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O novo estupro na ótica constitucional

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15/12/2009 às 00:00
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O novo crime de estupro não alterou a solução jurídica anterior nas hipóteses de pluralidade de ações sexuais violentas contra a vítima no mesmo contexto fático.

Sumário – 1. A Controvérsia; 2. Constituição e proporcionalidade; 3. A proteção deficiente e a dignidade sexual no STF; 4. O concurso de crimes; 5. A ação penal; 6. Conclusão.


Ementa

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Assim, a partir de 10/8/2009, o antigo estupro, que consistia apenas na introdução do pênis na vagina (conjunção carnal com mulher), agora implica também a prática de qualquer ato libidinoso (antigo crime de atentado violento ao pudor), cometido inclusive contra homens.

Com essa providência, o legislador atendeu antiga reivindicação de parte do movimento feminista, conforme assentado por VALÉRIA PANDJIARJIAN e outras:

Mais lógico, do ponto de vista de política legislativa e criminal, seria que o crime de estupro (...) não abrangesse apenas a conjunção carnal, mas sim o ato sexual (...) praticado contra qualquer pessoa (...) [01]

Por outro lado, a nova Lei tornou o estupro investigável por ação pública condicionada à representação, mesmo quando resultar lesão grave ou morte, nos termos da nova redação do art. 225, CP. Excepcionou apenas os menores de 18 anos e os vulneráveis.

Essas alterações instalaram preocupante discussão jurídica, cujo resultado pode comprometer o enfrentamento à violência sexual e beneficiar os estupradores, principalmente os mais perversos e contumazes, a não ser que se dê a devida interpretação constitucional ao novo modelo. Vejamos.


1.A controvérsia

No sistema anterior, se o criminoso mantivesse conjunção carnal e também sexo anal ou oral, responderia por dois crimes: estupro e atentado violento ao pudor. A jurisprudência majoritária entendia que havia concurso material de crimes (art. 69 do Código Penal), de forma que a pena final do condenado seria resultado do somatório das penas dos dois crimes.

Com a mudança legislativa, há quem sustente que o abusador deverá responder por apenas um crime. Afirmam que agora a pena será única, pois o mesmo tipo penal (art. 213) fala em constranger à "conjunção carnal" ou "outro ato libidinoso". Assim, o novo estupro seria crime de ação múltipla: tanto faz o condenado constranger a vítima à conjunção carnal e, no mesmo contexto, cometer outros atos libidinosos, como sexo oral ou anal. A pena será por apenas um crime.

O seguinte caso ilustra bem o absurdo de tal entendimento:

Em 13/2/2004, R.A.B, empunhando uma arma de fogo, abordou J.L.S e a obrigou a se submeter à conjunção carnal. Em seguida, o estuprador introduziu seu pênis no ânus da vítima e a sodomizou. Restou condenado a uma pena de 14 anos de prisão: 7 pelo sexo vaginal e 7 pelo sexo anal. Após a nova lei, o acusado recorreu e o Tribunal entendeu que R.A.B deveria ficar impune por um dos atos. Sua pena foi reduzida para 7 anos de prisão. Confiram o acórdão:

- O acusado deve ser beneficiado com a reforma promovida pela Lei n. 12.015/2009, que promoveu a junção dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, tornando o delito de ação múltipla.

- Por se tratar de benefício ao réu, deve retroagir, pois, agora, mesmo que o agente pratique mais de uma conduta criminosa será punido somente por uma, sendo que a pena básica do tipo fundamental do crime de estupro permanece a mesma. [02]

Pela decisão, mesmo que o acusado, além do sexo anal e vaginal, tivesse realizado outros atos libidinosos, ou seja, a introdução de seu pênis na boca da vítima ou a ejaculação no ânus, boca, vagina ou qualquer outra parte do corpo desta, sua pena não passaria dos 7 anos de prisão (quando muito, aumentaria apenas alguns meses, na análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal).

1.1.1. A solução legislativa

O entendimento acima não resiste a uma interpretação sistemática da legislação e se afasta da política criminal implantada pelo legislador.

Ora, ao unir os tipos penais num só, o legislador não alterou a concepção original de que vários atos criminosos implicam punição na mesma proporção.

