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Dano moral trabalhista

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02/05/2010 às 00:00
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II. ELEMENTOS DE DIREITO DO TRABALHO

O trabalho assalariado tem a sua natureza jurídica inspirada pelos artigos 2º e 3º, da CLT, quando define empregador e empregado. O empregado subordina-se ao empregador que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços pelo empregado. Isso dá ao empregador o poder da iniciativa em estabelecer e zelar pelas regras de convivência, o que envolve o disciplinamento, a distribuição de responsabilidades, a cobrança por resultados, etc. Tudo aquilo, enfim, que é dado como direito ao empregador fazer e que não acarrete prejuízos ao empregado, observando-se, de um lado, o princípio do jus variandi, e de outro, o princípio da irrenunciabilidade de direitos pelo empregado (tendo ao fundo a luz dos artigos 9º e 468, da CLT). Resulta nas condições gerais a que o empregado deve aderir [08], caso queira o emprego, cumprindo, porém, com suas obrigações, da forma como lhe foram postas.

O Direito do Trabalho busca estabelecer uma relação de harmonia entre as partes, estabelecendo até mesmo um padrão de comportamento, por assim dizer, por meio do qual cada uma das partes deve pautar-se, para que o contrato se desenvolva com regularidade. A par de direitos e obrigações de lado a lado, concebe como ideal o manter-se por um caminho delimitado entre tudo aquilo que não proíbe. As linhas imaginárias são traçadas pelo art. 482, CLT, de um lado, e de outro pelo art. 483, da CLT. O empregado deve agir de acordo com o que não proíbe o art. 482, e o empregador, por sua vez, procurando não incorrer nas faltas do art. 483. Se ambos cumprirem suas obrigações dentro desse corredor desenhado pela lei, não praticando nenhuma daquelas faltas funcionais, o equilíbrio e a normalidade contratual estarão garantidos, até que a vontade de um ou outro interrompa o vínculo.

2.2. Princípios de Direito do Trabalho

O Direito do trabalho é ramo especializado do Direito, alicerçado em princípios próprios, específicos, e reveladores, inclusive, da sua natureza peculiar. A melhor compreensão que se pode ter desses princípios é pela nitidez como os define Süssekind: "são enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis dos respectivos sistemas, como o intérprete, ao aplicar as normas ou sanar omissões" [09]

O Direito do Trabalho, todo ele, funda-se em um princípio maior, cuja inteligência liga-se com intimidade ao tema que ora tratamos. É o princípio da proteção do trabalhador, que dá raiz a todos os demais princípios que servem de alicerce ao Direito do Trabalho.

O Estado estabelece as bases pelas quais devam se desenvolver as relações de trabalho. Nesse sentido, pode-se dizer que limita a autonomia de vontades dos contratantes, mas apenas o faz, para proteger a parte mais vulnerável no pacto, o empregado, em função de sua hipossuficiência econômica, sua posição de desigualdade frente ao empregador. Ou seja, dedica atenção especial ao desigual para igualá-lo na relação jurídica que se estabelece. Sendo assim, as partes podem contratar da maneira que melhor lhes convenha, todavia dentro daquelas delimitações imperativas.

Desse princípio maior, princípio protecionista, é que nascem outros, para dar-lhe efetividade. Dentre aqueles destacamos os que ora nos interessam:

- princípio da norma mais favorável – em Direito do Trabalho as normas não seguem a rigidez da hierarquia formal das leis, quando umas podem ser mais favoráveis ao empregado que outras. É prevalecente, no caso, a norma que melhor possa favorecer o empregado, independentemente de sua origem formal. Um regulamento de empresa pode preferir à própria Constituição Federal, por exemplo, caso seus dispositivos possa agregar maior benefício ao empregado;

- princípio da condição mais favorável – tem o mesmo sentido do princípio anterior, quando, em cotejo de normas, uma traga melhores condições ao empregado. Se uma norma coletiva oferece melhores condições econômicas para o empregado do que a lei, é aquela que obriga o empregador;

- princípio da primazia da realidade – em matéria trabalhista é mais importante o fato do que a forma. Documentos são produzidos com relativa facilidade pelo empregador, a eles podendo o empregado aderir, até por ingenuidade. Acerca desta realidade, Wagner D. Giglio esclarece: "o estado de subordinação em que se encontra o empregado, diante do empregador não lhe permite liberdade de manifestação da vontade, e sem liberdade a igualdade se transforma numa ficção jurídica formal que não se sustém, no mundo trabalhista, porque não corresponde à realidade." Numa circunstância dessas, o mau empregador pode aproveitar-se para fraudar a realidade. É o que ocorre, por exemplo, no cotejo da prova testemunhal frente a documentos duvidosos: o depoimento de testemunhas pode revelar uma realidade diferente daquela retratada no documento. Daí a advertência do jurista: "o Direito Processual do Trabalho deve desconsiderar ou, pelo menos, valorar com extrema cautela as manifestações de vontade do trabalhador em recibos de quitação, transações, renúncias, etc."; [10]

- princípio "in dubio pro operario" – informa a escolha pela interpretação de determinado dispositivo legal ou convencional da forma que melhor favoreça ao trabalhador, quando posta em comparação com outra forma de interpretação possível;

- princípio da intangibilidade do salário – visa proteger a integridade do salário, destacando-o a uma posição privilegiada, em função de sua natureza alimentar. Assim, o salário recebe a proteção legal nos casos de falência da empresa (prefere aos demais créditos), é inalienável, impenhorável, etc.

