um mecanismo de homogeneização de suas decisões. Com a implantação do controle incidental pela Constituição de 1891, não foi criado nenhum mecanismo que pudesse unificar as decisões do Supremo Tribunal Federal, como existe no modelo norte-americano, que é o stare decisis, o que contribuía para criar um clima de insegurança jurídica diante da diversidade de sentenças judiciais acerca da mesma matéria.

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Outra fundamentação para a atuação de Senado Federal no controle de constitucionalidade difuso, suspendendo a eficácia das normas do ordenamento jurídico de forma erga omnes, é que essa função não acarretaria desequilíbrio na separação dos poderes, nem superdimensionaria o Poder Judiciário, cabendo tal função ao órgão coordenador dos poderes denominação da Constituição de 1934, ao Senado Federal.

Explica a professora Regina Maria Macedo Nery Ferrari: "Assim, o Senado só pode manifestar-se suspendendo a execução de uma lei ou decreto em decorrência de sua invalidade, havendo decisão do Supremo nesse sentido, observando os limites impostos por ela, não podendo alterá-la, restringi-la ou ampliá-la. Contudo, não há tempo determinado para tal pronunciamento. Este é o fato capital que leva à grande polêmica, de difícil solução, porque imaginar que o Senado pode desprestigiar a decisão do Supremo seria absurdo, acontecendo o mesmo se transformássemos o Senado em simples cartório de registros de acórdãos da Suprema Corte, [...]

Remetendo essa decisão de unificação do controle difuso a um órgão político como o Senado Federal, o critério de homogeneização das decisões é feito com base na conveniência e na oportunidade, isto é, mediante fatores políticos, alheios ao dogmatismo jurídico.

Diante desses aspectos históricos, fica claro que o que é importante, na realidade constitucional atual, quando o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo federal, é que a norma editada pelo Legislativo foi considerada incompatível com a Constituição Federal e que quem chegou a tal conclusão foi o órgão que a própria norma fundamental legitimou para, em controle repressivo, assim pronunciar-se.

Nesse sentido, entender-se que somente com a anuência do Senado – quando isso lhe aprouver [57] – é que será possível a irradiação de efeitos iguais aos que teria uma decisão proferida em controle concentrado apenas pelo fato de esse reconhecimento ter sido veiculado em processo subjetivo, é que nos parece incompatível com a supremacia da Constituição.

De outro lado, é cediço atualmente que o princípio da separação dos poderes - apontado como o que seria ofendido acaso se imprima uma mutação constitucional quanto ao papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade - não mais assume a direção que lhe foi dada ainda na época em que o Legislativo era o Poder que preponderava. [58]

Quem nos informa com clareza sobre isso é Coelho, quando assim refere:

...impõe-se reconhecer que o paradigma da separação de poderes, pelo menos em sua configuração inicial, entrou em crise há muito tempo e que isso aconteceu, precisamente, porque foi ultrapassada a conjuntura jurídico-política em que viveram Locke e Montesquieu, os seus mais conhecidos formuladores.

Superada essa fase da sua evolução histórica [...] cumpre repensar o paradigma da separação dos poderes em perspectiva temporalmente adequada, porque a sua sobrevivência, como princípio, dependerá da sua adequação, como prática, às exigências da sociedade aberta dos formuladores, intérpretes e realizadores da Constituição.

Noutras palavras, impõe-se re-interpretar esse velho dogma para adaptá-lo ao moderno Estado constitucional, que sem deixar de ser liberal, tornou-se igualmente social e democrático, e isso não apenas pela ação legislativa dos Parlamentos, ou pelo intervencionismo igualitarista do Poder Executivo, mas também pela atuação política do Poder Judiciário, sobretudo das modernas Cortes Constitucionais, crescentemente comprometidas com o alargamento da cidadania e a realização dos direitos fundamentais. [59]

No caso em comento, além disso, não estaria o Poder Judiciário Brasileiro, por seu órgão supremo, agindo como legislador positivo, mas sim como negativo, o que - para os que vêem nesse tipo de atuação uma usurpação de função - justificaria também a possibilidade de que houvesse, mesmo em controle difuso, a extensão da eficácia erga omnes à decisão proferida em processo subjetivo.

Ora, se a Constituição é a suprema norma do ordenamento, uma vez atingida, e sendo isso reconhecido pelo órgão que é constitucionalmente legitimado para isso, exigir-se a conjugação da atuação do Senado para que tal norma seja desconsiderada em todas as situações e não apenas nos autos de um processo específico, seria permitir que outros valores da Constituição fossem desrespeitados, como é, principalmente, o caso do princípio da isonomia. [60]

Com efeito, aqueles que estiveram em discussão judicial na qual resultou uma decisão tal e qual, sofreriam os efeitos da inconstitucionalidade declarada. Porém, todos os outros que também estiveram sob a égide da norma, mas que não se envolveram no processo em concreto, nenhuma consequência teriam de enfrentar por esse fato idêntico – salvo, é claro, se a posteriori, o Senado decidisse suspender sua eficácia e, ainda assim, os efeitos não seriam os mesmos, mas apenas ex nunc.

A propósito desse assunto, Barroso [61] afirma o seguinte:

A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC n. 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmo efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há mais lógica, com a vênia devida, aos ilustres autores que professam entendimento diverso, a negativa de efeitos retroativos à decisão plenária do Supremo Tribunal Federal que reconheça a inconstitucionalidade de uma lei. Seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados do art. 103 a propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é!