De fato, o novo art. 213 é um tipo penal misto de conteúdo cumulativo, ou seja, prevê várias condutas não fungíveis entre si, que geram a obrigação de punição individual de cada ato criminoso. Com propriedade, FERNANDO BARBAGALO dirimiu a questão:

Contudo, pensamos que não se trata de tipo penal misto de conteúdo alternativo (como é o tráfico de entorpecentes, art. 33, Lei n° 11.343/06) em que há uma fungibilidade entre as condutas, sendo indiferente a realização de uma ou mais conduta, pois a unidade delitiva permanece inalterada. Para nós, a nova formação normativa é um tipo penal misto de conteúdo cumulativo (como é o parto suposto, art. 242, CP) em que não existe fungibilidade entre as condutas, autorizando a aplicação cumulativa de penas ou o reconhecimento da continuidade.

Ainda que por uma questão de estilo o núcleo do tipo constranger tenha sido utilizado em apenas uma oportunidade, nos parece claro que há duas condutas típicas incriminadas no preceito primário: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal e constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (...)

Edson Miguel da SILVA JÚNIOR também defende a punição correta, acrescentando que o novo tipo continua sendo definido como crime único quando o dolo for abrangente e concurso material quando ocorrer dolos autônomos – ato libidinoso destacado da conjunção carnal. No entanto, o eminente doutrinador adverte: outros atos libidinosos, agora, são apenas os atos análogos à cópula, isto é, os que tendem à satisfação do instinto sexual de um modo análogo ao coito. Dessa forma, o beijo lascivo ou toques íntimos, dependendo do caso, não configurará estupro, mas outro tipo penal (importunação ofensiva ao pudor, por exemplo).

Para além das questões legais, que fogem ao objetivo deste artigo, busquemos o aspecto constitucional.

1.2. A punição é obrigatória ou depende das vítimas?

A nova Lei exige representação das vítimas mesmo quando da prática do estupro resulte lesão "leve" (quebra de nariz ou mandíbula), lesão grave (aborto, perda de membro etc.) ou a própria morte. É a primeira vez que a punição de um assassinato dependerá de autorização da vítima! Só não esclareceram como a morta irá se pronunciar (reviram o conselho de Paulo Maluf, para piorá-lo: "se estuprar, mate!").

O Supremo Tribunal Federal (STF) e a Constituição não admitem essa solução, pois até o estupro que resulte em lesão "leve" – ou aquele praticado mediante vias de fato ou grave ameaça – é de ação penal incondicionada. Assim, o caput do novo art. 225 é flagrantemente inconstitucional, como veremos adiante.


2.Constituição e proporcionalidade

A interpretação de que a nova legislação beneficia o estuprador está condizente com a Constituição? Pode o Poder Judiciário diminuir a proteção aos direitos fundamentais, notadamente no campo da dignidade sexual? E o legislador, poderia fazê-lo? Em cena a constitucionalidade dos novos artigos 213 e 225 e o princípio da proporcionalidade.

2.1. Proibição de excesso

Vem de longa data a discussão sobre a melhor forma de garantir os direitos fundamentais, mormente quando há conflitos entre eles.

No direito penal, expressão maior do poder estatal, essa busca sempre foi dramática, pois boa parte dos direitos humanos foi forjada para proteger o cidadão da sanha abusiva e covarde dos órgãos de repressão. A história da tirania estatal é perpassada pelo direito penal.

Por isso, em sua origem, o princípio da proporcionalidade foi desenvolvido para evitar os excessos do poder absoluto, visando proteger o súdito (ou cidadão) do rei. Ficou célebre a frase de JELLINEK: "Não se abatem pardais disparando canhões".

Dessa forma, a proporcionalidade originou-se no direito administrativo francês com o fim de limitar a ação do Poder Executivo, migrando para a Alemanha, onde é usada como sinônimo de proibição de excesso (Übermassberbot). Este país alçou o princípio à categoria constitucional, para conformar também o legislador e o juiz à Constituição, influenciando a maioria dos países europeus, notadamente Portugal, Espanha, Itália e Áustria, como leciona Suzana de Toledo BARROS. No Brasil, desenvolveu-se por influência de juristas portugueses.