- princípios constitucionais – vários princípios do Direito do Trabalho adquiriram status constitucional, ao ser inseridos pelo art. 7º, CF/88: não-discriminação (inc. XXX), continuidade da relação do emprego (inc. I), irredutibilidade do salário (inc. VI), proteção do salário (inc. X), todos derivados, igualmente, do princípio protecionista.

O princípio protetor cumpre seu desiderato pela forma que melhor atenda aos interesses do trabalhador, não conhecendo ordem de importância entre os dispositivos – legais, convencionais ou habituais – que estejam disponíveis ao intento. A única limitação possível se dá quando postos em confronto interesses particulares com interesses coletivos, pois é compreensível que interesses coletivos devam prevalecer sobre aqueles de ordem particular.

2.3.O contrato de trabalho

2.3.1. conceituação

O contrato individual do trabalho é conceituado pelo artigo 442 da CLT como sendo "o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego". É o acordo de vontades entre empregador (art. 2º, CLT) e empregado (art. 3º, CLT) que estabelece a relação de emprego. Nem sempre, contudo, a vontade do empregador se expressa de forma voluntária na formação do acordo (como espera a definição legal), e circunstâncias factuais passam a substituir essa vontade, levando determinadas relações jurídicas a ostentar natureza de vínculo empregatício. É o que se dá, por exemplo, quando se tenta mascarar a relação de emprego com terceirizações, cooperativas, etc. [11]; com a intenção de desonerar-se da carga tributária e do pagamento de direitos trabalhistas. Não houve a vontade do empregador em estabelecer uma relação de emprego no molde legal, mas que tal é existente de fato.

Orlando Gomes classifica o contrato individual de trabalho como sendo "bilateral, porque origina direitos e obrigações recíprocas para os contratantes; é consensual, porque está perfeito e acabado com o consentimento das partes; é oneroso, da classe dos comutativos, porque os contratantes auferem vantagens recíprocas, recebendo cada qual o equivalente do que dá, estando presumida a equipolência de prestações; é de trato sucessivo, pois, ao contrário dos contratos instantâneos, seus efeitos se prolongam no tempo." [12]

2.3.2. Formalidade

A lei não exige formalidade alguma ao contrato individual de trabalho, ditando que tal acordo pode se formar por escrito ou verbalmente, por prazo determinado ou indeterminado (art. 443, CLT). Tal disposição legal, como se vê, concede ampla liberdade de formas ao contrato individual de trabalho, como a lhe facilitar a existência. Assim, o aspecto formal do contrato não tem importância - pode ser escrito, pode ser verbal, pode ser por prazo certo ou indeterminado; tanto faz a forma pela qual as partes irão ajustar-se. O que de fato irá valer é a existência do contrato, as condições pelas quais o acordo irá desenvolver-se no tempo.

O aparente excesso de liberdade da forma, contudo, em nada corresponde com a realidade do vínculo de emprego, este cercado de rigores, fundados: (a) juridicamente, no princípio maior da proteção do trabalhador; (b) administrativamente, na burocracia estatal (previdência social, fiscalização do trabalho, etc); e (c) na representação sindical. A simples possibilidade de que o contrato se forme verbalmente, por exemplo, não há de significar que possa haver uma espécie de "vale-tudo" na relação de emprego, pois que, ao final, tanto pode ser prejudicial ao empregado quanto ao empregador. Daí porque não ser esta uma forma habitual de contratar.

Ao contrário.

As condições pelas quais o contrato será executado devem estar claramente consignadas, delimitadas, para que não causem surpresas desagradáveis de parte a parte (demandas judiciais desgastantes, abalos financeiros e morais; etc). Cláusulas contratuais devem ser documentadas sim, com precisão, em especial as cláusulas básicas - cargo, salário e horários - que constituem a fonte maior de postulações judiciais.

O contrato de trabalho, portanto, retrata um conjunto de direitos e obrigações a que se subordinam empregado e empregador, unidos em uma relação de emprego.

2.3.3. A formação do contrato

O conteúdo de um contrato individual de trabalho, o conjunto de direitos e obrigações, se forma através da lei, com a intervenção estatal, e das demais fontes que alimentam o Direito do Trabalho - acordos e convenções coletivas de trabalho, regulamentos de empresa ou setoriais, costumes, liberalidades, etc.

