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Teoria geral do processo de execução e seus princípios

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17/05/2010 às 00:00
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7. Tipicidade e adequação dos meios executivos

Visa o presente princípio[26] fixar uma certa previsibilidade ao executado que tiver contra si uma tutela jurisdicional executiva. Foi dito acima que conforme a obrigação (fazer, não-fazer, entregar coisa ou pagar) teremos uma atividade ou grupo de atividades executivas. Cássio Scarpinella Bueno chama de princípio da adequação, que significa que dependendo da modalidade obrigacional, tem-se um tipo de execução, devendo o exequente formular a pretensão adequada ao tipo de obrigação (fazer, não-fazer, dar coisa, pagar), que é corolário da tipicidade (Princípio da tipicidade dos meios executivos). A tipicidade significa que todos os atos executivos estão prévia e pormenorizadamente descritos na lei processual, daí a necessidade de escolha dos atos adequados conforme a previsão normativa.

Entretanto, a reforma do CPC fez a doutrina repensar estes binômios tipicidade-adequação Cássio Scarpinella Bueno diz que "ao mesmo tempo que diversos dispositivos do Código de Processo Civil continuam, ainda, a autorizar apenas e tão somente, a prática de atos jurisdicionais típicos, no sentido colocado em destaque nos parágrafos anteriores, é inegável, à luz do ‘modelo constitucional do direito processual civil’, que o exame de cada caso concreto pode impor ao Estado-juiz a necessidade da implementação de técnicas ou de métodos executivos não previstos expressamente em lei e que, não obstante – e diferentemente do que a percepção tradicional daquele princípio revelava -, não destoam dos valores ínsitos à atuação do Estado Democrático de Direito, redutíveis à compreensão do ‘devido processo legal’". [27]

Nas precisas palavras de Marcelo Abelha "Sendo a atividade executiva uma função jurisdicional que substitui e que estimula a vontade do executado para atuar a vontade concreta da lei, tem-se aí uma autorização normativa para que o Estado, ao mesmo tempo que impede a autotutela, se veja compelido a entrar na esfera patrimonial do indivíduo visando a atuar a norma jurídica concreta. Todavia, para "controlar" e "delimitar" a atuação e interferência do Estado na liberdade e propriedade, previa o CPC/73 – além da segurança de que o Estado só atuaria se fosse provocado – a tranquila regra (para o executado), de que este só perderia seus bens em um processo específico, com um mínimo de previsibilidade, e, especialmente, sabendo de antemão quais seriam as armas executivas a serem utilizadas pelo Estado durante a atuação executiva. Mas não é só, pois o modelo liberal do processo executivo dava ao jurisdicionado a certeza e segurança das armas que seriam utilizadas pelo Estado, bem como quando e como as utilizaria. Isso quer dizer que em um Estado liberal vigora o princípio da tipicidade dos meios executivos, de forma que ao juiz não cabe a escolha do meio executivo, senão porque lhe compete apenas e tão-somente cumprir as regras previstas da tutela processual executiva que estão delimitadas no "didático e exaustivo manual de instruções previamente estabelecido pelo legislador processual". Não havia espaços para "invenções" ou "criações" ou até "escolhas" por parte do juiz do meio executivo a ser utilizado na atividade executiva. Esse engessamento do magistrado tem uma só finalidade: impedir a intervenção estatal desmedida na propriedade e liberdade das pessoas. Obviamente que o modelo liberal foi substituído formalmente com o novo texto constitucional, e, aos poucos a legislação nacional vai se adequando à nova realidade social: o Estado Social Democrático. Isso implica em sérias mudanças nos diversos flancos do ordenamento jurídico, e, o direito processual é um deles. As reformas iniciadas em 1994 têm demonstrado isso". [28]

Já não há mais dúvidas sobre a superação da tipicidade dos meios executivos com a adoção da atipicidade dos meios de execução. Salientam Marinoni e Mitidiero que "as técnicas processuais executivas decorrem, no Estado Constitucional, da Constituição – do direito fundamental ao processo justo (art. 5º, LIV, CRFB) e do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva que lhe é inerente (art. 5º, XXXV, CRFB)". [29]

Hoje, é nítida no CPC, a permissão do juiz escolher a melhor técnica executiva para atuar a norma concreta, seguindo parâmetros mais fluidos, tal como se vê no art. 461, § 5º, art. 273, § 3º, art. 475-R etc.


8.Princípio da lealdade: atos atentatórios à dignidade da justiça

Trata-se do dever de boa-fé processual. As partes têm que se comportar/agir conforme os ditames da lealdade e confiança e os atos atentatórios à dignidade da justiça ensejam punição prevista nos artigos 600-601, assim como o artigo 14 do CPC, que trata do dever geral de boa-fé na prática de todo e qualquer ato processual.

Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado que: (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

I - frauda a execução;

II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos;

III - resiste injustificadamente às ordens judiciais;

IV - intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução.

Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros, despesas e honorários advocatícios.

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-fé;


9. Princípio da Responsabilidade (CPC, 475-O e 574)

O exequente é responsável pelos atos que pratica. Se for execução provisória, responderá objetivamente. Se for execução definitiva, a responsabilidade é subjetiva.

Art. 574. O credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução.

Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

II – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005) [...]


Conclusão

Como conclusão tópica, apresenta-se os princípios executivos:

  • 1. Autonomia significava que a execução tinha vida própria. Antigamente tinha processo próprio. Contudo, esta regra foi mudada, mas há fase executiva, que é complementar à cognitiva.

  • 2. O princípio do título executivo significa que a atividade executiva do juiz sempre pressupõe prévio reconhecimento/declaração de direito, seja pelo próprio juiz, seja por documento que a lei reconheça como suficiente para a declaração de direito (títulos extrajudiciais).

  • 3. Da patrimonialidade ou realidade, cujo âmbito normativo tem o sentido de que a execução recai sobre o patrimônio do devedor. Uma das questões mais interessantes é a dos limites dos atos executivos, como a prisão por dívida, depositário infiel (art. 5º, LXVII). O Pacto de San José da Costa Rica enseja debates acerca da possibilidade de prisão do depositário infiel, tendo em vista o status constitucional para alguns doutrinadores. A responsabilidade patrimonial está prevista nos artigos 591 a 597 do CPC.

  • 4. Da disponibilidade (CPC, 569), intimamente ligado ao princípio dispositivo. Por meio deste princípio, o exequente pode abrir mão da execução. Se já houve citação/defesa do executado, o mesmo poderá opor à desistência da execução, pedindo que o juiz reconheça, por sentença, a existência de pagamento, por exemplo, assim como a verba sucumbencial.

  • 5. Da adequação: conforme a modalidade obrigacional, tem-se um tipo de execução, devendo o exequente formular a pretensão adequada ao tipo de obrigação (fazer, não-fazer, dar coisa, pagar).

  • 6. Da tipicidade dos atos executivos: todos os atos executivos estão prévia e pormenorizadamente descritos na lei processual. O CPC, 461 flexibiliza este princípio, prevendo atipicidade dos atos, permitindo ao juiz criar o melhor ato executivo, conforme o caso concreto. Há uma tendência doutrinária no sentido de reconhecer a atipicidade dos meios executivos, como corolário lógico do princípio da efetividade da tutela jurisdicional. Assim sendo, o juiz estaria autorizado a adotar todos os meios executivos disponíveis para a satisfação da obrigação inadimplida.

  • 7. Do resultado e menor onerosidade: a execução se faz no interesse do credor, que é mitigado pelo princípio da menor onerosidade/gravosidade ao executado (CPC, 620), que quer dizer que quando houver mais de uma forma de expropriação dos bens do devedor, deve-se optar pela menos gravosa. É a ideia da eficiência versus ampla defesa. Busca-se o equilíbrio entre a satisfação do crédito e o respeito aos direitos do devedor.

  • 8. Da lealdade: trata-se do dever de boa-fé processual. Os atos atentatórios à dignidade da justiça ensejam punição (art. 600-601).

  • 9. Da responsabilidade (CPC, 475-O e 574): o exequente é responsável pelos atos que pratica. Se for execução provisória, responderá objetivamente. Se for execução definitiva, a responsabilidade é subjetiva.


Notas

  1. Nelson Nery Jr. chama este princípio de princípio da universalidade da jurisdição, na obra processo civil na Constituição de 1988.

  2. Correntemente chamado de processo de execução.

  3. Expressão utilizada por Marcelo Abelha (Manual de execução civil, p. 13).

  4. ABELHA, Marcelo. Idem ibidem.

  5. SCARPINELLA BUENO, Cássio. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva – v. 2. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1.

  6. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil – v. II – 14ª ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 157.

  7. abelha, marcelo. Manual de execução civil – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 21. Salienta o autor que "A necessidade de se preservar a ‘liberdade’ e a ‘propriedade individual’ conduziu drasticamente o legislador processual à época do Estado liberal, a privilegiar ao máximo à segurança jurídica, evitando que a intervenção do Estado na liberdade e propriedade fosse feita de qualquer forma ou, em outras palavras, sem um mínimo de segurança, previsibilidade e, principalmente, sem provocação expressa do poder jurisdicional para este desiderato. Nesse passo, a tutela executiva talvez fosse – e sem dúvida era – a modalidade de tutela que mais amedrontava a sociedade existente num estado liberal, pois representava um permissivo legal de invasão da propriedade privada e cerceamento da liberdade, ou seja, um intervencionismo estatal direto, com poder de coação, tudo permitido pela lei. Ora, como na filosofia liberal a intervenção estatal era uma exceção à regra, então todas as cautelas e restrições legais precisavam ser tomadas para evitar a ofensa aos valores mais sagrados do Estado liberal" (G.N.).