2.2. Proibição de proteção deficiente

Na atualidade, tem-se repensado o princípio da proporcionalidade para resguardar o cidadão não apenas da ação (excessiva) estatal, mas também de sua omissão.

É que, para além de não abusar de seus cidadãos, o Estado deve garantir o gozo dos direitos fundamentais, promovendo-os e protegendo-os contra atos de particulares.

Assim, a proporcionalidade ganhou outra vertente, sintetizada pela expressão proibição de proteção deficiente (Üntermassverbot), oriunda da doutrina e jurisprudência alemã. Lênio STRECK explica:

A estrutura do princípio da proporcionalidade não aponta apenas para a perspectiva de um garantismo negativo (proteção contra os excessos do Estado), e, sim, também para uma espécie de garantismo positivo, momento em que a preocupação do sistema jurídico será com o fato de o Estado não proteger suficientemente determinado direito fundamental, caso em que estar-se-á em face do que, a partir da doutrina alemã, passou-se a denominar de "proibição de proteção deficiente" (Untermassverbot). A proibição de proteção deficiente, explica Bernal Pulido, pode definir-se como um critério estrutural para a determinação dos direitos fundamentais, com cuja aplicação pode determinar-se se um ato estatal - por antonomásia, uma omissão - viola um direito fundamental de proteção (...)

Como analisar se há omissão estatal? CANOTILHO (2003) responde: A verificação de uma insuficiência da juridicidade estatal deverá atender à natureza das posições jurídicas ameaçadas e à intensidade do perigo de lesão de direitos fundamentais.

Assim, pode ocorrer inconstitucionalidade por proteção deficiente quando o Estado deixa de criminalizar uma conduta, diminui a pena de tipo penal ou impede a prisão cautelar em crimes graves (hediondos, por exemplo).

Dessa forma, para além da proibição de excesso, devidamente garantida pelos princípios e writs constitucionais (habeas corpus, mandado de segurança etc.), a atuação estatal deve se moldar também à proibição de proteção deficiente. Esses dois aspectos resumem o princípio da proporcionalidade no âmbito dos Estados Democráticos de Direito na atualidade. Sua inobservância implica a inconstitucionalidade do ato público.

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2.2.1. A proteção deficiente na legislação

A comissão do Senado que elaborou o projeto do novo Código de Processo Penal adotou a proibição de excesso como princípio geral (art. 5º) e para análise das medidas cautelares (art. 517, parágrafo único). Omitiu-se, porém, quanto à proteção deficiente.

Detectando a falha, o senador Marconi Perillo apresentou proposta para acrescentar a expressão proteção deficiente ao art. 517, parágrafo único, conforme relatório apresentado pelo senador Renato Casagrande em 1/12/2009. É importante que se faça esse acréscimo também ao art. 5º, para evitar errôneas interpretações sobre os direitos fundamentais.


3. A proteção deficiente e a dignidade sexual no STF

O leading case sobre a proteção deficiente no Brasil, com sua adoção expressa, foi julgado em 2006 pelo Supremo Tribunal Federal [03]. Tratava-se exatamente da dignidade sexual do ser humano, no caso, uma menina de 9 anos!

Consta que, dos 9 aos 12 anos de idade, a criança fora estuprada por seu tutor (marido de sua tia). Quando engravidou, iniciou uma união estável com seu agressor.

Naquela ocasião, vigorava a regra segundo a qual o estuprador podia se casar com a vítima para ser livrar da punição (art. 107, VII, Código Penal). Forte nesse argumento, o acusado pediu sua absolvição ao STF, por analogia à união estável, e invocou o art. 226 da Constituição, segundo o qual a família é a base da sociedade, estando protegida pelo Estado.

O ministro GILMAR MENDES refutou a impunidade em nome da proibição de proteção insuficiente:

De outro modo, estar-se-ia a blindar, por meio de norma penal benéfica, situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade, caracterizando-se típica hipótese de proteção insuficiente por parte do Estado, num plano mais geral, e do Judiciário, num plano mais específico (...)

