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Do direito à intimidade do empregado em confronto com o controle patronal dos meios tecnológicos (e-mail e internet)

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CAPÍTULO

A utilização dos meios tecnológicos empresariais por parte dos empregados poderá ser monitorada pelo empregador desde que advenha de um regulamento empresarial ou de prévia notificação dos trabalhadores [59].

Muitos são os crimes que podem ser praticados pelo empregado através da utilização da internet, dentre eles a concorrência desleal (arts. 482, alínea c, CLT; e 195 da Lei n. 9.279/96), espionagem industrial (art. 482, alínea g, CLT), pornografia infantil (art. 241 da Lei n. 8.069/90) [60].

Estudos realizados demonstram como é feito o uso da internet e correio eletrônico pelo empregado. Belmonte [61] destaca dados colhidos em pesquisa realizada nos Estados Unidos da América, em que:

Mostram que no ambiente de trabalho com acesso à internet 87% dos empregados usam e-mail para assuntos alheios ao trabalho, 21% divertem-se com jogos e apostas, 16% planejam viagens, 10% enviam dados pessoais e procuram outros empregos, 3% conversam ou namoram em chats e 2% visitam sites pornográficos, numa atividade constante que gera tráfego de rede e abre as portas para a entrada de vírus e vazamento de informações sigilosas ou confidenciais.

No Brasil, o tema ganhou peso quando foram demitidos de uma só vez da empresa GM trinta e três funcionários, por trocarem fotos pornográficas via e-mail corporativo [62].

A questão traz a tona uma série de conflitos de direito que "são ameaçados de violação, como liberdade de expressão e de informação, tutela da privacidade, direitos personalíssimos, direito de propriedade, propriedade intelectual, contratação por meios eletrônicos" e inclusive, "responsabilidade civil dos diversos sujeitos intervenientes" [63].

No monitoramento dos empregados, o empregador não visa violar a intimidade das comunicações dos seus colaboradores, mas outros pontos são analisados, conforme destacado Souza:

Segundo reportagem do "The New York Times", o patrão busca mensagens com anexos terminando em ‘.exe’, como vídeos animados, ou qualquer anexo com tamanho superior a um megabyte porque elas sobrecarregam as redes, tomam os computadores mais lentos e podem paralisar todo o sistema; procura linhas de assunto com designação ‘Fwd’ ou ‘Re’ aparecendo diversas vezes em uma mensagem ou, ainda, frases como ‘procura de emprego’ ou ‘currículo em anexo’, pois é provável que sejam piadas redirecionadas a diversas pessoas ou bate-papos ou, que o obreiro esteja insatisfeito com seu emprego e possa vir a sair de uma hora para outra; busca também muitas mensagens enviadas em um só dia por um único funcionário a destinatários fora da empresa ou dos interesses dela, eis que sobrecarregam o sistema e sugerem que o remetente esteja perdendo tempo com coisas estranhas ao trabalho; procura ainda palavras do tipo ‘confidencial’, ‘segredo’, ‘secreto’ ou ‘pertencente à empresa’ (proprietary) porque evidencia risco de divulgação, mesmo que não intencional, de informações sigilosas da empresa; busca termos pejorativos, racistas ou palavras como ‘sexo’ uma vez que podem ser trotes, ou mensagens de teor ameaçador ou incômodo que podem motivar prejuízos à empresa [64].

O empregador monitora e-mails suspeitos com o fim de verificar a segurança, ociosidade, assuntos não relacionados a corporação, informações confidenciais da empresa, para que não gere também prejuízos ao empregador [65], já que o empregador é responsável pelos danos morais e patrimoniais praticados pelo empregado [66].

As informações que constam nos e-mails corporativos devem ser de caráter comercial e integram o ambiente privado da empresa. Sendo assim, justa será a proteção das informações pelo empregador [67].

Quando feita a constatação de má utilização dos meios tecnológicos pelo empregado, essa prática deve ser coibida pelo empregador de forma proporcional ao ato cometido, de maneira que não exponha a privacidade do empregado [68].

3.2.O uso indevido do computador  e a falta grave

A utilização pelo empregado de e-mail e internet no ambiente laboral pode, ainda, trazer uma série de práticas e conseqüências, tais como: danos à imagem da empresa, sobrecarga da rede, e inclusive riscos do empregador ter que arcar com reparações civis decorrentes [69].

O empregador é o dono dos equipamentos e dos meios de comunicação postos à disposição do empregado e devem ser usados com fim estritamente direcionados ao trabalho [70].