As condições de contratação, inicialmente, são dadas pela lei, através de dispositivos da CLT, legislação complementar e legislações específicas. Os requisitos gerais são os mesmos dos demais contratos (art. 104, do Código Civil). A este patamar básico se acrescentam os instrumentos normativos - acordos coletivos de trabalho (negociados entre a empresa, ou grupo de empresas, e sindicato profissional), convenções coletivas de trabalho (negociados entre sindicatos de representação patronal e sindicatos profissionais), sentenças normativas (acordos ou convenções submetidas a pronunciamento judicial) -, e outros instrumentos formais e informais (regulamentos, costumes, etc).

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No cotejo entre normas coletivas, quando em uma empresa haja um aparente conflito de normas - acordo coletivo de trabalho e convenção coletiva de trabalho concomitantes -, não é de esquecer-se, todavia, do princípio do conglobamento, segundo o qual "as cláusulas do acordo coletivo não podem ser interpretadas de forma isolada, mas em seu conjunto." [13]

Dissemos há pouco, que cláusulas contratuais devem ser estabelecidas com precisão. Mas nem tudo é possível prever em um contrato individual de trabalho. Exemplo são os costumes. Há costumes locais, regionais, costumes formados em um local de trabalho, etc., todos eles impossíveis de consignar em contrato, por várias razões. Em determinado lapso de tempo, costumes podem impor-se silenciosamente, formarem-se, transformarem-se e desaparecer.

Visualizemos um exemplo. Determinado empregador permite aos seus empregados a prática de jogos de azar no recinto de trabalho. Faz vista grossa à prática, permitindo que os empregados se habituem ao longo do tempo. Em determinado momento, pretendendo livrar-se de um desafeto, demite-o de repente sob a alegação de justa causa pela prática de jogos de azar. Não terá razão o empregador, eis que, pelo costume que se criou, o empregado não estava praticando a falta funcional alegada.

O costume que se instala por iniciativa do empregador se equipara àquele que se instala por sua omissão em debelá-lo. Aceitação tácita. Diferente de algo que se concede por força de instrumento normativo, e que só por essa força é que existe. Aqui não há a formação de um costume, pois a obrigação não nasceu de forma espontânea. Nessa situação, terminada a validade do acordo coletivo, não mais existirá a obrigação [14]. Exemplo: empresa concede "lanche" por força de acordo coletivo, e o acordo não se renova. Nada mais, a partir de então, obriga a empresa em relação ao quesito. [15]

Certos direitos e obrigações nascem também de instrumentos que a empresa se utiliza na administração de seu pessoal, como os regulamentos internos. Esses instrumentos podem conter, além de regras de disciplina, alguns benefícios adicionais ao empregado, que, favorecendo-o, não podem mais ser retirados - unilateral e secamente - senão por negociação coletiva. Não raro esses instrumentos concedem ao empregado intervalos, condições favoráveis de trabalho, benefícios adicionais subsidiados, etc. Ora, se concedidos por liberalidade, de forma espontânea e adquirindo habitualidade, passam a integrar o conjunto de direitos do empregado, e, em função disso, já não poderão ser retirados sumariamente.

Outra forma de se estabelecer costumes em algumas empresas são circulares de avisos, informativos, etc., que trazem alguma alteração no sistema de trabalho ou remuneração, liberalidades enfim, igualmente integrantes do contrato de trabalho.

Estas, em geral, são as formas de estabelecer o costume em determinado local de trabalho por iniciativa do empregador, cuja concessão não tenha decorrido de uma obrigação formal. Quando adquirem habitualidade, passando a integrar a remuneração do empregado, mesmo por via indireta, sua cassação irá representar prejuízo. Nesses casos a atitude do empregador encontrará o óbice do art. 468, CLT.

Outras, ainda, são os costumes regionais: regras não escritas, seguidas por todos e nem por isso necessárias de formalização. Variam de acordo com a região, e seus exemplos são inumeráveis (festas regionais; etc.). Adquirem força e repercussão, e em determinados casos sua aplicação é inquestionável. Incorporam-se definitivamente ao contrato de trabalho. Exemplo de costume de abrangência nacional é o Carnaval - não é feriado legal; no entanto, em certos casos, impossível exigir o trabalho nesses dias.

Porquanto tratamos de concluir que o contrato individual de trabalho, em sua essência, deve receber a incorporação de todas essas condições, embora não tenham sido, inicial ou formalmente, acordadas.

O conjunto de direitos e obrigações de um contrato de trabalho se forma com a intervenção de todas estas fontes, em igual medida de importância. Todas, se aplicáveis, farão parte do rol das condições contratadas, sob as quais as partes se obrigam na execução do contrato.

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Sobre o autor
Cristovão Donizetti Heffner

Advogado em Vinhedo (SP). Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HEFFNER, Cristovão Donizetti. Dano moral trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2496, 2 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14735. Acesso em: 18 abr. 2024.

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