Sobre a aplicação do princípio no direito penal, o ministro foi contundente:

Quanto à proibição de proteção insuficiente, a doutrina vem apontando para uma espécie de garantismo positivo, ao contrário do garantismo negativo (que se consubstancia na proteção contra os excessos do Estado) já consagrado pelo princípio da proporcionalidade. A proibição de proteção insuficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção, ou seja, na perspectiva do dever de proteção, que se consubstancia naqueles casos em que o Estado não pode abrir mão da proteção do direito penal para garantir a proteção de um direito fundamental (...)

E continuou:

Conferir à situação dos presentes autos o status de união estável, equiparável a casamento, para fins de extinção da punibilidade (nos termos do art. 107, VII, do Código Penal) não seria consentâneo com o princípio da proporcionalidade no que toca à proibição de proteção insuficiente.

Isso porque todos os Poderes do Estado, dentre os quais evidentemente está o Poder Judiciário, estão vinculados e obrigados a proteger a dignidade das pessoas (...)

A discussão no plenário da Corte Maior foi agitada e demarcou o grau da repulsa jurídico-social ao estupro. A ministra ELLEN GRACIE comparou a situação da vítima a uma escravidão sexual e CARLOS BRITO, questionado se a prisão privaria a vítima de seu marido, irritou-se: livrar a adolescente da convivência com o agressor será um grande bem. EROS GRAUS complementou:

Por outro lado, não me impressiono com os argumentos relativos à família, eis que, de acordo com minha compreensão, família que começa com uma violência contra uma menina de 9 anos – e aparentemente prossegue com mais violência ainda -, não é, seguramente, a família da qual nasce a sociedade civil e depois se realiza, como suprassunção, no Estado. Nem ela é, na minha pré-compreensão, família que deva ser preservada a partir dos valores constitucionais.

Por maioria, a Corte manteve a condenação do acusado, nos termos do voto do ministro GILMAR MENDES.

Verifica-se que, pela norma então vigente (inc. VII, art. 107, Código Penal), a punibilidade deveria ter sido extinta, pois a união estável é protegida pela Constituição (art. 226, § 3º). Discriminar o acusado por não ter contraído casamento ofenderia às largas o princípio, igualmente constitucional, da igualdade. Porém, analisando os direitos em jogo, a dignidade sexual falou mais alto, em nome da proibição de proteção deficiente.

Vejamos as implicações desse princípio ao novo estupro, referente ao concurso de crimes e à ação penal.


4.O Concurso de crimes no estupro

A interpretação de que o novo crime de estupro implica crime único, mesmo se praticados vários atos libidinosos, ofende claramente a Constituição.

Sopesemos, sob o enfoque da proporcionalidade, os interesses e direitos fundamentais em jogo. Advirta-se que, havendo tensão ou conflito de direitos fundamentais (dos réus ou das vítimas), deve-se buscar a proteção mais adequada possível a um dos direitos em risco, e da maneira menos gravosa ao outro, sem permitir o sacrifício integral de um deles (Eugênio Pacelli de OLIVEIRA, 2008).

Primeiramente, o interesse do criminoso é, em regra, ser inocentado, mesmo se culpado, e não ser punido, mesmo quando mereça, em contraponto com o interesse da vítima e da sociedade.

Por outro lado, o acusado do crime tem direito constitucional a um julgamento justo, que implica uma pena proporcional a seus atos (não excessiva). Por sua vez, a vítima tem o direito à liberdade sexual (já violado pelo estuprador, sem que o Estado pudesse ter impedido). Consumado o crime, a vítima tem também direito a um julgamento justo, com a fixação de uma pena que puna todos os atos criminosos contra ela praticados. Por fim, a coletividade tem direito a uma punição correta, para que o exemplo punitivo não incentive outros a cometer os mesmos atos. Aliás, esta é a maior função do direito penal: evitar a continuidade do crime e garantir o direito constitucional à segurança de todos os cidadãos/ãs.

No ponto, não há grandes divergências entre o direito constitucional de um e de outro. O condenado NÃO tem direito constitucional à impunidade, quando provada sua culpa, e nem a uma pena abaixo da reprovabilidade social (e constitucional) de seus atos.