Apesar disso, não há que se falar, contudo, no monitoramento e acesso ao conteúdo de mensagens, e-mail particular do empregado, este é estritamente pessoal e inviolável. Não cabe acesso do empregador à seu conteúdo sem que tenha permissão do empregado, já que este está resguardado pelo direito à intimidade do trabalhador. Se for caso de e-mail corporativo, há uma flexibilização desse direito [71].

Contudo, o empregador poderá bloquear ou mesmo proibir o acesso a e-mail e internet em horário de trabalho, mas não poderá controlar o conteúdo das mensagens [72].

Sendo assim, uma vez que o empregador não permita o uso de e-mail particular e internet para fins pessoais, ou em se admitindo estabeleça limites, caso ocorra descumprimento desse mandamento, incidirá o empregado em infração contratual [73], o que leva a quebra de confiança entre as partes, tornando inviável a continuidade do pacto laboral [74].

Não se pode olvidar ainda que a utilização de um e-mail corporativo para um fim ilícito, calunioso, difamatório etc., quando dirigido contra terceiros pode ter um efeito danoso para a imagem institucional do empregador, por mais que ele desconheça ou se oponha a essa prática, por sempre ficar para a opinião pública a sensação de que a empresa propiciou ou se omitiu para permitir o ilícito. Um e-mail corporativo faz parte da imagem institucional, como as marcas, logotipos, cores, uniformes etc. de forma que, seu uso distorcido implica sempre em dano institucional. Embora a jurisprudência sobre este tema seja insipiente, a situação é muito parecida, por exemplo, com o caso do trabalhador que, vestindo o uniforme da empresa, pratica algum ilícito (agressão em via pública, embriaguez, atos libidinosos etc.), criando, indevidamente, uma imagem negativa entre o ilícito e a instituição.

A maioria das faltas graves previstas no Art. 482 da CLT podem ser praticadas pelo manuseio de e-mail e internet:

Art. 482 da CLT: práticas que ensejam a justa causa para rescisão do contrato pelo empregador: a) ato de improbidade- furtar programa desenvolvido pela empresa ou desviar o pagamento de salário dos funcionários para conta corrente do autor do delito; b) incontinência de conduta- divulgar no site da empresa ou enviar a outros funcionários fotos de natureza sexual; ou mau procedimento- enviar de spams (mensagens não solicitadas); c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregado, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço- quando o empregado se utilizar dos produtos da empresa, bem como de seu site para venda de produtos de outra empresa; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena- no caso do empregado ter sido condenado por pedofilia praticada via internet; e) desídia no desempenho das respectivas funções- no caso do empregado permanecer horas navegando na internet e prejudicando seus serviços além do prejuízo material para empresa; g) violação de segredo da empresa; quando o empregado utilizar os meios eletrônicos para violar documentos secretos que não podem ser divulgados sob pena de causar prejuízos ao empregador. h) ato de indisciplina quando o empregado utilizar o e-mail para fins pessoais mesmo sabendo que existe no regulamento de empresa norma que o proíbe da prática ou de insubordinação no mesmo caso quando o chefe imediato ordena a desconecção do empregado da internet. j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem-quando tais ofensas são instrumentalizadas via e-mail ou em sites da internet; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem-da mesma forma da alínea j quando tais ofensas são instrumentalizadas via e-mail ou sites da internet [75].

A falta grave, portanto, está relacionada a prática de qualquer fato que está expressamente previsto no art. 482 da CLT representa violações das obrigações do empregado [76].

Em julgado datado de 2005, o Tribunal Superior do Trabalho assim decidiu:

Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o direito do empregador de obter provas para justa causa com o rastreamento do e-mail de trabalho do empregado. O procedimento foi adotado pelo HSBC Seguros Brasil S.A depois de tomar conhecimento da utilização, por um funcionário de Brasília, do correio eletrônico corporativo para envio de fotos de mulheres nuas aos colegas. Em julgamento de um tema inédito no TST, a Primeira Turma decidiu, por unanimidade, que não houve violação à intimidade e à privacidade do empregado e que a prova assim obtida é legal. (AIRR n. 613/2000) [77].

Os julgados recentes não destoam desse entendimento, e começam a apontar pela punição do empregado quando decorrem em mau uso dos meios tecnológicos postos como ferramenta de trabalho [78].

3.3.Validade das provas obtidas pelo controle nos processos judiciais

Outro ponto relevante, no que tange a utilização dos meios tecnológicos, está justamente na possibilidade ou não das provas obtidas pelo monitoramento eletrônico de serem utilizadas nos processos judiciais.

Destaca-se que a tecnologia permite hoje a "criptografia" de documentos, capazes de cumprir todos os requisitos das provas documentais que exige a legislação [79].

A partir da possibilidade dessa equiparação e utilização do e-mail como prova documental, esse passou a ter "grande importância para o Direito no sentido de transformar-se em um elemento criador de várias situações legais na área jurídica" [80].

