O INSTITUTO
Extradição é a entrega de um indivíduo feita pelo país onde ele se encontra ao país que, imputando ao mesmo cometimento de infração legal, o reclama para ser submetido a julgamento pelos tribunais deste último ou para cumprir pena que lhe foi imposta.
É verdade que todo e qualquer instituto deve ser elaborado pelo legislador com toda acuidade. Mais verdade ainda é que, submetido à apreciação da autoridade competente deve merecer a mais cuidadosa atenção quando de sua aplicação. E o instituto da extradição não poderia fugir à regra. Por ser um instituto delicadíssimo, por suas peculiaridades, entendemos que maior esmero deve merecer tanto do legislador como da autoridade incumbida de aplicá-lo no caso concreto.
Nas relações internacionais, no que diz respeito à extradição, atendendo à necessidade de cooperação judiciária internacional no combate ao crime, as nações observam os tratados ou convenções entre si celebradas. Quando inexistentes esses pactos têm as nações, de ordinário, por alternativa a observância do princípio da reciprocidade, que consiste na entrega do paciente reclamado, condicionada à promessa de igual tratamento quando de um eventual similar pedido. Dissemos de ordinário porque nada impede que uma nação conceda a extradição a si requerida sem exigir contrapartida alguma.
A extradição quando estabelecida em convenções ou tratados, não enseja grandes reflexões, já que os envolvidos (convenentes ou acordantes), conhecedores previamente das respectivas legislações, traçam as diretrizes a serem observadas (pressupostos para a concessão, impedientes, processamento, sobrestamento, etc.) e se obrigam a atender um eventual pedido de extradição. Assim, presente qualquer pressuposto estabelecido no pacto extradicional, sob pena de sofrer desgaste em sua honradez perante a comunidade global, não há como a nação requerida deixar de atender à reclamação do país requerente.
O mesmo, obviamente, não se pode dizer quando se tratar de processo extradicional que envolva nações que não tenham se compromissado pela via de tratado ou convenção. Nesses casos todo cuidado é pouco. Na salvaguarda do conceito de que goza no seio da comunidade internacional, para a análise do pedido, deve a nação requerida se cercar de todas as cautelas possíveis para conceder ou não a extradição. E isso porque a decisão sobre o requerimento ultrapassa as fronteiras do país requerente. A concessão ou negativa de extradição pode ter reflexos nada interessantes para a nação requerida. Se negada, obviamente, desagrada o requerente; e pode também desagradar nações que adotem legislação similar ou mesmo simpatizantes da legislação do país reclamante. Se concedida agrada ao requerente, mas pode, de forma igual, desagradar nações que adotem legislação que divirjam dos fundamentos em que se apoiou o requerimento.
Conclui-se, pois, que a extradição pode ser de natureza obrigacional, imperativa – quando fundada em instrumento firmado entre requerente e requerido – ou facultativa, ou seja, quando a nação requerida aquiesce ao pleito analisando sua conveniência, seus interesses, no momento do requerimento.
Em qualquer caso, o quanto decidido num processo extradicional, certamente, influirá na imagem da nação requerida perante a comunidade internacional. Poderá se constituir tanto como título que ratifique a honradez do país requerido, como também que o desacredite perante as demais nações.
O MODELO BRASILEIRO
O instituto da extradição vem sendo recepcionado no ordenamento jurídico brasileiro desde as primeiras constituições. Já dispunha a Carta Constitucional de 1934, no seu art. 113, nº 31: "Não será concedida a Estado estrangeiro extradição por crime político ou de opinião, nem, em caso algum, de brasileiro". O Código Constitucional, "ditatorial", de 1937, por interesse do "regime" e por seu próprio perfil, só não fez passível de extradição o nacional. Rezava, secamente, o § 12 do seu art. 122: "nenhum brasileiro poderá ser extraditado por governo estrangeiro". A Constituição Federal de 1946 - de retorno o Brasil ao estado democrático de direito, trazia o § 33 do art. 141 com a seguinte redação: "Não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião e, em caso nenhum, a de brasileiro". A Carta Magna 1967, art. 150, § 19 e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, art. 155, § 19, assim dispuseram: "Não será concedida a extradição do estrangeiro por crime político ou de opinião, nem em caso algum, a de brasileiro". Vê-se que, mesmo promulgados em regime excepcional, os diplomas de 67 e 69, contemplaram como impedientes da extradição o crime político ou de opinião.