  8. abelha, marcelo. Manual de execução civil, p. 22.

  9. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (versão eletrônica) – 3ª ed. – Curitiba: Positivo, 2004, verbete: sincretismo.

  10. Acrescentei o provimento cautelar, tendo em perspectiva o § 7º do art. 273 do CPC, que prevê a fungibilidade entre as tutelas de urgência, "quebrando" a sistemática da necessidade de instauração de um processo cautelar autônomo.

  11. Adota-se, para fins de estudo deste singelo comentário, a vertente instrumentalista do processo, majoritária no seio doutrinário e jurisprudencial. Não se desconhece que existe uma corrente que tece inúmeras críticas ao modelo instrumentalista, corrente doutrinária esta desenvolvida academicamente na PUC-MG, UFMG e FUMEC, que concebe o processo no Estado Democrático de Direito (Teoria Neo-Institucionalista do Processo), contrária ao modelo de relação processual de Bülow.

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  12. Vide estudo de Cândido Rangel Dinamarco a respeito, que salienta que "a distinção entre o resultado que constitui objeto das obrigações de fazer ou de não-fazer e as atividades mediante as quais esse resultado pode ser obtido, grande passo está dado para uma boa aproximação à tutela jurisdicional plena nessas obrigações específicas. Cabe à técnica processual excogitar medidas substitutivas (atividades) capazes de, prescindindo da vontade do obrigado, produzir a mesma situação jurídica final (resultado) que o credor era lícito esperar deste". (A reforma do Código de Processo Civil – 2ª ed. – São Paulo: Malheiros, 1996, p. 149).

  13. GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 75-76.

  14. COLESANTI. Vittorio. Princípio del Contradditorio e Procedimenti Speciali. Rivista di diritto processuale. Padova: Cedam, 1975, p. 587 e 589. Referido autor alude, sob o enfoque do princípio do contraditório, que o mesmo deve assumir a vertente preventiva, antecipado ou ex ante (sua forma genuína), ou seja, aquele possibilitado no procedimento formativo do provimento (até decisão final). Há ainda o chamado contraditório sucessivo, postecipado ou ex post (impróprio), ou seja, o contraditório manifestado para a eficácia e controle do provimento após seu proferimento.

  15. Cf. GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 75-76.

  16. Fala-se em fecho de ciclo sincretista porque o CPC fora reformado na década de 90 para prever o ciclo sincrético para as obrigações de fazer e não fazer. Por meio da Lei 10.444/02, abrangeram-se as obrigações de entrega de coisa diversa de dinheiro e por meio da Lei 11.232/05, previu-se, por fim, as obrigações para pagamento de dinheiro.

  17. STJ – REsp 954.859-RS – Rel. Humberto Gomes de Barros – j. 16.08.2007, fonte: www.stj.gov.br, acesso em 01.12.2008. Apesar deste posicionamento, mister aguardar se a Corte Superior seguirá este posicionamento ou não, uma vez que o Min. Menezes Direito não mais integra o STJ, mas sim o STF. Os Ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros (relator) aposentaram-se, ao passo que a Ministra Nancy Andrigui não participou do julgamento.

  18. GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil, cit.

  19. Se houver recurso de apelação, por exemplo.

  20. DIDIER JR., Frédie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: execução – v. 5 – Salvador: Editora JusPodivm, 2009, p. 47.

  21. SCARPINELLA BUENO, Cássio. Curso sistematizado..., v. 3, p. 21.

  22. SCARPINELLA BUENO, Cássio. Curso sistematizado..., v. 3, p. 20.

  23. MARINONI-MITIDIERO, Código..., p. 624.

  24. MEDINA, José Miguel Garcia. Processo civil moderno: execução – v. 3. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 43. No mesmo sentido Humberto Theodoro Jr., que diz que o título é causa autorizativa do processo de execução (Curso..., p. ...).

  25. MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil – 2ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, n.10.

  26. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 1ª ed., p. 14 – 26, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

  27. SCARPINELLA BUENO, Cássio. Curso sistematizado..., v. 3., p. 22.

  28. Idem ibidem

  29. MARINONI-MITIDIERO, Código..., p. 617.

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Sobre o autor
Murillo Sapia Gutier

Mestrando em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-MG. Especialista em Direito Civil pela PUC-MG e em Direito Ambiental pela Universidade de Franca - Unifran. Professor do Curso de Direito da Universidade Presidente Antonio Carlos - Unipac-Uberaba. Professor Convidado da Pós-graduação em Direito da Universidade Tiradentes – Unit/SE e da Universidade de Uberaba – Uniube. Advogado militante em Uberaba (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUTIER, Murillo Sapia. Teoria geral do processo de execução e seus princípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2511, 17 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14862. Acesso em: 19 abr. 2024.

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