Seu uso, porém, não é indiscriminado e tampouco pode ser obtido de qualquer forma, devendo respeitar os preceitos constitucionais.

No Art. 5º, LVI, da Constituição Federal [81] está estabelecido que: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Por prova ilícita entende-se por provas obtidas por meio imorais ou ilegais" [82].

Já o mesmo art. 5°, porém, inciso XII, da Constituição Federal [83] define:

É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Conforme explica Belmonte [84]:

De um lado, está o princípio da propriedade privada e o poder diretivo patronal decorrente, que necessita fiscalizar a realização do trabalho e a integridade dos meios produtivos; de outro, a intimidade do empregado. São dois bens jurídicos igualmente importantes, que podem entrar em rota de colisão quando existe a necessidade de fazer a prova de que o empregado, por meio do e-mail pessoal, protegido pelo segredo das comunicações, está utilizando o equipamento do empregador para fazer concorrência desleal, revelar segredos empresariais, disseminar vírus de computador ou distribuir fotos pornográficas. Ou, quem sabe, surfar na internet em horário de serviço, fazer downloads de jogos.

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A solução para o conflito desses direitos fundamentais será dada, também, através da ponderação de interesses, visando alcançar maior eficiência e menos prejuízo aos direitos envolvidos [85].

Uma vez verificada que a prova foi obtida por meios ilícitos, mas que se demonstrado o estado de necessidade de quem a está utilizando, se justificada pelas circunstâncias e não sendo possível sua obtenção por outra maneira, a prova poderá sim ser utilizada [86].

Torna-se justificável a invasão à intimidade do empregado para provar a distribuição, por exemplo, de envio de e-mail de conteúdo pornográfico, ou, que comprovem atitudes do empregado que coloque em risco a empresa do empregador [87].

É possível, portanto, a utilização do correio eletrônico e internet pelo empregado no âmbito empresarial, desde que seja feita de forma equilibrada, sem causar prejuízos funcionais ao empregador [88].

Em contrapartida, poderá o empregado se fazer valer, também, de seu direito à intimidade quando houver abuso do poder diretivo pelo empregador que atinja a dignidade daquele, ficando facultado ao empregado a possibilidade de romper o contrato laboral, com direito inclusive à indenização pelos danos sofridos [89].


conclusão

Diante da pesquisa realizada, conclui-se que a legislação pátria trabalhista é omissa quanto à possibilidade ou não do monitoramento de e-mail e internet pelo empregador.

A utilização dos recursos tecnológicos nas empresas é uma realidade e deve ter seu uso limitado para evitar abusos. Os conflitos que surgem, de um lado à intimidade do empregado e de outro à propriedade do empregador levam a uma necessidade de flexibilização, ponderação dos direitos envolvidos.

O direito à intimidade do empregado não poderá ser aplicado em sua plenitude, e no juízo de ponderação entre esses direitos conflitantes prevalecerá o direito à propriedade do empregador.

O monitoramento de e-mail particular do empregado constitui em grave lesão e não deve ser admitida sua invasão. Porém, o monitoramento do e-mail corporativo e internet vêm sendo admitidos pelos tribunais do país, já que visam tutelar também a imagem da empresa e resguardá-la da responsabilidade de danos que possam ser causados por seu empregado à terceiros.

O rastreamento, portanto, pode ser feito, mas desde que esteja previsto e que seja de conhecimento prévio do empregado. Pesquisas recentes apontam para a realidade e demonstram o mau uso desses meios. Há uma grande quantidades de colaboradores que acessam desde sites pornográficos até praticam pedofilia pela Internet.

O fato é que de algum modo o empregador deve estar respaldado, pois é ele quem fornece os instrumentos e todo ambiente laboral para facilitação do trabalho. Assim, a má utilização dos instrumentos poderá servir como motivo para dispensa por justa causa.

Conclui-se ainda, que as provas obtidas através do monitoramento eletrônico poderão ser utilizadas judicialmente, desde que não exponha a dignidade do empregado, ele também soubesse que estava sendo monitorado e ainda, que não existisse nenhuma outra maneira menos incisiva de se provar o alegado.

Por fim, destaca-se a necessidade de se regulamentar a questão para evitar desrespeitos à valores fundamentais constitucionais em detrimento de quem quer que seja.

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Sobre a autora
Marihá Renaty Ferrari Miranda

Advogada, especialista em direito do Trabalho e Processo do trabalho pela associação dos magistrados do trabalho da 12ª região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Marihá Renaty Ferrari. Do direito à intimidade do empregado em confronto com o controle patronal dos meios tecnológicos (e-mail e internet). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2485, 21 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14726. Acesso em: 13 mai. 2024.

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