Apesar de os princípios constitucionais virem dando grande margem para uma lógica e sensata regulamentação do instituto (o que não era de se esperar na vigência da Constituição de 1937 !), o nosso legislador ordinário assim não o fez. Presumimos que o desmedido apego ao princípio da soberania nacional e, levando-se em conta que a necessidade de cooperação judiciária internacional há algum tempo atrás não se fazia imperativa como mais adiante se fez, levaram o Brasil a admitir por muito tempo a extradição somente nos casos em que tivesse participação em convenções ou tratados extradicionais.
A partir da edição do Decreto-Lei nº 941, de 18 de outubro de 1969, que emergiu da necessidade de se regular a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, houve um relativo avanço, pois foi admitida, expressamente, a extradição mediante compromisso de reciprocidade. Rezava o seu art. 87: "A extradição de estrangeiro poderá ser concedida quando o governo do outro país a solicitar, invocando convenção ou tratado firmado com o Brasil e, em sua falta, a existência de reciprocidade de tratamento".
Em 19 de agosto de 1980 foi editada a Lei nº 6.815 – O Estatuto do Estrangeiro, com a finalidade mesma de definir a situação do estrangeiro no território brasileiro. No respeitante à extradição do não nacional, é praticamente uma reprodução do quanto estabelecido no diploma anterior. Está o seu art. 76 assim redigido: "A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade".
CELEBRAÇÃO DE ACORDO OU TRATADO
A Constituição da República Federativa do Brasil, no seu art. 84, diz: "Compete privativamente ao Presidente da República: ...; VIII – celebrar tratados, acordos e atos internacionais, sujeitos a referendo do congresso nacional" (grifos nossos);
A legislação brasileira dispensou à extradição os cuidados indispensáveis à delicadeza e seriedade do instituto. A Constituição Federal outorga poderes, privativos, ao Presidente da República para celebrar tratados, acordos e atos internacionais. Mas condiciona a validade desses instrumentos ao referendo do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). É com esse referendo que eles – tratados, acordos e atos - adquirem força de lei e passam a vigorar como se emanados do povo brasileiro. É lei no sentido próprio da palavra.
DOS IMPEDIENTES
Dispõe o art. 77 da Lei nº 6.815/80: "Não se concederá a extradição quando: I- se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido; II- o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente; III- o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando; IV- a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1(um) ano; V- o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido; VI- estiver extinta a punibilidade segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente; VII- o fato constituir crime político; e, VIII- o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção".
Do quanto disposto no retro transcrito dispositivo, depreende-se que a legislação brasileira autoriza a extradição, seja requerida com amparo em tratado ou convenção ou mediante compromisso de reciprocidade, desde que ausentes os impedientes nela discriminados - e por conseqüência presentes os pressupostos para a concessão.
DO PROCESSO E JULGAMENTO
O art. 102 da Constituição Federal preceitua: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: ...; g) a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; ..." (grifos nossos).
O art. 83 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro) estabelece: "Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão" (grifos nossos).
O legislador brasileiro cercou-se de todas as cautelas para que um eventual pedido de extradição fosse observado com a merecida acuidade. Assim é que para a concessão ou negação de extradição delegou poderes à elite da cultura jurídica nacional – o Supremo Tribunal Federal -, e razão outra para isso não teve senão a de garantir uma apreciação extremamente técnica da questão e uma decisão não comprometedora da honradez e dos interesses da Nação brasileira. Salientamos, o legislador foi exigente na medida da importância do instituto da extradição. A necessidade de uma apreciação extremadamente abalizada fez com que ele não se contentasse com um exame da legalidade e procedência do pedido de extradição por um ministro-juiz do STF; nem por uma de suas Turmas. Determinou que a verificação dos pressupostos legais e, por conseqüência, a procedência ou não da vindicação fosse encargo do Supremo, na sua composição plena.