Nesse trilhar, é patente que cada ato sexual importante direcionado ao corpo humano ofende bens jurídicos variados. A introdução do pênis ou outro objeto em qualquer orifício corporal demonstra o grau de perversidade do criminoso e gera danos e dores diferentes e humilhantes às vítimas. Beneficiar os condenados com a impunidade servirá de incentivo à criminalidade sexual, pois será mais vantajoso "usar e abusar" das vítimas de todas as formas possíveis. O único limite dos tarados será sua própria criatividade!

Portanto, a tese da pena única viola a proibição de proteção insuficiente, pois destrói ou mitiga o direito constitucional à dignidade (art. 1º, III), à liberdade (inclusive sexual, art. 5º, caput), à segurança (art. 5º, caput, e art. 144) e à incolumidade física e psíquica (art. 144).

Nessa esteira, o próprio direito constitucional dos condenados à igualdade (art. 5º, caput) e à individualização da pena (art. 5º, XLVI) restaria violado com a pena única. Ora, aquele que cometer apenas um ato criminoso (sexo oral, por exemplo) teria a mesma pena daquele que praticar outras violações importantes (sexo oral + anal, sexo vaginal + anal, etc.). A pena do menos "culpável" seria excessiva, pelo menos em comparação com a do outro. A fixação de pena-base diferenciada (art. 59, CP), pregada por alguns, não resolveria o problema, pois o pequeno aumento decorrente não seria compatível com a natureza do ato violento praticado e seus danos à dignidade sexual.

Por outro lado, a pena justa (punição para cada ato importante) não gera qualquer excesso punitivo contra a liberdade dos condenados. Estes não têm o direito de cometer vários crimes e ser punidos apenas por um.

Com isso, não se está abatendo pardais com canhões. Ao contrário, busca-se a mesma fórmula antes aplicada, a qual nunca foi considerada inconstitucional (excessiva). Afinal, com a licença do trocadilho, não se protegem pardais alimentando gaviões!

4.1 Analisando os subprincípios da proporcionalidade

Chegamos à conclusão de que a aplicação de pena única para atos criminosos importantes ofende a Constituição. Resta analisar se esse entendimento atende aos requisitos do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, nos termos preconizados pela doutrina nacional e estrangeira (FEITOZA, 2009).

De fato, o princípio da proporcionalidade está subdivido em princípios, assim definidos por Bernal Pulido [04]:

1.da adequação ou da idoneidade: a intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir à obtenção de fim constitucionalmente legítimo ;

2.da necessidade: toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve ser a mais benigna com o direito fundamental afetado, entre todas que tenham pelo menos a mesma idoneidade.

3.da proporcionalidade em sentido estrito: a importância da intervenção no direito fundamental deve estar justificada pela importância da realização do fim perseguido.

Pois bem, a aplicação da pena em concurso de crimes é adequada ao fim a que se destina, pois favorece a realização do fim constitucional visado, qual seja, proteger os direitos fundamentais à segurança e à incolumidade física/psíquica.

Essa aplicação é necessária, pois não há outro meio, menos rigoroso, de punir o crime referido. A punição penal deve ser aplicada aos fatos mais graves. O estupro é crime hediondo, equiparado pela Constituição à tortura e ao terrorismo, portanto merece a exata reprimenda legal. Esta passa pela punição correta para cada ato criminoso importante que ofenda a dignidade sexual.

Por fim, é proporcional em sentido estrito, já que se busca a punição de cada condenado na medida de sua culpabilidade (responsabilidade), privilegiando os menos culpáveis. O fim buscado é proporcional ao meio utilizado, e vice-versa. Protege-se a dignidade sexual sem causar danos aos acusados. O custo-benefício é patente, pois esse entendimento não significará mais rigor ou aumento de pena em comparação com o sistema anterior à nova Lei. Almeja-se a máxima proteção à liberdade sexual, sem, no entanto, criar excessos na repressão criminal. Esse é o grande desafio do direito penal constitucional na atualidade.

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Sobre o autor
Fausto Rodrigues de Lima

promotor de Justiça do Distrito Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fausto Rodrigues. O novo estupro na ótica constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2358, 15 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14020. Acesso em: 19 abr. 2024.

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