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Acesso à Justiça

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21/11/2009 às 00:00
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5. MEIOS DE SUPERAÇÃO DOS ÓBICES AO ACESSO À JUSTIÇA

Para deixar expresso que o Estado tem o dever de prestar a justiça em prazo razoável e o cidadão o direito de obter a tutela jurisdicional de obter a tutela jurisdicional de modo tempestivo, a Emenda Constitucional nº 45/2004 agregou ao artigo 5º inciso que instituiu o direito fundamental à duração razoável do processo. Diz esse inciso que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (art. 5º, LXXVIII, CF).

Tal direito fundamental incide sobre os três poderes, principalmente sobre o Judiciário, obrigando-o a equipar, de modo efetivo, os órgãos judiciários, a compreender e adotar técnicas processuais que permitam a tempestividade da tutela jurisdicional, além de não praticar atos omissivos ou comissivos que retardem o processo de modo injustificado [33].

Cabe destacar a implantação dos juizados de pequenas causas, previstos nos artigos 24, X e 98, I da Constituição Federal. Tais juizados, providos por juízes togados, ou togados e leigos, são competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

Para regulá-los, foram editadas duas leis: a Lei nº 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais e a Lei nº 10.259/2001, que trata dos Juizados Especiais Federais. Os Juizados Especiais são caracterizados pela "oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade".

Nota-se que os Juizados Especiais não possuem apenas o condão de conferir prestação jurisdicional mais rápida, mas de oferecer procedimento e ambiente judiciais adequados às camadas mais pobres da população, isto é, procedimento simples, ágil, barato, pois o hipossuficiente tem uma dificuldade muito maior para esperar a solução judicial de seus casos [34].

Marinoni [35] aponta ainda que Tribunais de Justiça e Universidade têm firmado convênios para a instalação de Juizados Especiais ao lado dos cursos de Direito, com o escopo de tornar mais efetivo o direito de acesso à justiça e melhorar a qualidade do ensino jurídico. Tais fóruns, totalmente adequados ao atendimento das pessoas de baixa renda, têm por fim atender às ações oriundas do escritório-modelo de assistência jurídica da universidade.

Na mesma linha, um procedimento destituído de técnica processual capaz de possibilitar a antecipação da tutela em caso de "fundado receio de dano", "abuso de direito de defesa" e "parcela incontroversa da demanda" (CPC, art. 273, I, II, §6º) certamente seria incompatível com o direito à duração razoável do processo.

A mesma lógica fez com que a Lei 11.232/2005 admitisse expressamente as ideias de que a execução da sentença condenatória não necessita da propositura de uma nova ação, isto é, da ação de execução de sentença, de que os embargos à execução devem ser transformados em mera impugnação da execução, e, por fim, de que a impugnação à execução da sentença não deve ser recebida, como regra, no efeito suspensivo, ou seja, não deve necessariamente suspender a execução [36].

É preciso eliminar o óbice jurídico representado pelo impedimento de litigar para a defesa de interesses supra-individuais (difusos e coletivos). A regra individualista segundo a qual cada qual só pode litigar para a defesa de seus próprios direitos (CPC, artigo 6º) está sendo abalada pela Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 24.07.1985), que permite ao Ministério Público (CF, art. 129, III) e às associações pleitear judicialmente em prol de interesses coletivos ou difusos e pelo mandado de segurança coletivo (CF, artigo 5º, LXX) que autoriza partidos políticos e organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, a defender os direitos homogêneos de toda uma categoria (de seus membros ou associados), mediante uma só iniciativa em juízo.

Além disso, a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor, disciplina as ações coletivas, que compreendem inclusive os direitos e interesses difusos, projetando no direito brasileiro a segunda onda de acesso à Justiça.

É justo mencionar que, sob a inspiração da chamada terceira onda, procedeu-se a pequenas reformas processuais. A título ilustrativo, cita-se a recente Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002, que louvou a conciliação ao instituir a audiência preliminar (art. 331, CPC), com o deliberado propósito de estimular a composição das partes, findando o litígio.

Nos Juizados Especiais, a conciliação tem papel de destaque na tentativa de encurtar um longo caminho para o alcance da pretensão vislumbrada. O art. 2º da Lei n° 9.099/95 dispõe que no processo se busca, sempre que possível a conciliação ou a transação. E mais, a conciliação será conduzida pelo juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação. Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo (art.22).

Outro exemplo ocorreu com a promulgação da Lei nº 9.307, de 23-9-1996, que disciplina a arbitragem [37], como incentivo às partes para solucionarem seus litígios na justiça privada. Na arbitragem, as partes delegam a uma terceira pessoa (qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes) à solução da lide. A decisão obriga os envolvidos. Por serem os árbitros livremente escolhidos pelas partes, a arbitragem acontece com rapidez, economia, privacidade e eficácia legal. A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes.

Sintetizando, inúmeras alternativas têm sido cogitadas, podendo-se dividi-las em dois grandes grupos, consoante se trate da criação, no âmbito do Judiciário, de mecanismos aptos para propiciar uma célere distribuição de justiça (simplificação procedimental e estruturação de organismos voltados às lides de pequeno valor), ou da formulação de métodos alternativos ao caminhar jurisdicional (conciliação extrajudicial, arbitragem e órgãos de proteção ao consumidor, como os PROCONs).