À exigência de composição plenária do Supremo o legislador fez corresponder uma confiança plena no quanto por ele decidido. A certeza de juridicidade de sua decisão é tanta que não se admite reforma do entendimento consubstanciado no veredicto ("..., não cabendo recurso da decisão"), ou seja, faz-se coisa julgada (imutável) desde que prolatada, decorrendo dessa circunstância a necessidade de sua imediata efetivação. E isso não por força da decisão concessória ou denegatória do pedido, que não deve trazer no seu contexto comando nesse sentido. Poderia deixar transparecer imposição de obrigação ao Executivo pelo Judiciário, quando, nesse momento, o Governo deve cumprir uma obrigação (no caso de decisão concessória) a si imposta por ele próprio, decorrente de mandamento estabelecido em Tratado ou Acordo-Lei ao qual, em nome do povo brasileiro, se vinculou e que, também em nome desse mesmo povo e, sobretudo, em respeito à sua honra, deve cumpri-la.
DA CONCESSÃO
O art. 86 do Estatuto do Estrangeiro está assim redigido: "Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional" (grifos nossos).
Como antes dito, o legislador brasileiro foi por demais cuidadoso na regulação do instituto da extradição. A Constituição Federal não outorgou poderes para conceder extradição a quem ela atribuiu competência para firmar acordo ou tratado de extradição - o Presidente da República (art. 84, inciso VIII); e, nem a quem ela incumbiu de, em nome da Nação brasileira, dar força de lei ao entabulamento extradicional - o Congresso Nacional (também art. 84, inciso VIII). Repetimos, credenciou o Poder mais tecnicamente qualificado para tanto - o Poder Judiciário, e na sua mais alta expressão – o Supremo Tribunal Federal na sua composição "plena".
Do quanto preceituado no art. 86, retro transcrito, depreende-se facilmente que o Supremo Tribunal Federal não pode, e não deve, ser havido como órgão consultivo do Governo e tampouco sua decisão ser interpretada como autorização para que ele, Governo, conceda ou não a extradição. O Supremo Tribunal Federal é a instituição concedente da extradição. Ele e somente ele pode concedê-la ou negá-la. Sua decisão é, sim, autorizadora, como assim a quis o legislador, mas a autorização nela contida é para que o Governo entregue o paciente reclamado ou negue sua entrega com a certeza de que, em qualquer caso, assim o faz, resguardando a honradez e os interesses da Nação brasileira, respaldado em conclusão de sua mais Alta Corte de Justiça..
É um absurdo, é uma incoerência imperdoável, se admitir que a decisão do Poder Judiciário fique submetida ao crivo de outro Poder: E essa inadmissibilidade decorre do princípio da independência dos Poderes da União - consagrado no art. 2º da Constituição Federal; do quanto disposto no art. 102, também da nossa Carta Magna (supra transcrito); do que espelha o art. 2º da Lei 6.815/80 - "Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, ..." (grifo nosso) -; e, da expressa imutabilidade do "decisum" proferido pelo STF em processo extradicional consignada no art. 83 dessa mesma lei (também supra transcrito).
PODER DISCRICIONÁRIO
Não se acha brecha na lei para se cogitar a substituição do STF por outrem. Não há que se falar em poder discricionário de outro poder em matéria de extradição no Direito brasileiro. Enfatizamos: em nenhuma situação! Pelo contrário; encontra-se na legislação trancamento a propósitos discricionários. São justamente os impedientes. Não há como coexistir impedientes com poder discricionário; são incompatíveis. A legislação extradicional brasileira quando muito comporta o sobrestamento da extradição. É o que se verifica nas situações espelhadas no art. 89 ("Quando o extraditando estiver sendo processado, ou tiver sido condenado, no Brasil, por crime punível com pena privativa de liberdade, a extradição será executada somente depois da conclusão do processo ou do cumprimento da pena, ressalvado, entretanto, o disposto no art. 67") e no parágrafo único desse mesmo dispositivo ("A entrega do extraditando ficará igualmente adiada se a efetivação da medida puser em risco a sua vida por causa de enfermidade grave comprovada por laudo médico oficial) - Lei nº 6.815/80.
Na suposição de não termos conseguido a alguns convencer a contento de que o processo extradicional regulado no Direito brasileiro não comporta discricionariedade de quem quer que seja, vamos aqui admitir a absurda hipótese da intromissão do Presidente da República num processo extraditório e veremos se as conseqüências de tal inconveniente será do agrado de alguém. Tentaremos ser o mais didático possível.