Continuando a tratar dos aspectos suscitados nos votos contrários à mutação constitucional proposta pelo Relator da Reclamação nº 4335, ainda há necessidade de averiguar a questão de a edição de uma súmula vinculante produzir, na prática, a abstratividade que o Supremo Tribunal Federal pretende dar por meio da mutação, sem que isso implique, necessariamente, em alteração da regra constitucional que trata da competência do Senado Federal nos casos como o em questão.

Acerca do tema, André Ramos Tavares assim leciona:

Subsiste, no Direito brasileiro, a esdrúxula regra do art. 52, inc. X, da CB, que determina caber ao Senado Federal a atribuição de suspender os efeitos da lei declarada inconstitucional pelo STF em controle difuso-concreto (esdrúxula porque, como se sabe, desde a EC 16/1965 o STF passou a proferir decisões com efeitos erga omnes, tornando desnecessário o mecanismo criado em 1934 e repetido neste art. 52, inc. X).

Contudo, é evidente que a súmula vinculante interferirá diretamente na posição do Senado como única instância capaz de atribuir eficácia geral às leis declaradas inconstitucionais em sede de controle difuso-concreto. Doravante, não mais necessitará o STF da atuação complementar do Senado, podendo, respeitados os requisitos constitucionais, editar súmula de efeito vinculante que produzirá a generalização das decisões concretas da mesma forma como operaria a resolução do Senado Federal. [62]

É de se observar que apesar de possível a utilização do mecanismo da súmula vinculante para resolver o caso especificamente analisado na Reclamação Constitucional nº 4335 – porque restará atendido um dos pressupostos de criação do instituto da súmula vinculante, que é o da qualificação dos julgamentos em decorrência da diminuição do número de processos idênticos - esta não é necessária sob o ponto de vista de que surtirá o mesmo efeito que a mutação constitucional como processo de reforma da Constituição.

Na verdade, entender-se que a Súmula Vinculante resolverá melhor a questão é, a nosso ver, uma medida que apenas evidencia ainda uma tendência mais conservadora acerca das formas como são veiculadas as mudanças constitucionais. Com a edição da Súmula Vinculante, além de se ter de utilizar o procedimento formal para tanto, ter-se-ia também um resultado formal sob o ponto de vista de que o entendimento/interpretação dado pelo STF estaria cristalizado e evidente em um instrumento de mais fácil reconhecimento pelos jurisdicionados ou, pelo menos, pelos operadores do direito em geral.

Já a aplicação da mutação constitucional conduziria ao mesmo resultado, porém sem a necessidade de obediência às formalidades exigidas para a aprovação das Súmulas Vinculantes.

A diferença consistiria, pois, em que a mutação constitucional serviria ao propósito de permitir, informalmente, que o Poder Judiciário, cada vez mais, como órgão constitucionalmente legitimado para tanto, exerça seu papel de fiscalizador efetivo da norma fundamental, decidindo, de forma motivada, em todos os casos, inclusive nos de controle difuso, da mesma maneira para todos os que estiverem, no plano dos fatos, em situação idêntica, enquanto que a Súmula Vinculante implicaria na formalização de um entendimento que o órgão de cúpula do Poder Judiciário firmou em relação a uma determinada norma, porém depois de reiteradas decisões a respeito da mesma matéria.

É de se notar que não há porque se temer a mutação constitucional e preferir-se a adoção de uma Súmula Vinculante até mesmo por uma questão de economia processual, assim como de efetividade processual.

Toda mutação é não apenas válida e reconhecida como legítimo meio de atualização constitucional e, portanto, de renovação do espírito constitucional para mantê-lo adequado ao que a sociedade que com base nela se erige pretende, como é também, de forma imprescindível, uma forma eficaz de conseguir essa adequação.

Entendemos que se prevalecer a proposta de mutação constitucional – e, a nosso ver, isso deve acontecer -, estar-se-á avançando no campo da objetivação do controle jurisdicional repressivo da inconstitucionalidade mesmo quando a decisão tiver origem em processo subjetivo, isto é, na análise de um caso concreto que, porém, é idêntico a vários outros.

Note-se que – mesmo que esse não seja o desfecho do julgamento na Rcl. Nº 4335 – é necessário, hoje, que se reveja o papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade, o que pode e se espera que ocorra, por meio de modificação da interpretação constitucional da norma prevista no inciso X do art. 52 da CRFB, já que, se o STF – que é a instância máxima de fiscalização da constitucionalidade de leis e atos normativos – já se pronunciou no sentido de que um determinado ato é incompatível com a norma fundamental, não é proporcional que se espere que o Senado Federal, se e quando entender pertinente, edite uma resolução a partir da qual a mesma consequência já sentida pelos participantes do processo subjetivo em que originariamente houve a discussão seja estendida a todos os outros em igual situação fática que aqueles.

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Sobre a autora
Mildred Lima Pitman

Consultora Jurídica do Estado do Pará, com lotação na Secretaria de Estado de Administração - SEAD. Mestranda em Direito das Relações Sociais- Universidade da Amazônia. Especialista em Direito Processual Civil - Faculdade do Pará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PITMAN, Mildred Lima. O papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade.: Tentativa viável de aplicação do fenômeno da mutação constitucional. Reclamação Constitucional nº 4335. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2325, 12 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13837. Acesso em: 18 abr. 2024.

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