Segundo Cappelletti & Garth [38], tais métodos alternativos de resolução de conflito cobre grande parte da recente atividade reformista envolvida no esforço de criar mecanismos novos para os tipos de demandas que se tornaram o ponto focal do movimento de acesso à justiça. É preciso recordar que a ênfase tem sido dada no sentido de tornar efetivos os direitos substantivos relativamente novos, de que as pessoas desprovidas de poder agora dispõem (pelo menos em tese) contra os comerciantes, poluidores, empregadores, locadores e burocracia governamental.


CONCLUSÃO

Ao lume do exposto, resta comprovado que o efetivo acesso à justiça ainda representa um desafio de grandes proporções. São inúmeros os obstáculos a serem vencidos, sem olvidar uma série de conquistas alcançadas.

Enfim, a justiça não deve ser tão cara que o seu custo deixe de guardar proporção com os benefícios pretendidos. Os procedimentos devem ser mais ágeis, e deve existir uma menor quantidade de recursos, os quais, muitas vezes, são utilizados com o intuito de retardar a prestação jurisdicional. Além disso, o presente estudo demonstrou a necessidade de se fortalecer a Defensoria Pública e os Juizados Especiais, na medida em que proporcionam a tutela de direitos dos cidadãos.

Cumpre destacar que se deve viabilizar o acesso à ordem jurídica justa e que esta compreende, além de um direito material justo, o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, assentado, sobretudo, no aperfeiçoamento do ensino jurídico, e, consequentemente, das pessoas que vão dar vida ao direito, os magistrados, os advogados, os procuradores, os membros do Ministério Público e os demais operadores do direito.

Além disso, o Estado, a Ordem dos Advogados, as universidades públicas ou privadas, os meios de comunicação de massa devem oferecer informação e orientação aos cidadãos a respeito dos seus direitos. Só assim, os operadores do direito, especialmente os que militam em sede acadêmica, estarão estimulados a buscar novos rumos para o acesso à justiça e, por conseguinte, melhores condições de superar os obstáculos a uma justiça célere e eficaz.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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WATANABE, Kazuo. Assistência judiciária e o Juizado Especial de Pequenas Causas. Revista AJURIS. Porto Alegre: Ajuris, n. 34. jul. 1985.


Notas

Jornal Correio Braziliense. Brasília, 27 nov. 2000, p. 6.

  1. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 33.
  2. WATANABE, Kazuo. Assistência judiciária e o Juizado Especial de Pequenas Causas. Revista AJURIS. Porto Alegre: Ajuris, n. 34. jul. 1985, p. 219-225.
  3. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. Vol.1. p. 310.
  4. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988, p.8.
  5. WATANABE, Kazuo. Op. cit.
  6. GRINOVER, Ada Pelegrini. A assistência judiciária e acesso à justiça in Novas tendências do direito processual, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, pp. 244-245.
  7. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.25.
  8. ALVIM, J. E. Carreira. Justiça: acesso e descesso. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 65, mai. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4078>. Acesso em: 01 fev. 2008.
  9. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op.cit. p. 31.
  10. ALVIM, J. E. Carreira. Op. cit.
  11. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 34-35.
  12. MARINONI. Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo, cit, p. 185.
  13. PERROT, Roger. L`efficacité dés procédures judiciaires au sein de l`Union Européenne et les garanties des droits de la défense, L`efficacité de la justice civile en Europe. Bruxelles : Larcier, 2000. p. 423.
  14. MARINONI. Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo, cit, p. 186.
  15. NÓBREGA, Airton Rocha. Assistência judiciária aos necessitados: um fator de ampliação do acesso à Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 202, 24 jan. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4735>. Acesso em: 04 fev. 2008.
  16. SODRÉ, Ruy Azevedo. A Ética Profissional e o Estatuto do Advogado. São Paulo: LTr, 1975, p. 215.
  17. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 81.
  18. SILVA, Adriana dos Santos. Acesso à justiça e arbitragem: um caminho para a crise do Judiciário. Barueri: Manole, 2004. v. 500 Barueri: Manole, 2004. v. 500, p. 120.
  19. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 65-66.
  20. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op.cit, p. 20-21.
  21. CARVALHO, Luiz Fernando Ribeiro de. Brasileiros buscam seus direitos na Justiça e obrigam empresas a reconhecer seus erros. Indenizações por danos morais ou materiais viraram rotina nos tribunais, mas a lentidão no andamento dos processos ainda inibe reclamações.
  22. OLIVEIRA, André Macedo de. Democratizando o acesso à justiça. Juizados especiais federais, novos desafios. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2172>. Acesso em: 04 fev. 2008.
  23. DENTI, Vittorio Denti. La giustizia civile, Bologna: II Mulino, 1989, p. 73.
  24. MARINONI. Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo, cit., p. 188-190.
  25. ALVIM, J. E. Carreira. Justiça: acesso e descesso. Op. cit.
  26. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 85-86.
  27. Idem, ibidem, p. 66-67.
  28. ALVIM, J. E. Carreira. Op. cit.
  29. "Art. 497. O recurso extraordinário e o recurso especial não impedem a execução da sentença; a interposição do agravo de instrumento não obsta o andamento do processo, ressalvado o disposto no art. 558 desta Lei".
  30. "Art. 542. (...) § 2º. Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo".
  31. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit, p. 24.
  32. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 67-68.
  33. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo, cit., p. 222.
  34. Idem, ibidem, p. 417.
  35. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 76.
  36. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, cit., p. 604 e ss.
  37. "Art. 1º, Lei 9.307/96. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis".
  38. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit, p. 132.
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Sobre o autor
José Carlos Lima Júnior

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Biólogo. Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA JÚNIOR, José Carlos. Acesso à Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2334, 21 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13901. Acesso em: 26 abr. 2024.

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