Exemplo 1. Uma nação requer a extradição de um seu nacional que se encontra em território brasileiro, para cumprimento de pena que lhe foi imposta pelo cometimento de crimes. O STF verifica que o crime imputado ao reclamado é cristalinamente de natureza política e, com lastro no art. 5º, inciso LII, da CF, conclui pela improcedência do pedido e, conseqüentemente, não concede a extradição. O Presidente, contrariando o entendimento do STF e usando do seu poder discricionário concede a extradição.
Exemplo 2. Uma nação requer a extradição de um brasileiro para cumprimento de pena de prisão perpétua que lhe foi imposta pelo cometimento de crimes hediondos naquele país. O STF de plano decide pela não concessão da extradição, uma vez que a Constituição Federal veda a extradição de brasileiro (art. 5º, inciso LI). O Presidente, contrariando o entendimento do STF e usando de seu poder discricionário, concede a extradição.
Vê-se que em ambos os casos as decisões do Presidente vilipendiam a Lei nº 6.815/80 (art. 77, incisos VII e I, respectivamente) e, ainda mais grave, a Constituição Federal (art. 5º, incisos LII e LI, respectivamente). Seriam do agrado de alguém as deliberações do Presidente? São deliberações para serem suportadas num país que "constitui-se em Estado Democrático de Direito" (art. 1º da CF)? Acreditamos que a resposta seja NÃO!. A insegurança jurídica é incompatível com o estado democrático de direito, como também o é a instabilidade institucional motivada pela inobservância dos princípios da independência e harmonia dos poderes. As incongruências retro exemplificadas são próprias de regimes autoritários. E regime autoritário o povo brasileiro já experimentou, não gostou e reprovou com veemência..
DA ENTREGA DO PACIENTE-RECLAMADO
Da análise do quanto contido no art. 86 da Lei nº 6.815/80, a outra conclusão não se pode chegar senão a de que o honroso papel que desempenha o Governo num processo de extradição é o de "porta voz" do povo brasileiro, o que não se faz necessariamente com a intervenção direta do seu Chefe Maior. A comunicação da concessão ou não da extradição é, via de regra, feita à nação requerente por delegação. Antes mesmo da leitura do conteúdo do art. 86 a essa conclusão já se chega. Reza o art. 80 da mesma lei: "A extradição será requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de Governo a Governo, ..." (grifos nossos). Vê-se, pois, que só excepcionalmente o Chefe do Governo brasileiro intervém no processo extradicional, mas como elo de ligação entre a nação requerente e o Judiciário brasileiro; não como "fiel da balança".
E deve o Governo, sob pena de responsabilidade, envidar todos os esforços para tornar efetiva a decisão proferida pelo STF num processo extradicional, seja a decisão concessória ou denegatória do pleito. Se concessória, entregando de imediato o paciente reclamado, não só esperando igual presteza em eventual pedido que vier a fazer ao requerente, mas também desonerando o Estado brasileiro dos gastos de manutenção do extraditando sob sua custódia. Outro não foi o propósito do legislador ao estabelecer no art. 86 da Lei nº 6.815/80: "... que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional". Se denegatória da extradição requerida, reclama urgência na efetivação da decisão do STF a desoneração do Estado e, sobretudo, a necessidade de se obstar constrição judicial (a prisão) que está a sofrer o paciente, e que só com a instrução do feito se verificou ser injusta, pelo que deve ter incontinenti seu curso interrompido.
DA SIMPLICIDADE DO PROCESSO
Como visto, o processo extradicional adotado pelo Direito pátrio é deveras simples, muito embora a legislação que o regula seja, como aqui relatamos, extremamente zelosa com relação aos interesses nele envolvidos – do extraditando e da Nação brasileira. Resume-se no seguinte: a nação interessada requer a extradição; o STF, apreciando os pressupostos legais, concede ou não; e, o Governo, consubstanciado na decisão do Supremo, entrega o preso que está sob sua custódia ou o livra do constrangimento que lhe foi imposto (a prisão) em razão do pedido de extradição. Nada mais do que isto.